Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
804/03.2PCALM-A.L1-9
Relator: PAULA PENHA
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
LEIS COVID 19
PRINCÍPIO DA NÃO RETROACTIVIDADE DA LEI
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Em 2020, devido a uma pandemia global epidemiológica provocada pela doença Covid -19, foi declarado no nosso País quer o estado de emergência, quer o estado de calamidade, através das Lei nº 1-A/2020 de 19-3, Lei nº 4-A/2020, de 6-4, Lei nº 16/2020, de 29-5, Lei nº 4-B/2021, de 1-2 e Lei nº 13-B/2021 de 5-4, por força das quais, foi determinada a suspensão de vários prazos, incluindo de prescrição, nos períodos de 9/3/2020 a 3/6/2020 e de 22/1/2021 a 6/4/2021

II – Um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico é o da não retroactividade das leis, salvo se, uma lei penal se mostrar, concretamente, mais favorável ao arguido – cfr. os art.ºs 18º, nº 3, e 29º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa e o art.º 2º do CP. Aliás o art.º 19º, nº 6, da CRP consigna, expressamente, que a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar a não retroactividade da lei criminal,  como também ressalva o art.º 2º, nº 1, da Lei nº 44/86, de 30-9, que estabeleceu o regime do estado de sítio e do estado de emergência.
E tal salvaguarda, ou seja, da não afectação da não retroactividade da lei criminal, também, ficou expressa, aquando da sobredita pandemia, nos respectivos Decretos do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18-3 (art.º 5º, nº 1), nº 17-A/2020, de 2-4 (art.º 7º, nº 1) e nº 20-A/2020, de 17-4 (art.º 6º, nº 1).

III- Assim a determinação da suspensão dos prazos de prescrição contida nas sobreditas Leis “Covid” para vigorar, como vigorou, durante os sobreditos períodos temporários e a título excepcional, não pode ser aplicada ao prazo de prescrição de uma pena em curso, sob pena de violar o princípio da não retroactividade da lei penal menos favorável ao arguido, da confiança ou previsibilidade das normas por parte dos cidadãos em geral e dos arguidos em especial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
RELATÓRIO

No Juízo Local Criminal de Almada - J1 (em 14/2/2008), no processo 804/03.2PCALM foi proferida sentença a condenar (sem a sua presença) o arguido, ………….. (nascido em Angola a ………….. e melhor identificado nos autos), pela prática (a 1/6/2003 em Portugal), de um crime de condução sem habilitação legal (previsto e punível pelo art. 3º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3-1) na pena de multa de € 600 (correspondente a 120 dias com a taxa diária de € 5).
Esta sentença foi notificada ao arguido em 21/6/2018 e transitou em julgado em 6/9/2018.
O arguido não pagou essa pena de multa, tendo sido proferido despacho (em 20/9/2019) a convertê-la em 80 dias de correspondente prisão subsidiária e (quando ainda estavam em curso diligências tendentes ao seu cumprimento desta) o Exmº. Juiz proferiu (em 19/9/2022) despacho a declarar prescrita a pena de multa nos termos e com os seguintes fundamentos (transcrição):
«                                        DESPACHO
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……………, arguido nos presentes autos, foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €600,00, por decisão que transitou em julgado no dia 06.09.2018.
Não obstante todas as diligências efectuadas, não foi possível iniciar o cumprimento da pena aplicada ao arguido.
Nos termos do art.º 122.º, n.º 1, al. d) do Código Penal o prazo de prescrição da presente pena é de 4 anos, começando a correr no dia em que transitar em julgado a decisão, ou seja, a 06.09.2018.
Não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição nos termos do art.º 125.º e 126.º do Código Penal.
Não tem aqui aplicação a suspensão prevista na Lei n.º 1-A/2020, porquanto a aplicação ao prazo de prescrição da pena de uma nova causa de suspensão do respetivo prazo, não prevista no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é constitucionalmente permitida, por não respeitar os princípios da legalidade e da proibição da retroatividade da lei penal, seguindo-se a jurisprudência prevista no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2021 no âmbito do Processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5 em que foi relator Vieira Lamim.
Consequentemente, verifica-se que já ocorreu a prescrição da pena aplicada ao arguido nos presentes autos, o que sucedeu no dia 06.09.2022.
Destarte, declaro extinta a pena aplicada ao arguido, por prescrição, nos termos conjugados do art.º 122.º, n.º 1, al. d) do Código Penal e 475.º do Código de Processo Penal, impondo-se a respectiva comunicação ao registo criminal, por força do disposto no artigo 6.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio.
Notifique.
Solicite a devolução de quaisquer mandados pendentes.
