Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1938/12.8PSLSB.L1-9
Relator: FRANCISCO CARAMELO
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
PROVA INDICIÁRIA
PROVA DIRECTA
PROVA INDIRECTA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO
CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Sumário: I - A prova não se resume à directa. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
II - Entre os meios de prova admissíveis em processo penal, o tribunal pode socorrer-se de presunções judiciais ou máximas da experiência inspiradas nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.
III - Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
IV - A atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos não é de aplicação necessária e obrigatória; não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; é de conhecimento oficioso; a consideração da sua aplicação não constitui urna mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; é de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa, havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a aplicação ou não aplicação.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, precedendo conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

                                                I

1. Nos autos em referência, da 1ª Sec. do 4º Juízo Criminal de Lisboa, foram julgados  com a intervenção de Tribunal Colectivo os arguidos:

RP...,  (…) e actualmente detido em Prisão Preventiva à ordem dos presentes autos,

NC..., (…) e actualmente detido em Prisão Preventiva à ordem dos presentes autos, acusados como co-autores, na forma consumada e, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 26°, 131.° e 132°, n.° 2, alíneas e), todos do Código Penal, e, um crime de furto, p. e p. pelos artigos 203°, n.° 1 e 26°, do Código Penal.

 

2. A final veio a decidir-se, por acórdão proferido em 18 de Dezembro de 2014, nos seguintes termos:

a) Absolver aos arguidos da instância quanto ao crime de furto simples p e p pelo art. 203° do CP, por falta de legitimidade do M°P° em deduzir acusação;

b) Condenar os arguidos RP... e NC... como co-autores materiais de um crime de homicídio qualificado p e p no art° 131° e 132° n° 2 al. e) do CP, na pena de 11 anos e 6 meses de prisão para cada um.

c) Absolver os arguidos da instância Cível quanto aos pedidos de pagamento da quantia de100.000,00€ a título de dano morte, 60.000,00€ a título de danos não patrimoniais da vítima.

d)-Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente e, em consequência, condenar os arguidos, solidariamente, a pagarem ao demandante, a titulo de danos não patrimoniais por si sofridos, a indemnização cível de 20.000,00€.

3. Inconformado com o decidido, dele veio recorrer o arguido, NC..., bem como o Exm.o Mº.Pº. junto do Tribunal recorrido.

Recurso do arguido, NC...

Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões:

Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão de fls e segs e proferido nos autos de Processo comum com intervenção do Tribunal Colectivo, que condenou NC... em:

a) Na pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime de Homicídio Qualificado p e p no art° 131° e 132° al. e) do CP;

b)E ainda, solidariamente com o co-Arguido RP..., no pagamento ao Demandante do montante de € 20.000,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais por este sofridos.

II Entende o arguido, ora Recorrente, que o douto Acórdão deu erradamente como provada factualidade que em face da prova produzida em julgamento não poderia ter sido dada como provada, nos termos em que o foi, encontrando-se inclusive em contradição com a respectiva fundamentação, pelo que enferma assim de manifesto erro de julgamento em claro e inequívoco prejuízo do ora Recorrente, que não deveria ter sido condenado no crime de Homicídio Qualificado de que vinha acusado.

III Por outro lado, e mesmo que por hipótese académica venha a ser mantida inalterada a factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, a pena que lhe foi aplicada revela-se ainda assim excessiva, violadora do disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.

IVAcresce ainda que, além de não ser devido, se mostra excessivo o montante em que, solidariamente com o Co-Arguido, foi condenado a pagar ao Demandante

VOra, acontece, porém, que em audiência, pese embora o Recorrente tenha confessado ter agredido a vítima, nunca confessou, e não o poderia fazer, o homicídio da vítima.

VI No seu depoimento, o Recorrente presta as suas declarações de modo objectivo, pormenorizado, coerente, convicto e sem titubear, com a serenidade própria de quem descreve a verdade.

VII E nele apenas admite a factualidade dada como assente nos pontos 1, 2, 3, 4 e 5 dos factos provados, em suma, e resumidamente, que:

f) Naquele dia após sair da discoteca situada na zona da Expo, em Lisboa, percorreu a pé o Parque José Gomes Ferreira;

g) Nesse percurso foi abordado por OA..., que lhe referiu que era perigos por ali andar àquela hora;

h)E que em face de tal afirmação (e acrescente-se, assumindo - erradamente - que estaria eminente ser alvo de assalto ou agressão), reagindo àquilo que na altura configurou como um acto preparatório de uma agressão eminente, desferiu dois socos na face de OA..., tendo-o deixado atordoada;

i)Após o que, lhe desferiu um pontapé nas pernas, provocando a queda da vítima OA...;

J) E uma vez este no chão, desferiu-lhe ainda quatro pontapés no corpo, deixando-o inconsciente (e aqui, em contradição com a referência constante do ponto 4 da matéria assente, na parte em que ali se refere "inúmeros pontapés".

VIII Recorde-se que tal depoimento - gravado em CD, com duração de 34min:2lseg, início às 10:22:49 do dia 11.12.2014 e fim às 10:46:13 do mesmo dia -, assim como o do co-arguido RP...- gravado em CD, com duração de 34min:21 seg, início às 09:58:15 do dia 11.12.2014 e fim às 10:22:46 do mesmo dia -, foi tido em especial consideração pelo tribunal a quo para a formação da convicção sobre a matéria de facto dada como assente que, como bem reconhece no douto Acórdão, foram decisivos para o cabal esclarecimento dos factos, sendo que "se os arguidos não tivessem colaborado com a justiça desde o primeiro momento em que foram confrontados com os factos dificilmente se chegaria à autoria dos mesmos".

IX A versão apresentada pelo Recorrente resulta corroborada pelo depoimento prestado pelo co-arguido RP..., que confirma que após a sua chegada ao local, ele próprio e sem qualquer intervenção activa do Recorrente, prosseguiu a agressão à vitima.

X Aliás, não só o co-arguido RP...admitiu em julgamento que, após a sua chegada ao local, o ora Recorrente não mais agrediu a vítima, como tal factualidade é referenciada na motivação da decisão de facto pelo Tribunal a quo.

XI Na verdade, cotejando-a pode ler-se que, "A versão dos factos relatada pelo arguido NC... foi corroborada pelo arguido RP...que, apesar de não ter realizado uma confissão integral e sem reservas, admitiu, no essencial os factos descritos na acusação. Com efeito, confirmou que se dirigiu ao local dos factos na sequência do telefonema do NC..., quando chegou ao local deparou-se com a vítima deitada no solo e de imediato deferiu-lhe pontapés (ele, RP...), despiram-na e em seguida voltou (ele, RP...) a agredir a vítima com um cinto. Confirmou, ainda, terem removido a vítima para outro local, no meio das ervas":

XII Do exposto resulta que, jamais poderia o Tribunal a quo dar como provado o que se refere nos Pontos 6 e 7 dos factos provados, concretamente quando refere que:

8.(..) e juntos desferiram na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça. (sublinhado nosso)

9.Fazendo uso de um cinto, desferiram-lhe várias chicotadas por várias partes do corpo ( ..) (sublinhado nosso)

XIII E não o poderia ter dado como provado, porque simplesmente não aconteceu, como resulta dos depoimentos do co-arguidos e da própria motivação da matéria de facto, pois todas as agressões perpetradas à vítima após a chegada do co-arguido RP...foram-nos apenas e só por este.

XIV Ao invés, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado, no ponto 6, que o co-arguido RP...desferiu na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça;

XV E no ponto 7, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que fazendo uso de um cinto, o Co-arguido RP...desferiu na vítima várias chicotadas por várias partes do corpo (...)

XVI Acresce que, o Recorrente nunca quis provocar a morte da vítima, não tendo sequer naqueles instantes representado como possível que da sua actuação pudesse vir a resultar na morte da vítima, e nunca se conformou como tal eventualidade.

