Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1203/21.0T8FNC.L1-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
FRUSTRAÇÃO DO ACORDO
IMPULSO PROCESSUAL
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A deserção da instância pressupõe a falta negligente da parte onerada com o impulso processual ditado pela lei adjetiva.
2. Finda a suspensão da instância acordada entre as partes com o propósito de encetarem negociações com vista a um entendimento sobre o objeto do processo, a omissão da comunicação sobre o resultado das negociações que foram instadas a comunicar ao tribunal, consubstanciando uma falta de cooperação, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 7º, nº 1, do CPC, não legitima a paragem do processo para efeitos da contagem do prazo a que alude o art.º 281º, nº 1, do CPC, não recaindo sobre qualquer das partes o impulso processual, antes se exigindo que o juiz, oficiosamente, pratique os atos necessários ao prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
Relatório
“M… – Unipessoal, Ldª”, com sede em …, Vila Nova de Gaia, propôs ação declarativa de simples apreciação negativa, contra “S…. – Agência de Viagens e Turismo, S.A.”, com sede na Rua ….., pedindo seja declarada a inexistência de qualquer direito de crédito da Ré sobre a Autora.
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A Ré contestou a ação e pediu seja julgado improcedente por não provado o pedido contra si deduzido.
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Agendada a realização da audiência prévia, a diligência teve lugar no dia 4 de abril de 2022, constando da ata respetiva, que os ilustres mandatários das partes pediam a suspensão da instância pelo prazo de 15 dias, atendendo à possibilidade de chegarem a um entendimento, após o que foi proferido o seguinte despacho:
“Face ao teor dos requerimentos o Tribunal suspende os presentes autos pelo prazo em causa (15 dias) – cf. art.º 272, nº4 do CPC.
Deverão as partes fazer juntar aos autos o resultado das negociações, sem prejuízo de, não o fazendo, o tribunal ficar a aguardar o decurso do prazo a que alude o art.º 281.º do CPC.
No mais, o tribunal entende que no caso de não ser possível acordo a diligência poderá ser dispensada, proferindo-se os despachos necessários por escrito, estando os ilustres mandatários em concordância, assim foi determinado (cf. art.º 6.º do CPC).
Notifique.
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De imediato foram os presentes notificados. -
 (…).”
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Em 24 de outubro de 2022 foi proferido o seguinte despacho:
Face ao teor do despacho de ref.ª 51568384 proferido a 4-4-2022 cumpre referir que tendo sido decretada a suspensão da instância, por tempo determinado, a requerimento das partes, e estas notificadas da decisão que a decretou, a suspensão cessa quando o respetivo prazo tiver decorrido, não exigindo a lei qualquer intervenção do juiz a declará-la finda, nem nova notificação às partes do decurso daquele prazo, pelo que há muito se mostra cessada a suspensão.
O disposto no art.º 281.º, n.º 1, do código de processo civil na esteira dos anteriores artigos 285.º e 291.º (na redação anterior à dada pela Lei 41/2013 de 26 de junho) é fundamentado na ideia de presunção de abandono da instância pelas partes oneradas com o impulso processual e pelo interesse público da não duração indefinida dos processos.
Já o Prof. Alberto dos Reis encontrava a sua justificação em função da necessidade de se não manter indefinidamente parados nos tribunais, como um congelador, inúmeros processos em relação aos quais as próprias partes se tinham desinteressado.
Ora, tendo presente tal ratio legis, o certo é que sendo ainda o processo civil um processo de partes, oneradas com o impulso processual, pelo que, nada tendo sido requerido após o decurso do prazo de suspensão, tendo as partes sido notificadas (no ato da prolação do despacho de suspensão) de que os autos ficariam a aguardar o decurso do prazo a que alude o art.º 281.º, forçoso é concluir que estão parados há mais de seis meses, por negligência, a aguardar o impulso processual devido, verificando-se a situação de deserção da instância a qual assim se considera ao abrigo do disposto no art.º 281.º, n.º 1, do CPC com a sua consequente extinção.
Fixo à ação o valor de €20.022,10 (vinte mil e vinte e dois euros com dez cêntimos).
Custas pela A., na proporção de 100%, a quem cabe impulsionar os autos – artigo 527.º, nº 1 CPC.
Registe e Notifique.”