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Comunique a presente decisão ao Exmo Sr. Juiz Presidente para os devidos efeitos.
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Oportunamente, arquivem-se os autos. ….»

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Inconformado com esta decisão, o Ministério Público veio interpor o presente recurso (em 20/10/2022), pedindo a revogação dessa decisão, alegando ter havido suspensão da contagem do prazo da prescrição que esta só ocorrerá em 12/2/2023. Tendo formulado, no termo da motivação, as seguintes conclusões:
«1º. O presente recurso versa matéria de Direito - art.º 412º nº 2 do CPP.
2º. O presente recurso assume alguma urgência atenta a data do trânsito em julgado da sentença, as consequências do despacho recorrido e o prazo de prescrição da pena: 12/02/2023.
3º. No âmbito dos presentes autos, foi o arguido ……………. condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3º nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 03/01, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5 euros, num total de 600 euros de pena de multa, ou subsidiariamente em 80 dias de prisão, nos termos do artigo 492 do Código Penal.
4º. A sentença foi lida e depositada em 14-02-2008 - fls. 95 e 96.
5º. O arguido foi julgado na ausência.
6º. A sentença foi pessoalmente notificada ao condenado, em França, em 21-06-2018 (fls. 267).
7º. A sentença transitou em julgado em 06-09-2018 — fls. 274.
8º. As guias para pagamento da pena foram remetidas ao condenado em 07-03-2019 — fls. 279, 282.
9º. Em 13-05-2019 o MP promoveu a conversão da pena em prisão subsidiária — fls. 288.
10º. Em 22-05-2019, o Mmo. Juiz decidiu conceder novo prazo para pagamento da pena — fls. 289.
11º. Foram enviadas novas guias para pagamento da pena em 24-05-2019 — fls. 290 a 292.
12º. Em 20-09-2019 a pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária - fls. 296.
13º. Foram emitidos mandados de detenção datados de 03-12-2019 - fls. 302.
14º. Em 14-05-2020 a GNR devolveu os mandados certificados negativamente por o condenado não ter sido encontrado — fls. 306.
Em 27-11-2020, o MP promoveu se procedessem a diligências com vista a apurar o paradeiro do condenado, o que foi deferido em 09-12-2020 — fls. 310
16º. Em 12-09-2022, o MP promoveu se iniciassem as diligências tendentes a declaração de contumácia do condenado, com vista a evitar a prescrição da pena, nos termos do art.º 335º do CPP, artigo 97º nº 2 e 138º nº 4 al. x) do CEPMPI.
17º. Diga-se, para efeitos dos artigos 125º nº 1 al. b) e 126º nº 1 al. b) do CP.
18º. Os autos não foram tramitados durante os primeiros 11 meses do ano de 2020 nem durante todo o ano de 2021, ou seja, durante o período do estado de emergência, alerta e calamidade a que nos levou a pandemia COVID 19.
19º. O perdão de penas consagrado por força da legislação que entrou em vigor nestes estado excepcional de coisas, no artigo 2.º da Lei n.º 9/2020, de 10 de Abril, só foi concedido a reclusos, condenados por sentença transitada em julgado em data anterior à da entrada em vigor daquele diploma legal, ficando, consequentemente, excluídos da medida de graça referida os condenados que não tenham ingressado em estabelecimento prisional, que é o caso dos autos (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 210/20.4TXCBR-C.C1, Nº Convencional: JTRC, Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA, Descritores: PERDÃO DE PENA, Data do Acórdão: 28-10-2020, Legislação Nacional: ART.º 2.º DA LEI N.º 9/2020, DE 10 DE ABRIL, disponível em www.dgsi.pt).
20º. A pena em causa prescreve logo que sobre o transito da sentença tiverem decorrido 4 anos, nos termos dos artigos122º nº 1 al. d) do CP.
21º. O prazo normal de prescrição da pena, inexistindo causas de suspensão, ocorreria 4 anos após o transito da sentença, ou seja, em 06-09-2022 (art.ºs 122º nº 1 al. d) do CP e nº 2, 279º al. c) do CC e 296º CC).
22º. O despacho recorrido considerou que "Não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição nos termos do art.º 125º e 126.º do Código Penal".
23º. Porém, no período pandémico, em contexto de declaração de estado de emergência, contingência, alerta e calamidade, as leis excepcionais que, então, entraram em vigor, com vista a fazer face ao mesmo e a preservar as funções essenciais do Estado de Direito, previram situações de suspensão de prazos de prescrição das penas, nomeadamente nos termos e para os efeitos do art.º 125º nº 1 al. a) do CP.
24º. Prevê esta norma, sob a epígrafe "Suspensão da prescrição", que "1 -A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar... 2 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão".
