Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1094/13.4YYLSB.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: EXECUÇÃO
INDEFERIMENTO PARCIAL
TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - Do título executivo têm apenas que constar os limites máximos ou potenciais da execução sendo a compressão efectiva do crédito algo apenas referente às concretas condições fácticas atinentes à remanescente dimensão  da cobertura dada pelo título à data da instauração da execução.
II - Na linha do referido, a acta da reunião da assembleia de condóminos configura um título executivo válido quando seja possível determinar de «forma clara e por simples aritmética» o «valor exacto da dívida de cada condómino.
III – Reúne as características referidas em II a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio  e, como título executivo pode ser utilizável  desde que  o proprietário tenha deixado de pagar as referidas contribuições.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão liminar nos termos do artigo 656.º do Código de Processo Civil:

I. RELATÓRIO                  
A [ CONDOMÍNIO …] , com os sinais identificativos constantes dos autos,  instaurou acção que denominou de «execução comum (sol.Execução)» contra B, neles também melhor identificada, por intermédio da qual solicitou em juízo a cobrança coerciva de quantia pecuniária correspondente a capital, «sanção pecuniária» e «juros moratórios». Para o efeito juntou documentos que intitulou «títulos executivos», correspondente a «Actas das Assembleias gerais de Condóminos do A  de 07/02/04, 10/05/04, 05/03/05, 05/03/06, 12/04/08, 31/05/08, 16/04/09, 13/11/09, 07/06/10, 13/04/11, 02/06/11 e 08/03/12.
Foi proferida decisão judicial que rejeitou liminar e parcialmente a execução, apenas a admitindo no âmbito de abrangência da acta da qual consta expressamente que a Executada deve as quantias aí referidas no montante global de 5.734,85 EUR.
É dessa sentença que vem o presente recurso interposto pelo Exequente, que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
1-Na sentença proferida pelo Tribunal da 1ª Instância que indeferiu, parcialmente, o requerimento executivo, na parte que excedeu o montante da dívida indicada na Acta nº 22 (doc. nº 4), acrescido dos respectivos juros, foi feita uma errada interpretação da norma jurídica contida no nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro;
2-A rejeição parcial do requerimento executivo foi baseada no entendimento de que, segundo tal norma, apenas constituem títulos executivos as actas de condomínio que consignem deliberações sobre as contribuições em dívida por parte dos condóminos/executados e desde que referentes tão somente às despesas de fruição e conservação das partes comuns;
3-Contudo, o sentido que deve ser dado à referida disposição e inteiramente apoiado na sua letra é o de que constituem títulos executivos contra os condóminos faltosos as actas das assembleias que aprovam os orçamentos para cada ano civil, definindo a comparticipação de cada condómino nas despesas comuns do prédio em propriedade horizontal;
4-Para que tais actas tenham força executiva, desnecessário se torna que nova deliberação confirmatória da falta de pagamento seja tomada;
5-A interpretação da norma jurídica contida no já referido nº 1 do artº 6º do DL nº 268/94, de 25/10, tem sido, repetidamente, a referida em 3 por parte dos tribunais superiores, como não poderia deixar de ser, atento o teor literal da disposição;
6-A interpretação feita pelo tribunal “a quo” corresponde afinal à interpretação mais permissiva e abrangente que tem sido admitida (apenas) por alguns dos nossos tribunais, mas nunca perdendo de vista que as actas que observam os requisitos referidos em 3 é que, em rigor, são aquelas que, sem sombra de dúvida, constituem autênticos títulos executivos;
7-O tribunal “a quo” restringiu a sua interpretação à que resulta da abrangência que, com muita boa vontade, tem sido também defendida por parte da nossa jurisprudência, esquecendo-se, porém, do sentido primordial da disposição;
8-Para além do capital das quotas, cujo pagamento é reclamado na execução, tanto ordinárias como extraordinárias, deve ser deferida a execução, na parte respeitante aos valores reclamados, a título de pena pecuniária, na relativa aos juros de mora legais e ainda na referente à importância de € 100,00, esta, a título de compensação ao condomínio pelos honorários que tem de suportar com o mandatário que constitui para mover a acção, valores que se baseiam no Regulamento do Condomínio e em Actas de assembleias de condóminos;
9-Violou a sentença o disposto no nº 1 do artº 6º do DL. nº 268/94, de 25/10, bem como o disposto no artº 46º, nº 1, alínea d) do C.P.C., segundo o qual constituem títulos executivos, para além dos elencados nas alíneas a) a c) do seu nº 1, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva, documentos, entre os quais se encontram precisamente as actas de reunião de condómino;
10-O meio próprio de impugnação do despacho de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo é o recurso de apelação, o qual sobre nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo, nos termos do disposto no artº 234º-A, nº 2, e conforme ressalva da alínea n) do nº 2 do artº 691º, ambos do C.P.C..
Pelo que
O despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que defira, na totalidade, o requerimento executivo

É a seguinte a questão a avaliar:
A decisão impugnada violou o disposto no n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, bem como o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 46.ºdo Código de Processo Civil?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, nesta sede lógica da presente decisão, os factos processuais supra-lançados.

