Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1634/21.5YRLSB-3
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: EXTRADIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/10/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADA A EXTRADIÇÃO
Sumário: Num pedido de extradição, à semelhança de um processo penal é ao Ministério Público, enquanto representante do Estado Português, a quem compete provar a verificação dos pressupostos da procedência do pedido.

Num pedido de extradição não interessa tanto saber se o extraditando é ou não agente dos factos, se os praticou ou omitiu mas sim determinar se os pressupostos da extradição estão verificados.

Entre os diversos pressupostos um deles é o da dupla incriminação, ou seja, que os factos imputados no país que requer a extradição constituam crime perante o ordenamento penal português.

Assim, dispõe o artº 31º nº 2 da LCJIMP que só é admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

O que interessa para a almejada entrega é a punibilidade dos factos e não tanto o nomem iuris do tipo subsumido. Mas, independentemente do nomem iuris, os factos hão-de ser subsumíveis a um tipo criminal punível com pena superior a um ano de prisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem o Tribunal da Relação de Lisboa
 


IRelatório:


O Ministério Público junto deste Tribunal veio requerer a extração para a República Socialista do Vietnam de HL_____, casado, nacional do Vietnam, do sexo masculino, nascido a 4 de junho de 1970, titular do passaporte n° B5______, emitido em Hanói, Vietnam, a 10.10.2011, e válido até 10.10.2021, filho, com última residência conhecida em Vietnam, e na e, em Lisboa referindo que o mesmo é buscado e querido pela dita República com base num Mandado de Captura Internacional emitido pela autoridade judiciária vietnamita a 7 de Novembro de 2019 (referência n° 2019/112328 ) e inserido no Sistema da Interpol com o n° A-11439/11-2019, para detenção com vista à sua extradição para a República Socialista do Vietnam, para procedimento criminal, pela prática de factos praticados em autoria material, que as autoridades judiciárias do Vietnam consideram integradores do crime p. e p. pelo art° 179° do Código Penal da República Socialista do Vietnam.

O extraditando, refere, é procurado pelas autoridades judiciárias do Vietnam, para efeitos de procedimento criminal pela prática dos factos constantes do referido Mandado de Captura Internacional, factos esses ocorridos na República Socialista do Vietnam entre os dias 9 de setembro de 2016 e 16 de janeiro de 2017, factos esses que foram assim descritos:

« Com base em pedido de empréstimo que tinha sido avaliado e recomendado pela agência de Sai Gon do Trust Bank, como membro do Comité de Crédito do Trust Bank, HL_____ Do assinou a aprovação de pedido de empréstimo no montante total de 650 mil milhões de dongues vietnamitas (cerca de 27 milhões de dólares americanos) para as empresas Thinh Quoc Limited Company for Construction Services e Dai HL_____ Phuong Limited Company for Trading Services. A actuação de HL_____ Do causou ao Trust Bank um prejuízo de 471 mil milhões de dongues vietnamitas (cerca de 19,5 milhões de dólares americanos) ». 

Os factos descritos consubstanciam um crime, praticado em autoria material, que as autoridades vietnamitas integram no tipo legal supra referido, que prevê pena de prisão até 20 anos.

Os aludidos factos constituem igualmente crime pela lei portuguesa, sendo a descrição factual susceptível de integrar o tipo legal p. e p. pelo art° 235, n° 1, do Código Penal ( Administração Danosa), correspondendo-lhe pena de prisão de moldura penal abstracta até 5 anos ou o crime de infidelidade p. e p. pelo art° 224°, n° 1, do Código Penal, correspondendo-lhe pena de prisão até 3 anos.

O crime que admite a extradição, não havendo indicação de qualquer motivo que a possa excluir ( art°s 31° e 32° da Lei n° 144/99, de 31/08 ).