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Inconformada com tal decisão, dela veio a Autora recorrer, tendo, a final, formulado as seguintes conclusões:
“A. Dá-se aqui por reproduzido tudo o que foi anteriormente dito, ao abrigo do princípio da economia processual, contudo, cumpre-nos delimitar o presente recurso, na verdade o despacho recorrido suscita várias questões que se pretendem ver esclarecidas pelo tribunal ad quem, a saber:
a) Em que dia a instância deixou de estar suspensa?
b) Qual seria o ato a praticar finda a suspensão da instância? E a quem competia a prática do mesmo, atendo o decidido no despacho (refª CITIUS 51568384) “No mais o tribunal entende que no caso de não ser possível acordo a diligência poderá ser dispensada, proferindo-se os despachos necessários por escrito, estando os ilustres mandatários em concordância, assim foi determinado (cf. art.º 6º do CPC).?
c) Em que se deveria ter traduzido o dever de gestão processual, previsto no art.º 6º do CPC. no caso concreto? Deveria o Tribunal a quo ter dirigido ativamente o processo promovendo oficiosamente a diligência necessária ao normal prosseguimento da ação?
d) Se o Tribunal a quo considerasse imprescindível ao prosseguimento dos autos um requerimento dizendo que as partes não  lograram atingir acordo, não obstante não se encontrar junto aos mesmos transação, competia ao Tribunal, ao abrigo do dever de gestão processual do art.º 6º do CPC, em concreto no nº 2 daquela norma (“o juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo”) e, ainda, ao princípio da colaboração processual, a notificação das partes para a prática desse ato?
e) A falta de requerimento dizendo que as partes não lograram atingir acordo, não obstante não se encontrar junto aos mesmos transação, impossibilita o prosseguimento dos autos? Em caso afirmativo, concretamente em que medida impossibilitou o prosseguimento dos autos a inexistência daquele requerimento? Em que medida o Tribunal a quo ficava impedido de proferir os despachos necessários, nomeadamente despacho saneador ou despacho com agendamento da data para realização de audiência de discussão e julgamento?
f) Em que se consubstancia o impulso processual que o Tribunal a quo impende sobre a Autora?
g) Ao abrigo do disposto no artigo 527º do CPC o Tribunal a quo aplicou corretamente as custas, ao determinar que a Autora era a responsável a 100% pelas mesmas? Deve a parte que não retirou qualquer benefício com a deserção ser responsável pelo pagamento das custas a 100% quando impendia sobre ambas as partes o direito de fazer requerimento aos autos a dizer que não lograram chegar a acordo?
h) Faz sentido ao abrigo do dever da gestão processual e do princípio da colaboração proferir despacho de deserção obrigando a Autora a intentar nova ação, duplicando assim processos judiciais e custas com os mesmos?
Ora,
47. O tribunal a quo, no despacho proferido no dia 04.04.2022 (…) determina a suspensão da instância por 15 dias, significa dizer, que a suspensão da instância terminou no dia 19.04.2022.
48. Competindo ao tribunal a quo proferir despacho saneador ou despacho que determinasse a não necessidade de saneador, atenta a simplicidade do processo, e procedesse ao agendamento da audiência de discussão e julgamento.
49. Pois, se é verdade que ambas as partes não juntaram aos autos requerimento informando os mesmos que não lograram obter acordo, também é verdade que não juntaram aos autos transação.
50. Portanto, não vemos em que medida este requerimento faria diferença atento o término da suspensão da instância e o facto de que o andamento do processo estava exclusivamente condicionado a despacho do tribunal.
51. Em virtude de as partes terem acordado na não realização de nova audiência prévia, atenta a simplicidade da matéria discutida nos autos.
52. Ademais, consideramos que o despacho de deserção ofende gravemente o dever da gestão processual e o princípio da colaboração processual.
53. No caso concreto, se o tribunal a quo considerava imprescindível requerimento nos autos onde se informasse que as partes não lograram entendimento, apesar de não estar junto aos mesmos transação, a verdade é que, conforme interpretamos do artigo 6º, nº 2 do CPC, impendia sobre o tribunal a quo o dever de convidar as partes a informar os autos sobre o que, naturalmente, só poderia ser a não obtenção de acordo, atenta a inexistência de transação.