25º. Nos anos de 2020 e 2021 existiram causas de suspensão do prazo de prescrição das penas previstas por lei.
26º. A Lei n.º 1-A/2020 de 19 de Março, no seu art.º 7.º, n.ºs 3 e 4, versão primitiva, determinou que a situação excecional epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.
27º. Igualmente, a Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, no seu art.º 6.2-B, n.ºs 3 e 4, veio determinar que são igualmente suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no n.º 1, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão.
28º. Tais prazos de suspensão da prescrição vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021, cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril.
29º. O despacho recorrido violou todos estes normativos. bem como o artigo 125º nº 1 al. a) do CP, o que se indica para efeitos do artigo 412º nº 2 al. a) do CPP.
30º. O sentido em que o tribunal recorrido interpretou cada uma das referidas normas violadas e com que as aplicou, o que se indica para os efeitos previstos no art.º 412º nº. 2 al. b) VI parte do CPP. foi o de considerar inaplicável os referidos artigos destas leis excepcionais sem fundamentar a sua decisão de forma completa, clara e inequívoca.
31º. Antes procedeu, em tal decisão, da seguinte forma, singela e, diga-se, sempre com o mais elevado e devido respeito, insuficiente, pois que se refere apenas a um diploma de 2020 e a princípios sem indicação das concretas normas que justificam tal inaplicabilidade, remetendo para alguma jurisprudência, que nesta matéria é variada:
32.º "Não tem aqui aplicação a suspensão prevista na Lei n.º 1-A/2020, porquanto a aplicação ao prazo de prescrição da pena de uma nova causa de suspensão do respetivo prazo, não prevista no momento do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é constitucionalmente permitida, por não respeitar os princípios da legalidade e da proibição da retroatividade da lei penal, seguindo-se a jurisprudência prevista no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2021 no âmbito do Processo n.º 207/09.5PAAMD-A.L1-5 em que foi relator Vieira Lamim".
33º. Consequentemente, ao que entendemos, pois que a decisão não é totalmente expressa nesse sentido, considerou não ter aplicação, no caso em apreço, por violadoras de princípios fundamentais, a causa de suspensão da prescrição estabelecida no artigo 7.º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020, nem tampouco a prevista na redacção introduzida pela Lei 4-B/2021 ("...A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos").
34º. Sustentando a sua posição remeteu para a fundamentação constante de alguma jurisprudência.
35º. Ora, também cumpre referir que o Tribunal, verdadeiramente não fundamenta de forma suficiente a sua decisão já que decide não aplicar normas legais sem indicar a norma concreta que a aplicação da mesma violaria e porque razão tal norma concreta tem supremacia sobre as normas não aplicadas.
36º. Ou seja, para que a decisão recorrida se pudesse considerar fundamentada teria de mencionar a concreta norma superior violada pela aplicação do dito artigo 72 .º, n.º 3 da Lei n.º 1-A/2020 e da redacção introduzida pela Lei 4-B/2021, e traduzir os princípios invocados em concretos fundamentos legais, nomeadamente mencionando as concretas normas a que se refere, à luz das quais aquelas não podem ter aplicação, adivinha-se, constantes do diploma fundamental que é a CRP.
37º. Ora, a falta de fundamentação completa, in casu, impede mesmo o recurso, diga-se, obrigatório para o MP, para o Tribunal Constitucional.
38º. Tais normas violadas, antes deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido que passo a expor — art.º 412º nº 2 al. b) 2ª parte;
39º. Com efeito, o artigo 7.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, versão primitiva, lei esta que veio aprovar medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, determinou que esta situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos  e procedimentos, regime que prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar- a situação excecional.
40º. O período de suspensão da prescrição vigorou desde 09/03/2020 até 03/06/2020 e, bem assim, durante 86 dias, mais 73 dias, num total de 1.59 dias (5 meses e 9 dias).
41º. De facto, importa na interpretação da lei, ter em conta o seu elemento histórico, sendo que a crítica e excepcional situação sanitária que todos nós vivenciámos fez com que os tribunais ficassem parados, tendo ficado as pessoas, nelas se incluindo magistrados e funcionários, impedidos de ali se deslocarem, salvo em situações de manifesta urgência, razão pela qual, os processos pendentes à data do confinamento, tornaram-se de difícil tramitação: não podendo as pessoas deslocar-se aos tribunais e serviços, não era possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processos físicos.
42º. Estes autos, em concreto, que se encontravam em fase de execução da pena, não foram mesmo tramitados nem durante 11 meses do ano de 2020 nem no ano de 2021, por força, nomeadamente, destas impossibilidades e da acumulação de serviço que se veio a verificar após tais períodos de suspensão de prazos.
