Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19328/17.4T8LSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: ASSOCIAÇÕES SINDICAIS
LEGITIMIDADE ACTIVA
INTERESSES COLECTIVOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I– São interesses colectivos dos trabalhadores os que respeitam a uma pluralidade indeterminada, mas determinável de interessados, iguais ou pelo menos de igual sentido.

II– As associações sindicais têm legitimidade activa nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam, ainda que na acção se peça a condenação da empregadora a pagar certas quantias deles resultantes relativamente apenas a alguns dos seus associados (art.º 5.º, n.º 1, do CPT).

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra BBB. – Sociedade Aberta, formulando os seguintes pedidos:
a)– declarar-se que o regresso ao trabalho após um período de faltas por doença de um dirigente do AAAT, ora autor, subscritor da CGA, seguido de exercício de funções sindicais, no âmbito do gozo do seu crédito de horas, consubstancia comparência ao serviço para efeitos de interrupção da contagem do prazo de pelo menos 30 dias consecutivos, estabelecido na parte final do n.º 2 da cláusulas 98.ª do AE CTT/ 2010, do n.º 2 da cláusula 97.ª do AE CTT/2013 e do n.º 2 da cláusula 95.º do AE CTT/ 015.

b)– Condenando-se a ré a reconhecê-lo, com as legais consequências. c) Mais deve a ré ser condenada pagar:
i)- ao 1.º representado do autor a quantia de € 142,57, a título de descontos de vencimento e diuturnidades, que ilegalmente efectuou, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o momento do desconto até ao seu pagamento efectivo, computando-se os vencidos, nesta data (01-09-2017), em € 10,55;
ii)- ao 2.º representado do autor a quantia de € 32,13, a título de descontos de vencimento e diuturnidades, que ilegalmente efectuou, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o momento do desconto até ao seu pagamento efectivo, computando-se os vencidos, nesta data (01-09-2017), em € 0,78;
iii)- à 3.ª representada do autor a quantia de 397,76 €, a título de descontos de vencimento e diuturnidades, que ilegalmente efectuou, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o momento do desconto até ao seu pagamento efectivo, computando-se os vencidos, nesta data (01-09-2017), em € 79,52,
Alegando, em síntese, que para além de outros CCC, DDD e EEE são trabalhadores do réu e pertenceram ou pertencem, ainda, aos seus corpos gerentes e autorizaram-no a representá-los e substitui-los na presente acção onde se discutem medidas tomadas contra tais representados por força do exercício dos cargos dirigentes e, simultaneamente, a violação com carácter de generalidade de direitos individuais de idêntica natureza dos mesmos.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, o réu contestou, por excepção e por impugnação, naquela parte invocando a ilegitimidade do autor.

O autor respondeu à contestação, sustentando a sua legitimidade.

A Mm.ª Juiz proferiu então o despacho saneador e, de seguida, sentença na qual julgou o autor parte ilegítima e absolveu a ré da instância.