54. Como advogamos supra não vislumbramos como a falta de requerimento das partes a informar os autos da inexistência de acordo consubstancia a falta de impulso processual, pois, desse ato nada resulta.
55. Aliás, se houvesse entendimento entre as partes não teria ocorrido a propositura da ação.
56. E se, porventura, houvesse entendimento entra as partes tal resultaria de uma transação junta aos autos.
57. Portanto, não aceitamos que faltasse impulso processual e, sobretudo, que o mesmo estivesse dependente de um ato que negligentemente não foi praticado pela parte.      
58. Quando impende sobre o tribunal o dever de convidar as partes a praticar qualquer ato que o tribunal considere que deva ser praticado.
59. E, como resulta dos autos não houve qualquer notificação do tribunal a quo às partes a pedir informação sobre a obtenção de entendimento entre as mesmas.
60. Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da relação de Coimbra, referente ao processo nº 349/14.5T8LRA.C1, datado de 06.03.2018, disponível em www.dgsi.pt.
61. Ou seja, é indubitável, ao abrigo do artigo 6º do CPC, que o tribunal a quo deveria ter determinado o prosseguimento dos trâmites normais do processo, proferindo despacho saneador ou agendamento da audiência de discussão e julgamento, uma vez que o artigo 281º, nº 1 do CPC não consagra qualquer presunção de negligência.
62. Razão pela qual, somos da opinião que não se encontra, reunidos os requisitos cumulativos inerentes à previsão da norma do artigo 281º, nº 1 do CPC e como tal o despacho recorrido interpretou e aplicou erroneamente esta norma, conjuntamente com o disposto nos artigos 6º e 272º do CPC.
Ademais,
63. Também não podemos concordar com a decisão do tribunal a quo quanto a custas.
64. O tribunal a quo partiu do princípio incumbia à Autora impulsionar os autos – querendo com isto dizer que competia à Autora dar a conhecer aos autos que não havia acordo com a Ré.
65. Contudo, tal requerimento poderia ser apresentado nos autos por qualquer das partes.
66. Bem sabendo o tribunal, pela lógica das coisas e experiência, que as suspensões da instância ocorrem a favor da Ré, contra quem é peticionado algo e não para favorecer a Autora.
67. Pelo que se alguma responsabilidade há aqui a imputar pela falta do requerimento em causa (inócuo a nosso ver como resulta do supra escrito), tal responsabilidade deveria ser imputada a ambas as partes.
68. Até pela simples razão que a única parte que retirou benefício com a decisão da deserção foi a Ré.
69. A Autora não retirou qualquer benefício, pois incorreu em custos para propor a ação, incorre em custos com este recurso e, ainda, terá de incorrer novamente em custos para propor nova ação.
70. Deste modo, advogamos que a responsabilidade pela totalidade das custas deveria ser imputada à Ré, por ser a única parte que obteve benefício (direto) com aquela decisão e com a falta de comunicação aos autos.
71. Sem prejuízo, caso assim os Venerandos Juízes Desembargadores não entendam, sempre as custas deveriam ser repartidas em partes iguais, e jamais a autora ficar responsável pelo pagamento da totalidade das custas, atenta a sua óbvia falta de proveito processual com tal decisão.             
Termos em que deve o presente recurso ser recebido, julgado provado e procedente e, em consequência disso, ser revogado o despacho recorrido, e substituído por Acórdão que determine o prosseguimento dos autos, dando sem efeito as custas, ou, caso este Tribunal não entenda dar provimento à alegação de não verificação de deserção, substitua o despacho recorrido no que concerne à repartição das custas, pois só assim se fará JUSTIÇA”
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A Ré não respondeu ao recurso.
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O recurso foi admitido e cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art.ºs 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso, cabe decidir se estão verificados os requisitos da deserção da instância e em caso afirmativo, determinar o responsável pelo pagamento das custas processuais.
Fundamentação de Facto
Os factos com interesse para a decisão são os que se deixaram supra descritos no Relatório.
Fundamentação de Direito
A deserção constitui uma forma de extinção da instância (art.º 277º, do Código de Processo Civil).
E no âmbito das ações declarativas, a instância considera-se deserta “(…) quando por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses” (cf. art.º 281º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A deserção da instância depende, deste modo, da verificação de dois pressupostos cumulativos, o primeiro, de cariz objetiva (falta de impulso processual para o prosseguimento da lide); o segundo, de natureza subjetiva, consubstanciado na verificação de uma situação de inércia imputável a negligência das partes.