XVII Na verdade, a sua actuação, temporalmente circunscrita, teve por móbil evitar aquilo que o Recorrente configurou como sendo uma ameaça actual à sua integridade física, mas que na realidade não era, agindo por isso em verdadeira situação de legítima defesa putativa.

XVIII Por outro lado, a agressão perpetrada pelo Recorrente, embora seguramente violenta (atento o facto de a vítima ter, em consequência das mesma, ficado prostrada no solo e inconsciente), não foi ainda assim idónea a provocar a morte da vítima, e confinou-se temporalmente aos momentos iniciais dos factos ocorridos no Parque, e portanto, antes da chegada do co-arguido RP...ao local.

XIX E tal circunstancialismo resulta claramente dos depoimentos prestados em audiência pelo Recorrente e pelo Co-arguido, que confirmam que o Recorrente "apenas" agrediu a vítima antes da chegada do RP..., tendo sido este e apenas este que, após a sua chegada, de forma gratuita e reiteradamente, prosseguiu a agressão à vítima, primeiro a pontapé e seguidamente fazendo uso de um cinto.

XX E fê-lo durante 15/20 mins, e sem qualquer intervenção activa do ora Recorrente, conforme resulta dos depoimentos prestados por ambos em audiência.

XXI Atenta a violência da agressão perpetrada pelo co-arguido RP..., reiteração dos golpes infligido, os meios empregues e a duração da mesma, facilmente se retira que foi da violenta agressão perpetrada pelo co-arguido RP..., e só por este, que vieram a resultar as lesões traumáticas que determinaram a morte da vítima.

XXII Note-se desde logo a tipologia das lesões evidenciadas no Relatório da Autópsia, designadamente no que se refere às lesões traumáticas na cabeça da vítima, são coerentes com o meio empregue pelo co-arguido RP...durante os 15/20 min em que agrediu a vítima (de natureza contundente ou agindo como tal e idóneo a produzir tais fraturas), mas não coerente com a agressão que anteriormente havia sido perpetrada pelo ora Recorrente.

XXIII Foram as lesões crânio-megingo-encefálicas resultantes da agressão perpetrada pelo co-arguido RP...que vieram a determinar a morte da vítima.

XXIV Daí que, no entender do Recorrente, não poderia o Tribunal a quo dar como provado, nos moldes em que o fez e no que ao Recorrente diz respeito, a factualidade que vem vertida nos pontos 13, 14, 15 e 16 dos factos provados.

XXV E tal alteração da matéria de facto teria, conjugada com a descrição que o mesmo efectuou dos primeiros momentos relativos aos acontecimentos ocorridos no Parque, dramática influência na qualificação da factualidade que lhe era imputada.

XXVI A conduta do arguido NC..., ora Recorrente, embora passível de censura penal, não é integradora do crime de que vem acusado e condenado em ia instância, sendo, quanto muito, integradora do crime de ofensa à integridade física grave p e p nos Art.° 144° do Código Penal, com os necessários reflexos na pena a aplicar.

XXVII Mas mesmo que por hipótese académica venha a ser mantida inalterada a factualidade dada como provada em juízo e subsumida ao Direito aplicável, a pena que lhe foi aplicada revela-se ainda assim excessiva, violadora do disposto no artigo 71º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação.

XXVIII Tendo presente que à data à data dos factos os arguidos tinham menos de 21 anos de idade (concretamente 19 e 20 anos), e que não tinham antecedentes criminais e admitiram a prática dos factos e revelaram, através dessa admissão, um juízo de auto-censura, o Tribunal a quo, decidiu atenuar especialmente a pena prevista para o crime de homicídio cometido pelos arguidos, por aplicação do disposto no art.° 40 do DL 401/82 de 23.9, fixando assim a moldura penal abstracta em 2 anos e 4 meses a 16 anos e 8 meses de prisão, e condenando a final o ora Recorrente na pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

XXIX Porém, levando em devida consideração, e na plenitude como se lhe exigia, a globalidade das exigências norteadores previstas no supra mencionado dispositivo, e ponderando todas as circunstâncias que depuseram contra e a favor do arguido considerar-se justa, adequada e proporcional, no caso concreto, a aplicação ao arguido NC..., ora Recorrente, da pena que não exceda 8 (oito) anos de prisão.

XXX Em face da matéria de facto dada como assente a este propósito, o Tribunal a quo, considerando "demonstrada nos autos uma relação entre pai e filho, bem como um elevado grau de sofrimento decorrente da morte daquele", entendeu justa e adequada a fixação do montante de €20.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante civil, valor que o ora Recorrente considera excessivo, mesmo tendo em conta que tais danos deverão ser ressarcidos, porque verificados face à prova produzida em julgamento.

XXXI Ora, do que fica dito relativamente à matéria penal e em particular ao crime por este efectivamente praticado, e caso a tese sufragada mereça in tottum acolhimento por parte do Tribunal ad quem, o Recorrente terá forçosamente de ser absolvido do pedido Cível, porquanto, não tendo praticado o crime de homicídio, não poderá sequer sobre si recair o dever de indemnizar o demandante civil nos termos e com os fundamentos constantes da decisão recorrida.

XXXII Não obstante, caso seja outro o entendimento do Tribunal ad quem, sendo certo que a fixação de montante indemnizatório a titulo de danos não patrimoniais traduz, como bem vem referido no douto Acórdão ora colocado em crise, a compensação da angustia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou", devendo o montante a fixar constituir uma efectiva e adequada compensação pelo mal sofrido, não devendo por isso assumir feição meramente simbólica, como se refere no Ac. STJ de 23.04.2008 citado pelo Tribunal a quo, no entender do Recorrente, mostrar-se-á equitativa e adequada a fixação de um montante não superior a € 15.000,00

Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e alterado o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro sufragando a tese do Recorrente, o absolva do crime de homicídio qualificado que vem acusado e absolvendo-o do pedido cível.

Caso não seja esse o Douto entendimento do Tribunal mantendo inalterada a matéria de facto dada como assente, e consequentemente, a condenação do Recorrente pelo crime de homicídio qualificado, deverá ser alterado o Acórdão recorrido no que se reporta à medida da pena aplicada, reduzindo-a para o máximo de 8 (oito) anos de prisão, e, decidindo do recurso quanto à matéria cível, condenando-o, solidariamente com o co¬arguido RP..., em montante não superior a €15.000,00

Recurso do Mº.Pº

Extraiu da correspondente motivação as seguintes conclusões:

1.Por douto acórdão proferido no processo supra-identificado foram os arguidos RP... e NC... condenados pela prática de um crime de homicídio qualificado previsto e punido no artº 131º e 132º nº 2 al. e) do Código Penal, na pena de 11 anos e 6 meses de prisão cada um, por aplicação do regime de atenuação especial previsto pelo art.º 4º do DL nº 401/82 de 23 de Setembro; e

2.Absolvidos da prática de um crime de furto simples previsto e punido pelo artº 203º, nº. 1 do Código Penal.