O crime de que é suspeito o detido é imprescritível na República Socialista do Vietnam, sendo que em Portugal a pena prescreve no prazo de 15 anos (art° 122°, n° 1, al b) do Código Penal) no caso de integrar o crime de Administração Danosa ou de 10 anos, no caso de se subsumir ao crime de Infidelidade ( art° 122°, n° 1, al c) do Código Penal).

Inicialmente o extraditando foi detido e ouvido nesta Relação tendo-se oposto à extradição não tendo renunciado ao princípio da especialidade e sido ordenada a sua devolução à liberdade sujeito à medida de coacção de apresentação periódica e probição de ausência do país com a entrega de passaporte.

Na sequência do assim decidido veio o extraditando, em tempo, deduzir oposição referindo que desconhece os factos em causa pois que não estão expostos na documentação apresentada e que não se encontra preenchida a dupla incriminação de que a extradição depende, ou seja, que os factos imputados ao extraditando no mandado de captura internacional não configuram qualquer crime perante a ordem jurídica portuguesa (artº 31º nº 2 da Lei 144/99 de 31.08).

Mais refere que a sua entrega às autoridades judiciais vietnamitas pode colocar em risco a sua integridade física, atento a natureza do sistema prisional daquele país, razão pela qual a extradição violaria o princípio da humanidade, podendo estar-se a violar o requisito negativo de cooperação internacional previsto no art° 6°, al. a) da Lei 144/99 de 31.08 (LCJIMP).

Sugere ainda a aplicabilidade ao caso do disposto no art° 5°, n° 1, al f) do Código Penal Português, na hipótese de o tribunal se decidir pela não concessão da extradição.

O Ministério Público respondeu, considerando que a circunstância do extraditando ter vida estabelecida em Portugal em nada obsta à sua extradição.

No mais, refere, “o que sucede com total clareza é a qualificação jurídica efectuada pelo Estado requerente, imputando este ao extraditando a prática de um facto p. e p. pelo art° 179° do código penal de 1999, da República Socialista do Vietname.

A mera consulta na internet permite o acesso a todo o diploma legal em apreço, a saber, ao Código Penal publicado pela lei n° 15/1999/QH10”

Quanto à questão do princípio da dupla incriminação.

O n° 2, do art°. 31° da LCJIMP impõe que o Estado receptor do pedido de extradição verifique se os requisitos formais para a execução do pedido de extradição estão cumpridos.

Nomeadamente, se foi emitido por factos puníveis pela lei penal portuguesa e pela lei do Estado requerente, com pena ou medida de segurança privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um (1) ano.

No tocante a tal verificação, doutrina e jurisprudência consensualizam no sentido de que a dupla incriminação necessária para que a extradição seja concedida, diz respeito à punibilidade dos factos e não à qualificação.

Assim, importa averiguar se os factos com relevância criminal descritos no pedido de extradição, e que mereceram determinada tipificação legal por parte do Estado requerente, encontram igualmente acolhimento punitivo no ordenamento penal português.
E na afirmativa, se são sancionados com pena de prisão máxima não inferior a um ano.

In casu, ao extraditando imputa-se a circunstância de ter assinado e aprovado pedido de empréstimo bancário, no montante de 27 milhões de dólares americanos, causando com tal conduta prejuízo de cerca de 19,50 milhões de dólares americanos ao seu empregador, o Trust Bank.

Quanto à subsunção de tal factualidade no tipo penal português p. e p. pelo art° 224° do Código Penal (crime de infidelidade) alega o extraditando que no mandado de captura internacional é-lhe atribuída a categoria de « membro do comité de Crédito do Trust Bank » sem referência a poderes ou funções de administração e de disposição de bens alheios, concluindo assim que àquele não foram confiados encargos de administração de interesses alheios, razão pela qual tal tipo legal não é subsumível à factualidade descrita no pedido de extradição.

Falece o argumento.  
   