“A conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação de sucessores.
(…)
Atenta a diversidade dos factos que colidem com o regular andamento da causa, na apreciação do condicionalismo da deserção da instância é importante que se ponderem globalmente as diversas circunstâncias, quer as de ordem legal, quer as que se ligam ao comportamento da parte onerada com a iniciativa de dinamizar a instância.
Daqui pode resultar que, antes de declarar o efeito extintivo da instância decorrente da deserção, se mostre necessário que o juiz sinalize, por despacho, ser aquela a consequência da omissão de algum ato processual (…)”[1]. – sublinhado nosso.
“A deserção da instância é um efeito direto do tempo sobre a instância, pressupondo uma situação jurídica preexistente: a paragem do processo – situação indesejada, como vimos, que fundamenta objetivamente este instituto. Como resposta legal para o impasse processual, a extinção da instância só se justifica, no entanto, quando tal impasse não possa (não deva) ser superado oficiosamente pelo tribunal. Assim, determina a lei que a paragem do processo que empresta relevo ao decurso do tempo deve ser o efeito, isto é, o resultado (causalmente adequado) de uma conduta típica integrada por dois elementos: a omissão de um ato que só ao demandante cabe praticar; a negligência deste.
(…) Num processo cada vez mais marcado pelo impulso oficioso do juiz (art. 6.º, n.º 1), deverá ser (desejadamente) cada vez mais rara a efetiva ocorrência da deserção da instância, por mais raros serem os atos que que só a parte pode (deve) praticar e que importam a paragem do processo. A promoção da habilitação de herdeiros ou a constituição de novo advogado pelo autor, após a renúncia do anterior, são casos emblemáticos de impulso processual que só à parte cabe”[2]. – sublinhado nosso.
Retomando o caso dos autos, resulta do despacho proferido em audiência prévia realizada no dia 4 de abril de 2022, que na sequência de solicitação dos Exmos. mandatários das partes, a instância foi suspensa pelo período de 15 dias, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 272º, nº 4, do Código de Processo Civil, com o fundamento de existir a possibilidade de “chegarem a um entendimento”.
Consta, ainda, do mesmo despacho que: “Deverão as partes fazer juntar aos autos o resultado das negociações, sem prejuízo de não o fazendo, o tribunal ficar a aguardar o decurso do prazo a que alude o art.º 281º do CPC”, donde decorre que o Mmº juiz do tribunal a quo fez depender o prosseguimento dos autos da apresentação, pelas partes – Autora e Ré -  do “resultado das negociações”, - e assim, aparentemente, da declaração de inexistência de acordo ou da junção da transação alcançada- não tendo sequer fixado prazo para a apresentação de tal resultado, findo que estivesse o da suspensão da instância, tendo-se limitado a dizer que se não fosse apresentado tal elemento, o tribunal ficaria a aguardar o prazo previsto na sobredita norma, que é o fixado para efeitos da aferição sobre a existência de situação que conduza à deserção.
A deserção assenta na falta negligente de impulso processual que recaia sobre a(s) parte(s).
O impulso processual deriva da lei adjetiva, compreendendo o ato ou atos que condicionam o andamento do processo, ou seja, aqueles, cuja omissão determinam a impossibilidade de o processo prosseguir os ulteriores trâmites processuais.
Ora, considerando a fase processual em que o presente processo se encontrava, não impendia sobre qualquer das partes o respetivo impulso processual, a prática de ato absolutamente essencial à ulterior e regular tramitação do processo
É certo que na sequência do despacho proferido na audiência prévia, as partes ficaram cientes que deveriam vir indicar aos autos o resultado das negociações e que o princípio da cooperação ínsito no art.º 7º, nº 1, do Código de Processo Civil responsabiliza todos os intervenientes processuais, nomeadamente os mandatários judiciais, a quem impõe, também, a adoção de comportamentos que contribuam para a eficaz e breve composição do litígio, pelo que in casu, os ilustres mandatários das partes, notificados do despacho supra referido, tinham o dever de findo o prazo da suspensão em que acordaram, e no prazo geral de 10 dias (cf. art.º 149º, nº 1, do CPC), comunicarem o resultado das negociações.