Fundamentação de Direito
A decisão impugnada violou o disposto no n.º 1 do art. 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, bem como o disposto na al. d) do n.º 1 do art. 46.ºdo Código de Processo Civil?
A simplicidade da questão proposta justifica a prolação de decisão nos termos do disposto no artigo 656.º do Código de Processo Civil.
A primeira das normas alegadamente violadas tem o seguinte conteúdo
Artigo 6.º
Dívidas por encargos de condomínio
1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.

O preceito do Código de Processo Civil que se sustenta ter sido desrespeitado estatui (na versão vigente à data da entrada em Juízo do requerimento executivo – que é a anterior à que entrou em vigor em 2013):
1 - À execução apenas podem servir de base:
(...)
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.

A acção executiva autonomizou-se historicamente da acção declarativa criando a sua própria lógica interna enquanto instância distinta daquela (logo assente numa específica sustentação – vd., neste sentido, LOPES-CARDOSO, Eurico, Manual da Acção Executiva, Lisboa, INCM, 1987, p´gs. 20 e 21). Tal sustentação corresponde a um conjunto documental ao qual o legislador, de forma progressivamente alargada, foi atribuindo vis, ou seja, o poder de fazer não só a demonstração da existência do crédito mas, sobretudo, de constituir vero suporte da imediata e tendencialmente indiscutível agressão patrimonial do executado.
Numa lógica emuladora da estrutura da acção declarativa, pode-se dizer que o título executivo constitui a causa de pedir da execução – ibidem, pág. 27.
Esta essência determina que esse documento corporize o elemento de aferição dos contornos e conteúdos da obrigação exequenda – cf. n.º 1 do  art. 46.º do Código de Processo Civil na redacção aplicável à presente acção.
As normas interpretandas não podem fugir a esta natureza: o título tem que permitir a determinação do «fim» e dos «limites da acção executiva».
É ao nível destes limites que se suscita a deiscussão em apreço no recurso.
 Segundo o próprio legislador, constitui título executivo a «acta da reunião da assembleia de condóminos que»: a) tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio, b) de quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou c) de despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum; d) desde que o proprietário tenha deixado de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte nessas contribuições e despesas.
Esta estrutura demonstrativa desenhada num quadro tarifado ou de numerus clausus (no sentido de que é título executivo apenas o documento que o legislador expressamente tenha querido considerar como tal) deixa, desde logo, de fora, aquilo que o Exequente apelida de sanção pecuniária.
O debate que subsiste e se justifica, nesta área temática, é o relativo à alínea d) supra-lançada (omissão de pagamento e sua demonstração) já que, constituindo facto jurídico decisivo para completar o círculo de cobertura do título, ele não estará presente sempre que nada resulte do título quanto à dívida concretamente alegada por compressão inicial da quantia exequenda.
As obrigações exequendas assentes numa acta que meramente fixe futuras prestações seriam líquidas «porquanto se acham determinados os respectivos quantitativos» segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10.04.2014, Processo n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1 Relator: Juiz Conselheiro FERNANDES DO VALE (sumariado: «Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino»).
Será que, à luz desta última afirmação, que parece ter plena adequação ao regime normativo vigente, podemos dizer que uma acta que fixa uma prestação ordinária mensal ou anual ou uma prestação extra, ou o custeio de uma específica despesa coberta pela norma que atribua vis executiva ao documento, nos basta, ou seja, demonstra a existência de um específico crédito formado, com a certeza e rigor que se exige relativamente a um crédito exequendo?
Por outro lado, será que é ao Executado que cabe contribuir para a definição desse valor opondo-se ou não à execução (tese em que parece assentar aquele aresto) ou, por constituir causa de pedir, o valor exequendo tem que emergir claro, cristalino e de forma directa à luz do título?
Será decisivo o teste da emulação da acção declarativa (apenas agilizada e simplificada na acção executiva)? A este nível, será que, numa acção declarativa, bastará invocar e patentear que alguém se vinculou a fazer um determinado pagamento para se obter a condenação dessa pessoa a pagar? A resposta é: a causa de pedir das acção relativas ao incumprimento de obrigações pecuniárias é complexa englobando, necessariamente, a celebração de negócio jurídico e o não cumprimento de sinalagma compreendido entre as obrigações emergentes.
Impõe-se obter a noção desse incumprimento quer na causa de pedir da acção declarativa quer da executiva (leia-se através do constante do título executivo)?
