Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
882/03.4TTLSB.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOTIFICAÇÃO
SENTENÇA
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1 - Se à parte é expedida carta notificando uma sentença e tal carta vem devolvida com a menção “Não atendeu”, a notificação considera-se efetuada, valendo como conhecimento do facto que serve de base ao recurso extraordinário de revisão dessa sentença.
  2 - Dispondo o recorrente do prazo de 60 dias contados de tal conhecimento para interpor o recurso, o mesmo tem-se por intempestivo se, realizada aquela notificação em 3/05/2016, o recurso extraordinário vem a dar entrada em 28/02/2018.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AAAA, residente na Rua (…), Réu nos autos à margem indicados vem, por apenso ao processo principal intentar RECURSO da decisão de indeferimento liminar de recurso de revisão.
   Pede que se considere o recurso de revisão instaurado pelo Réu, ora Recorrente, como tempestivo e se admita o mesmo.
   Apresentou as seguintes conclusões:
I. No processo principal 882/03.4TTLSB, veio o Réu, ora Recorrente a ser condenado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.01.2007, a pagar ao Autor as quantias recebidas a título de trabalho suplementar, desde 1994.
II. O Autor intentou incidente de liquidação de sentença, no qual esteve julgamento marcado para 02.04.2008, todavia, após um pedido conjunto das partes de suspensão da instância, o tribunal a quo veio a extinguir a instância, em 03.04.2014 por falta de impulso processual das partes.
III. Nesta data, já o anterior mandatário do Réu, ora Recorrente, Dr. (…), estava aposentado, com a sua cédula inativa na Ordem dos Advogados, desde 30.04.2012.
IV. Em 28.01.2016 veio o Autor intentar novo incidente de liquidação de sentença.
V. O Réu, foi alegadamente citado, na pessoa do seu mandatário, em 01.03.2016, do despacho de fls 1566 com a ref.ª 344801062.
VI. Foi assim concedido prazo de 10 dias para oposição ao incidente de liquidação.
VII. Todavia, o advogado já estava reformado e com a cédula inativa, pelo que o Réu, ora Recorrente não apresentou qualquer oposição por não ter conhecimento de que contra ele tinha sido interposto incidente de liquidação de sentença.
VIII. Da sentença de 02.05.2016, a fls 1569 constam, entre outros a seguinte factualidade:
 O Réu regularmente citado não apresentou oposição
 Consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor
IX. Todavia não podemos concordar nem aceitar que o tribunal a quo tenha dado como provado: “o Réu regularmente citado na pessoa do seu mandatário”
X. A verdade é que o Réu não foi regularmente citado e mesmo que o ex mandatário do Recorrente tivesse a sua cédula ativa, não tinha os poderes necessários para receber a citação, nos termos do artigo 225.º, n.º 5 NCPC.
XI. E ainda que V. Exas entendam que, do incidente de liquidação não tem o Réu que ser citado, mas sim notificado, essa notificação, na pessoa do seu mandatário já aposentado não pode ser considerada válida, o que consubstanciaria uma denegação de justiça, não permitindo que o Réu se pudesse defender, operando uma total e absoluta revelia.
XII. A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artigo 3º, nº 3, do NCPC, visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa.
XIII. A violação da garantia do exercício desse direito consubstancia uma nulidade de natureza processual.
XIV. O recurso extraordinário de revisão de sentença, fundado na situação prevista na alínea e) do artigo 696.º do NCPC, assenta nos dois seguintes requisitos cumulativos e que funcionam em regime de associação: 1 – prosseguimento da ação, onde foi proferida a sentença revidenda, à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu; 2 – falta ou nulidade da citação. O primeiro requisito importa que o réu, por si ou através do seu representante, não tenha intervindo, sob qualquer forma, na ação onde foi proferida a decisão a rever.
XV. E foi exatamente o que aconteceu. Não houve qualquer intervenção do Réu nem do seu representante, uma vez que este último já se encontrava aposentado.
XVI. E se, de acordo com o tribunal a quo, incumbe à parte comunicar aos autos que o seu mandatário tinha passado à reforma, este não o pode fazer se desconhece em absoluto essa realidade. Na verdade, o Réu só tomou conhecimento de que o seu ex mandatário se tinha reformado, quando teve conhecimento da execução que corre tendo como título executivo a sentença de liquidação de sentença.
XVII. E se aos tribunais só é possível terem conhecimento da suspensão de uma cédula desde 01.09.2017 é porque o sistema informático agora permite. E se agora é possível obter essa informação, é porque não cabe à parte informar o processo. Injusto será que recaia sobre a parte, a obrigação de informar os autos de qualquer facto inerente à atividade profissional do seu mandatário, maioria das vezes desconhecida da parte. E se o tribunal não tinha de aferir da manutenção de inscrição do mandatário, ao não existir, não poderá prejudicar a parte, neste caso o Réu recorrente.