43º. Tal como refere o acórdão n.º 660/2021 do Tribunal Constitucional "foram razões excecionais de ordem sanitária que conduziram, em primeira linha, à suspensão da atividade judiciária, mediante a suspensão do andamento dos processos. Tratou-se de uma medida implementada em benefício de todos os intervenientes processuais, sem distinção, incluindo os próprios arguidos."
44º. E que "como consequência dessa paralisação forçada do andamento generalizado dos processos, o legislador determinou a suspensão dos prazos de prescrição dos procedimentos criminais, na medida em que a inatividade do aparelho judiciário. globalmente considerado. projetava-se, não só sobre todos os intervenientes processuais, mas também sobre o próprio Estado, na veste de prossecutor da ação penal, que se viu, em virtude da mesma situação excecional, obrigado a suster tal desiderato,"
45º. Nestes termos, não poderiam, sem mais, tais normas ser afastadas e antes têm de ser aplicadas, pois não ferem o princípio da não retroactividade da lei penal, corolário do princípio da legalidade, sendo manifesto que esta é uma causa de suspensão legal da prescrição do procedimento criminal, prevista nomeadamente no art.º 125.º nº 1 al. a) do Código Penal.
46º. Tendo em conta a suspensão dos prazos de prescrição por efeito do artigo 6.º da Lei 4.º-A/2020 e normas supra indicadas, assim como atento o cômputo do prazo ao abrigo do artigo 279.º do Código Civil, o prazo de prescrição ocorrerá no dia 12/02/2023, ou seja, 4 anos e 159 dias após o trânsito em julgado da douta sentença.
47º. Destarte, a pena de multa aplicada ao condenado ……………… ainda não prescreveu.
48g. Deveriam assim tais normas excepcionais ter sido interpretadas tal como supra referido, o que tem também sustentação em jurisprudência recente do TRL, nomeadamente no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo: 472/21.0Y5LSB.L1-5, Relator: PAULO BARRETO, Descritores: LEI TEMPORÁRIA. LEIS COVID, SUSPENSÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO, PROCEDIMENTO CONTRAORDENACIONAL, Nº do Documento: RI, Data do Acórdão: 05-04-2022, disponível em www. dgsi.pt, com o seguinte Sumário:  "I - Os prazos de prescrição visam sancionar lapsos de tempo consideráveis e injustificados sem andamento do processo, não sendo de todo exigível que os visados estejam, por tempo irrazoável, sob procedimento administrativo ou criminal ou à espera do cumprimento de urna contraordenação ou pena. Há um tempo razoável para fazer justiça, consagração de um processo justo e equitativo, previsto no art.º 20.2, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e no art.º 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. II - A especialíssima legislação - Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e n.º 4-B/2021, de 01.02, - foi implementada num período particularmente severo da pandemia, que obrigou as pessoas a permanecer em casa, em confinamento, sendo muito apertadas as excepções em que dela podiam sair. As pessoas estiveram impedidas de se deslocar aos tribunais e aos serviços administrativos, excepto em situações de manifesta urgência. III - Esta situação sanitária de extrema excepcionalidade justifica que a suspensão dos prazos de prescrição que vigoraram desde 9 de março de 2020 até 3 de junho de 2020 e de 22 de janeiro e 6 de abril de 2021 (cfr. art.ºs 6.º-A, 7.º, 10.º e 11.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, e 6.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de abril) se aplique a todos os processos, mesmo os já pendentes à data do início do confinamento e relativos a factos anteriores. Se as pessoas não se podem deslocar aos tribunais e serviços, não é possível realizar diligências probatórias, instruir, cumprir e fazer tramitar processo físicos. Por isso, desde que os processos estejam pendentes, são aplicáveis tais prazos de suspensão da prescrição".
Deveria assim ter sido aplicada a norma do artigo 125º, nº 1 al. a) do CP que considera ser causa de suspensão aquela prevista em lei e portanto, também as normas execepcionais supra indicadas, nos seus termos com as leis excepcionais supra indicadas, o que se indica para efeitos do art.º 412º nº 2 al. c) do CPP.
50º. Assim desde já se pretende se dê provimento ao presente recurso, procedendo à revogação da decisão recorrida e que se determine, com urgência, o cumprimento do art.º 335º do CPP, para efeitos do artigo 97º nº 2 e 138º nº 4 al. x) do CEPMPL, iniciando-se as diligências tendentes à declaração de contumácia do condenado. »
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Nesta Relação, a Exmª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de acompanhar a argumentação do Ministério Público junto da primeira instância, pugnando pela procedência do recurso por esse interposto.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
                                                        
FUNDAMENTAÇÃO

Âmbito do recurso e questão a decidir
Dispõe o art.º 412º, nº 1, do Código de Processo Penal (doravante com a abreviatura CPP) que: «A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido».
