Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7289/13.3TCLRS-B.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: NATUREZA DO AVAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O aval é uma vinculação que se esgota no título cambiário e não lhe sobrevive. Não se sobrepõe à obrigação do avalista qualquer relação jurídica subjacente, fundamental ou causal e esgota-se com a ineficácia do elemento literal da livrança.

II. Daí o disposto no artº 32º, ex vi artº 77º, ambos da LULL, neste preceito em manifesto detrimento do avalista.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório: 


J… identificada nos autos, deduziu os presentes embargos de executado contra B… , S.A., também identificada nos autos, requerendo que a execução seja declarada extinta.

Para tanto invocou o erro, a falta de comunicação e explicação das cláusulas do contrato subjacente à subscrição da livrança dada à execução e a falta de comunicação do preenchimento da livrança.

A Exequente contestou, por impugnação.
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FACTOS PROVADOS.
B… , S.A. instaurou contra  F… a execução para dela haver o pagamento da quantia de 29487,03 euros, acrescida de juros  , dando à execução a livrança datada de 27/03/2012, com vencimento em 11/02/2013 , avalizada pelo executada.

Lê-se no requerimento executivo:
" I. O Exequente B… S.A., é dono e legitimo portador de uma livrança subscrita por e avalizada pelos Executados J e F…, a seguir identificada e que ora se junta como Doc nº I e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais:
- Livrança no valor de € 26.133,63, emitida em 27/03/2012 e vencida em 11/02/2013.

2. Esta livrança serviu de garantia a um contrato de empréstimo, cfr. Doe, n. ° 2 que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
3. A livrança, apresentada a pagamento, não foi paga, até à data (12/08/2013), em dinheiro ou por qualquer outra forma, por nenhum dos intervenientes obrigados.
4. Sucede que a subscritora M…foi declarada insolvente por sentença proferida pelo M. Juiz do 4.° Juízo Cível do Tribunal de Família, Menores e Comarca de Loures, no âmbito do processo nº 9869/12.5TCLRS.
5. À quantia supra indicada acrescem juros de mora à taxa legal de 4% _ Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril- bem como o imposto de selo, desde a data do respectivo vencimento (11/02/2013) até ao seu efectivo e integral pagamento.
6. A dívida é líquida, certa e exigível.
7. A livrança é título executivo nos termos da aI. c) do n° I do art.° 46 do CPC.”


O embargante assinou na qualidade de "garante" o original do documento cuja cópia foi junta com o requerimento executivo, que aqui se dá por reproduzido, intitulado " contrato de empréstimo" , no qual se lê designadamente:

" Cláusula 1ª
l. OS MUTUÁRIOS são presentemente devedores do Banco do montante correspondente ao remanescente da dívida emergente das seguintes relações creditícias, parcialmente liquidada por dação em cumprimento.
Contrato de empréstimo n° 000303742714096, outorgado em 27/03/2008. Contrato de empréstimo n" 000303742755096, outorgado em 27/03/2008. Contrato de empréstimo n" 000304588397096, outorgado em 23/01/2009.
Saldo devedor da conta de depósitos à ordem n° 000317809476020, de que o Mutuário é titular.

Cláusula 2ª
l.- O Capital mutuado ao abrigo do presente contrato (com efeitos a 27/3/2012) em 25000 €
2.- Os Mutuários confessam -se devedores do montante indicado no parágrafo anterior.
3.- O imposto do selo devido pela utilização do crédito (Parágrafo 17.2 da respectiva Tabela Geral), no montante de 250 € será pago por meio de guia através do Banco.
4.- O montante total imputado aos Mutuários previsto na alínea g) do n° 3 do Artigo 6° do Decreto Lei n° 133/2009 de 2 de Junho, é de 31675,09 €.

