Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1325/18.4PBPDL.L1-3
Relator: MARIA ELISA MARQUES
Descritores: AMEAÇA AGRAVADA
DESISTÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE
Sumário: O crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, reveste natureza pública, pelo que a desistência de queixa da ofendida não era susceptível de ser homologada e, por essa via, conduzir à extinção do procedimento criminal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I. RELATÓRIO
1. Recorre o Ministério Público do despacho proferido pelo JLCriminal de Ponta Delgada – J2, que em sede de audiência de julgamento, entre o mais que ora irreleva, declarou extinto o procedimento criminal contra os arguidos E_________e C________, no tocante aos crimes de ameaça agravada p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts.153.º e 155.º, n.º1, alínea a), do C.Penal, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
- O recurso foi interposto do despacho que homologou a desistência de queixa relativamente aos crimes de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, e determinou a extinção do procedimento criminal.
- O crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, reveste natureza pública, pelo que a desistência de queixa da ofendida não era susceptível de ser homologada e, por essa via, conduzir à extinção do procedimento criminal.
- Com efeito, a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, autonomizou o crime até aí previsto no artigo 153.º, n.º 2, do Código Penal, inserindo-o no n.º 1 do artigo 155.º, n.º 1, do mesmo diploma – até então referente apenas ao crime de coacção –, unificando quer os fundamentos da agravação das penas dos crimes de ameaça e de coacção, quer procedimentos por tais crimes.
- Como nem o próprio artigo, nem qualquer outra norma, estabelece que o crime de ameaça agravada previsto e punido pelo artigo 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal depende de queixa, o referido crime reveste natureza pública.
- Dado o disposto no artigo 48.º e nos artigos 49.º, 50.º e 51.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal, a instauração e/ou prosseguimento do procedimento criminal não depende da apresentação de queixa pelos ofendidos; consequentemente, a desistência de queixa não tinha qualquer efeito nos autos.
- Pelo que ao contrário do decidido o tribunal a quo deveria ter prosseguido no julgamento pela prática dos crimes de ameaça agravada, previsto no art. 153.º, n. 1, e art. 155.º, n. 1, al. a), ambos do Código Penal ; não o fazendo violou o estabelecido nos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal e artigo 48.º do Código de Processo Penal.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a decisão recorrida e substituída por despacho que designe data para julgamento dos arguidos pela prática dos crimes de ameaça agravada, previsto pelos artigos 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, por que vinham acusados.
2. Não houve resposta ao recurso.
3. Remetidos os autos ao Tribunal da Relação e aberta vista para efeitos do art.416.º, n.º1, do C.P.Penal, o Exmo.Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que se pronunciou pelo provimento do recurso.
4. Cumprido o disposto no art.417.º, n.º2, do C.P.Penal, não foi apresentada resposta.
5. Colhidos os vistos legais, foram os autos levados à conferência.
II – FUNDAMENTAÇÃO

Decisão recorrida
1. O despacho recorrido tem o seguinte teor:
« O crime do art.º 155º do C. Penal, pese embora posição legislativa relativamente à sua agravação mantem a natureza de "crime mãe" (art.º 153º do C. Penal), uma vez que as circunstâncias elencadas na agravação atuam apenas para agravar a moldura penal e nada aditam ou modificam ao tipo legal de crime de raiz, pois que também nada acrescentam que pressuponha o respectivo preenchimento do ilícito com outros elementos basilares, ao contrário do que sucede em outros tipos legais de crime, como por exemplo nos crimes de homicídio, de furto ou de ofensas corporais, pois ali as circunstâncias agravantes funcionam também como circunstanciais modificativas alterando a moldura penal abstracta através da qual se constroem outros tipos legais de crime sejam eles qualificados ou privilegiados.
Deste modo e de acordo com o que vem a ser entendido a nível doutrinal pelos Professores Eduardo Correia e Figueiredo Dias, entendemos também que o tipo base de crime do art.º 153º não foi beliscado na sua natureza e o legislador não quis alterar aquela natureza do crime base nuclear (semipúblico - como se refere no art.º 153º, n.º 2 do C. Penal).
Na verdade, o crime de ameaça agravada, p.p. pelos artigos 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a) do CP, permite face à sua natureza semi-pública, a desistência do procedimento criminal (neste sentido, Ac. TRL de 14 de Julho de 2011, proc 379/09.9PCRGR.L1).
Efectivamente o crime de raiz mantém-se inalterado nos seus elementos simplesmente agravado, face às circunstâncias de relevo como sendo a qualidade da vítima ou do agente, nas alíneas daquele tipo que não a da alínea a)que é o caso dos autos. Assim sendo, entende-se ser admissível a desistência de queixa formulada nestes autos relativamente aos crimes de ameaça agravada p. e p. art.ºs 153º e 155º, nº1, al. a) do C.P. Penal razão pela qual homologo a referida desistência de queixa tendo em consideração a legitimidade das partes e a desistência apresentada pela ofendida, que os arguidos aceitaram.
Por todo o exposto, ordeno o oportuno arquivamento dos autos.
Sem custas.
*
O âmbito do recurso é delimitado pelo teor das respetivas conclusões, as quais devem sintetizar as razões da discordância, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Face às conclusões apresentadas, a questão em discussão reconduz-se a saber se o crime de ameaça agravada é um crime público, sendo que da decisão a tomar quanto a esta matéria, depende a relevância ou irrelevância da desistência de queixa apresentada relativamente a este crime.
Conhecendo.
Cabe desde já dizer que se subscreve na íntegra a argumentação recursiva.
Complementarmente, apenas se fará alusão ao facto de a Jurisprudência grandemente maioritária defender revestir o crime de ameaças p. e p pelos art. 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a), do Cód. Penal, atualmente, natureza pública.
A título meramente exemplificativo vejam-se os acórdão coligidos pelo Exmo PGA, a envolver todas as Relações, de que destacaremos a título de exemplo, o acórdão do TRC de 10.12.2013; TRG 25.2.2014, TRE de 7.4.2015; TRL 19.5.2015, e TRP de 15.6.2016, todos disponíveis in dgsi.pt.
Em conformidade com o entendimento expresso no recurso e Acórdãos que vem de se citar é de concluir pela procedência do recurso.
III- DECISÃO
Em conformidade com o exposto, acordam os juízes da 3ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o Recurso, revogando a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, julgando irrelevante a desistência de queixa relativa ao crime de ameaças agravado, ordene o prosseguimento dos autos, quanto a ele, o prosseguimento dos autos.
Sem custas.

Lisboa, 18 de Dezembro de 2019

Maria Elisa Marques
Adelina Barradas de Oliveira