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que seja julgado parte legítima com as consequências legais, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
"a)- Na sentença recorrida a Mm.ª Juíza a quo declarou o Autor, ora recorrente, parte ilegítima e absolveu a Ré da instância.
b)- Salvo o devido respeito, sem razão ou fundamento legal, como tentaremos demonstrar. Assim:
c)- o Autor, ora recorrente, formulou por si próprio pedido nos presentes autos, ao abrigo do n.º 1 do art.º 5.º do CPT.
d)- De acordo com a jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, a expressão 'interesses colectivos' constante do art.º 5.º, n.º 1, do CPT refere-se aos 'pertencentes a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si', isto é, à 'existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (…)' (cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.3.2016 e 22.4.2015, respectivamente).
e)- Nos presentes autos estamos perante uma pluralidade de trabalhadores que partilha do mesmo interesse (os dirigentes sindicais), existindo, assim, um grupo / classe / categoria determinável de indivíduos, ligados entre si.
f)- E no que concerne a esta matéria o interesse não é só dos actuais dirigentes, mas também dos que já o foram e deixaram de ser; e, sobretudo, de todos os que poderão vir a sê-lo, no futuro, já que todos os associados são potenciais dirigentes, porquanto todos têm direito a eleger e a serem eleitos (cfr. art.º 15.º, al. a), dos Estatutos do recorrente).
g)- O que, salvo o devido respeito, mostra o absoluto sem sentido da determinação da Senhora Juíza a quo para juntar declarações de autorização de todos os dirigentes, sendo certo que a própria recorrida alegou, na contestação, que aplica a medida em discussão nos presentes autos nos termos alegados pelo ora recorrente.
h)- Pelo que, se mostram verificados todos os pressupostos definidos no n.º 1 do art.º 5.º do CPT, devendo, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e ser declarado o Autor, ora recorrente, parte legítima. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.
Sem prescindir:
i)- mas se assim se não entender – o que se não aceita e só por necessidade de raciocínio se refere – sempre se dirá que mesmo que se considere estarmos perante a previsão da al. a) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT, o Legislador não estabeleceu, salvo o devido respeito, a obrigatoriedade de junção de autorização de todos os representados do sindicato, como exigiu a Mm.ª Juíza nos despachos de fls. … e fls. … dos autos.
j)- Na verdade, a Lei apenas exige – e, em nosso entender, apenas pode exigir – a junção de autorização dos dirigentes sindicais que assim o pretendam, como foram juntas na petição inicial, atento o elemento literal do n.º 2 do art.º 5.º do CPT ('(…) em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem (…).' – negrito nosso) Ou seja, apenas daqueles trabalhadores que autorizem a associação sindical, nos termos do art.º 9.º, n.º 3, do CC.
k)- Pelo que, atenta a junção de autorizações na petição inicial (cfr. fls. … dos autos), deve a sentença recorrida ser revogada e, em consequência, ser declarado o Autor, ora recorrente, parte legítima. O que se requer seja declarado, com as legais consequências.
l)- Acresce que, não pode deixar de se chamar a atenção para o que, em nosso entender, é uma incoerência flagrante da Senhora Juíza a quo no despacho de 30.10.2017 (com a referência 370370898) - irrecorrível em razão do valor -, quando considerou parte ilegítima o autor para agir em representação dos 3 trabalhadores que o autorizaram a tal, dado que, também quanto aos pedidos formulados nas al. b) e c) da parte final da petição inicial, estamos perante a violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza (cfr. al. c) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT) ou, pelo menos, perante a previsão estabelecida na al. a) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT.
Sem prescindir ainda:
m)- A considerar-se que as associações sindicais só têm acesso ao direito e aos tribunais (direito de tutela jurisdicional efectiva) se todos os seus membros pretendessem ser substituídos, então tal interpretação das alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT é inconstitucional por violação dos art.os 1.º, 2.º, 13.º, 20.º, 203.º e 204.º da CRP e dos princípios da proporcionalidade, do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, da legalidade, do Estado de Direito Democrático. Inconstitucionalidade e ilegalidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
n)- Tal interpretação das normas legais em análise (art.º 5.º, n.º 2, als. a) e c) do CPT) obrigaria que todos os associados da associação sindical pretendessem uma acção judicial e autorizassem a sua representação e substituição pela associação sindical a que pertencessem, o que constituiria a negação do direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva das associações sindicais, ou seja, a violação do princípio constitucional consagrado no art.º 20.º da CRP.
o)- A exigência de todos os associados de uma associação sindical autorizarem que a mesma os represente e substituía em acção judicial determinaria a não concretização prática do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, para além de tal exigência ser manifestamente desproporcionada face aos direitos e interesses em análise.
p)- Assim, caso se entenda que a legitimidade do Autor, ora recorrente, se inclui nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 5.º do CPT, então bastará as autorizações juntas aos autos".

Contra-alegou a ré, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida e, ainda, requereu a ampliação do recurso, nos termos do n.º 1 do art.º 636.º do Código de Processo Civil, concluindo da seguinte forma:
"V.16– Sem prejuízo do que vem de alegar-se, tendo presente que a Sentença recorrida enquadrou este pedido do AAA na norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo do Trabalho, contrariamente ao preconizado e defendido pela Ré, ora Recorrida, na defesa por excepção por si deduzida na contestação, não pode obviamente deixar de solicitar-se que, à luz do artigo 636.º, n.º 1, do Código do Processo Civil, vindo isso porventura a revelar-se necessário, não deixe, a título subsidiário, de conhecer-se no presente Recurso os fundamentos dessa defesa então deduzida pela Ré.
V.17– A meritíssima Juíza a quo fundamentou um tal enquadramento na norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo do Trabalho em que é só face ao teor da petição inicial (e não já da contestação) que deve aferir-se estar-se ou não perante medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo.
V.18– Ora isso não está em causa; tal como em causa não está que, conforme a lição de Miguel Teixeira de Sousa, a legitimidade deva ser apreciada e determinada 'pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as palies, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor'.
V.19– O que está sim em causa é que a invocação pelo AAA da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo do Trabalho - invocação esta que exclui logicamente, como se disse supra em 1.3, a invocação simultânea da alínea c), razão por que deixou ele de a esta alínea se referir no presente Recurso - teria implicado necessariamente a alegação de factos reveladores de que se estava na situação sub judice perante 'medidas tomadas pelo empregador contra' dirigentes sindicais.
V.20– É certo que - como o AAA ardilosamente confessa no presente Recurso - a Ré, ora Recorrida, confirmou que aplica uniformemente a norma convencional em causa a todos os seus trabalhadores subscritores da Caixa Geral de Aposentações, sejam ou não dirigentes sindicais.
V.21– Mas não é esta alegação em sede de contestação que releva, pois a legitimidade do AAA na presente acção (ou a falta dela) deve aferir-se, como dito, em função do pedido e da causa de pedir.
V.22– E, precisamente por assim ser, necessariamente teria o AAA de ter fundamentado, com alegações expressas, claras e substanciais, a sua afirmação de que se estava na situação sub judice perante 'medidas tomadas pelo empregador contra' dirigentes sindicais.
V.23– Sendo que, na verdade, nada de expresso, claro e substancial é dito na petição inicial para fundamentar uma tal conclusão.
V.24– Razão por que não poderá deixar de dar-se também por verificada a ilegitimidade do AAA por inaplicabilidade da alínea a) do n.º 2 do artigo 5.º do Código de Processo do Trabalho, conforme alegado pela Ré, ora Recorrida, na sua contestação".
Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto proferido parecer no sentido do provimento da apelação e revogação da decisão recorrida.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito dos recursos, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber:
– da legitimidade activa do autor para proceder contra a ré.
***