O objeto do recurso define-se, pois, pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como pacificamente decorre do art.º 412º, nº 1, do CPP e, também, em sintonia com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19-10, em D.R. I-A Série de 28.12.1995 e com o acórdão do STJ de 12-09-2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo Ministério Público /recorrente, a única questão a decidir é: Saber se a pena aplicada ao arguido já se extinguiu, ou não, por prescrição.

Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente a seguinte factualidade incontroversa relativamente aos presentes autos:
- O arguido (………………..) foi condenado (em 14/2/2008, sem a sua presença, apesar de notificado), na pena de multa de 120 dias com a taxa diária de €5, pela prática (em 1/6/2003) de um crime de condução sem habilitação legal (na via pública da Costa da Caparica, de um veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula …………, apesar de o arguido não ter licença de condução e de saber que incorria na prática de crime), previsto e punível pelo art.º 3º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 3-1;
- Em 6/9/2018 transitou em julgado essa sentença (na sequência da sua notificação ao arguido, em França, a 21/6/2018);
- O arguido não pagou qualquer montante dessa pena de multa, tendo sido proferido despacho (em 20/9/2019) a convertê-la em 80 dias de correspondente prisão subsidiária (nos termos do art.º 49º do Código Penal) e tendo sido encetadas diligências tendentes ao seu cumprimento, mas que não chegou a ter lugar;
- Em 19/9/2022, o Exmº. Juiz proferiu o despacho recorrido (declarando prescrita a pena).
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Questão única: A pena aplicada ao arguido extinguiu-se por efeito de prescrição?

No nosso sistema penal vigora o princípio de que não há penas imprescritíveis. A sua única excepção está prevista no art.º 7º da Lei nº 31/2004, de 22-7 que prevê a imprescritibilidade da pena imposta pelos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra e crimes de agressão.
A prescrição das penas constitui uma das causas de extinção da responsabilidade criminal do respectivo agente – cfr.  a inserção sistemática desta matéria no Capítulo II, do Título V, do Livro I do Código Penal.
Esta causa de extinção da responsabilidade criminal com efeitos gerais (no sentido de abranger todos os tipos de crime, salvo as sobreditas excepções) opera mediante o simples decurso do tempo. E após atingir-se o respectivo limite temporal (variável consoante a gravidade do crime e temperado com o desconto de eventual tempo de suspensão e/ou com o seu reinício após eventual interrupção) a respectiva pena deixa de poder ser executada, assim como quaisquer dos seus efeitos e o respetivo processo penal já não pode continuar a ter lugar – cfr. os art.ºs 122º e 123º do Código Penal (doravante com a abreviatura CP).
Tendo este instituto jurídico natureza, simultaneamente, processual e material. Sendo de conhecimento oficioso e os seus efeitos operam de pleno direito, não podendo o agente renunciar aos mesmos.
O legislador penal português fixou prazos para efeitos de prescrição das penas, prazos esses com duração variável em função da gravidade da respectiva pena concreta e cujo início da contagem do respectivo prazo prescricional tem lugar no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a respectiva pena – cfr. o art.º 122º do CP.
Sendo que no caso de se tratar de uma pena de multa convertida em prisão subsidiária é por referência àquela (pena de multa) que o prazo se conta, pois a prisão subsidiária tem mera natureza de sanção penal de constrangimento – cfr. a este propósito o Acórdão de fixação de jurisprudência do STJ  nº 7/2016.
No caso em apreço, como a sentença condenatória do arguido, em pena de multa, transitou em julgado a 6/9/2018, desde então começou a correr o prazo de 4 anos que é o correspondente prazo de prescrição dessa pena – cfr. o art.º 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do CP.
Sendo que:
para o Exmº Juiz da 1ª instância tal prazo decorreu sem qualquer causa de suspensão nem de interrupção e completou-se no dia 6/9/2022, nos termos e com os efeitos constantes do despacho recorrido/supra transcrito (aqui dado como reproduzido);
enquanto que para o Digno Ministério Público, quer junto da 1ª instância quer junto deste tribunal superior, tal prazo só se completará no dia 12/2/2023 devido à suspensão da sua contagem nos termos constantes das respectivas alegações (aqui dadas por reproduzidas).