 A este respeito cumpre referir que o que parece relevante na acção executiva é a demonstração clara e segura do valor global da dívida, titulado (com vista à definição dos contornos ou limites da execução para os efeitos visados pelo n.º 1 do  art. 45.º do Código de Processo Civil), sendo a redução da dimensão do débito exequendo algo exterior ao título e apenas relevante ao nível da discussão posterior à instauração da execução – imagine-se que A foi condenado por sentença judicial a pagar a B a quantia de 5.000,00 EUR e que B vem a juízo dar à execução a sentença pela quantia de 3.000,00 EUR alegando terem sido já pagos 2.000,00 EUR; será que alguém poderia, com um mínimo de adequação, sustentar que a quantia de 3.000,00 EUR não constava do título executivo pelo que haveria que instaurar nova acção declarativa com vista ao reconhecimento judicial da existência desse débito? Julga-se que não. Nem o bom senso nem a boa técnica apontam resposta distinta.
Tem que se extrair daqui que do título têm apenas que constar os limites máximos ou potenciais da execução sendo a compressão efectiva do crédito algo apenas referente às concretas condições fácticas atinentes à remanescente dimensão  da cobertura dada pelo título à data da instauração da execução.
Na linha do dito no aresto jurisprudencial acima invocado, temos um título executivo válido quando seja possível determinar de «forma clara e por simples aritmética» o «valor exacto da dívida de cada condómino» (leia-se, dívida máxima potencial).
Quanto à segunda questão, a emulação das regras do ónus da prova da acção declarativa e sua importação como critérios-força para a acção executiva – inafastáveis enquanto elementos da lógica do sistema – diz-nos que os factos constitutivos do Direito devem ser carreados por quem impulsiona a acção (aqui, o Exequente, que funciona como Demandante da acção executiva) – cf. n.º 1 do  art. 342.º do Código Civil. E qual é a forma de carrear tais factos para a execução? Parece que a resposta só poderá ser: através da sua incorporação no título.
Esta resposta, porém, refere-se, no que tange à dimensão do débito reconhecido com força executiva e em termos que dispensam nova declaração (como se viu no exemplo do título executivo sentença acima dado e vale para qualquer letra, livrança, ou qualquer outro título), ao montante global titulado, sem prejuízo de vicissitudes ulteriores gerarem a sua compressão e necessária redução com expressão no pedido exequendo. 
Esta leitura é plenamente conforme com o sentido emergente das normas interpretandas: é título executivo qualquer «acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio». E esse título é utilizável  desde que  o proprietário tenha deixado de pagar (como é manifesto, inclui-se, aqui – porque ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus – a falta de pagamento integral ou meramente parcial, sendo que se trata, quer num caso quer no outro, de elemento circunstancial que não se espera encontrar nos títulos porque ulterior à sua formação).
Claro está que, como no exemplo da sentença acima lançado, o exequente não tem que ter um título para demonstrar a condenação inicial e outro para patentear que o executado apenas pagou uma parte da dívida. A este nível, basta a mera invocação da omissão, eventualmente  complementada por ulterior debate suscitado no âmbito do exercício das faculdades processuais de reacção à iniciativa de cobrança coerciva.
Num tal contexto, deve a decisão impugnada ser reformulada de forma a admitir como títulos executivos todas as actas de assembleias gerais de condóminos que imponham à Executada prestações inseríveis na previsão do  art. 6.º acima referido, ou seja, com incidência sobre: a) contribuições devidas ao condomínio b) despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou c) despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum.
Serão, pois, necessariamente, liminarmente admitidos os pedidos exequendos parcelares contidos nos valores máximos daí resultantes.
Não será considerada coberta pelos títulos a denominada «sanção pecuniária».
 III. DECISÃO
Pelo exposto, julgo a apelação parcialmente improcedente e, em consequência, determino que a decisão impugnada seja reformulada nos seguintes termos:
a) Deverão ser admitidos como títulos executivos todas as actas de assembleias gerais de condóminos que imponham à Executada prestações inseríveis na previsão do art. 6.º acima referido, ou seja, que tenham incidência sobre a) contribuições devidas ao condomínio b) despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou c) despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum.
b) Serão liminarmente admitidos os pedidos exequendos parcelares contidos nos valores máximos daí resultantes.
c) Não será considerada coberta pelos títulos dados à execução a denominada «sanção pecuniária».
Custas pelas partes na proporção de 1/20 pelo Exequente e 19/20 pela Executada.
                                                  *
Lisboa, 01.03.2019
Carlos M. G. de Melo Marinho