3.O acórdão impugnado estabeleceu que o crime ocorrera sem que tivesse havido qualquer provocação por parte da vítima, sendo esta morta à pancada e à chicotada sem que jamais conseguisse esboçar a menor reacção;

4.Com efeito, o arguido NC... espancou a vítima, “desferindo-lhe inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça”;

5.Já com o arguido RP...presente, ambos “desferiram na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça”;

6.E, “fazendo uso de um cinto, desferiram-lhe várias chicotadas por várias partes do corpo, ao que a fivela do mesmo se partiu”;

7.Causando-lhe, ao longo dos 15 a 20 minutos que duraram as agressões, “lesões corporais graves, no pescoço, no tórax, no abdómen e na cabeça, causando-lhe lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas que, de forma directa e adequada, lhe provocaram a morte”;

8.De seguida, os arguidos despiram completamente a vítima – que ainda respirava –, removeram o corpo para local mais afastado da pista pedonal onde o crime ocorrera e saíram do Parque José Gomes Ferreira sem providenciar por que lhe fosse prestado socorro;

9.Vindo a autoria do crime a ser descoberta apenas cerca de 2 anos mais tarde, depois de a PJ ter conseguido identificar as impressões digitais que um dos arguidos deixara nos óculos da vítima;

10. Apesar da selvajaria revelada pelos arguidos, bem expressa na violência com que assassinaram, de forma absolutamente gratuita, um cidadão de 60 anos e o abandonaram completamente nu num parque deserto e de madrugada, o Colectivo entendeu aplicar-lhes, injustificadamente, o regime da atenuação especial da pena previsto pelo art.º 4º do DL nº. 401/82 de 23 de Setembro, graduando o quantum em 11 anos e 6 meses de prisão; 

11.Justificando tal opção pela existência de um alegado arrependimento dos arguidos, de que não existe eco nos autos e que é desmentido pelos seus actos;

12.Desrespeitando, assim, jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e “premiando” a inqualificável postura dos arguidos com uma pena cuja brandura não tem qualquer fundamento;

13.Violando, pois, o disposto nos art.ºs 4º do DL nº. 401/82 de 23 de Setembro, 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1 e 2, als. a) a f) do Código Penal;

14.Para além disso, o acórdão recorrido arquivou os autos na parte relativa ao crime de furto simples de que vinham também acusados os arguidos, por falta de legitimidade do Ministério Público para promover a acção penal, já que o ofendido falecera sem manifestar desejo de procedimento por tais factos;

15.Ora, a acusação enferma de lapso na qualificação jurídica dos factos constantes do seu ponto 11, pois as circunstâncias descritas e a violência infligida ao ofendido anteriormente referida indiciam, não um crime de furto, mas um crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º, nº. 1 do Código Penal, ilícito que reveste natureza pública;

16.Pelo que o Tribunal deveria ter comunicado uma alteração da qualificação jurídica aos arguidos – de acordo com o disposto no art.º 358º, n.º 3 do Código de Processo Penal –, fazendo constar posteriormente os factos descritos no mencionado nº. 11 da acusação no elenco dos FACTOS PROVADOS;

17. Não o fazendo, decidindo incorrectamente sobre este ponto e não o considerando provado ou não provado, apesar de expressamente mencionado na acusação e da admissão de tais factos pelos arguidos, o douto acórdão incorreu em omissão de pronúncia – art.º 379º, n.º 1, al. c) do CPP –, o que implica a sua nulidade; a qual se afigura suprível pelo próprio Tribunal a quo, de acordo com o disposto no nº. 2 do cit. art.º 379º ou, crê-se, pelo Tribunal Superior caso a 1ª instância o não faça, conforme sugerido;

18.Deverá, pois, o douto acórdão recorrido ser alterado no sentido proposto, agravando-se as penas aplicadas a cada um dos arguidos para quantum superior à média da moldura penal prevista para o crime de homicídio qualificado, o que cumprirá mais adequadamente as finalidades visadas pela punição.

4. Respondeu o Exmo. Procurador da Republica, no tribunal recorrido, nos termos constantes de fls.1192 a 1194, pugnando pelo não provimento do recurso interposto pelo arguido, NC....

5. Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no parecer de fls. 1309 e 1310, concluiu pela procedência do recurso interposto pelo Mº.Pº. e pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, NC....

6. Foi cumprido o disposto no artº 417 nº 2 do CPP, não tendo sido apresentada qualquer resposta por parte dos recorrentes.

7. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

             II – Fundamentação:

8. Em 1.ª instância, foram dados como provados e não provados os seguintes factos:

8.1 Factos provados:

1-No dia 7 de Outubro de 2012, entre as 4h e as 5h, os arguidos e um amigo saíram de uma discoteca situada na zona da Expo em Lisboa, tendo o arguido RP...e o amigo deixado o arguido NC... junto ao Parque José Gomes Ferreira, em Lisboa, Parque que este percorreu a pé para chegar a casa.

2-Nesse percurso pelo Parque, o arguido NC... encontrou a vítima OA..., que lhe referiu que era perigoso andar por ali aquela hora, ao que o arguido se aproximou deste e lhe desferiu dois socos na face, tendo a vitima começado a cambalear.

3-Aproveitando o desequilíbrio, o arguido NC... desferiu em OA... um pontapé nas pernas, ao que a este caiu de bruços.

4-Com a vítima caída o arguido NC... espancou-o, desferindo-lhe inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça.

5-Entretanto e com OA...... caído, inanimado no solo, por vezes emitindo um "ronco", denunciando dificuldades em respirar, o arguido ligou ao arguido, seu tio RP..., explicando-lhe o que se passava.

6-Decorridos alguns minutos o arguido RP...juntou-se ao arguido NC... e juntos desferiram na vítima inúmeros pontapés, que o atingiram aleatoriamente por todo o corpo, mas com maior incidência na zona da cabeça.

7-Fazendo uso de um cinto, desferiram-lhe várias chicotadas por várias partes do corpo, ao que a fivela do mesmo se partiu.

8-Por via dessa agressão, resultaram para a vítima lesões corporais graves, no pescoço, no tórax, no abdómen e na cabeça, causando-lhe lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas que, de forma directa e adequada, lhe provocaram a morte.

Tais lesões são as seguintes: Do Exame do Hábito Externo : na cabeça - ferimento lácero-contuso com quatro centímetros de comprimento, na região parietal esquerda; escoriação com cinco por dois centímetros na metade direita da região frontal; escoriação com dois centímetros e meio por um centímetro e meio na metade esquerda da região frontal; pequena escoriação com um centímetro de diâmetro na metade esquerda do supracílio direito; várias escoriações ao longo do supracílio esquerdo, medindo a maior, mais externa, um centímetro e meio de diâmetro; escoriação com três centímetros e meio por dois centímetros da região malar direita; escoriação com seis por três centímetros e meio do região malar esquerda; Pescoço — Equimose arroxeada com cerca de dois centímetros de diâmetro na face lateral direita; Tórax — três escoriações na face anterior do hemotórax direito, abaixo do mamilo, medindo dois por um centímetro e meio a de maior dimensões; duas escoriações lineares com cerca de meio centímetro de largura, formando uma linha horizontal no hemotórax esquerdo, ao nível do rebordo costal, com nove (a mais interna) e cinco (a mais externa) centímetros de comprimento; Outra escoriação linear semelhante e paralela às anteriores, situada abaixo destas e distando das mesmas doze centímetros, localizada já no flanco esquerdo, medindo doze centímetros de comprimento; escoriação com dois centímetros por um centímetro entre as duas escoriações lineares atrás descritas, na face lateral do hemotórax esquerdo rodeada de área de purpura hemorrágica; pequena escoriação com um centímetro e meio de maior diâmetro no cavado axilar esquerdo; Área escoriada formada por múltiplas escoriações lineares e paralelas entre si, de direção transversal, na face anterior do hemotórax esquerdo, abaixo do mamilo, semelhante à anterior , mas de direção obliqua mediolateralmente de cima para baixo, abaixo e lateralmente à anterior, com três por dois centímetros de maiores dimensões, Área escoriada com seis por quatro centímetros na face posterior do hemotórax esquerdo; Abdómen - Escoriação linear com cerca de meio centímetro de largura, formando uma linha horizontal na fossa ilíaca esquerda, com cinco centímetros de comprimento. Outra Escoriação linear semelhante e paralela à anterior, situada abaixo desta e distando da mesma oito centímetros, medindo quatro centímetros de comprimento; Escoriação com três centímetros e meio por quatro centímetros entre as duas escoriações lineares atrás descritas; Escoriação com oito por dois centímetros e meio abaixo da escoriação linear mais inferior atrás descrita, no flanco esquerdo, rodeada de área de purpura hemorrágica; Membro Superior Direito – Duas escoriações na face lateral do cotovelo, com cerca de dois centímetros de diâmetro cada; Membro Superior Esquerdo- Area escoriada com três por um centímetro na face posterior e medial do cotovelo; Membro Inferior Direito – Várias escoriações na face anterior do joelho, medindo seis por dois centímetros a de maiores dimensões; Várias escoriações na face medial e posterior do terço médio da perna, medindo dois por um centímetro a de maiores dimensões; Calcanhar com pequena escoriação de um centímetro de diâmetro; Membro inferior Esquerdo- Três escoriações na face anterior do joelho, medindo um por meio centímetro de maiores dimensões; Várias Escoriações na face lateral do joelho, prolongando-se à face lateral do terço proximal da perna, medindo oito centímetros e meio por quatro centímetros a de maiores dimensões; Varias escoriações no rombo poplíteo, medindo dois por um centímetro a de maiores dimensões; área escoriada com onze centímetro por um centímetro do dorso do pé, seguindo o eixo longitudinal do pé desde o primeiro espaço interdigital;