IIFundamentos.

1.A sentença recorrida:
"Por despacho de fls. 62 a 66, de 30 de Outubro de 2017 foi o A. considerado parte ilegítima para demandar a R. quanto aos pedidos que formula em b) e c) do pedido formulado na sua petição inicial.
Seguiram os autos por força do despacho em apreço para conhecimento do pedido formulado em a) da petição inicial, sendo certo que o tribunal convidou o A. a juntar as competentes autorizações e concedeu o prazo de cinco dias para o efeito.
Decorrido tal prazo as mesmas não foram juntas aos autos. Feito novo convite o A. declinou pela junção aos autos pugnando pela sua legitimidade.

Vejamos.

Os autos seguem para apreciação de um único pedido, a saber:
Seja declarado que o regresso ao trabalho após um período de faltas por doença de um dirigente do AAA, ora autor, subscritor da CGA, seguido de exercício de funções sindicais, no âmbito do gozo do seu crédito de horas, consubstancia comparência ao serviço para efeitos de interrupção da contagem do prazo de pelo menos 30 dias consecutivos, estabelecido na parte final do n.º 2 da cláusulas 98.ª do AE CTT/ 2010, do n.º 2 da cláusula 97.ª do AE CTT/2013 e do n.º 2 da cláusula 95.º do AE CTT/ 015.
Nos termos do art.º 5.º n.º 1 do CPT as associações sindicais têm efectivamente legitimidade activa quanto a interesses colectivos dos trabalhadores representam. E têm direito de acção dos trabalhadores que representam quanto a interesses individuais com carácter de generalidade carecendo porém de autorização dos mesmos trabalhadores.
Não cremos que em causa se encontre um interesse colectivo.
As associações sindicais são parte legítima como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam (n.º 1 do artigo 5.º, do C.P.T.). Estes assentam 'na existência de uma pluralidade de indivíduos sujeitos aos mesmos interesses (iguais ou de igual sentido), pressupondo uma nova e diferente entidade como titular', cfr. Acórdão do STJ de 24/02/1999, AD do STJ, Ano XXXVIII, n.os 452-453, p. 1155.
'Um direito ou um interesse é 'colectivo' quando pertence a todo o colectivo de trabalhadores representados pelo sindicato. (…) tem em vista um bem jurídico protegido que é comum, que tem como co-titulares todo o universo de representados no sindicato', cfr. Acórdão do STA, de 11/11/2010, disponível em www.dgsi.pt.
Ora, a A. não pugna pela defesa de um direito de toda uma série de categorias de trabalhadores, mas apenas de alguns, que se encontrem em determinada situação (após um período de doença regressem indo exercer a sua actividade sindical no âmbito do crédito de horas) pugnando que o entendimento da R. neste tocante não pode ser lícito ao abrigo do AE em vigor.
O bem protegido não é comum a todos os representados da A., donde o interesse não é colectivo, apenas releva para os dirigentes sindicais que se encontrem em determinada situação.
E nessa medida cremos que a legitimidade do A. para intentar a presente acção, só pode ser encarada nos termos do n.º 2 do preceito em apreço.
O n.º 2 do preceito em apreço faz depender o direito de ação dos trabalhadores que autorizem e que são representados.
A violação que a A. imputa à R. não constitui uma violação com carácter de generalidade de direitos individuais de idêntica natureza, tal como previsto na alínea c) deste preceito. Só os dirigentes sindicais são visados.
Assim sendo, a presente acção deve ser enquadrada nos termos do art.º 5.º n.º 2 alínea a) por respeitar a medidas tomadas pela R. contra dirigentes sindicais.
Mas para que a legitimidade da A. seja afirmada esta tem de estar autorizada por todos os dirigentes sindicais, mesmo que a autorização seja presumida, tal como refere o n.º 3.
E no caso em apreço o A. está munido de apenas 3 autorizações.
Pois se acção visa pedir uma declaração de ilicitude de uma actuação contra todos os dirigentes sindicais, são estes que têm de autorizar, e não apenas três.
Não existindo tal autorização e não pretendendo a A. juntá-la cremos que não lhe assiste o direito de demandar a R., precisamente por não o poder fazer em nome próprio. E nessa medida declaramos a A. parte ilegítima para a presente acção, absolvendo a R. da instância.
***
Por todo o exposto o Tribunal declara o A. parte ilegítima da presente acção, absolvendo a R. da instância.
Custas a cargo do A. sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Em face do exposto dou sem efeito a realização de audiência de julgamento.
Registe e notifique".