Cláusula 6ª
1. Sem prejuízo das demais faculdades que, legal ou contratualmente, lhe cabem, poderá o Banco resolver unilateralmente o presente contrato e considerar imediatamente vencidas todas as obrigações e responsabilidades dele emergentes, nelas se compreendendo o capital e juros acordados das prestações vencidas e vincendas, quando ocorra qualquer das seguintes circunstâncias:
a)- em caso de incumprimento do presente contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
i)- a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que excede 10% do montante total do crédito;
ii)- ter o Banco, sem sucesso, concedido aos Mutuários um prazo suplementar de 15 dias para que procedam ao pagamento das prestações em atraso acrescidas dos juros de mora a elas respeitantes, com expressa advertência de que a falta do seu pagamento importaria o imediato e automático vencimento de todas as obrigações e responsabilidades emergentes deste contrato, nelas se compreendendo o capital e juros acordados das prestações vencidas e vincendas ou a resolução do contrato.
b)- Esteja vencida e não cumprida qualquer outra obrigação dos MUTUÀRIOS perante o Banco, emergente de outros contratos entre ambos celebrados.
2.  Sem prejuízo do referido nos parágrafos anteriores, em caso de mora por parte dos MUTUÁRIOS serão devidos juros moratórios calculados à taxa convencionada acrescida da sobretaxa máxima legal, que neste momento é de 4%, sobre todo o montante em dívida.
Declaração complementar dos Garantes: Os Garantes declaram concordar com tudo o que fica estabelecido no presente contrato, designadamente no que respeita às condições de preenchimento da livrança por si avalizada, sendo-lhe aplicável com as necessárias adaptações, o disposto no n° 2 da cláusula 5ª das Condições Gerais anexas. "

O executado assinou o original do documento cuja cópia se encontra a fls. 17 da execução intitulado" "Declaração" com o seguinte teor:
" M…
MUTUÁRIOS de contrato de crédito a celebrar com o B… S.A. declaram que o Banco, pelo modo mais adequado à minha/nossa compreensão, menos prestou os esclarecimentos necessários e os por mim (nós) solicitados, tendo- me (nos) colocado em posição de me(nos) permitir avaliar se o referido Contrato se adapta às minhas (nossas) necessidades e à minha ( nossa) situação financeira, tendo-me (nos) sido entregue pelo BANCO, antes da celebração daquele contrato as informações pré-contratuais nelas incluídas a "Informação Normalizada Europeia em Matéria de Crédito a Consumidores " (v.g. FINE) em papel a explicar as características principais do crédito que será concedido pelo referido contrato bem como os efeitos que em mim/nós produzirá a sua contratação e as consequências da falta de cumprimento das obrigações assumidas."
Mais declaro (amos) que a minha (nossa) conta DO n" 0003 17809476020, aberta junto do B… S.A., será utilização para outras finalidades distintas do contrato de crédito a celebrar nesta data com o B….S.A., não tendo sido aberta exclusivamente para a utilização e pagamento do referido contrato de crédito".
Na data de assinatura do contrato foi mesmo lido em voz alta e explicadas as condições à Devedora principal, à Embargante e ao seu marido.
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A final foi proferida esta decisão:
“Em face do exposto julgam-se os embargos de executado improcedentes e em consequência absolve-se a Embargada do pedido ..
Custas pela Embargante. “
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É esta decisão que a embargante impugna, formulando estas conclusões:
a)-  Entende a Recorrente que a prova produzida em audiência de discussão e julgamento impunha uma solução diferente, devendo na opinião da Recorrente ter sido julgada provada a matéria constante de 1 ° e 2° dos factos provados e não provada a matéria constante de 5° dos factos provados.
Vejamos:
c)-A testemunha M…, cujo ficheiro     informático    (áudio)            está gravado sob o      número, 20170221154423_887357_2871225 referiu que:
09.27- questionada sobre se teve acesso ao contrato, ao projecto do contrato e ou à minuta do mesmo antes da assinatura, a testemunha respondeu: "não"
09.40- quando questionada sobre se na data da assinatura do contrato sabia que existia a obrigatoriedade de os pais serem fiadores a testemunha respondeu que "não".
09.55- quando questionada sobre se o gerente de conta/balcão lhe explicou que existia a necessidade de um Fiador / garante para aquela operação, a testemunha referiu que "não".
10.12- questionada pela douta Juiz se na altura tinha levado consigo os seus pais, a testemunhas respondeu "disseram que eles tinham de ir porque foi como tinha sido na compra da casa, só por isso"
10.39- questionada se a mãe e o pai sabem ler a testemunha respondeu "não ... o meu pai sabe ler mas tem a escolaridade antiga, tem a 3. a classe, mas a minha mãe nem sequer à escola andou, sabe só fazer o nome"
10.55- "a minha mãe não sabe ler'.
10.57- Quando questionada se o contrato de crédito foi lido no momento a testemunha respondeu "sim foi lido, mas é aquelas coisas que leêm tudo assim acorrer'.
11.13- Quando questionada sobre se explicaram aos pais o conteúdo do que estavam a assinar a testemunha respondeu "não e nem a mim".
11.15- questionada sobre se eles (os pais) perceberam o que estavam a assinar a testemunha respondeu "não"
11.25- Questionada sobre se os perceberam que iam ser fiadores naquele contrato de crédito a testemunha respondeu igualmente que "não".