Com efeito, não só no resumo dos factos descritos no mandado de detenção internacional se refere que o extraditando agiu na qualidade de membro do Comité de Crédito da entidade bancária prejudicada, como no subsequente item de tal documento se alude que o mesmo com tal conduta violou regulamentos relativos à concessão de empréstimos em operações de instituições de crédito.
É assim manifesto que se imputa ao extraditando conduta com relevância criminal, levada a cabo na sua qualidade de colaborador com poderes de decisão sobre atribuições de crédito e que agiu munido do efectivo poder, para no quadro da estrutura organizativa da instituição bancária, autorizar disposição patrimonial susceptível de prejudicá-la.

Concretamente qual o tipo do cargo que detinha o extraditando não importa ao Estado de execução apurar, sendo isso matéria que o requerido terá de discutir, se quiser, no processo que lhe é movido na República do Vietname, mas não nestes autos.

O que importa reter nos presentes, por isso ser relevante, é que os elementos que nos foram enviados permitem fazer o juízo que no caso é exigido e consiste no seguinte: os factos imputados ao requerido na República Socialista do Vietname determinaram a emissão de um mandado de detenção internacional e em Portugal pelos mesmos factos seria também possível e legal emitir idêntico mandado relativamente ao extraditando.

Assim, temos para nós como seguro que as exigências do pedido se mostram satisfeitas, atento nomeadamente os art°s 44° e 6º, 7º e 8º, assim como que a extradição não deverá ser excluída com base nos art°s 31° e 32°, todos da Lei n° 144/99, de 31 de agosto.

Quanto à sugestão de que se removido para o Vietname incorrerá em riscos físicos, devido à natureza do sistema prisional, importa dizer que o extraditando não indica factos concretos que poderiam ilustrar a sugerida violação da sua integridade física em contexto prisional no seu país, de resto, dos elementos constantes dos autos não é possível concluir que exista qualquer risco real e concreto em relação ao extraditando, nomeadamente que o processo crime que corre no seu país não venha a respeitar os princípios e regras de um processo justo e equitativo, e de tais princípios e regras não virem a ser respeitados, por não protegidos, que permita, à luz do disposto no art° 6 da Lei n° 144/99, de 31 de agosto, haver fundamento para recusar o pedido de extradição.”

Os autos prosseguiram os seus termos com a junção de diversa prova tendo o Ministério Público apresentado requerimento formal de extradição em tudo idêntico ao anterior com excepção da afirmação que os factos imputados ao extraditando são puníveis perante a Lei Portuguesa pelo disposto no artº 218º nº 2 al. a) do Código Penal sendo que o processo foi submetido pela PGR à Srª Ministra da Justiça a qual declarou admissível o mesmo.

Respeitando o contraditório foi o extraditando notificado do teor de tal requerimento veio reiterar o já por si avançado salientando que nada nos documentos apresentados permite subsumir a conduta do extraditando à comissão de um crime de burla, aquele que agora lhe é imputado como equivalente ao crime vietnamita. Os autos foram a vistos e à conferência

***

IIFundamentação de facto:
- O extraditando é cidadão vietnamita.
- O requerido foi detido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, no dia 3 de Setembro de 2021, pelas 15.30 horas, em Lisboa, tendo assim ocorrido a mesma na área de jurisdição deste Tribunal da Relação de Lisboa.
-A detenção ocorreu com base num Mandado de Captura Internacional emitido pela autoridade judiciária vietnamita a 7 de Novembro de 2019 (referência n° 2019/112328) e inserido no Sistema da Interpol com o n° A-11439/11-2019, para detenção com vista à sua extradição para a República Socialista do Vietnam, para procedimento criminal, pela prática de factos praticados em autoria material, que as autoridades judiciárias do Vietnam consideram integradores do crime p. e p. pelo art° 179° do Código Penal da República Socialista do Vietnam.
-Segundo o qual o detido é procurado pelas autoridades judiciárias do Vietnam, para efeitos de procedimento criminal pela prática dos factos constantes do referido Mandado de Captura Internacional, factos esses ocorridos na República Socialista do Vietnam entre os dias 9 de setembro de 2016 e 16 de janeiro de 2017, factos esses que foram assim descritos:

«Com base em pedido de empréstimo que tinha sido avaliado e recomendado pela agência de Sai Gon do Trust Bank, como membro do Comité de Crédito do Trust Bank, HL_____  assinou a aprovação de pedido de empréstimo no montante total de 650 mil milhões de dongues vietnamitas (cerca de 27 milhões de dólares americanos) para as empresas Thinh Quoc Limited Company for Construction Services e Dai HL_____  Phuong Limited Company for Trading Services. A actuação de HL_____  Do causou ao Trust Bank um prejuízo de 471 mil milhões de dongues vietnamitas ( cerca de 19,5 milhões de dólares americanos) ». 
- Os factos descritos consubstanciam um crime, praticado em autoria material, que as autoridades vietnamitas integram no tipo legal supra referido, que prevê pena de prisão até 20 anos.
- o extraditando reside em Portugal desde 2017 sobrevivendo dos montantes apurados por via do arrendamento local de um apartamento que possui e da pensão da esposa.

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IIIDa apreciação do Requerido

Num pedido de extradição, à semelhança de um processo penal é ao Ministério Público, enquanto representante do Estado Português, a quem compete provar a verificação dos pressupostos da procedência do pedido.

De igual sorte, num pedido de extradição não interessa tanto saber se o extraditando é ou não agente dos factos, se os praticou ou omitiu mas sim determinar se os pressupostos da extradição estão verificados.

Entre os diversos pressupostos um deles é o da dupla incriminação, ou seja, que os factos imputados no país que requer a extradição constituam crime perante o ordenamento penal português.

Assim, dispõe o artº 31º nº 2 da LCJIMP que “Para qualquer desses efeitos (procedimento penal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade por crime cujo julgamento seja da competência dos tribunais do Estado requerente), só é admissível a entrega da pessoa reclamada no caso de crime, ainda que tentado, punível pela lei portuguesa e pela lei do Estado requerente com pena ou medida privativas da liberdade de duração máxima não inferior a um ano.

Ora, o extraditando sustenta que os factos que lhe são imputados, ainda que possam ter sido cometidos (o que não concede) não constituem qualquer crime face ao ordenamento jurídico português.

O Ministério Público contrapõe que “a dupla incriminação necessária para que a extradição seja concedida, diz respeito à punibilidade dos factos e não à qualificação”.

Temos de conceder que, de facto, o que interessa é a punibilidade dos factos e não tanto o nomem iuris do tipo subsumido. Mas, independentemente do nomem iuris, os factos hão-de ser subsumíveis a um tipo criminal punível com pena superior a um ano de prisão.

Ora, o Ministério Público entendeu, após algumas hesitações iniciais, que a subsunção seria ao subsumível ao tipo de burla qualificada.

Compete, pois, a este Tribunal, aceitando como verificados os factos pelo Ministério Público, determinar se estes são subsumíveis ao tipo legal indicado pelo requerente.

Assim, teremos de aceitar que estão verificados os seguintes factos: « Com base em pedido de empréstimo que tinha sido avaliado e recomendado pela agência de Sai Gon do Trust Bank, como membro do Comité de Crédito do Trust Bank, HL_____  Do assinou a aprovação de pedido de empréstimo no montante total de 650 mil milhões de dongues vietnamitas (cerca de 27 milhões de dólares americanos) para as empresas Thinh Quoc Limited Company for Construction Services e Dai HL_____  Phuong Limited Company for Trading Services. A actuação de HL____ causou ao Trust Bank um prejuízo de 471 mil milhões de dongues vietnamitas (cerca de 19,5 milhões de dólares americanos)»

Ora, aceitando que esta factualidade é subsumível ao disposto no artº 179° do Código Penal da República Socialista do Vietnam o qual dispõe: 1. Quem, nas actividades de concessão de créditos, cometer um dos seguintes actos causando graves consequências, será sujeito à multa de dez milhões VND a cinquenta milhões VND ou à pena de prisão de um a sete anos:
a)-Empréstimos sem garantia, contrários ao disposto da lei;
b)-Empréstimos desprezados prescritos;
c)-outros actos de violação ao disposto legal sobre a concessão de créditos nas actividades de crédito.