É inequívoco que nenhum dos mandatários das partes cooperou com o tribunal, como se lhes impunha, face à referida norma e ao despacho supra referido - de que ficaram inequivocamente cientes - e os autos ficaram, então, a aguardar o decurso do prazo previsto no art.º 281º, do CPC, como ordenado, após o que foi proferido o despacho de deserção da instância, com o fundamento na falta negligente do impulso processual que era devido.
Como se conclui de tudo quanto anteriormente se deixou explanado, não é a omissão da prática de qualquer ato que é suscetível de conduzir à deserção da instância, antes a omissão de ato imposto pela lei processual, devendo, pois, o juiz, aferir logo num primeiro momento, se a parte, ou ambas as partes, estão oneradas com um ónus processual, ou seja, se sobre elas recai o ónus da prática de ato imprescindível e absolutamente necessário ao ulterior prosseguimento dos autos, tanto mais que nos termos do disposto no art.º 6º, nº 1, do Código de Processo Civil, cumpre ao juiz “(…) sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…)”.
No caso, o silêncio das partes, consubstanciado na omissão do ato que foram notificadas a praticar, causou uma paragem do processo não por força de regra processual, por via da qual estivessem obrigadas a impulsionar o processo, antes como decorrência do sobredito despacho judicial proferido em sede de audiência prévia, e que, salvo o devido respeito por opinião contrária, colide com o princípio da economia processual, consubstanciado, além do mais, no dever de não se praticarem atos inúteis, que acarretam  delonga na resolução do processo, em violação da garantia consagrada no art.º 2º, do Código Civil.
A omissão do ato em causa não impedia o normal e regular prosseguimento dos autos, porquanto era suscetível de ser superada oficiosamente pelo juiz, ao abrigo dos ditos deveres de gestão processual, bastando, para tanto, entre outras soluções plausíveis, que notificasse as partes para esclarecerem se tinham logrado alcançar qualquer acordo, ou, simplesmente, perante o silêncio de ambas, prosseguir com o processo, praticando os atos judiciais tidos como pertinentes no âmbito da fase processual em que o processo se encontrava.
O acórdão proferido a 5 de julho de 2018, no âmbito do processo nº 105415/12.22YIPRT.P1.S1, de que foi Relator Abrantes Geraldes, integralmente acessível em www.dgsi.pt., e que sufragamos na íntegra, encontra-se, assim, sumariado:
“1. A extinção da instância por deserção, ao abrigo do art.º 281º, nº 1, do CPC, depende de dois pressupostos, um de natureza objetiva (demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário) e outro de natureza subjetiva (inércia imputável a negligência das partes).
2. Para que se verifique o primeiro requisito é necessário que o prosseguimento da instância dependa de impulso da parte decorrente de algum preceito legal, o que não se verifica quando, depois de ter findo o prazo de suspensão da instância fixado pelo juiz, com fundamento no propósito de as partes efetuarem transação nos autos, estas não comunicam a efetivação de qualquer transação.
3. O facto de, após o decurso do prazo fixado para a suspensão da instância, ter sido proferido despacho segundo o qual os autos ficariam a aguardar o que as partes “tivessem por conveniente, dando conta das negociações encetadas ou pedindo a marcação do julgamento, sem prejuízo do disposto no art.º 281º do CPC”, não faz recair sobre as partes qualquer ónus cujo incumprimento determine a extinção da instância, por deserção.”
Deste modo, e concluindo-se pela não verificação do requisito objetivo da deserção supra apontado, procede a apelação, com a consequente revogação do despacho recorrido, resultando assim prejudicado o conhecimento da questão atinente às custas que nele foram fixadas.
Decisão
Em face do exposto, acordam as Juízas do 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente a apelação, e em consequência, revogar a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra, que determine o prosseguimento dos ulteriores termos processuais da ação.
Notifique.
Sem tributação.

Lisboa, 9 de março de 2022
Cristina Lourenço
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 348.
[2] Paulo Ramos de Faria, “O JULGAMENTO DA DESERÇÃO DA INSTÂNCIA DECLARATIVA — BREVE ROTEIRO JURISPRUDENCIAL”, Revista Julgar on line, 15, pág. 4.