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Como nota prévia: Importa referir, desde já, que – ressalvado o devido respeito –, afigura-se-nos que não assiste razão ao Ministério Público quando argumenta que o despacho recorrido não está suficientemente fundamentado (de forma completa, clara, inequívoca e expressa) por, alegadamente, não indicar as normas/princípios justificativos da inaplicabilidade da suspensão, remetendo para alguma jurisprudência que, nesta matéria, é variada e que apenas se adivinha serem normas constantes da Constituição da República Portuguesa.
Apesar de o Ministério Público não o dizer expressamente, nem sequer o peticionar, tal alegação corresponde a uma pretensa nulidade do despacho recorrido nos termos previstos pelo art.º 380º, nº 1, al. a), e nº 3, do CPP.
Ora, se atentarmos ao teor integral do despacho recorrido (supra transcrito) constatamos que este está fundamentado, em termos de facto e em termos de direito, pois nele constam as respectivas razões factuais e legais e as quais estão mencionadas de uma forma evidente e suficientemente completa, nos termos previstos pelo art.º 97º, nº 1, al. b), nº 4 e nº 5, do CPP em consonância com o disposto no art.º 205º, nº 1, da CRP – sem que quaisquer destas normas, tão pouco, impeça a remissão para jurisprudência constante de um identificado acórdão e com menção expressa de adesão à mesma.
Aliás, pelo teor das alegações e conclusões recursivas se constata (face ao não comprovado poder de sua alegada adivinhação) que o Exmº recorrente conseguiu apreender e reter o teor integral, claro e inequívoco daquele despacho recorrido.
Para além disso, mesmo que existisse alguma eventual insuficiência de fundamentação, tal não configuraria uma nulidade quer do art.º 119º, quer do art.º 120º ambos do CPP.
Pelo que, inexistindo norma que configurasse tal hipótese como nulidade, só poderia configurar uma irregularidade, nos termos do art.º 119º, nº 2, do CPP. E, a qual estaria sanada, por não ter sido arguida no prazo de três dias contados da notificação do despacho recorrido, nos termos do art.º 123º, nº 1, do CPP.
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Posto isto (e passando à questão a decidir) desde já, se adianta que perfilhamos o entendimento do Exmº. Juiz da 1ª instância, segundo o qual a pena aplicada ao arguido extinguiu-se, por prescrição, no dia 6/9/2022 - e, consequentemente, ficando prejudicado o cumprimento da pena na sua totalidade, que nunca chegou a ter lugar, bem como dos seus efeitos nos exactos termos constantes do despacho recorrido.
Como sabemos, o art.º 125º, nº 1, do CP prevê a possibilidade de a contagem do prazo de prescrição das penas poder sofrer suspensão: «…para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;
b) Vigorar a declaração de contumácia;
c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
d) Perdurar a dilação do pagamento de multa.»
E o seu nº 2 estipula que, uma vez cessada a causa de suspensão, a prescrição volta a correr (isto é, retomando-se a sua contagem, sem prejuízo do tempo já anteriormente decorrido – ao contrário do que sucede com a interrupção da prescrição nos termos previstos no nº 2 do art.º 126º do CP).
Ora, retornando ao caso em apreço, é indiscutível que os factos a que se reporta a condenação do arguido ocorreram em 1/6/2003, o trânsito em julgado da sentença condenatória ocorreu em 6/9/2018 e, desde então (desta última data), estava a decorrer o respectivo prazo de 4 anos, fixado legalmente para a prescrição dessa pena. E, desde então em diante, não tendo sido possível iniciar o cumprimento dessa pena.
Também sendo indiscutível, porque público e notório, que em 2020, devido a uma pandemia epidemiológica provocada pela doença Covid -19 que assolou Portugal (e o resto do mundo), foi declarado no nosso país quer o estado de emergência, quer o estado de calamidade [ através da Lei nº 1-A/2020 de 19-3 cujo art.º 7º, nº 3, foi alterado pela Lei nº 4-A/2020, de 6-4, revogado pela Lei nº 16/2020, de 29-5, que passou a prever regime processual transitório e excepcional no seu art.º 6º-A, preceito este que foi revogado pelo art.º 3º da Lei nº 4-B/2021, de 1-2, que passou a regular a matéria no aditado art.º 6º-B, cessando a sua vigência por força do disposto no art.º 3º da Lei nº 13-B/2021 de 5-4, que aditou à sobredita Lei nº 1-A/2020 o art.º 6º-E,  da norma revogatória contida no art.º 6º] por força das quais, foi determinada a suspensão de vários prazos, incluindo de prescrição, nos períodos de 9/3/2020 a 3/6/2020 e de 22/1/2021 a 6/4/2021.