2.Cometimento de crime causando consequências muito graves, serão punidos com pena de prisão de cinco a doze anos.
3.Cometimento de crime causando consequências particularmente graves, serão punidos com pena de prisão de dez a vinte anos. 
4.Os infractores também podem ser proibidos de exercer determinados cargos profissões ou serviços vinculados a actividades de crédito por um período de um a cinco anos.”, vejamos se o é ao artº 217º e 218º nº 2 al. a) do Código Penal.

Dispõe o primeiro preceito no seu nº 1 que “ 1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

Já o artº 218º nº 2 al. a) do mesmo Código dispõe: “ 2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se: a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;”

Ora, o crime de burla é um crime complexo.

Como se salientou no Ac. do S.T.J. de 12.02.2002, acessível em www.dgsi.pt  (processo 02P3722) “São ... elementos do crime de burla: a) intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo; b) por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou; c) determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outrem, prejuízo patrimonial (Acs. do STJ de 8.2.01, proc n.º 2745/01-5 de 18.1.91, Acs STJ IX, 1, 218, e Ac. de 18-10-2001, 2362/01-5ª). 

O crime de burla apresenta-se como a forma evoluída de captação do alheio em que o agente se serve do erro e do engano para que incauteladamente a vítima se deixe espoliar (Ac. de 19-12-1991, BMJ 412-234).
 
Os elementos que preenchem e informam a tipicidade do crime de burla são o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocados para determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou a terceiro, prejuízo patrimonial, com intenção de obter para o agente ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo (Ac. de 11-10-2001, proc. n.º 1295/01-5, Acs STJ ano IX t 3 pág 192). (…)
Na 1.ª Comissão Revisora do C. Penal referiu «ao lado do erro coloca-se o engano. Mas também não basta qualquer erro; é necessário que ele tenha sido provocado ou aproveitado astuciosamente» (BMJ 287-41) 

«A mera mentira verbal pode, pois, dada a redacção deste artigo, ser meio do induzimento em erro ou do engano, excepto se a mentira for tal que a mais elementar prudência aconselha a que não seja acreditada (salvo se se provar que a vítima, por completa ignorância, ou outro motivo relevante do agente - uma deficiência passageira do raciocínio ou da atenção, resultante, por exemplo, de abalo moral recente - não estava em condições de se precaver)» (Simas Santos e Leal-Henriques, C. Penal Anotado, II, págs 837-89 

No Comentário Conimbricence (A. Almeida Costa, II, pág. 301) referem-se a propósito deste elemento três modalidades: «quando o agente provoca o erro de outrem, descrevendo-lhe, por palavras ou declarações expressas (sob a forma oral ou escrita), uma falsa representação da realidade. A segunda observa-se na hipótese de o erro ser ocasionado, não expressis verbis, mas através de actos concludentes, i.e., de condutas que não consubstanciam, em si mesmas, qualquer declaração, mas, a um critério objectivo - a saber, de acordo com as regras da experiência e os parâmetros ético-sociais vigentes no sector da actividade -, mostram-se adequados a criar uma falsa convicção sobre certo facto passado, presente ou futuro. Em terceiro lugar, refere-se a burla por omissão: ao contrário do que sucede nas situações anteriores, o agente não provoca, agora, o engano do sujeito passivo, limitando-se a aproveitar o estado de erro em que ele já se encontra» 

Ao lado do erro como meio de execução da burla coloca-se também o engano. É necessário que o erro ou engano tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção; isto é, usando de um meio engenhoso para se enganar ou induzir em erro. Trata-se de uma exigência que acresce a um dolo que já de per si é específico, pois que se exige a intenção de enriquecimento ilegítimo (Ac. do STJ de 02-07-1992, proc. n.º 42779). 

