Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8801/09.8TBCSC-A.L1-2
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONDOMÍNIO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
SANÇÃO PECUNIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. A ata da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo.
II. Sendo a sanção pecuniária de € 10,00, por cada mês de atraso no pagamento da quota-parte, correspondente a uma quantia mensal superior a € 30,00, não se afigura como sendo manifestamente excessiva, tanto do ponto de vista abstrato como concreto.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

“A” e “B” deduziram, no 4.º Juízo Cível da Comarca de Cascais, contra Condomínio do Prédio sito em “C”, Lote HM, Blocos A e B, oposição à execução, para pagamento da quantia de € 8 483,67, instaurada em 18 de novembro de 2009, alegando, designadamente, que a sanção pecuniária é manifestamente excessiva, excedendo o sêxtuplo da dívida, correspondente a € 1 353,67.
Recebida liminarmente a oposição à execução, o Exequente contestou, tendo alegado, além do mais, que a sanção pecuniária não pode ser reduzida.
No início da audiência de discussão e julgamento, as partes transacionaram em parte do pedido, confessando os Executados a dívida no valor de € 1 353,67, transação que foi homologada por sentença.
Depois, realizada a audiência de julgamento, para a discussão da sanção pecuniária, foi proferida, em 19 de junho de 2012, a sentença que, julgando procedente a oposição à execução, declarou extinta a execução.

Inconformado com a sentença, recorreu o Exequente que, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) A ata da assembleia de condóminos, que tiver deliberado o montante das penas, constitui título executivo contra o proprietário, enquadra-se na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, caindo no campo de aplicação do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro.
b) O Tribunal ad quo fez uma interpretação literal dessa norma, violando-a, bem como o disposto no art. 9.º do Código Civil.
c) O legislador quis encontrar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando as relações entre condóminos e terceiros.

Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue improcedente a oposição à execução, determinando o prosseguimento da execução.

Os Executados contra-alegaram, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, está em discussão a exequibilidade da ata da assembleia de condóminos, quanto ao montante da sanção pecuniária, por mora no pagamento da quota-parte, e a sua redução, por manifestamente excessiva.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Na sentença, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Os Executados detêm inscrição a seu favor da aquisição da fração autónoma designada pela letra “DR”, correspondente ao 7.º andar B, Bloco B, do prédio sito na Av. ..., Lote HM, Bloco B, em “C”.
2. Os Executados não pagaram as quotas mensais do condomínio e do fundo comum de reserva, desde agosto de 2006 até à instauração da execução, no valor de € 1 353,67.
3. As quotas mensais, no ano de 2006, orçavam em € 31,99.
4. As quotas mensais, no ano de 2007, orçavam em € 33,85.
5. As quotas mensais, no ano de 2008, orçavam em € 34,24.
6. As quotas mensais, no ano de 2009, orçavam em € 34,24.
7. Na assembleia de condóminos, realizada no dia 5 de abril de 2003, foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes, que o pagamento das quotas mensais seria efetuado até ao dia oito de cada mês.
8. Na assembleia de condóminos, realizada no dia 18 de fevereiro de 2006, foi deliberado, por unanimidade, que, a partir de janeiro de 2006, qualquer condómino que apresente quotas em dívida por um período superior a 90 dias, acresce a cada uma das mensalidades uma sanção pecuniária de € 10,00 mensal, até à completa regularização.
9. O valor patrimonial da fracção autónoma referida, determinado no ano de 2009, é de € 65 632,25.
***