Do Exame do Hábito Externo: Na cabeça : fratura comutiva e multiesquirolosa abrangendo ambos os ossos parietais e o osso temporal esquerdo, com afundamento na região temporal; fratura cominutiva e multiesquirolosa abrangendo a fossa média e o rochedo, á esquerda; Clavícula Cartilagens e Costelas Esquerdas – Fratura das 6a, 7a, 8a, 9a, loa e 11 a costelas pelo arco médio, com infiltração sanguínea dos topos e dos tecidos moles adjacentes; Clavícula, Cartilagens e Costelas Esquerdas – Fractura das 6a, 7a, 8a , 9a e 10a costelas pelo arco médio, com infiltração sanguínea dos topos e dos tecidos moles adjacentes.

10-Posteriormente e, já com OA... completamente inanimado, os arguidos despiram-no, tirando-lhe inclusive os sapatos, as peúgas e as cuecas, na perspectiva de encontrarem alguma quantia em dinheiro aí escondida.

11-Antes de abandonarem o local, os arguidos trataram de transportar o cadáver da vítima para uma zona de vegetação mais densa e mais afastada do local das agressões, na tentativa de dificultarem a sua descoberta pelas autoridades.

12-De seguida os arguidos ausentaram-se do local dirigindo-se para as respectivas residências como se nada tivesse acontecido.

13-Os arguidos empregaram força física tal como se descreveu, querendo provocar a morte da vítima, com a qual se conformaram, desfecho que, aliás, representaram como consequência das suas condutas.

14-Ao agir da forma descrita, os arguidos fizeram-no sem qualquer motivo, agindo com determinação, de forma insensível e com total indiferença pela vida de OA....

15-Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente.

16-Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.

17-O arguido RP...tem o 6° ano de escolaridade, antes de ser preso vivia com os pais e irmãos, frequentava o 2 ° ano de um curso de formação profissional na área da electricidade e fazia uns «biscates».

18-O arguido RP...consumia haxixe, desde os 16 anos de idade, de forma esporádica, bem como bebidas alcoólicas, sobretudo ao fim de semana.

19-O arguido NC... tem o 6°ano de escolaridade, vivia com a namorada, em casa arrendada, trabalhava na construção civil onde auferia cerca de 500,00€ mensais, desde os 14 anos que consome haxixe e canábis diariamente, com abuso regular de bebidas alcoólicas

20-O arguido NC... beneficia do apoio da sua namorada e uma irmã que reside em França e recebe visitas da sua mãe.

21-O arguido NC... foi condenado por decisão de 17-09-2013, na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 26-8-2012, de um crime de dano p e p pelo art° 212° do CP.

22-O arguido RP...foi condenado por decisão de 17-09-2013, na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 26-8-2012, de um crime de dano p e p pelo art° 212° do CP.

23-O assistente MA... é filho do falecido OA... e sofreu um enorme desgosto com morte do seu pai.

24-O MA... preocupava-se com o vida do seu pai e com o seu bem estar procurando, por várias vezes, convencê-lo a ir viver para a sua casa com os restantes membros da família.

25-Frequentememte visitava o pai na rua levando-lhe mantimentos, comida, comida e tendo-lhe dado um cartão bancário porta-moedas com quantias para quele levantar à medida que fosse precisando.

26-O MA... era, antes da morte do pai, uma pessoa alegre e bem disposta e dinâmica.

27-Durante a investigação o assistente foi considerado suspeito de ter morto o pai, tendo sido realizadas buscas domiciliárias à sua casa, tendo em virtude disso sofrido enorme angústia e perturbação.

28-O assistente tinha como projecto de vida com o pai, a reinserção do mesmo no seio familiar.

29-Após a morte do seu pai o assistente sentiu-se triste e revoltado

8.2 – O tribunal recorrido exarou a seguinte motivação da decisão de facto:

O Tribunal formou a sua convicção com base nos seguintes meios de prova:

a)  Declarações dos arguidos;

b) Depoimentos das testemunhas: x, Y, Z;;

c) Relatório do LPC de fls. 607 e 667-672, relatório de toxicologia de fls. 402, biotoxicologia de fls. 447-455 ;

d) Relatório de autópsia de fls. 399-401;

e) Relatórios sociais juntos aos autos

f) CRC do arguido junto aos autos.

A convicção do tribunal para a decisão sobre a matéria de facto alicerçou-se na análise critica da prova produzida em audiência de julgamento.

Assim, quanto ao facto dos arguidos terem estado juntos na noite do dia 7-10-2012, locais que frequentaram, percurso que realizaram, consumo de bebidas alcoólicas por parte de ambos, o tribunal teve em consideração as declarações dos arguidos que descreveram, de uma forma coerente e credível, os locais que frequentaram nessa noite e o percurso que realizaram até à entrada do Parque José Gomes Ferreira. Estas declarações foram corroboradas pelo depoimento da testemunha x, amigo dos arguidos, que concretizou ter saído nessa noite com os arguidos para a discoteca e que ambos os arguidos encontravam-se embriagados quando, já de madrugada, saíram da discoteca.

Quanto aos factos relacionados com os acontecimentos ocorridos no interior do Parque José Gomes Ferreira, em Lisboa, a convicção do Tribunal fundou-se, fundamentalmente, nas declarações do arguido NC... o qual, sem fazer uma confissão integral em sem reservas, admitiu quase na íntegra o essencial dos factos descritos na acusação. Com efeito, relatou o percurso que realizou no interior do Parque, a forma como a vítima o abordou, dizendo que era perigoso «andar por ali» e a forma como reagiu, desferindo-lhe socos e pontapés. Concretizou que, em consequência dos socos e pontapés, a vítima caiu no solo sem reagir e que uma vez no chão voltou a desferir-lhe mais quatro pontapés. Esclareceu, ainda, o motivo que o levou a ligar para o arguido RP..., seu tio, e concretizou que quando ligou ao seu tio lhe referiu que tinha agredido uma pessoa e que esta estava caída no chão.

Em relação aos factos relacionados com a presença do arguido RP...no local dos acontecimentos, o motivo que o determinou dirigir-se ao local, à forma como reagiu quando chegou ao local, o tribunal teve em conta, mais uma vez, as declarações do arguido NC... o qual relatou que o co-arguido demorou cerca de 5 minutos a chegar ao local e, uma vez aí, de imediato pontapeou a vitima e em seguida atingiu-a com cinto sem que esta tivesse reagido, apenas imitia uns ruídos. Concretizou, ainda, que o RP...agrediu a vítima, durante cerca de 15/20 minutos, despiram-na e removeram-na para outro local, no meio da vegetação e em seguida foram embora.