(1)-O burlado nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o seu património ou de terceiros porque tem um falso conhecimento da realidade. simplesmente esse seu falso convencimento nasce, no caso do mero engano, da mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. (2)-A vítima, ao ser induzida em erro toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro. Na manutenção do erro a vítima desconhece a realidade, o agente perante o erro já existente, causa a sua persistência, prolongando-o, ao impedir, com a sua conduta astuciosa ou omissiva do dever de informar, que a vítima se liberte dele. (3) O segundo momento do crime de burla é a prática de actos que causem prejuízos patrimoniais. (4)-Tem de existir uma relação entre os meios empregues e o erro e o engano, e entre estes e os actos que vão directamente defraudar o património de terceiros ou do burlado. Mas se o engano é mantido ou produzido e se lhe segue o enriquecimento ilegítimo no sentido civil em prejuízo da vítima, não há lugar a indagações sobre a idoneidade do meio empregue, considerado abstractamente. Da mesma forma não importa apurar se esse meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir uma desculpa para o agente (Ac. de 19-121991, BMVJ 412-234). 
(2)-A astúcia posta pelo burlão tanto pode consistir na invocação de um facto falso, como na falsa qualidade, como na falsificação da escrita, ou outra qualquer. Interessa, apenas, que os factos invocados dêem a uma falsidade a aparência de verdade, ou, como diz a lei alemã, o burlão refira factos falsos ou altere ou dissimule factos verdadeiros. (3) O burlão, actuando com destreza pretende enganar e surpreender a boa fé do burlado de forma a convencê-lo a praticar actos em prejuízo do seu património ou de terceiro. É indispensável, assim, que os actos além de astuciosos, sejam aptos a enganar, não se limitando o burlão a mentir, mentindo com engenho e habilidade, revelando uma maior intensidade no dolo e uma maior susceptibilidade dos outros serem convencidos. (4) Longe de envolver, de forma inevitável, a adopção de processos rebuscados ou engenhosos, a sagacidade do agente comporta uma regra de "economia de esforço", limitando-se o burlão ao que se mostra necessário em função das características da situação e da vítima. (5) A idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente afere-se tomando em consideração as características do concreto burlado (Ac. de 18-10-2001, 2362/01-5ª). 

Finalmente, (4) por erro deve entender-se a falsa (ou a nenhuma) representação da realidade concreta, a funcionar como vício influenciador do consentimento ou da aquiescência da vítima. (5) O engano a que o art. 217.º, n.º 1, do Código Penal, faz referência, continua a equivaler à mera mentira (a uma mentira pré-ordenada). (6) Para a comprovação do crime de burla ganha vulto a imprescindibilidade de uma factualização expressa e inequívoca das práticas integradoras da indução em erro ou da força do engano, pois que só a partir da concretização dessas práticas e dos seus cambiantes envolventes, é lícito e possível exprimir um juízo válido e seguro acerca da vulnerabilidade do sujeito passivo da infracção e, consequentemente, da eficácia frutuosa da relação entre os actos configuradores da astúcia delineada e do erro ou engano engendrados e a cedência do lesado na adopção de atitudes a ele ou a outrem prejudiciais. (7) - Por outras palavras, é necessário que facticialmente se objective a componente subjectiva de que unicamente a insídia do agente foi determinante do comportamento da vítima. (Ac. de 11-10-2001, proc. n.º 1295/01-5, Acs STJ ano IX t. 3 pág. 192 Cons. Oliveira Guimarães). 