 Acontece que – contrariamente ao entendimento do Exmº Ministério Público junto da 1ª instância e deste Tribunal – não consideramos que tal suspensão (operada pelas sobreditas medidas excepcionais e temporárias) seja susceptível de fazer suspender o prazo de prescrição da pena aplicada ao arguido nos autos em apreço e cuja contagem se manteve (desde 6/9/2018) ininterruptamente até se completar o respectivo prazo prescricional de 4 anos (em 6/9/2022).  
Isto porque (conforme refere o despacho recorrido), aquando do trânsito em julgado da sentença condenatória em pena de multa ao arguido (em 6/9/2018) não estava prevista tal causa legal de suspensão do prazo de prescrição.  
Sendo todas aquelas Leis (chamemos-lhe abreviadamente “Covid”) subsequentes e a sua aplicação ao caso concreto, para além de retroactiva, seria concretamente mais desfavorável ao arguido.
Pois, da sua aplicação adviria um adiamento do termo do prazo prescricional em curso que – em vez de ocorrer a 6/9/2022 (como entendeu a 1ª instância e como entende este Tribunal) –, só viria a ocorrer 12/2/2023 o termo do prazo de prescrição da respectiva pena.
 Sendo que (desde o trânsito em julgado da sentença condenatória - início da contagem do aludido prazo) até àquela primeira data (do termo da contagem do prazo prescricional da pena) ainda não havia sido possível iniciar o cumprimento da pena e que, por força da sua prescrição, jamais o poderá vir a ser exigido ao arguido.
Pelo que, tal aplicação retroativa seria, manifesta e concretamente, mais gravosa para este arguido.
Ora, como sabemos, um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico é da não retroactividade das leis, salvo se, uma lei penal se mostrar, concretamente, mais favorável ao arguido – cfr. os art.ºs 18º, nº 3, e 29º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa (doravante com a abreviatura CRP) e o art.º 2º do CP.
E, aliás (na parte com interesse para o caso em apreço) o art.º 19º, nº 6, da CRP consigna, expressamente, que: «A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos (...) a não retroactividade da lei criminal (...)».
Tal como ressalva a Lei nº 44/86, de 30-9, que estabeleceu o regime do estado de sítio e do estado de emergência (art.º 2º, nº 1).
E tal salvaguarda (da não afectação da não retroactividade da lei criminal), também, ficou expressa, aquando da sobredita pandemia, nos respectivos Decretos do Presidente da República nº 14-A/2020, de 18-3 (art.º 5º, nº 1), nº 17-A/2020, de 2-4 (art.º 7º, nº 1) e nº 20-A/2020, de 17-4 (art.º 6º, nº 1).
Por conseguinte, a determinação (da suspensão dos prazos de prescrição) contida nas sobreditas Leis (“Covid”) para vigorar, como vigorou, durante os sobreditos períodos temporários e a título excepcional, não foi, nem pode ser aplicada ao prazo de prescrição da pena em apreço nos autos.
Não esqueçamos que o instituto da prescrição (quer do procedimento criminal quer da pena) radica na circunstância de o legislador ter considerado que o decurso (considerável) do tempo:  esbate ou, no limite, até faz desaparecer  a necessidade de censura comunitária; as exigências de prevenção especial tornam-se progressivamente sem sentido e podem até falhar seus objectivos; e em termos de prevenção geral positiva, o decurso de um largo período sobre a prática de um crime ou sobre o decretamento de uma sanção não executada faz com que não possa falar-se de uma estabilização contrafáctica das expectativas comunitária, já apaziguadas ou definitivamente frustradas – cfr. Figueiredo Dias em “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, 1993, págs. 699 e 700.
Citando as doutas palavras de Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette (em “Código Penal, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, pág. 353): «Não seria justo constranger o condenado, em função de facto que vai ficando esquecido, por força da erosão que o tempo vai impondo, ao cumprimento duma pena remota. Tal contrariaria, aliás, a essência dos fins das penas e consagraria retribuição de matriz eminentemente repressiva. Nos antípodas da prevenção que hoje, sobretudo, anima aqueles. E porquanto se trataria, então, de execução socialmente já carecida de interesse ou razão de ser, inclusive por o decurso do tempo haver eliminado, à força do seu efeito diluente e dissipador, qualquer resquício duma efetiva necessidade de defesa social. E já que não persiste, a propósito, necessidade ou carência da pena.»
Daí que as normas que o integram (nomeadamente, no tocante aos prazos e causas de suspensão e de interrupção) consubstanciam a renúncia do Estado ao jus puniendi e são estatuições de natureza substantiva/material (segundo o entendimento de Taipa de Carvalho em “Sucessão de Leis Penais”, Coimbra Editora, 1990, pág. 213) ou, quando muito, de natureza mista com âmbito substancial/material e processual (segundo o entendimento de Figueiredo Dias em “Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 700) e tal natureza tem implicações quanto à aplicação da lei no tempo e ao princípio da maior favorabilidade para o arguido e, em última instância, para o princípio da confiança ou previsibilidade das normas.