A versão dos factos relatada pelo arguido NC... foi corroborada pelo arguido RP...que, apesar de não ter realizado uma confissão integral e sem reservas, admitiu, no essencial os factos descritos na acusação. Com efeito, confirmou que se dirigiu ao local dos factos na sequência do telefonema do NC..., quando chegou ao local deparou-se com a vítima deitada no solo e de imediato desferiu-lhe pontapés, despiram-na e em seguida voltou a agredir a vítima com um cinto. Concretizou, igualmente, que a vítima nunca reagiu e que respirava com dificuldade. Confirmou, ainda, terem removido a vítima para outro local, no meio das ervas.

A versão dos arguidos, no que concerne à forma como foram provocadas as agressões, a gravidade da mesmas e zonas do corpo atingidas, mostra-se compatível com o relatório médico-legal de autópsia. Quanto à causa da morte, a convicção do Tribunal fundou-se no relatório médico-legal de autópsia junto a fls. 399-401.

Ambos os arguidos referiram que nunca pensaram que a vítima pudesse vir a falecer em consequência das agressões. Nesta parte, a versão dos arguidos não mereceu, como não poderia deixar de ser, acolhimento por parte do tribunal. Como vimos, os arguidos admitiram terem agredido a vítima a soco, pontapé e com um cinto, durante cerca de 15/20 minutos, admitiram que o despiram e o deixaram num local isolado e sem terem pedido qualquer ajuda. Tendo em conta as regras da experiência comum, é evidente, que naquelas circunstâncias, sobretudo quando a vitima já respirava com dificuldade, os arguidos sabiam que a morte era a consequência normal das suas condutas.

A reforçar a conclusão a que chegamos, no sentido de que os arguidos quiseram a morte da vítima, temos a natureza das agressões, descritas no relatório médico-legal e fotografias do corpo da vítima de fls. 60 e 61, as quais espelham a violência a intensidade com que os arguidos a atingiram. Por último, a atitude dos arguidos em abandonarem o local sem mostrar qualquer preocupação como estado da vítima, ajuda a reforçar a convicção de que tinham como propósito provocar a morte.

A fls. 667, consta o relatório do Laboratório de Polícia Cientifica no qual se conclui que o vestígio digital recolhido no local dos factos pertence ao arguido Nuno Pereira.

A testemunha y, companheira do arguido NC..., referiu que este arguido lhe contou o que se havia passado no interior do Parque de Alvaiade e que o arguido se mostrava muito nervoso.

As testemunhas z, primo do demandante cível e sobrinho da vitima e w, mulher do demandante e nora da vitima, pela relação de proximidade que têm com o assistente/demandante, bem como com a vitima, esclareceram o tribunal quanto ao tipo de relação entre o assistente e o pai/vítima, a forma como tratava o pai, a forma como aquele reagiu à morte do pai, sobretudo o desgosto sofrido e os incómodos por ter sido confrontado com a ideia de ser um dos suspeitos da morte.

Quanto às condições pessoais dos arguidos, o tribunal teve em conta as suas declarações conjugadas com o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.

Em relação aos antecedentes criminais mostrou-se relevante o CRC junto aos autos.

 9. O recurso é um meio processual que visa provocar uma reapreciação de uma decisão judicial de forma a corrigi-la de imperfeições, que pela sua importância não consentem uma forma de remédio menos solene (cf. Simas Santos e Leal - Henriques in Recursos em Processo Penal - 2ª edição - Rei dos Livros pág. 19).

Os fundamentos dos recursos constam do art. 410 do C.P.P. e a formulação da motivação e respectivas conclusões, do art. 412 do mesmo diploma.

Como resulta das conclusões do recurso, o recorrente, NC..., suscita, para apreciação, as seguintes questões :

a)- Impugnação parcial relativa aos factos dados como provados sob os pontos 6; 7; 13 a 16.

b)- existência do vício prevenido na alínea b) do nº 2 do artº 410 do C.P.P./ contradição entre a fundamentação e a decisão.

c)- De forma genérica e infundamentada, a violação das regras da determinação da medida da pena p. no artº 71 do C.Penal.

d) Redução para montante não superior a €15.000,00 o montante indemnizatório fixado.

Como resulta das conclusões do recurso interposto pelo MºPº., as questões suscitadas são as seguintes:

a) – A aplicabilidade aos arguidos do regime especial de jovens p. no artº 4º do D.L. 401/82 de 23/09 e a atenuação especial da pena que este regime impõe, com a consequente reformulação das penas aplicadas.

b) Da nulidade suprível do Ac. por omissão de pronuncia relativamente à não alteração da qualificação jurídica dos factos referidos sob o ponto 11 da acusação, com o cumprimento do disposto no artº 358 nº 3 do C.P.P., por forma a enquadrar tais factos na prática pelos arguidos  como co-autores de um crime de roubo, p.p. pelo artº 210 nº 1 do C.Penal.

 10 - Vejamos:

O recorrente, NC..., insurge-se com a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando haver determinados pontos de facto incorrectamente julgados, concretamente os factos dados como provados sob os pontos pontos 6; 7; 13 a 16.

Em tais termos, vem o recorrente impugnar a matéria de facto, impugnação essa que se situa no contexto amplo do recurso da matéria de facto.

Do preceituado nos art°s. 410°, n° 2, 428° e 431°, do C.P.P. resulta que a reapreciação da matéria de facto é admissível em dois planos distintos:

- Num desses planos a reapreciação tem por objectivo aquilatar da verificação dos vícios prevenidos no art.° 410, que decorram do texto da decisão recorrida, conhecimento esse oficioso e ainda que o recurso se ache circunscrito à matéria de direito.

- No outro, a reapreciação situa-se num âmbito mais amplo do recurso da matéria de facto que permite a modificação dessa matéria em função da prova produzida e da nova apreciação que dela se faça.

Conhecendo as Relações de facto e de direito ( art.° 428°, n° 1, do C.P.P. ) a reapreciação da matéria de facto, no seu âmbito mais amplo, é admissível, observados que se mostrem os requisitos do art,° 412°, n° 3 e 4, do C.P.P:, e desde que se disponha dos elementos de prova para tal necessários.

Na verdade, como decorre do art.° 431°, alínea b), do C. P. Penal, a decisão do tribunal de 1° instância sobre a matéria de facto pode ser modificada se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do art.° 412°, n° 3, artigo este último que dispõe:

«3 - Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.

 4 - Quando as provas tenham sido gravadas, como in casu o foram as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº2 do artº 364 ( aos suportes técnicos ), devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

No caso vertente, a audiência de julgamento decorreu com o registo magnetofónico das declarações e depoimentos nela prestados oralmente, tendo-se procedido à sua documentação.

Contudo, das conclusões apresentadas, verifica-se que o recorrente, embora se tenha referido às declarações prestadas pelos arguidos em audiência, para fundamentar a pretendida impugnação da decisão sobre a matéria de facto, omite a indicação das concretas provas que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida.

Ou seja, a pretensão do recorrente é que o tribunal valore as declarações prestadas pelo recorrente, de acordo com a sua própria versão dos factos, ou mesmo convicção, esquecendo-se que tal acto de decisão pertence, em exclusivo ao julgador, que aprecia a prova segundo as regras da experiência e da sua livre convicção.

Por outro lado, compulsados os autos e ouvida a gravação dos depoimentos prestados em audiência, é cristalina e convincente, por suficientemente fundada, a convicção do tribunal quanto aos factos que teve por provados, cujas provas valorou livremente e de acordo com as regras da experiência comum, sendo todas válidas e não podendo qualquer delas ser excluída do rol das atendíveis.

É claro que a valoração das provas produzidas têm de ser apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, como parece pretextar o recorrente, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas. A prova, como resultado, é nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva, "a convicção formada pela entidade decidente de que os factos existiram ou não existiram, isto é que ocorreram ou não".

A prova não se resume à directa. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.

Entre os meios de prova admissíveis em processo penal, o tribunal pode socorrer-se de presunções judiciais ou máximas da experiência inspiradas nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.

A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um tacto desconhecido».

Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.