Ora, no caso concreto, da leitura da matéria de facto é, desde logo óbvio que os factos arrimados não constituem qualquer burlada desde logo porque no crime de burla é o burlado quem age. Enganado, é verdade, mas é ele quem age como que uma marionete nas mãos do burlão que o leva a fazer tudo com vista ao prejuízo patrimonial.

Ora, o crime aqui em causa, o tal do artº 179º do Código Penal Vietnamita nada tem de burla. No mesmo, lê-se no tipo transcrito, “Quem, nas actividades de concessão de créditos, cometer um dos seguintes actos causando graves consequências, será sujeito (…) ”
Ora esta estrutura típica nada tem a ver com a burla donde o pedido terá de naufragar pela equivalência com a burla.

Poder-se-ia conceber a equivalência entre o tipo e a o tipo da administração danosa ou infidelidade.

Quanto ao primeiro dos tipos dispõe o artigo 235.° do Código Penal que: quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante em unidade económica do sector público ou cooperativo (…)

Assim, para que possa ser assacada responsabilidade criminal ao extraditando, como refere o extraditando, a dita violação dos regulamentos relativos à concessão de empréstimos em operações de instituições de créditos teria de ser levada a efeito em instituição financeira pública.

Contudo, da simples consulta em fonte aberta (https://vir.com.vn/trust-bank- casedefendants-call-for-trial-appeal-63258.html) relativa ao Trust Bank - hoje redenominado de Viet Nam Construction Bank resulta não se tratar de banco participado com capitais públicos, mas privados.

Tratando-se de capitais privados nunca em Portugal o extraditando poderia ser condenado pela comissão de tal crime.

No que respeita ao crime de infidelidade p. e p. pelo artigo 224.° do Código Penal Português.

Prevê o referido dispositivo que: quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante. (…)
Ora, ao extraditando, no mandado de captura internacional ora posto em crise, é atribuída a categoria de membro do Comité de Crédito do Trust Bank.

Em parte alguma se referem quais os poderes ou funções de administração e de disposição de bens alheios que detinha, se algum detinha.

Resulta, assim que não vem afirmado o encargo de administrar (dispor, administrar em sentido restrito, ou fiscalizar) interesses patrimoniais alheios nem sequer vem afirmado que o arguido agiu consciente e dolosamente no sentido de causar graves prejuízos a estes interesses (cfr. A. Taipa de Carvalho, Artigo 224.° - Infidelidade, in: Jorge de Figueiredo Dias (Dir.), Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, 2.a Ed., Anotação 2, pág. 362.).

Assim sendo, não pode ser feita a subsunção a este tipo legal.

E ademais, não vislumbramos que a subsunção possa ser feita a qualquer outro tipo donde não existe dupla incriminação.

E não existindo dupla incriminação não pode a pretensão de extradição prosseguir.

Está prejudicado o conhecimento da verificação dos demais pressupostos e excepções suscitadas.

***

IVDispositivo

Acorda-se, pois, negando provimento ao pedido de extradição, em recusar a extradição de HL____  para a República Socialista do Vietnam, requerida nestes autos.
Sem custas.
Cessam imediatamente as medidas de coacção a que o requerido se encontra sujeito, aguardando o mesmo os ulteriores termos processuais sujeito a TIR já prestado.
Comunique ao OPC a cessação das medidas.
Proceda à entrega do passaporte apreendido junto aos autos agendando com o arguido dia para tal devendo o mesmo assinar o recebimento do passaporte.
Notifique, enviando igualmente cópia à Embaixada do Vietname através dos canais Diplomáticos adequados.
Oficie ao GNI.
 
 
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pelas Venerandas Juízas Adjuntas.


 
Lisboa e Tribunal da Relação, 10 de Novembro de 2021


 
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira -Relator -  
Cristina Almeida e Sousa -1ª Adjunta –  
Rosa Vasconcelos -2ª Adjunta