2.2. Delimitada a matéria de facto, que não vem impugnada, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi já especificada.
A sentença recorrida, que julgou procedente a oposição à execução, considerou que as penas pecuniárias não se integram nas situações em que a lei atribui força de título executivo às ata da assembleia de condóminos, concluindo pela inexistência de título executivo.
Contra esse entendimento, manifesta-se o Apelante, defendendo uma interpretação ampla do disposto no art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, de modo a abarcar na expressão “contribuições devidas ao condomínio” as penalizações ou penas pecuniárias.
Por sua vez, os Apelados insistem que as referidas penalizações são manifestamente exageradas e desproporcionadas.
Da descrição dos termos da controvérsia do recurso resulta que o que está em causa é saber se a ata da assembleia de condóminos também constitui título executivo relativamente às penas pecuniárias fixadas pelos condóminos para a inobservância do regime da propriedade horizontal, designadamente no incumprimento do pagamento da quota-parte nas despesas.
Na verdade, os títulos executivos, que servem de base à execução, determinando o seu fim e limites, são taxativos, encontrando-se definidos no art. 46.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)/1961.
Na enumeração dos títulos executivos incluem-se “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” – alínea d) do n.º 1 do art. 46.º do CPC.
Nesse âmbito, dispôs-se no art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, que “a ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Importa recordar que, antes de vigorar o Código Civil (CC) de 1966, a referida ata da assembleia de condóminos constituía título executivo, nos termos previstos do art. 23.º do DL n.º 40 333, de 14 de outubro de 1955.
Esta norma, porém, não se manteve no Código Civil, por o legislador ter submetido a matéria a outros princípios gerais, conducentes a soluções diversas, e por ter entendido que “era demasiado violento atribuir à ata da assembleia a categoria de título executivo” (FRANCISCO R. PARDAL e M. DIAS DA FONSECA, Da Propriedade Horizontal, 3.ª edição, 1983, págs. 234 e 235).
Houve, no entanto, quem entendesse que, tratando-se de uma norma de natureza processual, continuava em vigor com o Código Civil (ABÍLIO NETO, Direitos e Deveres dos Condóminos na Propriedade Horizontal, 1988, pág. 128).
Seja como for, o legislador, conforme declarado no preâmbulo do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, sentiu a necessidade de “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal”.
Por isso, a ata da reunião da assembleia de condóminos, prevista no art. 6.º do DL n.º 268/94, constitui um dos casos de documentos com a natureza de título executivo contemplados pela alínea d) do n.º 1 do art. 46.º do CPC.
E a questão que, então, se coloca, estando no cerne da discussão dos autos, é se a natureza de título executivo se mantém, igualmente, no caso da ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado sobre o montante de “penas pecuniárias”.
Na verdade, como decorre do disposto no art. 1434.º, n.º 1, do CC, a assembleia de condóminos pode fixar “penas pecuniárias” para a inobservância do CC, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
A possibilidade de fixação de penas pecuniárias corresponde à aplicação de um princípio geral de direito (PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume III, 2. ª edição, 1984, pág.450).
A pena pecuniária, correspondente à cláusula penal, prevista no art. 810.º do CC, destina-se a fixar o montante da sanção exigível pelo incumprimento do regime normativo da propriedade horizontal. O incumprimento pode recair sobre normas de diversa natureza, designadamente de caráter pecuniário.
Neste último caso, encontramos a situação mais frequente, respeitante à quota-parte dos condóminos nas despesas, nomeadamente a falta do seu pagamento, no prazo estabelecido, mantida no tempo.
Neste caso, para prevenir comportamentos relapsos, é frequente a assembleia de condóminos fixar uma pena pecuniária para os condóminos que não cumpram a obrigação da sua quota-parte nas despesas do condomínio, na data do seu vencimento, independentemente da exigência dos juros de mora (arts. 804.º e 806.º do CC).
Emergindo a pena pecuniária do incumprimento da quota-parte nas despesas do condomínio, justifica-se que o seu cumprimento coercivo possa observar, também, o mesmo procedimento processual aplicável à quota-parte nas despesas.
Na verdade, trata-se também de um meio de conferir mais eficácia à administração do condomínio, nomeadamente à cobrança oportuna da quota-parte dos condóminos, dissuadindo comportamentos faltosos e prevenindo dificuldades de gestão do condomínio, que podem provir do atraso no pagamento da quota-parte das despesas do condomínio.
Por outro lado, não há motivo suficientemente relevante para diferenciar o cumprimento coercivo da quota-parte nas despesas do da pena pecuniária. Neste sentido, pronuncia-se, abertamente, SANDRA PASSINHAS (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª edição, 2009, págs. 274 e 275).
De resto, quando da entrada em vigor do DL n.º 268/94, já se vinha sentindo a necessidade de alargamento dos títulos executivos, nomeadamente de certos documentos particulares, intenção que se manifestou, de forma clara, na reforma processual empreendida através do DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, e do DL n.º 180/96, de 25 de setembro, e se manteve no novo Código de Processo Civil (art. 703.º).
Neste contexto, admite-se que as penas pecuniárias, resultantes do incumprimento do pagamento das “contribuições devidas ao condomínio”, também possam estar incluídas no âmbito da previsão contemplada no art. 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro.
Por isso, a ata da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo, servindo de base à execução a instaurar pelo administrador, para cobrança coerciva das correspondentes quantias pecuniárias. Neste sentido, decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18 de março de 2010, acessível em www.dgsi.pt (Processo n.º 85 181/05.0YYLSB-A.L1-6).
Em face desta conclusão, e sendo certo que a assembleia de condóminos aprovou uma pena pecuniária para o caso dos condóminos permanecerem em dívida da sua quota-parte por mais de noventa dias, o Apelante dispõe de título executivo, para exigir coercivamente o pagamento da pena pecuniária.