As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [...] ou de uma prova de primeira aparência» (cf, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, nº 112 pág, 190)

A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros.

No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção. A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cf. Vaz Serra, ibidem).

Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.

Tendo presentes estes princípios e os factos provados relativamente ao recorrente, verifica-se que o conjunto da prova produzida e analisada criticamente merece-nos a convicção de que o recorrente praticou da forma supra apurada, conjuntamente com o co-arguido, RP..., os factos pelos quais foram condenados.

O processo de formação individual da referida convicção só aconteceu pelo empirismo da abstracta sopesação de todos os elementos decorrentes da produção dos meios probatórios produzidos e dos que o princípio processual da imediação proporciona.

È óbvio, face ao quadro probatório de que o Tribunal não dispôs de prova directa que lhe permitisse reconstituir, ponto por ponto a actuação dos arguidos. Poderá mesmo afirmar-se, sem exagero que em casos semelhantes muito raras serão as situações em que o julgador dispõe de um manancial de prova que o dispense de preencher espaços factuais para os quais não dispõe de meio de prova cabal, mormente quando o acusado em sede de julgamento faz uso ao direito ao silêncio.

È por isso que o Juiz tem de apreciar a prova fazendo uso das regras de experiência.

Destarte, esta vedado a esta Relação modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto, a qual só pode ser discutida no âmbito dos vícios a que alude o nº 2 do art. 410° do C. P. Penal, que o recorrente também invoca, mormente quanto ao vício prevenido na alínea b) do nº 2 do artº 410 do C.P.P.

        11.-  Vejamos, pois, se esse vício se verifica.

Preceitua o art° 410°, n° 2, do CPP, que, “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

 c) - Erro notório na apreciação da prova”.

Por outro lado, dispõe o seu n° 3, que, “o recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.

Como ressalta do nº 2 do citado artº 410º, a norma reporta-se aos vícios intrínsecos da decisão, como peça autónoma, verificáveis pelo simples exame do seu texto ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Daí que não possa invocar-se a existência de qualquer dos vícios enumerados nas alíneas do referido nº 2 apelando para elementos não constantes da sentença, como seja, por exemplo, um documento junto aos autos ou um depoimento prestado em audiência, ainda que os depoimentos se achem documentados como é o caso dos autos.

In casu, o alegado pelo recorrente não consubstancia, de nenhum modo, o vício reclamado - a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão -.

Este vício ocorre quando se afirma e nega ao mesmo tempo uma coisa ou uma emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas. A contradição pode suceder entre segmentos da própria fundamentação – dão-se como provados factos contraditórios, dá-se como provado e não provado o mesmo facto, afirma-se e nega-se a mesma coisa, enfim, as premissas contradizem-se - , como entre a fundamentação e a decisão - esta não se encontra em sintonia com os factos apurados (cf., neste sentido, Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª Ed., Editorial Verbo, págs. 340 e 341).

A contradição a que se reporta a alin. b) do art. 410 do CPP é só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência e que incida sobre elementos relevantes do caso submetido a julgamento.

Lendo o que se exarou sob os pontos dos factos provados e o que se exarou na fundamentação desses factos, não se vê, com o devido respeito, qualquer contradição, muito menos insanável, porquanto do teor conjugado dos citados pontos resulta claro o que ficou provado relativamente à sua intervenção no comportamento encetado por ambos os arguidos.

Isso mesmo resulta da expressa motivação desses factos operada no acórdão.

Por tudo, concluímos ser de manter a matéria de facto fixada.

Assim, a factualidade dada como provada, evidencia de forma nítida o preenchimento dos elementos objectivo e subjectivo do tipo legal do crime que foi imputado e por mor do qual veio o recorrente a ser condenado.

E, provando-se, como se provou a intenção de matar, o enquadramento jurídico-criminal dos factos por ele praticados, em co-autoria com o co-arguido, RP..., - e evidenciado nos autos -, mostra-se correcto, preenchidos como se encontram os respectivos pressupostos objectivo e subjectivo, mormente, a intenção de matar, o que afasta desde logo a reclamada qualificação jurídica do seu comportamento no tipo prevenido no artº 145 do C.Penal.

Termos em que, neste segmento, improcedem as razões suscitadas pelo recorrente no recurso interposto.

12. – Da violação do artº 71 do C.Penal:

Como já se referiu, o recorrente invoca de forma genérica e infundamentada a violação das regras da determinação da medida da pena, sem que, como lhe era exigível, cumprisse o ónus imposto pelo artº 412 nº 2 – b) do C.P.P., o que só por si determina a manifesta improcedência do recurso neste segmento.

Sem prejuízo dir-se-á o seguinte:

O tribunal recorrido, quanto à determinação e graduação da medida da pena aplicada, dentro dos limites definidos na lei, como aliás resulta expressamente da fundamentação a este respeito exarada no acórdão, teve em conta todas as circunstâncias prevenidas no artº 71 do C.Penal, mormente a culpa do recorrente e as exigências de prevenção.

Tendo em conta o disposto nos artigos 40° e 71° do Código Penal, e, ponderando a matéria fáctica provada, verifica-se que a ilicitude do facto e a intensidade do dolo, é particularmente intensa.

O bem jurídico tutelado no crime de homicídio é, obviamente, a vida humana, bem jurídico inviolável – artigo 24º, da Constituição da República Portuguesa –, situado no ponto mais alto da hierarquia dos direitos fundamentais em qualquer Estado de direito.

O facto típico perpetrado pelo recorrente, destaca-se, pois, de entre os crimes mais graves de qualquer ordenamento jurídico-penal civilizado.

O grau de culpa, conquanto aquém do tipo de culpa qualificador do homicídio, situa-se em patamar superior.

Relativamente às necessidades de prevenção geral e especial são por demais evidentes.

A pena reclamada pelo recorrente – pena não superior a 8 anos -, como adiante se decidirá a propósito do recurso interposto pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Publico, seria manifestamente desadequada.

Termos em que, improcede também nesta parte o recurso interposto.

            13- Quantificação do montante indemnizatório fixado, pugnando o arguido/recorrente, pela sua redução para, valor não superior a €15.000,00, por danos não patrimoniais sofridos pelo demandante com a morte da vítima, seu pai.

Cumpre Apreciar e Decidir:

No que tange à indemnização arbitrada ao demandante pelos danos não patrimoniais que sofreu com a morte da vítima seu pai, fixada em €20.000,00, da responsabilidade solidária de ambos os arguidos, afigura-se-nos que neste conspecto não assiste razão ao arguido/recorrente.

A dificuldade em quantificar os danos desta natureza anda sempre ligada à sua dimensão imaterializável, por atingirem valores de carácter espiritual ou moral e se traduzirem em sofrimento de dor (física e moral ou psicológica), desgosto e angústia.

A indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou.

A indemnização destina-se, nestes casos, a compensar - mais do que a reconstituir – e tem-se entendido que “o critério determinante de medida indemnizatória, é o quantum necessário ao alcance de um prazer capaz de neutralizar a dor sofrida” - Ac. RC de 5/6/79, CJ 1979, tomo 3.º, 892; ou, como se acentua no Ac. STJ de 16/12/93, CJ (ASTJ), ano I, tomo 3.º, 181, “a compensação por danos não patrimoniais deve tender, efectivamente, a viabilizar um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado, isso, neste âmbito, já ninguém e nada consegue!”; ou, ainda, como refere o mesmo STJ, no seu Ac. de 7/7/99, Rec. n.º 477/99, relatado pelo Cons. Aragão Seia, “a indemnização por danos não patrimoniais tem por finalidade compensar desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado, de modo a suavizar-lhe as agruras da nova vida diária que terá de enfrentar, a proporcionar-lhe uma melhor qualidade de vida e a fazer desabrochar um novo optimismo no modo de encarar a situação que lhe foi causada.”

O montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (Antunes Varela, ob. e loc. cit., pg. 627 e Ac. do S.T.J. de 25/10/93, C.J.S.T.J., Ano I, Tomo III, pg. 143, de 5/11/98 e de 12/12/2000, processos nºs 975/98 e 3164/2000, respectivamente).

Também aqui tem vindo a sofrer uma evolução a jurisprudência do S.T.J. no sentido de considerar que a indemnização deve ser significativa e não miserabilista, representando uma efectiva possibilidade compensatória e constituindo um lenitivo para os danos suportados e a suportar.

Neste campo, salvo o devido respeito por melhor opinião, não é legítimo nem sensato procurar um montante-padrão: cada filho sente, de modo e intensidade diversos, a morte de seu pai.

Dos factos provados sob os pontos 23 a 28, é possível extrair que a morte da vítima, causou sofrimento profundo ao demandante.

Assim, tendo presente o sofrimento profundo do demandante, que emerge dos factos que o tribunal recorrido deu como provados, afigura-se-nos constituir uma justa compensação, no limiar, a titulo de reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo demandante, o montante fixado pelo tribunal recorrido, ou seja, a condenação solidária dos arguidos no pagamento da quantia de € 20.000,00.

         Assim, improcede, neste conspecto, o recurso interposto.

            14- Recurso do Mº.Pº.              

Da aplicabilidade aos arguidos do regime especial de jovens p. no artº 4º do D.L. 401/82 de 23/09 e da atenuação especial da pena que este regime impõe, com a consequente reformulação das penas aplicadas.

Vejamos:

O  regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos", instituído pelo Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro, surge em execução do imperativo decorrente do artigo 9° do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n° 400/82.

Na expressão do acórdão do S.T.J. de 13-07-2005, processo n.° 2122/05-3ª, a norma do artigo 4.° do Decreto-Lei 401/82, configura um fundamento autónomo de atenuação especial da pena, directamente fundado na idade do agente e no juízo de prognose favorável quanto ao desempenho da personalidade, não remetendo para os pressupostos de atenuação especial do artigo 72.° do Código Penal.

È entendimento da jurisprudência que a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos não é de aplicação necessária e obrigatória; não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; é de conhecimento oficioso; a consideração da sua aplicação não constitui urna mera faculdade do juiz,        mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; é de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa, havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a aplicação ou não aplicação.

No juízo de prognose positiva imposto pelo regime do jovem delinquente devem considerar-se tanto a globalidade da actuação do jovem, como a sua situação pessoal e social, o que implica o conhecimento da personalidade, das condições pessoais, da conduta anterior e posterior ao crime, e depende do juízo que o tribunal formule sobre a existência de razões sérias para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, e não apenas do juízo sobre a natureza dos factos e das fortes necessidades de prevenção geral que se façam sentir em relação à gravidade do crime praticado.

A verificação necessária da existência de pressupostos impõe também a obrigação de formular um juízo positivo ou negativo, não dispensando a avaliação da pertinência ou inconveniência da aplicação do regime.

A avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção do jovem tem de ser equacionada, pois, perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida do arguido, e não por considerações abstractas desligadas da realidade.

Do julgamento do caso concreto tem de resultar claramente a convicção do juiz sobre a natureza expressiva das [sérias] vantagens da atenuação para a reinserção do jovem condenado.

No caso, as condições dos arguidos, reveladas nos factos provados sob os pontos 17 a 22 e o que resulta dos relatórios sociais juntos aos autos, não permitem concluir, como impõe o artigo 4° do Decreto-Lei n° n° 401/82, de 23 de Setembro, que haja «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado».

No acórdão recorrido para a fundamentação da aplicação do referido regime o tribunal Colectivo considerou-se apenas que: “ os arguidos, à data da prática dos factos, tinham 19 e 20 anos de idade, não tinham antecedentes criminais e admitiram a prática dos factos e revelaram, através dessa admissão, um juízo de auto-censura “.

Como decorre do normativo em causa, a atenuação especial aí prevista não se impõe como um imperativo decorrente apenas da idade, e da ausência de antecedentes criminais, exigindo-se um quadro de elementos objectivos que fundamentam no julgador a constatação de que daí resultarão vantagens para a reinserção do jovem.

São considerações de prevenção especial de socialização que estão na base dessa atenuação e, por consequência, de reintegração na comunidade, o que é conexo à própria finalidade de protecção de bens jurídicos, à defesa dos interesses fundamentais da comunidade. Tem a mesma em vista uma moldura penal mais leve do que a pressuposta na moldura correspondente ao tipo de crime cometido, por razões atinentes à idade do arguido, com uma personalidade ainda não estabilizada e uma inserção social em desenvolvimento.

Mas, para além da idade, impõe-se também que a atenuação especial facilite a reinserção, juízo que deve assentar em elementos factuais provados que conduzam à conclusão de que a moldura penal comum não cumpre, por excessiva, os fins da socialização do jovem condenado.

Para o juízo sobre a situação concorre o próprio facto criminoso, na medida em que é a revelação do maior ou menor desajustamento do jovem ao acatamento dos valores jurídicos, não devendo esquecer-se que as penas cumprem também finalidades de prevenção geral.

Daí que a atenuação especial em referência se justifique quando, no juízo global sobre os factos, se puder concluir que é vantajosa para o jovem, sem constituir desvantagem para a defesa do ordenamento jurídico.

Revertendo ao caso dos autos, não se vislumbra, face à factualidade apurada, um prognóstico favorável à ressocialização, em concreto, dos arguidos, face à comprovada personalidade dos mesmos e o respectivo percurso de vida.

No caso, a assunção de responsabilidades dos arguidos só surgiu mais tarde, com a intervenção da Polícia Judiciária através da recolha do vestígio digital recolhido no local como resulta de fls. 667, sendo que a nível de arrependimento, apenas na discussão do direito quanto à determinação da pena ficou consignado o arrependimento dos arguidos e a confissão parcial dos factos, o que releva apenas como circunstancias gerais para a determinação da pena e não como se justificou, para a atenuação especial das mesmas ao abrigo do referido regime especial.

In casu, há que atender ao elevadíssimo grau da ilicitude e da culpa, ao modo de execução, com socos e pontapés na cabeça da vitima, utilizando as próprias mãos de forma violenta e brutal; a utilização de um cinto com o qual também agrediram a vitima, nomeadamente com a fivela do mesmo até se partir; o aproveitamento da superioridade física e a debilidade da vitima, impedindo-o de se defender, o comportamento posterior dos arguidos, despindo a vitima e transportando-a já cadáver para uma zona de vegetação mais densa, ocultando-a, com total desrespeito para a vida humana.

Tal, são evidências que apontam no sentido da impossibilidade de se formular um juízo positiva sobre as “ sérias vantagens “ da atenuação especial das penas, não existindo, contrariamente ao decidido pelo acórdão recorrido, motivos para se concluir pela aplicação do regime especial para  p, no artº 4º do D.L. 401/82 de 23/09.

Concluindo, entende-se por incorrecta a aplicação aos arguidos da medida de atenuação especial contida no Decreto-lei 401/82.

Importa, agora, determinar a medida concreta das pena a aplicar aos arguidos.

O ilícito criminal praticado – homicídio qualificado – é punível com a pena de prisão de 12 a 25 anos (art° 132°, n°1, do CP).

O Tribunal considerou para a determinação da medida das penas aplicadas, terem os   arguidos admitido a prática dos factos o que em muito contribuiu para a descoberta da verdade.

Referiu que tal contribuição foi determinante para a descoberta dos factos.

Ora como já se referiu, a assunção de responsabilidades dos arguidos só surgiu mais tarde, com a intervenção da Polícia Judiciária através da recolha do vestígio digital recolhido no local como resulta de fls. 667, sendo que a nível de arrependimento, apenas na discussão do direito quanto à determinação da pena ficou consignado o arrependimento dos arguidos e a confissão parcial dos factos.