Por isso, tem sido maioritária a posição da jurisprudência dos nossos Tribunais da Relação bem como da nossa doutrina a este propósito, mais concretamente, em considerar que tais normas [temporárias e excepcionais decorrentes da pandemia epidemiológica de Covid-19] não podem alargar os prazos de prescrição do procedimento criminal ou das penas, já em curso, sem violarem o sobredito princípio da não retroactividade da lei penal menos favorável ao arguido – cfr. a título de exemplo o acórdão do TRG de 25/1/2021 (processo nº 179/15.9FAF.G2), o acórdão do TRP de 14/4/2021 (processo nº 300/19.6Y9PRT-B.P1), o acórdão do TRC de 7/12/2021 (processo nº 200/09.8TASRE.C3), os acórdãos do TRE de 23/2/2021 (processo nº 201/10.3GBVRS.E1) e de 26/10/2021 (processo nº 28/06.7IDFAR-A.E1) e os acórdãos do TRL de 24/7/2020 (processo nº 128/16.5SXLSB.L1), 26/10/2022 (processo nº 32/15.4PALSB.L1-3) e de 27/10/2022 (processo nº 902/16.2IDLSB-A.L1-9) todos publicados na internet; Germano Marques da Silva (“Ética e estética do processo penal em tempo de crise pandémica” em Revista do Ministério Público, número especial COVID-19, 2020, págs. 109-127); Adriano Squilacce e Raquel Cardoso Nunes (“Suspensão dos Prazos de Prescrição em Processo Penal e Contraordenacional por Efeito da Legislação Covid-19” em Foro de Actualidade Portugal, acessível na internet); Rui Cardoso e Valter Baptista  (“Estado de Emergência – COVID 19 – Implicações na Justiça – Jurisdição  Penal e Processual e Processual Penal”, Centro de Estudos Judiciários, Abril de 2020, págs. 533-536); e também a doutrina seguida por José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, (“A Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março – uma primeira leitura e notas práticas” e “Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19” em Julgar online, respectivamente, Março de 2020 pág. 7 e Fevereiro de 2020 pág. 8).
Não se aderindo àquele outro entendimento (minoritário – nomeadamente expresso nos acórdãos do Tribunal Constitucional - a propósito de matéria contra-ordenacional -  nº 660/21, de 29-7-2021 e nº 798/21, de 21-10-2021  e nos acórdãos do TRL de 16/3/2021, no processo nº 309/20.7YUSTR.L1-PICRS e de 5/4/2022, no processo nº 472/21.0Y5LSB.L1-5) segundo o qual a particularíssima/especialíssima situação imprevisível, transitória e excepcional que vigorou durante a pandemia Covid 19, como determinou uma muito significativa diminuição da actividade dos tribunais, também reduziu ou mesmo impediu a possibilidade da prática de actos processuais susceptíveis de interromper e/ou suspender a contagem de prazos de prescrição. E como tal redução ou impossibilidade não fora imputável a ninguém, não existiria razão para que (a pretendida nova suspensão da contagem de prazos relativamente aos processos já pendentes e com prazos já em curso) beneficiasse quem quer que seja.
Ora, conforme já vimos, a razão de ser do instituto da prescrição e dos aludidos princípios – da legalidade, da não retroactividade de lei penal concretamente menos favorável ao arguido e da confiança ou previsibilidade das normas por parte dos cidadãos em geral e dos arguidos em especial – não se compadecem com tais argumentos.
E, aliás, conforme já vimos, da pretendida (nova causa) de suspensão adviria, concretamente, uma situação mais gravosa para este arguido e defraudaria o referido princípio basilar do nosso sistema penal que é o da não retroactividade de lei penal concretamente menos favorável ao arguido, tal como defraudaria a exigência da previsibilidade relativamente ao jus puniendi do Estado.
Em suma e sem necessidade de mais considerações (que já vão longas), só nos resta confirmar o douto despacho recorrido que declarou extinta a pena em apreço, por prescrição desta em 6/9/2022 – o que se nos impõe declarar, através desta decisão, com a inerente extinção da responsabilidade criminal do arguido e o arquivamento dos autos.
                                                     
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal desta Relação, em não conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, mantendo o douto despacho recorrido.
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Sem custas – cfr. o art.º 522º do CPP.
Notifique.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2022
Paula de Sousa Novais Penha
Carlos da Cunha Coutinho
Raquel Correia de Lima