2.O direito.

O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar, o qual se exprime pela utilidade decorrente da procedência da acção, sendo que a titularidade desse interesse radica, na falta de indicação da lei em contrário, no sujeito da relação material controvertida tal qual configurada pelo autor (art.º 30.º, n.os 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil).

A Constituição da República estabelece no seu art.º 56.º, n.º 1 que "compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem".

Por sua vez, dando lastro ao comando constitucional, o Código do Trabalho veio a consagrar, na alínea d) do n.º 1 do seu art.º 443.º, que "as associações sindicais (…) têm, nomeadamente, o direito de (…) Iniciar e intervir em processos judiciais e em procedimentos administrativos quanto a interesses dos seus associados, nos termos da lei". Isto porque, conforme resulta do normativo que imediatamente o antecede, as associações sindicais são organizações "permanente[s] de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais".

É neste quadro substantivo que se deverá ler o art.º 5.º do Código de Processo do Trabalho, de acordo com o qual e no que ao caso interessa, é assim reconhecida legitimidade processual activa às associações sindicais: no seu n.º 1, "nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam"; no n.º 2, "em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem: c) Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados".

Conforme refere o Supremo Tribunal de Justiça, "o conceito de interesse colectivo assenta numa pluralidade de interessados, ou seja, na existência de vários indivíduos sujeitos aos mesmos interesses, devendo por isso tratar-se de interesses individuais iguais, ou pelo menos de igual sentido";[5] e "são interesses colectivos os pertencentes a um grupo, classe ou categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica, e válida e legalmente associados. São interesses de uma categoria, grupo ou classe de pessoas, não se reduzindo a um mero somatório de interesses individuais".[6]

É isto que ocorre no caso sub iudicio, em que o direito ajuizado não se confina aos trabalhadores filiados na apelante identificados na petição mas é próprio e respeita à categoria grupal formada pelos seus dirigentes sindicais em que, por também o serem nele se integram e que, nessa medida, formam uma "categoria indeterminada, mas determinável de indivíduos, ligados entre si pela mesma relação jurídica básica".

Aqui chegados, já se vê que a decisão recorrida não pode ser mantida, na exacta medida em que a solução a que chegou negou à apelante legitimidade para demandar a apelada para fazer valer os interesses colectivos que representava. O que, por seu turno, levando ao reconhecimento desse pressuposto processual prejudica o conhecimento da apelação interposta pela ré a título subsidiário nos termos do n.º 1 do art.º 636.º do Código de Processo Civil uma vez que supunha que a demanda por parte da apelante se fundasse na representação e substituição dos trabalhadores da apelada nela filiados.
***

IIIDecisão.

Termos em que se acorda:
i.– conceder provimento à apelação e, em consequência, revogar o despacho saneador na parte em que julgou a autora parte ilegítima, considerá-la parte legítima e determinar que, não se verificando a falta de qualquer outro pressuposto processual ainda não apreciado, seja determinado o prosseguimento dos autos até final;
ii.– não conhecer da ampliação da apelação, por tal ficar prejudicado pela decisão desta.
Custas pela apelada (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
***


Lisboa, 26-04-2018.



(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)



[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Acórdão de 22-04-2015, no processo n.º 729/13.3TTVNG.P1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[6]Acórdão de 03-03-2016, no processo n.º 3704/12.1TTLSB.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.