Tal só pode relevar como circunstâncias gerais para a determinação da medida concreta da pena, e não como circunstancias especiais.

A personalidade dos arguidos, sobretudo aquela que se manifestou no facto é outro factor a ter em conta em sede de aferição da gravidade da culpa e que, também, releva ao nível da prevenção. No caso em apreço, temos dois indivíduos que demonstraram possuir um fraco auto-controlo dos impulsos mais agressivos e que não hesitaram em por termo à vida de uma pessoa.

As exigências de prevenção especial de socialização não podem ser consideradas especialmente significativas. Porém, quando estamos perante a violação do bem jurídico vida, são determinantes as exigências de prevenção geral.

Quanto à determinação da medida da pena, há que convocar os arts. 40° e 71° do CP, que atribuem à pena um fim essencialmente preventivo-geral, mas também preventivo-especial, não podendo, porém, a pena ultrapassar a medida da culpa. Na determinação concreta da pena, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que não fazem arte do tipo legal de crime, nomeadamente as referentes à ilicitude (modo de execução, gravidade das consequências) e à culpa, e ainda aos sentimentos manifestados pelo agente, e sua conduta anterior e posterior o crime.

Analisada a matéria de facto, ressalta de imediato o enorme grau da ilicitude do crime, manifestado sobretudo no modo da sua execução.

Na verdade, os recorrentes agrediram sucessivamente, em conjunto, por diversas formas e meios, a vítima, num crescendo de agressividade, e não obstante, cientes de que a mesma já se encontrava morta, despiram-na e ocultaram o cadáver.

Trata-se inegavelmente de um comportamento brutal, bárbaro mesmo, que excede largamente o padrão que o crime de homicídio qualificado pressupõe como "típico". A conduta encerra uma enorme perversidade, um desprezo profundo pela pessoa humana, revelados pela intensificação da agressão quando a vítima já se encontrava em estado de agonia.

As exigências da prevenção geral são também particularmente fortes, impondo-se a defesa da vida humana, valor jurídico máximo, como missão central do direito penal, valor esse que, no caso, foi rudemente violado.

Perante as razões expendidas, considera-se que a pena fixada no Ac. recorrido, numa moldura de 12 a 25 anos de prisão, incorrectamente atenuada, como já se referiu é manifestamente desadequada.

Assim, tendo em conta o disposto nos artºs. 40° e 71° do CP, que atribuem à pena um fim essencialmente preventivo-geral, mas também preventivo-especial, não podendo, porém, a pena ultrapassar a medida da culpa, atendendo-se a todas as todas as circunstâncias que não fazem arte do tipo legal de crime, nomeadamente as referentes à ilicitude (modo de execução, gravidade das consequências) e à culpa, e ainda aos sentimentos manifestados pelo agente, e sua conduta anterior e posterior o crime, analisada a matéria de facto, as exigências de prevenção geral e especial considera-se que numa moldura de 12 a 25 anos de prisão, a pena a cominar a cada um dos arguidos, não pode deixar de ser inferior a 18 ( dezoito ) anos de prisão.

Termos em que neste segmento, procede o recurso interposto pelo Mº.Pº.

              14 - Da nulidade do Ac. por omissão de pronuncia relativamente à não alteração da qualificação jurídica dos factos referidos sob o ponto 11 da acusação, com o cumprimento do disposto no artº 358 nº 3 do C.P.P., por forma a enquadrar tais factos na prática pelos arguidos  como co-autores de um crime de roubo, p.p. pelo artº 210 nº 1 do C.Penal.

Sustenta o Ex.mo recorrente que:

No capítulo relativo aos Factos Provados estabeleceu-se o seguinte:

“10-Posteriormente e, já com OA... completamente inanimado, os arguidos despiram-no, tirando-lhe inclusive os sapatos, as peúgas e as cuecas, na perspectiva de encontrarem alguma quantia em dinheiro aí escondida.”

Ora, da acusação constava ainda o seguinte ponto, que não foi levado ao acórdão por força do arquivamento (previamente) decidido quanto ao alegado crime de furto:

“11 Entretanto, os arguidos subtraíram à vítima um maço de tabaco, um isqueiro e um canivete.”

E, na incriminação respectiva, imputava a acusação aos arguidos a prática de um crime de furto simples. Parece-nos, porém, que o ilícito cometido será o de roubo, por estarem inteiramente preenchidos os requisitos previstos pelo art.º 210º, nº. 1 do Código Penal. Na verdade, antes de lhe subtraírem os artigos referidos, os arguidos puseram a vítima na impossibilidade de resistir, exercendo sobre ela uma enorme violência, tal como resulta da descrição constante dos FACTOS PROVADOS. Note-se que a vítima estava viva – embora incapaz de resistir – quando foi despojada dos artigos, sendo totalmente despida, justamente, para que os arguidos procurassem bens que lhe pudessem roubar.

Admitindo embora a desqualificação a que aludem as disposições conjugadas dos art.ºs 210º, nº. 2, al. b) e 204º, nº. 4 do Código Penal, não deixa por isso, tal actuação, de configurar a prática de um crime de roubo, pelo que estará incorrecta a imputação constante da acusação.

O Tribunal deveria, portanto, ter comunicado uma alteração da qualificação jurídica aos arguidos – de acordo com o disposto no art.º 358º, n.º 3 do Código de Processo Penal –, fazendo constar posteriormente os factos descritos no mencionado nº. 11 da acusação no elenco dos FACTOS PROVADOS.

Apercebendo-se da situação apenas quando da redacção do acórdão, impunha-se que o Exmo. Relator determinasse a reabertura da audiência para tal efeito.

Assim, decidindo incorrectamente sobre este ponto e não o considerando provado ou não provado, apesar de expressamente mencionado na acusação, o douto acórdão incorreu em omissão de pronúncia – art.º 379º, n.º 1, al. c) do CPP –, o que implica a sua nulidade; a qual se afigura suprível pelo próprio Tribunal a quo, de acordo com o disposto no nº. 2 do cit. art.º 379º.

Vejamos:

Como se infere do Ac. recorrido, os factos constantes da acusação sob o ponto 11, não constam desde logo da factualidade definitivamente apurada.

Como tal, conforme resulta do disposto no nº1 do artº 358 do C.P.P., ao Tribunal recorrido não era exigível o cumprimento do disposto no nº 3 do mesmo preceito adjectivo.

Assim sendo, não incorreu o tribunal recorrido em omissão de pronúncia – art.º 379º, n.º 1, al. c) do CPP –, nada havendo a suprir nos termos e para os efeitos do disposto no artº 424 nº 3 do C.P.Penal.

Improcede, neste segmento o recurso interposto.

             III. Decisão

Face ao exposto, acordam os juízes deste Tribunal, nos recursos interpostos pelo arguido, NC... e pelo Mº.Pº., em:

1 – Julgar improcedente o recurso do arguido, NC....

2 – Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público no que tange à não aplicação da atenuação especial por força da aplicação do regime especial p. no D.L. 401/82 de 22/09, e, em consequência, Decidem fixar em 18 ( dezoito ) anos a pena a cada um dos arguidos, pela prática como co-autores materiais de um crime de homicídio qualificado p e p no art° 131° e 132° n° 2 al. e) do CP.

3 – Julgar improcedente o recurso do Mº.Pº. quanto à invocada nulidade suprível do Ac. por omissão de pronuncia relativamente à não alteração da qualificação jurídica dos factos referidos sob o ponto 11 da acusação, com o cumprimento do disposto no artº 358 nº 3 do C.P.P., por forma a enquadrar tais factos na prática pelos arguidos  como co-autores de um crime de roubo, p.p. pelo artº 210 nº 1 do C.Penal.

4 – Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se em 4 ( quatro ) UCs. A respectiva taxa de justiça.

Lisboa,  14 de Maio de 2015.

Francisco Caramelo

Fernando Estrela