Nas contra-alegações, os Apelados, para além de expressarem a sua concordância com a decisão recorrida, alegaram ainda, reiterando a alegação da oposição à execução, que a sanção pecuniária é manifestamente exagerada e desproporcionada.
A decisão recorrida, porém, não chegou a conhecer desse fundamento, quedando-se pela falta do título executivo, para declarar a extinção da execução, quanto à pena pecuniária, com prejuízo de tal fundamento de oposição à execução.
Nada obstando ao conhecimento desta questão, importa afirmar que, em matéria de cláusula penal, correspondente à pena pecuniária, para além das normas gerais previstas nos artigos 810.º a 812.º do CC, é ainda aplicável, especificamente, no âmbito do regime jurídico da propriedade horizontal, a norma constante do art. 1434.º, n.º 2, do CC.
Segundo esta disposição legal, o montante das penas pecuniárias aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento coletável anual da fração do infrator.
Com a revogação do Código da Contribuição Predial, a referência ao rendimento coletável perdeu algum sentido, pois a lei refere-se, agora, ao valor patrimonial, conforme decorre do disposto no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), na sequência do Código da Contribuição Autárquica.
Contudo, sendo a sanção pecuniária de € 10,00, por cada mês de atraso no pagamento da quota-parte, correspondente a uma quantia mensal superior a € 30,00, não se afigura aquela como sendo manifestamente excessiva ou desproporcionada, tanto do ponto de vista abstrato como concreto. Tratando-se de uma sanção penal, de natureza compulsória ou sancionatória, justifica-se a sua fixação em montante suscetível de compelir ao cumprimento da obrigação, de modo a que o obrigado não incorra na subsequente obrigação de pagar o valor da sanção penal, desde que, porém, o seu montante não seja excessivamente exagerado. Como refere a doutrina, só em casos excecionais se deverá reduzir a cláusula penal, a fim de evitar abusos, pois, de contrário, esvaziavam-se as vantagens advindas da cláusula penal (C.MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, 2005, por A. PINTO MONTEIRO e P. MOTA PINTO, pág. 596).
Assim, não sendo possível reconhecer uma sanção penal manifestamente excessiva, não se justifica a sua redução, por uso da equidade, conforme o disposto no art. 812.º do CC.

Deste modo, procede o recurso, com a consequente revogação da decisão recorrida.

2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. A ata da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo.
II. Sendo a sanção pecuniária de € 10,00, por cada mês de atraso no pagamento da quota-parte, correspondente a uma quantia mensal superior a € 30,00, não se afigura como sendo manifestamente excessiva, tanto do ponto de vista abstrato como concreto.

2.4. Os Apelados, ao ficarem vencidos, por decaimento, tanto na ação como no recurso, são responsáveis pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra vigente da causalidade.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.
2) Condenar os Apelados (Executados) no pagamento das custas, em ambas as instâncias.

Lisboa, 20 de fevereiro de 2014

Olindo dos Santos Geraldes
Lúcia Sousa
Magda Geraldes