XVIII. Na verdade, o processo de um Estado de Direito deve ser um processo equitativo e leal. E daí que se deva conceder às partes a possibilidade de nele fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão, mesmo relativamente àquelas questões que delas pode conhecer oficiosamente. E isso têm a ver com o próprio direito de defesa das partes, que ambas devem exercer em condições de igualdade. (Neste sentido e, para mais e melhor desenvolvimento, vide, sobre o tema e por todos, Ac. do STJ de 15/10/2002, in “ www dgsi.pt/jstj”, o Ac. TC de nº 177/200, in “DR, II S, de 27/10/2000” e o prof. Lebre de Freitas, in “ Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. 1º, págs. 6 a 10”).
XIX. Porém, tal como vem constituindo entendimento dominante entre nós, a violação, de tal principio, e mais concretamente do citado artigo 3, nº 3, gera uma nulidade processual, a apreciar nos termos gerais do artigo 195.º do NCPC, visto ser suscetível de influir no exame e decisão da causa (cfr., por todos, o prof. Lebre de Freitas, in “Ob. cit. vol. 1, pág. 9”; o prof. Teixeira de Sousa, in “Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 48”; Ac. do STJ de 6/10/2005, in “Rec. Revisão nº 1876/05 – 2ª sec.”; Acórdãos desta Relação e Secção de 18/1/2004 e de 4/10/2005, respetivamente, in Apelação nº 362/2004 e Apelação nº 1955/05”).
XX. Logo, com quando ocorra tal omissão, trazida no desrespeito do princípio do contraditório, estaremos perante um vício processual e não um vício intrínseco da sentença, ou seja, não perante uma nulidade da sentença, mas uma nulidade de processo ou processual.
XXI. O Réu só tomou conhecimento do incidente de liquidação de sentença no final de 2017, pelo que o recurso extraordinário de revisão de sentença foi apresentado em tempo e deveria o tribunal a quo tê-lo recebido, fazendo-o subir, de modo a reparar o erro judiciário cometido, já que, numa reponderação do decidido, coloca-se em causa a justiça da decisão recorrida.
 Não foram apresentadas contra-alegações.
 O MINISTÉRIO PÚBLICO manifestou-se no sentido da improcedência do recurso.
 O Apelante respondeu reafirmando argumentos da alegação.
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 Exaramos abaixo um breve resumo dos autos.
AAA, veio por apenso à ação de processo comum com o n.º 882/03.4TTLSB-A, em que figurava autora BBB, SA e como réu, o ora recorrente, interpor recurso de revisão de sentença proferida no incidente de liquidação, já transitada em julgado, ao abrigo do disposto no artigo 696º, alínea e), do Código de Processo Civil “ex vi” artigo 1º, n.º 2, alínea a) Código de Processo de Trabalho.
  Foi proferido despacho em que, nos termos do disposto no artigo 699º, do Código de Processo Civil, se apreciou da admissibilidade ou não do presente recurso, tendo-se consignado os factos que, seguidamente exararemos.
  Com base nesses factos decidiu-se, ao abrigo do preceituado no artigo 697º, n.º 2, alínea c) e na parte final do n.º 1 do artigo 699º do Código de Processo Civil, indeferir o presente recurso de revisão, por, in casu, ser intempestivo e inexistir motivo para tanto, máxime, o aludido na alínea e), do artigo 696º, Código Processo Civil.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
  Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é a seguinte a questão a decidir, extraída das conclusões:
  - O recurso extraordinário de revisão de sentença foi apresentado em tempo e deveria o tribunal a quo tê-lo recebido?
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 FUNDAMENTAÇÃO:
 OS FACTOS:
  Da 1ª instância vêm elencados os seguintes factos que decorrem dos autos nos quais foi proferida a sentença revidenda:
1. Em 11.02.2003, BBB, SA propôs contra AAA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia € 53.183,14, acrescida de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, a contar desde a citação até integral pagamento.
2. O réu foi citado para a ação na morada “(…)” conforme aviso de receção junto a fls. 878 dos autos principais.
3. Em 20 de Janeiro de 2004 foi proferida sentença que julgou improcedente a ação da qual foi interposto recurso, vindo a ser proferido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que revogou o acórdão condenando-se o réu nos termos que constam de fls. 1292 a 1314 verso dos autos principais.
4. Em 11.01.2007 foram as partes notificadas do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nos termos que constam de fls. 1316 dos autos principais.
5. Em 28 de Janeiro de 2016, a autora BBB, SA deduziu contra AAA, incidente de liquidação pedindo que “deve ser liquidado o valor a ser pago pelo Requerido à ora Requerente, relativo às quantias por esta despendidas, no montante total de € 81.823,12 (oitenta e um mil, oitocentos e vinte e três euros e doze cêntimos), acrescido de juros vincendos até integral pagamento.
6. Por despacho de 29.02.2016, foi determinada a notificação do requerido com as legais advertências, tendo a mesma sido expedida em 01.03.2016 para o mandatário do autor Sr. Dr. (…), com procuração nos autos.