d)- Pelo que não se compreende como de um lado se consegue atribuir toda a importância e credibilidade às testemunhas arroladas pelo Recorrido e nenhuma credibilidade à testemunha da Recorrente
e)- A Recorrente não sabe ler nem escrever, mas tão só e apenas assinar o seu nome.
f)-A testemunha que não mereceu qualquer crédito esclareceu isso mesmo, razão pela qual, não bastava ler as cláusulas do contrato em voz alta. As mesmas tinham de ser explicadas, por forma a que a aqui Recorrente, tivesse apreendido o significado das mesmas e consciente daquilo que estava a assinar e da obrigação que estava a assumir, assim o tivesse querido e assim o tivesse feito.
g)-A realidade foi bem diferente, conforme a testemunha esclareceu. Na data de assinatura do contrato de crédito o mesmo foi lido a correr e nada foi explicado à Recorrente, ao marido e ou à própria testemunha.
h)-O Tribunal a quo, salvo superior entendimento não podia como fez dar como provado que, "Na data de assinatura do contrato foi mesmo lido em voz alta e explicadas as condições à Devedora principal, à Embargante e ao seu marido".
i)-Ou pior dar como como não provado que "Ninguém explicou à Embargante que a mesma e o seu marido deixavam de ser garantes da obrigação resultante do crédito à habitação da filha enquanto seus fiadores, para passarem a ser eles próprios devedores da obrigação, nem antes da filha ter entregue o imóvel a Exequente, nem durante a negociação do contrato de empréstimo subjacente a presente execução, nem no momento da assinatura do contrato de empréstimo" ou que "Não foi explicado à embargante o conteúdo do contrato subjacente à subscrição da livrança dada à execução".
j)- A testemunha arrolada, descreveu o melhor que soube e pode a forma como as partes chegaram aquele contrato, a formação do próprio contrato e a participação da embargante e do marido no mesmo. Fê-lo de forma espontânea e não condicionada por qualquer vinculo contratual.

k)-O Tribunal deveria ter considerado provados que:
"Ninguém explicou à Embargante que a mesma e o seu marido deixavam de ser garantes da obrigação resultante do crédito à habitação da filha enquanto seus fiadores, para passarem a ser eles próprios devedores da obrigação, nem antes da filha ter entregue o imóvel a Exequente, nem durante a negociação do contrato de empréstimo subjacente a presente execução, nem no momento da assinatura do contrato de empréstimo"
E que,
"Não foi explicado à embargante o conteúdo do contrato subjacente à subscrição da livrança dada à execução".

I)- E deveria, com respeito por opinião contrária ter julgado não provado que" Na data de assinatura do contrato foi mesmo lido em voz alta e explicadas as condições à Devedora principal, à Embargante e ao seu marido".
m)-A prova ouvida em audiência de julgamento permitia e impunha sentença diferente daquela que veio a ser proferida referente à matéria de facto.
n)-Por outro lado, a douta sentença faz uma incorrecta interpretação e aplicação do regime do erro.
o)-Considera mal, que não foram provados factos que permitam sustentar que quando assinou a livrança a Embargante não se encontrava em condições de entender o acto que praticara, ou de se determinar livremente no exercício da sua vontade.
p)-A testemunha M.., atestou que a Recorrente, não sabe ler nem escrever, mas tão só assinar o seu nome, referindo igualmente que na data de assinatura do contrato o mesmo foi lido à pressa, sem ser explicado.
q)-No modesto entender da Recorrente resulta assim provado que não só não foi explicado à Recorrente o conteúdo do contrato subjacente à subscrição da livrança dada à execução, como resulta provado que a mesma não possuía os elementos que lhe permitiam compreender o alcance da declaração de aval.
r)-A terem sido julgados provados os factos 1 ° e 2° da matéria não provada, seguramente a sentença nesta parte seria outra. Pelo que, a sentença recorrida deverá ser substituída por outra que julgue procedente o pedido formulado pela Recorrente, absolvendo-a do pedido.
s)-Entende igualmente a douta sentença recorrida, que a embargada e o embargante não se encontram no domínio das relações imediatas uma vez que não são parte da relação jurídica subjacente à subscrição da livrança , o contrato de mútuo celebrado entre a exequente e a filha dos executados. Isto porque no entender do douto tribunal a quo o artigo 32° do LULL estabelece que o avalista é responsável nos mesmos termos em que o é a pessoa avalizada.
t)-E assim conclui que a falta de comunicação do preenchimento da livrança não é oponível pelo avalista do subscritor da Iivrança para fundar a pretensão do mesmo de não responder pelo pagamento dos respectivos juros de mora. E, cita inclusive um acórdão, no regime das Letras, o que não é exactamente a mesmo no regime da livrança.
u)-No regime aplicável à Letra, o montante avalizado está aposto no próprio titulo e o avalista assume o pagamento desse montante.
v)-Todavia na livrança, tal não sucede em virtude de no momento em que a mesma é assinada quer pelo devedor principal quer pelo avalista, via regra e in casu, a mesma ser assinada em branco sem qualquer montante aposto no referido titulo.
w)-Precisamente, o que a Recorrente defende é que o subscritor da livrança obriga-se ao pagamento do título, nas mesmas condições que seriam aplicáveis ao devedor principal. Não podem ser outras.
x)-E se para o devedor principal resulta a obrigação de interpelação em caso de incumprimento, para o fiador não pode ser diferente.
y)-A Recorrente não foi interpelada para o pagamento da divida e ou do pagamento de juros. Tanto assim é que o douto tribunal à quo considerou não provados os envios das cartas juntas aos autos pela Recorrida a fls. 17 e 19 (30 e 40 dos Factos não provados).
z)-O Titulo que serve de base à presente (uma Livrança), não poderia ter sido preenchido, nem a acção sub judice proposta em juízo, pelos montantes que o foram.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência revogada a sentença recorrida e substituída por Douto Acórdão que:
a)-Julgue provada a factualidade constante de 1.0 e 2.0 dos Factos não provados.
b)-Julgue não provada a factualidade constante de 5.0 dos Factos Provados
c)-Julgue procedente por provada a oposição à execução mediante Embargos e consequentemente absolva a Recorrente do pedido;
d)-Julgue procedente por provada a oposição à penhora e consequentemente ordenar o levantamento de todas as penhoras entretanto realizadas
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Não foram juntas as contra-alegações.
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do  Código de Processo Civil),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é a alteração da decisão sobre a matéria de facto e ainda apurar se existiu falta de comunicação e explicação das cláusulas do contrato subjacente à subscrição da livrança dada à execução , e falta de comunicação do preenchimento da livrança.

A)Alteração da decisão sobre a seleção.

Preliminarmente, há que recordar que, consoante refere Abrantes Geraldes[1]  , as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados».
Dito de outro modo, quanto aos recursos que têm por objecto a reapreciação da matéria de facto, vigora o princípio da livre apreciação da prova – Cfr artigo 607°/5 do CPC - segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Além deste princípio de livre apreciação da prova, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.
Preliminarmente, há que recordar que, consoante refere Abrantes Geraldes[2]  , as diferentes circunstâncias em que se encontra o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal de 2ª instância «deverão ser ponderadas na ocasião em que a Relação procede à reapreciação dos meios de prova, evitando a introdução de alterações quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, não seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados».
Dito de outro modo, quanto aos recursos que têm por objecto a reapreciação da matéria de facto, vigora o princípio da livre apreciação da prova – Cfr artigo 607°/5 do CPC - segundo o qual “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Além deste princípio de livre apreciação da prova, vigoram ainda os princípios da imediação, da oralidade e da concentração, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

Posto isto, analisemos os elementos probatórios, nomeadamente, os testemunhos indicados.

A testemunha M…, filha da apelante, afirma, em resumo[3]:
“Deram-lhe papéis sem a informar de nada. Foi tudo tratado ao balcão.
Confrontada com o doc. Nº1 junto com o requerimento executivo, sabe apenas que lhe deram uns papéis a assinar. Contudo, reconhece a assinatura.
Disseram-lhe que a presença dos pais era necessária para a compra da casa, mas como esta foi entregue, os pais não precisavam de comparecer.
A mãe não sabe ler, mas o pai sim.
O contrato foi lido, mas a correr, não foi explicado.
Os pais não perceberam que iam ser fiadores Também não explicou  aos seus pais ,pois também não se apercebeu que eles iriam ser fiadores
Levou os pais para assinar uns documentos, que o Banco ia fazer uns papeis para 25.000 € , que era o valor da dívida da casa.
Não tem conhecimento que o Banco tenha enviado a carta aos pais a exigir o cumprimento .Ela própria não se lembra de ver qualquer carta nesse sentido
A insolvência foi decretada. Está a aguardar os 5 anos da exoneração”
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As testemunhas J..s e R.. funcionários do Banco, sendo o primeiro gerente, acompanharam a celebração do contrato e estiveram presentes na data da assinatura. Confirmam a leitura e explicação do contrato. Acrescentam que foi dada a informação aos pais da M… de que se esta não pagasse, eles teriam de pagar.
A testemunha C…, sobrinha do apelante, como não esteve presente em qualquer contacto com o Banco ,limita-se a “ defender” a posição dos tios ,mas apenas por conclusões e dando conta do que estes lhe disseram.
O que concluir da interacção entre estes depoimentos com a documentação?
Não podemos deixar de concordar na íntegra com a motivação da decisão de facto ,ou seja ,que  a testemunha M…não tem um depoimento distante ou isento do litígio em causa . Também concordamos que se adivinha no depoimento uma certa atitude de hostilidade latente para com o B…, culpabilizando-o pela existência da dívida
O depoimento dos funcionários bancários têm por base a própria intervenção nos actos .Porém, os depoimentos são seguros, circunstanciados ,longe de qualquer atitude emocional de defesa do que quer que fosse.
Assim , dando aqui por reproduzido o que foi referenciado acerca do valor probatório dos documentos[4] , não temos qualquer dúvida em chegar às mesmas conclusões a que chegou a Sr.ª Juíza
Além do mais, não se nos afigura como verosímil que uma entidade bancária não se salvaguarde de situações como aquelas que estão aqui em causa; é que não existe qualquer interesse que o credor não dê a conhecer ao devedor o que este terá que  pagar .A ser verdade isto ,o único prejudicado seria o próprio credor nesta relação de crédito e ainda no que toca à sua imagem enquanto entidade credível.
Termos em que a decisão sobre a factualidade se manterá inalterada.

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B)No que respeita à falta de comunicação do preenchimento da livrança .

O aval é uma vinculação que se esgota no título cambiário e não lhe sobrevive.

Daí o disposto no artº 32º, ex vi artº 77º, ambos da LULL, neste preceito em manifesto detrimento do avalista.

Não se sobrepõe à obrigação do avalista qualquer relação jurídica subjacente, fundamental ou causal e esgota-se com a ineficácia do elemento literal da livrança.

Os avalistas (não sendo sujeitos da relação jurídica entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas de uma relação subjacente à obrigação cambiária entre si e o seu avalizado) prestam uma garantia de natureza pessoal geradora de uma obrigação autónoma.

Assim responsabilizam-se pela pessoa que avalizou assumindo uma responsabilidade, objectiva e abstracta, pelo pagamento do título, sendo responsáveis nos mesmos termos em que o é a pessoa que garantem por qualquer acordo de preenchimento concluído entre estes e o portador.

Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 04.06.2009 (www.dgsi.pt) “ Com efeito, o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança, mas apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos. Sendo, assim, indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento ao preenchimento da livrança, porquanto esse acordo apenas diz respeito ao portador da letra/livrança e ao seu subscritor.”

Daí que a invocação de qualquer intervenção dos avlistas nos contratos celebrados ou nos pactos de preenchimento seja em vão.

Termos em que concordamos com o explanado na decisão:
“….Consequentemente a falta de comunicação do preenchimento da livrança não é oponível pelo avalista do subscritor da livrança para fundar a pretensão do mesmo de não responder pelo pagamento dos respectivos juros de mora (…) Consequentemente, a embargante assumiu a obrigação de pagamento do valor titulada pela livrança, e dos respectivos juros de mora.”
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Síntese: O aval é uma vinculação que se esgota no título cambiário e não lhe sobrevive. Não se sobrepõe à obrigação do avalista qualquer relação jurídica subjacente, fundamental ou causal e esgota-se com a ineficácia do elemento literal da livrança.
Daí o disposto no artº 32º, ex vi artº 77º, ambos da LULL, neste preceito em manifesto detrimento do avalista.
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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.

Custas pela apelante



Lisboa, 22/03/2018


Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes



[1]Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 235.
[2]Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 235.
[3]No que toca à matéria de facto impugnada.
[4]Sublinhado nosso