7. Não foi apresentada oposição.
8. Em 2.05.2016 foi proferida sentença no incidente de liquidação que, por falta de contestação, considerou confessados os factos articulados pela requerente no seu requerimento inicial e decidiu: “…julgar o presente incidente de liquidação procedente, e procede-se á liquidação do acórdão de condenação genérica dos autos quanto à aqui Autora/requerente BBB, Sa nos moldes que se seguem, pelo que em consequência, se condena o Réu/requerido AAA a pagar-lhe a quantia de € 52.424,94, a que acrescem juros de mora (…).” (cf. fls. 1569-1574).
9. Em 03.05.2016 foi expedida a notificação da sentença para o requerido na morada (…) e para o seu ilustre mandatário, Sr. Dr. J. Afonso Brigas.
10. A carta remetida ao requerido foi devolvida ao Tribunal com a menção “Não Atendeu”.
11. A partir de 1 de Setembro de 2017 entrou em funcionamento a integração, relativamente a indicadores de atividade suspensa, com a OA, a OSAE e a CAAJ, sendo que estas entidades ficaram a gerir as suspensões, respetivamente, de advogados, de solicitadores e de administradores judiciais, refletindo-se esta informação na árvore dos intervenientes no Citius, no contexto dos processos, com um destaque associado (Atividade Suspensa) aos intervenientes suspensos.
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O DIREITO:

  Vem o presente recurso interposto da decisão que indeferiu liminarmente o recurso de revisão por o considerar intempestivo e por inexistir motivo que o fundamente.
  Antes de avançarmos para o âmago da questão deixamos explícito que este não é o momento adequado para impugnar a matéria de facto constante da sentença proferida em 2/05/2016, como parece ser intenção do Recrte. a partir de quanto exara nas conclusões VIII e ss..
  A matéria aí inclusa relevará para conhecimento do fundo da questão suscitada no recurso extraordinário de revisão se o mesmo puder ser admitido.
  Este recurso (apelação) incide sobre a decisão de indeferimento, decisão que elencou um conjunto de factos que não mereceram qualquer oposição do ora Apelante.
  É, tendo na base tal factualidade, que esta Relação decidirá no sentido de dar resposta á questão elencada, a saber, se o recurso extraordinário de revisão de sentença foi apresentado em tempo.
  Na decisão recorrida ponderou-se que tendo ao requerido (no incidente de liquidação) “sido expedida, em 3/05/2016, a notificação da sentença proferida no incidente de liquidação”, expedição que se efetuou “para a morada em que este foi citado e, pese embora, a devolução, presume-se este citado no dia 6/05/2017” - leia-se notificado e 2016. Concluiu-se, por isso, que “nesta data tomou o recorrente conhecimento da sentença e como tal que aí tinham sido considerados confessados os factos por falta de oposição”.
  Subscrevemos tais considerandos.
 Vejamos porquê!
 O recurso extraordinário de revisão interposto em 28/02/2018, que motivou a decisão recorrida, funda-se no disposto no Artº 696º/e) do CPC.
  Aqui se dispõe que a decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando – no que para aqui releva – tendo corrido a ação à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que faltou a citação ou que é nula a citação feita.
  O prazo para a interposição do recurso é de 60 dias contados desde que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base á revisão (Artº 697º/2-c) do CPC).
  Considerou-se no despacho recorrido que, “pelo menos desde a notificação da sentença o mesmo é intempestivo”.
   Significa isto que no espirito do julgador está a circunstância de, tendo a notificação da sentença sido efetuada nos moldes acima referidos no acervo fático – expedição de carta para o requerido e para o seu mandatário em 3/05/2016 contendo a notificação da sentença (ponto 9 do acervo fático), e tendo a carta remetida ao requerido vindo devolvida com a menção “Não atendeu” (ponto 10), o ora Apelante, atento quanto se dispõe nos Artº 247º/1, 248º e 249º/1 e 2 do CPC, se considera notificado. E, desse modo, tomou conhecimento do teor da sentença.
  Daí que, tal como no despacho recorrido, também nós concluamos que é irrelevante a devolução da carta, porquanto a notificação se presume efetuada “no 3º dia posterior à expedição da carta e uma vez que a mesma foi remetida para a morada em que foi citado”.
  Daí que, a invocada mudança de morada, não provada a sua comunicação ao processo, seja irrelevante. O mesmo se dizendo da eventual reforma do mandatário.
  A serem verídicos os factos ora alegados, faltou diligência no caso concreto.
  Nestes termos, é evidente que o recurso de revisão não foi apresentado em tempo.
  Não vindo posta em causa a factualidade que fundamentou a conclusão de intempestividade, a apelação improcede.

***
  Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
  Custas pelo Apelante.
  Notifique.
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Lisboa, 2018-07-05

MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES