Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8923/18.4T8LSB.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: SOCIEDADE ABERTA
PARTICIPAÇÃO
REENVIO PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - No âmbito dos poderes-deveres que funcionalmente assistem ao Presidente da Mesa da assembleia, cabe-lhe aferir da regularidade das participações, certificando-se preliminarmente da legitimidade ou capacidade de todas as presenças para assegurar que apenas permanecem no local da assembleia as pessoas que nela podem participar, de acordo com a convocatória, os estatutos e a lei e, bem assim, cabe-lhe recusar os votos ilícitos ou indevidos.
II - Sem prejuízo das limitações legal ou estatutariamente consagradas, conforme decorre dos arts. 379º e 290º do CSC, o direito de participação na assembleia geral é integrado por vários direitos, sem que se confunda ou esgote em qualquer um deles, a saber: direito a entrar, a estar presente e a assistir aos trabalhos da assembleia; direito a nela solicitar e receber informações atinentes com a ordem dos trabalhos; direito a intervir com exposições atinentes com a ordem dos trabalhos; e direito de emitir declaração de voto.
II - A declaração através da qual o intermediário financeiro informa o Presidente da Mesa da Assembleia Geral da exata extensão da participação social do acionista (nº de ações) é condição para aferir da legalidade do voto do acionista, quer quanto à verificação/comprovação dessa mesma qualidade de acionista e do respetivo voting power, nos termos do art. 384º, nº1 e 2 do CSC, quer quanto à limitação legal que do princípio da unidade de voto prevista art. 385º do CSC decorre no seu exercício.
III - Da literalidade dos termos empregues na construção e redação da norma prevista pelo art. 385º, nº 1 do CSC - dividida em duas orações pela conjunção disjuntiva ou (que expressa ideia de alternância ou escolha) -, e do sentido interpretativo que a mesma impõe, extrai-se que o princípio da unidade de voto por aquele previsto abrange duas proibições de conteúdo distinto: uma proibição de emissão de diferentes sentidos de voto por parte do mesmo acionista (1ª oração), e outra proibição de exercício do voto apenas com uma parte do total das ações de que é titular (2ª oração), e o que não é contrariado pela possibilidade de, nos termos do art. 23º do CVM, o acionista nomear diferentes representantes para a mesma assembleia, mas sem prejuízo do disposto no art. 385º do CSC.
IV - Não está na disponibilidade/discricionariedade do sócio a possibilidade de, no exercício do direito/poder de voto, limitar o peso do seu voto a um montante representativo do capital inferior ao por si detido, impondo-se-lhe que faça refletir a fração do capital social de que é titular no apuramento do quórum constitutivo e deliberativo de cada assembleia geral, exceto nos casos em que a sociedade, através dos respetivos estatutos, determine contagem distinta, cfr. arts. 383º, nº 1, 2 e 3 e 386º do CSC.
V - Se, nos termos do art. 23º-C, nº 1 do Código dos Valores Mobiliários e 384º, nº 1 e 2, al. a) do CSC, a titularidade do direito de voto depende da titularidade de uma ou várias ações (ordinárias), nem sempre o inverso é verdadeiro; ou seja, admite-se a titularidade de ações (ordinárias) que, por si só (desconsiderando, portanto, a possibilidade de participação agrupada prevista pelo art. 379º, nº 5 do CSC), não atribuem direito de voto ao titular das ações. Assim sucede sempre que o acionista seja titular de ações às quais, estatutariamente, e no respeito pelos limites previstos pelo art. 384º, nº 2, al. a) do CSC, não corresponda um voto.
VI - Nesses casos (mas sem prejuízo da possibilidade de participação agrupada), do que se trata não é da limitação ao direito de voto, mas sim da inexistência deste; são ações não providas de direito de voto.
VII - O conteúdo da posição social jurídica e societariamente relevante que decorre da titularidade das ações não é alterado pelos procedimentos de participação e formalidades exigidos para a legitimação ou admissibilidade, em cada assembleia geral, da participação ou do exercício do direito de voto de cada acionista naquela contido, nos termos previstos pelos art. 384º, nº 8 do CSC e 21º-B, nº 2, al. a), 23º-C, nº 1, 3 e 4 do CVM.
VIII - A pretensão da apelante de, na mesma assembleia geral, acumular o ‘não exercício’ de uma parte do peso do seu voto, com o ‘exercício’ de outra parte do peso desse mesmo voto, consubstancia exercício diferenciado das ações providas de voto de que é titular, produtor da nulidade do voto que viesse a emitir, conferindo legitimidade ao Presidente da Mesa da Assembleia para, no uso dos poderes deveres de organização e direção da assembleia, transmitir à acionista o impedimento que obstava à emissão do seu voto, por ilegal e juridicamente inatendível naquelas circunstâncias, com fundamento na violação do princípio do voto unitário previsto pelo art. 385º, nº 4 do CSC.
IX - A perda da qualidade de sociedade aberta prevista pelo art. 13º do CVM corresponde à exclusão da dispersão publica do respetivo capital através da exclusão da negociação das ações em mercado regulamentado de valores mobiliários, conforme art. 29º do CVM, o designado delisting.
X - A perda da qualidade de sociedade aberta na condição prevista pelo art. 27º, nº 1, al. b) do CVM - por deliberação da assembleia - é marcadamente protecionista da posição jurídica dos acionistas minoritários, num grau de tutela equivalente ao existente no regime geral da OPA, por ficar condicionada à constituição e cumprimento de uma obrigação de aquisição, pelo acionista indicado pela sociedade, das ações dos sócios que não votaram favoravelmente a referida deliberação, sendo estes investido no correspetivo direito de alienação potestativa das respetivas ações mediante contrapartida fixada nos termos previstos para a oferta publica de aquisição (art. 188º do CVM), cujo pagamento fica antecipadamente caucionado/garantido.
XI - Optando por não permanecer na sociedade, o descrito mecanismo garante aos sócios minoritários o interesse de liquidez que detinham, através da venda imediata dos ativos em causa, e, pela mesma via, liberta-os dos riscos de potencial aprisionamento à sociedade e ao controlo da maioria, permitindo-lhes ‘abandonarem’ a sociedade sem perda do valor investimento.
 XII - A oferta obrigatória prevista no art 27º, nº 3, al. a) do CVM não corresponde a uma oferta pública de aquisição, nos conceito e pressupostos definidos pelos arts. 109º e ss. do CVM, realidade normativa que não contraria uma qualquer disposição de direito europeu protetora dos sócios minoritários, designadamente, as Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2003/71/CE de 04.11, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação, e 2004/25/CE de 21.04.2004, relativa às ofertas públicas de aquisição.
XIII - A conjugação do art. 5º, nº 2 desta Diretiva - que afasta o dever de lançar a oferta prevista no nº 1 uma quando o controlo tiver sido adquirido na sequência de uma oferta voluntária realizada em conformidade com a presente directiva, dirigida a todos os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações – com o art. 16º, nº 2 do mesmo diploma – dirigida à tutela dos acionistas remanescentes no seguimento do resultado de uma oferta publica – confirma o acerto de uma interpretação do art. 27º, nº 3, al. b) do CVM conforme com as diretrizes europeias na matéria, de exclusão da oferta de aquisição emergente de uma operação de perda da qualidade de sociedade aberta da categoria das ofertas públicas de aquisição.
XIV - O investimento acionista em mercado regulamentado não garante o capital investido pelo que, a proteção dos acionistas minoritários, não visa eliminar o risco inerente à flutuação da cotação das ações, que pode suceder em virtude de inúmeros fatores.
XV - Enquanto mecanismo de tutela, a obrigação de aquisição das ações dos minoritários e o correspetivo direito de alienação potestativo deverão ser interpretados e integrados com o fundamento determinante do reconhecimento legal daquela mesma tutela, a saber, a alteração/depreciação da posição social do sócio minoritário decorrente de superveniente alteração da estrutura acionista e, associada a esta, da mudança do controlo/domínio da sociedade em que participam.
XVI - No confronto entre as normas de direito interno que regulam e conferem solução ao pressuposto inerente conflito de interesses entre as maiorias e as minorias decorrentes da perda voluntária de qualidade de sociedade aberta, os mecanismos de tutela do acionista minoritária previstos pelo art. 27º, nº 2, al. b) do CSC cumprem o objetivo da Diretiva 2004/25/CE, de fixar determinados princípios comuns e um número limitado de requisitos gerais a implementar pelos Estados-Membros em conformidade com o respetivo sistema nacional e o seu contexto cultural (cfr. considerando 26), no que se inclui a proteção igualitária dos titulares detentores de participações minoritárias da mesma categoria após uma mudança do controlo das sociedades (considerando 9, 1.ª parte).
XVII - Nas recomendações atinentes com a forma e conteúdo do pedido que deverão ser respeitados, e sob pena da possibilidade de o TJUE se declarar incompetente para se pronunciar sobre as questões submetidas a título prejudicial ou julgar o pedido de decisão prejudicial inadmissível, entre outros elementos necessários à identificação da questão e do direito interno aplicável, mais é recomendada a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar-se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.
XVIII - No caso não se vislumbra uma qualquer necessidade de recurso ao reenvio prejudicial, desde logo porque, no confronto entre as normas de direito interno que, nos termos expostos, concorrem para a apreciação jurídica do litígio e o direito da união europeia em matéria de tutela do exercício do direito de voto e tutela dos acionistas minoritários, não só não ocorre uma qualquer dúvida de interpretação das respetivas disposições, como não se vislumbra um qualquer sobreposição conflituante entre o teor e o alcance de umas e outras na solução devida ao caso.
XIX - Com efeito, reportando à preocupação do legislador europeu em matéria de uniformização da tutela dos acionistas minoritários no âmbito de ofertas públicas para aquisição de controlo ou do domínio total, na condição prevista pelo art. 27º, nº 1, al. b) do CVM, o direito nacional, através do art. 27º, nº 3 e 4, 28º e 188º do CVM, atribui aos acionistas minoritários o direito de alienar as suas ações e sair da sociedade em condições idênticas às dos acionistas que, no âmbito de uma Oferta Publica de Aquisição, alienaram a respetiva participação (e com isso possibilitaram a transferência de controlo ou domínio da sociedade) pelo que, suscitar o reenvio prejudicial para obter uma decisão do Tribunal de Justiça sobre a invocada correspondência ou equivalência da obrigação de aquisição das ações remanescentes prevista pelo art. 27º, nº 3, al. a) do CVM à oferta publica de aquisição, não traria qualquer resultado útil, na medida em que, em qualquer caso, não impediria a decisão de improcedência da ação e da apelação nos termos já expostos.
XX - Da mesma forma, a tutela do exercício do direito de voto visada uniformizar pelo direito europeu através da Diretiva 2007/36/CE não entronca na questão jurídica do âmbito do princípio da unidade de voto prevista pelo art. 385º, nº 1 do CSC, que ao direito interno cumpre definir e ao órgão jurisdicional do Estado Membro interpretar, em conformidade com o art. 10º, nº 2 daquela Diretiva.
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
M….. instaurou a presente ação declarativa de processo comum contra L…., S.A., pedindo seja declarada nula ou anulada a deliberação tomada pela Assembleia Geral da ré na sua reunião de 13 de Abril de 2018, tendo por objeto “a perda da qualidade de sociedade aberta da L… S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b) do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação”.
Em síntese, fundamenta a anulabilidade da deliberação invocando:
1) Impedimento ilegal de participar e votar na assembleia geral pelo Presidente da Mesa, com fundamento em divergência entre o número de ações (200) bloqueadas pelo intermediário financeiro para efeito de participação da autora na Assembleia Geral (AG) e o número de ações (100) que em sede de declaração que previamente remeteu à ré a autora declarou querer utilizar para exercer os seus direitos políticos.
2) Recusa injustificada de prestação das informações que pretendia obter na AG, nos termos do art. 290º, nº 1 do CSC, decorrente do facto de ter sido impedida de nela participar.
3) Violação do princípio do tratamento igual dos acionistas e vantagem a um em detrimento de outros, concretizado:
i) no facto de a autora ter sido impedida de participar na AG pelo Presidente da assembleia, ao mesmo tempo que permitiu que outros acionistas o fizessem, apesar de ambos preencherem os mesmos pressupostos necessários à sua participação.
ii) no facto de a deliberação em causa permitir ao oferente, acionista da ré, escudar-se na condição de o valor justo da oferta ser estabelecido num intervalo que o mesmo define para cumprir com a obrigação prevista no artigo 27.° do CVM, ao mesmo tempo que aumenta o risco dos restantes acionistas destinatários da oferta perante tal condição, e o aprisionamento dos mesmos numa sociedade dominada a mais de 98% pela oferente.
4) Fundamenta a nulidade da deliberação alegando que por força do estabelecido no artigo 27.°, nº 3 al. a) do CVM a deliberação tem como consequência uma oferta pública (nos termos do artigo 109º, nº 1 do CVM) e que, a sua sujeição à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta, não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da Luz Saúde que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da Luz Saúde, salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo, viola os artigos 119.°, n.° 1, al. b) e 124.° n.° 3 e 4 do CVM e constitui fraude à lei já que o artigo 27.°, n.°s 1 e 3, conjugado com o artigo 188.°, visa que os acionistas titulares das ações remanescentes que não votem favoravelmente a deliberação possam receber o justo valor pela venda das suas ações perante um evento corporativo desta natureza.
Citada a ré apresentou contestação pedindo a improcedência da ação, alegando, em síntese, que:
1), 2) e 3) A autora não foi impedida de assistir à Assembleia Geral, apenas lhe foi vedado o exercício do direito ao voto com fundamento no artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais, norma que impõe ao acionista um dever de “votar unitariamente com o peso do voto correspondente à totalidade das suas ações” e impede o fracionamento do seu voto.
4) A oferta de aquisição de valores mobiliários resultante do artigo 27.°, n.° 3, alínea a) do CVM nada tem que ver com ofertas públicas, está sujeita a um regime especial, e em lugar algum é qualificada como oferta pública, quer expressamente quer por remissão para o regime das últimas. Designadamente, dos efeitos da perda da qualidade de sociedade aberta listados no artigo 29.º do CVM não consta  o dever de lançar uma oferta pública de aquisição das ações detidas pelos acionistas que não votassem favoravelmente a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta e, se assim fosse, tal estaria necessariamente previsto naquele artigo; se a oferta prevista no artigo 27.°, n.° 3, do CVM  consubstanciasse uma oferta pública não faria qualquer sentido a remissão contida no n.° 4 daquele artigo pela qual o legislador manda aplicar a regra prevista no regime das ofertas públicas para a fixação da contrapartida devida pelos valores mobiliários; tratando-se de uma oferta pública teria sido necessário cumprir uma série de formalidades, incluindo a aprovação de prospeto, o que não sucede neste caso. Mais alega que, ainda que consubstanciasse oferta pública de aquisição de ações, a condição aposta em nada afetaria a validade da deliberação de 13 de abril posto que é a própria deliberação da perda de qualidade de sociedade aberta que está sujeita a condição e não a oferta feita aos acionistas que votem contra a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta, que as ofertas públicas podem ser sujeitas a condições, nos termos do disposto no artigo 124.° do CVM, e que o mecanismo de oferta previsto no artigo 27.° do CVM visa tutelar os acionistas que não votem favoravelmente a decisão de perda da qualidade de sociedade aberta, nos termos do art. 188º do CVM, permitindo-lhes desinvestir sem ser prejudicados pela desvalorização dos seus títulos ou pela submissão a um regime de negociação caracterizado por uma menor liquidez, que necessariamente existe após a perda de qualidade de sociedade aberta.
Notificada da contestação a autora apresentou requerimento formulando pedido de condenação da ré como litigante de má fé em multa a favor do Tribunal e em indemnização a favor a autora em valor nunca inferior a €30.000,00 a título de honorários do mandatário da autora e demais prejuízos por esta sofridos com a presente ação e resposta ao comportamento da ré, e o que fundamenta alegando que na sua contestação a ré alterou a verdade dos factos ou omitiu factos relevantes para a decisão, a saber, omitiu que 100 das 200 ações que à ré foram comunicadas pelo intermediário financeiro não eram providas com direito de voto por não terem sido comunicadas nos termos do contrato da sociedade, e a ré afirma que nesta a autora alega que o seu representante foi impedido de assistir à assembleia geral, o que da leitura atenta da petição resulta não ser verdade porque o que a autora diz é que foi impedida de participar e votar na assembleia geral de 13 de abril, e assim se passou porque o Presidente da Mesa expressamente não concedeu à autora a possibilidade de exercer o seu direito de voto e, consequentemente e expressamente, de participar na discussão da proposta e votação, que é diferente de assistir.
A ré respondeu ao pedido de litigância de má fé concluindo pelo seu indeferimento alegando, em síntese, que os fundamentos aduzidos pela autora correspondem a matéria atinente com o mérito da ação, ou com a falta dele, e a posições de direito que a autora toma como óbvias e adquiridas e não o são.
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada audiência de julgamento com produção de prova na sessão realizada no dia 14.03.2018 e prestação de alegações orais na sessão realizada em 03.05.2018, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e condenou a autora no pagamento das custas.
Inconformada a autora recorreu formulando as seguintes conclusões:
1. A recorrente interpõe o presente recurso por entender que o Tribunal a quo não fez a melhor e mais correta interpretação da prova produzida nos autos, seja a testemunhal seja a documental, tendo dado como provado erradamente, total ou parcialmente, a matéria constante dos “Factos Provados" n.° 12 (em parte), n.° 13 (em parte e quanto ao alcance que de tal facto se deveria extrair) e dado, também erradamente, como não provada a matéria de facto constante dos “Factos não provados” n.°s 1 e 2 (sendo que o ponto 2 comporta necessariamente o ponto 1), e n.°s 6 a 8 da douta sentença recorrida.
2. Em consequência dessa errada decisão da matéria de facto acima referida, o Tribunal a quo, ao invés de julgar procedente a ação, julgou-a improcedente, e, em consequência, absolveu a Ré do peticionado.
3. No entender do recorrente, face á prova produzida, nomeadamente à documental, se devidamente apreciada, era expectável que o Tribunal recorrido julgasse a ação procedente e condenasse o recorrido nos exatos termos em que foi peticionado pela Autora “que declare nula, ou anule, consoante a qualificação dos vícios que resultar do julgamento, a deliberação tomada pela Assembleia Geral da L…., SA, na sua reunião de 13 de Abril de 2018, tendo por objeto «a perda da qualidade de sociedade aberta … S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b) do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação.» ".
4. Decantando os factos provados n.°s 2 a 8 e n.°s 10 a 12 temos que:
a. para além da qualidade substancial de sócia da Ré (que é indiscutível, no caso), a Autora satisfez todos os requisitos formais estabelecidos no n.° 3 do artigo 23.°-C do CVM, a que está sujeito "quem pretenda participar em assembleia geral de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado" e no contrato da sociedade da ré, pelo que estava em condições de participar, por intermédio do seu representante, na discussão e exercer o seu voto relativamente às 100 ações de que era titular;
b. mas foi impedida de exercer o seu direito de voto pelo presidente da mesa da assembleia geral da sociedade ré.
5. Perante esta factualidade assente é forçoso concluir que a acionista, aqui Autora, ao ser impedida de exercer o seu direito político no seio da sociedade (que é votar), estava necessariamente impedida de produzir respetiva declaração de voto (antes ou depois da votação) e discutir a deliberação na qual iria votar. Tais declarações e discussões, por mais insignificante que seja a extensão da sua participação social, são sempre suscetíveis de influenciar a discussão e o resultado da votação. Por outras palavras, a acionista, aqui Autora, foi impedida de exercer um direito fundamental da sociedade. Daí que, ao contrário da valoração dada ao depoimento do próprio Presidente da Mesa da Assembleia Geral, Senhor Dr. …, seja também de infirmar o mesmo por falta da coerência que resulta por um lado afirmar categoricamente que “entendeu [...] não dever ser admitida a votação daquela acionista na Assembleia Geral’ (cf. ponto 10 dos factos provados) e ao mesmo tempo que “poderia assistir e intervir na Assembleia Geral’ (cf. ponto 12 dos factos provados), sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa perante a clara contradição.
6. O Presidente da Mesa da Assembleia Geral apenas testemunhou que deixaria o representante da Autora assistir à Assembleia Geral e, no início, intervir expondo os seus argumentos para defender o seu direito a votar. Ai, caso com esses argumentos o convencesse, poderia então intervir e votar. Rematou ainda que mantinha o entendimento relativamente ao princípio da unidade de voto (cf. com gravação do testemunho) pelo que o entendimento da Mm.a Juiz a quo relativamente ao facto provado n.° 12 resulta numa conclusão ilógica e incoerente - para além, claro, de relatar uma situação totalmente afastada da realidade descrita pela testemunha que representou a acionista na Assembleia Geral (testemunho que não foi valorado forma espontânea, pormenorizada, seguro, coerente e, portanto, credível) apesar de comprovada por força da mensagem de correio eletrónico, datada de 13 de Abril de 2018, às 10:12 am (cf. Doc 1 que se junta).
7. A supra referida mensagem de correio eletrónico (Doc. 1) é um elemento novo que a Autora só tomou conhecimento na audiência de julgamento perante os testemunhos dos Senhor Drs….. Ambas as testemunhas se referiram a uma mensagem de correio eletrónica enviada no dia e hora supra mencionado, mencionando inclusivamente que foi endereçada à assembleia geral e ao regulador (CMVM). Desconhecendo a Autora a existência do tal documento, pois estava na posse de terceiros que nunca o mencionaram até à audiência de julgamento, viu-se pois impossibilitada de apresentar o mesmo em fase anterior a esta, devendo por isso tal provado documental ser admitida atento à sua supervivência subjetiva, nos termos conjugados dos artigos 651.°, n.° 1 do CPC e artigos 425.° e 423.° do mesmo Código.
8. Da leitura desse documento fica claro que o representante da Autora na Assembleia Geral foi informado “não estar autorizado a participar na assembleia geral” e que às 10h12, já depois da “conversa” tida com o Presidente da Mesa da Assembleia Geral, ainda se encontrava “na área de recenseamento para a assembleia geral de acionistas da L…'’”. Este documento contraria os pontos 12 e 13 dos factos provados.
9. Perante o documento agora junto se percebe o erro de julgamento que é sempre possível de ser resolvido nos termos do artigo 607.°, n.° 4, in fine do CPC, pelos tribunais de recuso por força do artigo 663.°, n.° 2 do CPC.
10. Impõe-se referir que durante o testemunho, o Presidente da Mesa da Assembleia Geral afirmou por um lado que apenas tinha interpelado o representante da aqui Autora uma vez, momento em que lhe transmitiu a sua decisão relativamente ao impedimento de votar, para mais a frente dizer que essa interação ocorreu por duas ou três vezes. Também afirmou que a informação que lhe transmitiu inicialmente era meramente exploratória, depois informal e só depois lhe transmitiria a posição definitiva. Para isso temos duas versões, uma primeira versão de um primeiro contacto e da tentativa de um segundo contacto mas o dito representante já se tinha ausentado, e a segunda versão onde existiram dois ou três contactos. Basta pois ouvir a gravação do testemunho para se perceber estes lapsos de memória, os quais podem (devem) ser conjugados com a mensagem de correio eletrónico supra referida e junta aos autos para infirmar o dito testemunho.
11. Impõe-se agora sublinhar do “Facto Provado” n.° 2: “[u]m Acionista pode nomear diferentes representantes relativamente às ações detidas em diferentes contas de valores mobiliários; neste caso, não pode qualquer dos representantes votar em sentido diverso sobre a mesma proposta, sob cominação de anulação da totalidade dos votos expressos. Se algum dos representantes não comparecer na Assembleia Geral serão, não obstante, considerados os votos dos representantes presentes, desde que estes votem todos no mesmo sentido”, pois está prova destrói massivamente o entendimento jurídico da Mma Juiz de que: “a tomada de posição do Presidente da Mesa da Assembleia Geral se mostra fundada e consentânea com o princípio da unidade de voto, o qual proíbe o fracionamento dos votos e que um acionista exerça o seu direito de voto de forma parcial, ou seja, mobilizando apenas uma parte das suas ações, deixando de votar com as demais. Determina o artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais”. Isto porque, a prova feita mostra que é possível que o acionista mobilize apenas parte das suas ações, pois desde logo basta que algum dos representantes não comparecer na Assembleia Geral para que o acionista não vote com essas ações, o que não invalida que os restantes votos (dos presentes) sejam considerados - desde que votem no mesmo sentido.
12. Não podemos concordar com a valoração que é feita do testemunho do Senhor Desembargador Joaquim Cardoso em contraponto com a valoração [adjetivada com “pormenorizada, circunstanciada, explicativa, segura, espontânea e (...) credível”] do testemunho do Senhor Vice-Presidente da Mesa da Assembleia Geral F…, pois o primeiro foi desvalorizado por ser de “parca relevância em face da falta de conhecimento direto dos factos em discussão nestes autos'’", e o segundo considerado credível e relevante apesar de também não ter tido conhecimento direto dos factos em discussão nestes autos, que no essencial é saber se o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral transmitiu ao representante da Autora que este não podia participar na Assembleia Geral (tese defendida pela Autora) ou se disse que podia participar, nomeadamente que “poderia assistir e intervir na Assembleia Geral” (tese defendida pela Ré). Tal testemunho deve ainda se infirmado pela prova documental superveniente que contraria cristalinamente a tese da Ré.
13. O exercício do direito social de participação na assembleia geral apenas depende, para além da qualidade substancial de sócio (que é indiscutível, no caso), da satisfação dos requisitos formais estabelecidos no n.° 3 do art. 23.°-C do CVM, a que está sujeito "quem pretenda participar em assembleia geral de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado" e no caso, esses requisitos foram cumpridos pela autora (cf. matéria provada). A declaração do intermediário a que se refere o n.° 4 do art. 23.°-C do CVM não é, manifestamente, uma condição do exercício do direito de participação na assembleia geral. Nem, de resto, faria sentido, do ponto de vista da coerência das soluções normativas, que a exercitabilidade de tal direito, que é uma das dimensões nucleares da posição jurídico-societária, ficasse dependente de um ato de alguém que não fosse o próprio acionista. A autora foi, portanto, ilegalmente impedida de participar na reunião da AG da L…. onde foi tomada a deliberação impugnada; tal como se espera que este tribunal de recurso venha a considerar provado. Mas impedida de votar é um facto provado (cf. dos factos provados n.°s 10 a 12). Com este impedimento a Autora, por intermedio do seu representante, viu-se impedida de expressar os seus pontos de vista fazendo as declarações a que tinha direito, incluindo de voto, partilhando-os com os demais acionistas, suscitando o debate deliberativo, declarando para a ata e questionando o Conselho de Administração.
14. No "método" deliberativo "de assembleia", a participação na discussão do voto (deliberação) de todos os acionistas legitimados para tanto é essencial: sempre que um deles seja impossibilitado de declarar, votar intervir, de questionar, de sugerir ou, em geral, de argumentar a sua orientação de voto, fica definitivamente comprometida a validade da deliberação que venha a tomar-se, pois, em tal hipótese, não pode eliminar-se, por definição, a dúvida sobre a possibilidade de o seu conteúdo ser diverso se a participação e as declarações de voto ou de intenção de voto tivesse sido admitida. A deliberação impugnada é, pois, anulável, nos termos do art. 58.°, n.° 1, alínea a) do CSC.
15. A Mma Juiz a quo sufraga plenamente tal entendimento, que afirma ser perfeitamente fundado e consentâneo com o disposto no artigo 385.° do CSC, mas nem sequer o fundamenta o seu decreto judicial (como todas as decisões e deliberações judiciais deveriam ser), rematando apenas que não há necessidade de mais considerações e por isso falece a pretensão da Autora.
16. Logo vemos pelos “Factos Provados” n.° 2 que é possível que o acionista mobilize apenas parte das suas ações para votar, pois desde logo basta que algum dos representantes não comparece na Assembleia Geral para que o acionista não vote com essas ações, o que não invalida que os restantes votos (dos presentes) sejam considerados - desde que votem no mesmo sentido. Assim se depura a norma para que o único sentido a extrair do artigo 385.° do CSC é, apenas, evitar diferentes sentidos de voto por parte do mesmo acionista e não, como erradamente entende a Mmo. Juiz a quo, este seja impedido de votar apenas com uma parte do total das ações de que é titular.
17. Logo aqui se concluiu que estamos perante uma sentença obscura, pois o passo que aqui é dado para fundamentar tal posição é imperfeito (e contraditório) o que leva à sua ininteligível.
18. Para além disso, seguindo as regras de interpretação de qualquer norma, facilmente se percebe do erro manifesto do Tribunal a quo na interpretação do artigo 385.°, n.° 1 do CSC conforme foi exaustivamente demostrado neste recurso para onde se remete.
19. Sem conceder que o principio da unidade de voto tenha sido violado in casu, impõe-se sublinhar que a única consequência da violação de tal princípio expresso no aludido artigo 385.° do CSC tem como única consequência a nulidade de todos os votos emitidos pelo acionista, mas de forma alguma o impede de votar, declarar e participar ativamente na Assembleia de Geral de acionistas. Mas ficou provado que a Autora ficou impedida de votar (cf. “Factos Provados” n.°    10 e 11) e, concomitantemente, de declarar o que tivesse por conveniente relativamente ao voto que pretendia expressar.
20. A autora, ao ser impedida de discutir e votar na Assembleia Geral, viu-se impedida de obter informação prescrita no supra aludido artigo 290.°, n.° 1 do CSC.
21. Nos termos do artigo 290.°, n.° 3 do CSC, a recusa injustificada das informações solicitadas em assembleia geral, assim como a sua falsidade, incompletude ou falta de clareza, determinam a anulabilidade das deliberações que aí venham a ser tomadas.
22. O impedimento de participação na Assembleia Geral resulta numa recusa injustificada da prestação das informações que a autora pretendia obter na Assembleia Geral, ou seja, tal impedimento constitui um comportamento em fraude à lei.
23. A aprovação da deliberação em causa tem como consequência uma oferta pública (nos termos do artigo 109.°, n.° 1 do CVM) por força do estabelecido no artigo 27.°, n.° 3 alínea a) do CVM.
24. Estando tal aquisição “sujeita à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta, não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da L… que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da Luz Saúde, salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo” (sublinhado nosso) estamos perante uma violação dos artigos 119.°, n.° 1, al. b) e 124.° n.° 3 e 4, ambos do CVM.
25. A perda de qualidade aberta em si não é uma OPA mas resulta numa e de carácter obrigatória. Se dúvidas houvesse sobre isso é clara a remissão do artigo 27.°, n.° 4 (que impõe os requisitos para a sociedade perder a qualidade aberta) para o artigo 188.° do CVM (segundo artigo da Secção II - Oferta Pública de Aquisição Obrigatória”). O § 39.II do Börsengesetz que regula o delisting é claríssimo a exigir que exclusão de negociação não conflitue com a tutela dos investidores [o que in casu manifestamente conflituaria devido à sujeição a um condição cuja verificação depende do oferente - veja-se a este respeito no direito português o artigo 124.°, n.° 4 conjugado com o artigo 119.°, n.° 1, alínea a) do CVM]. No direito português, em concreto no CVM, a tutela do investidor é dada diretamente e de forma concreta pelas normas contidas nos artigos 27.° n.°s 1 e 3 e 188.°, conjugadas com os artigos 124.°, n.° 4 e 119.° n.° 1, alínea a). Alega a a Ré (e aceita o Tribunal a quo), quanto a nós erradamente, que não estamos perante uma OPA e por isso o disposto no artigo 119.° e 124.° não se aplicam. Ora, a unidade do sistema jurídico sempre diria que sim, mesmo que não estivéssemos perante uma OPA. Mas a verdade é que estamos perante uma OPA (no caso uma extensão de uma OPA) e quem nos dá esse esclarecimento é a fonte do direito: os artigos 27.° do CVM e seguintes renascem do artigo 531.°- A do CVM, aditado pelo Decreto-Lei n.° 261/95, de 31 de Outubro. Ou seja, a operação que a Ré deliberou é, à luz do antigo regime, de forma claríssima, uma oferta geral de aquisição, e continua a ser no novo regime.
26. Estamos assim perante uma autêntica fraude à lei, já que o artigo 27.°, n.°s 1 e 3 conjugado com o artigo 188.° todos do CVM, visa que os acionistas titulares das ações remanescentes que não votem favoravelmente a deliberação possam receber o justo valor pela venda das suas ações perante um evento corporativo desta natureza e a condição imposta na supra referida deliberação impede esse fim ao condicionar o pagamento do preço justo a um aprisionamento na sociedade ou a um preço que apenas interesse à oferente.
27. Assim, não podendo vingar a deliberação por deliberar sobre um ato que é ilegal, portanto nulo, ela própria (deliberação impugnada) será nula, por força do disposto no artigo 56.°, n.° 1-d) do CSC .
28. Estabelece, em geral, o artigo 15.° do CVM que “a sociedade aberta deve assegurar tratamento igual aos titulares dos valores mobiliários por ela emitidos que pertençam à mesma categoria1". O que desde logo não se verificou quando o presidente da mesa da assembleia geral não permitiu que a autora discutir e votar na Assembleia Geral ao mesmo tempo que permitiu que outros acionistas o fizessem, apesar de ambos preencherem os mesmos pressupostos necessários à sua participação e de que o presidente da assembleia geral teve conhecimento tempestivamente.
29. Para além disso, a deliberação em causa, permite à Oferente, acionista da sociedade Ré, escudar-se na condição de o valor justo da oferta ser estabelecido num intervalo que o mesmo define para cumprir com a obrigação prevista no artigo 27.° do Cód.VM ao mesmo tempo que aumenta o risco dos destinatários da oferta, restantes acionistas, perante tal condição e o aprisionamento numa sociedade dominada a mais de 98% pela oferente.
30. Ora, tal constitui uma vantagem para a Oferente em prejuízo dos restantes acionistas, o que determina a anulabilidade da deliberação impugnada, nos termos do artigo 58.°, n.° 1, alínea b) do CSC.
31.    O comportamento da Ré descrito nos presentes autos, viola o disposto na Diretiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007 relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades cotadas. A supra referida diretiva foi transposta para o direito português por intermédio de dois diplomas: pelo Decreto-Lei n.° 49/2010 com a alteração dos artigos 4.°, 22.°, 25.°, 28.°, 92.°, 272.°, 276.°, 277.°, 279.°, 295.°, 298.°, 316.°, 325.°-A, 341.°, 342.°, 345.°, 349.°, 357.°, 380.°, 384.°, 397.° e 423.° do CSC e dos artigos 22.°, 23.°, 232.° e 249.° do CVM e pela Lei n.° 23-A/2015 com a alteração dos artigos 21.°-B, 189.° e 214.° do Código dos Valores Mobiliários.
32. Assim, é crucial que se se proceda a tal reenvio prejudicial, a propósito de saber qual será a melhor interpretação, à luz da Diretiva Comunitária supra e pelas razões que se sumariam, sem prejuízo dos detalhes dados no capítulo supra sobre o reenvio.
33. Entendemos que devemos extrair da Diretiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007, aditada pelas Diretivas 2014/59/EU de 12 de Junho de 2014 e do Parlamento Europeu e do Conselho e 2017/828 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2017 a interpretação de que os Estados-Membros devem tomar medidas destinadas a facilitar o exercício pelos acionistas dos direitos a que a mesma se refere nomeadamente a criar condições que facilitem o seu envolvimento na sociedade. Assim, se retira nitidamente a occasio legis que inspirou o Legislador Europeu e da qual não nos devemos (podemos) afastar. Sendo que a orientação que a Diretiva Europeia nos dá não permite, nem remotamente, que se restrinja o voto dos acionistas que decidam apenas registar e votar com parte das suas ações.
34. A intervenção do TJUE impõe-se por forma a permite colher a melhor interpretação para a Diretiva supra referida, nomeadamente saber se (e sempre ao abrigo da aludida Diretiva):
35. O acionista de uma sociedade cotada na bolsa de valores que registe apenas uma parte da quantidade total de ações que detêm junto de um (ou vários) intermediário(s) financeiro(s) para efeitos de participação e votação numa assembleia geral de acionistas deve (pode) ser impedido de votar com essas ações que registou pelo motivo de não ter registado a quantidade total de ações que efetivamente detém? Ou seja, o facto de o acionista não registar a totalidade das ações que detém inibe ou anula os votos das ações que registou para efeitos de participação e votação na assembleia geral?
36.    Atento ao disposto no artigo 4.° da Diretiva, em caso do TJUE entender que o acionista pode (deve) ser impedido de participar e/ou votar na assembleia geral porque não registou todas as ações que efetivamente detém [ou seja, respondendo positivamente à pergunta em a)], como deve a sociedade cotada e/ou os intermediários financeiros e/ou os reguladores proceder para saber e garantir que todos os acionistas que se encontrem na mesma situação no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias gerais são inibidos de votar ou os seus votos serem anulados? Ou seja, como podem, à luz das atuais regras e da praxis no mercado de valores mobiliários as sociedades cotadas saber qual a quantidade total das ações que cada acionista efetivamente detém por forma a inibir todos aqueles que não registem essa totalidade?
37. Pode o acionista de uma sociedade nomear diferentes procuradores relativamente às ações detidas em diferentes contas de valores mobiliários e os votos dos procuradores presentes serem considerados validos (desde que votem no mesmo sentido) mesmo que um dos procuradores não compareça na Assembleia Geral e portanto não vote? Ou seja, mesmo que o acionista não vote, por intermedio do(s) seu(s) procurador(es) com a totalidade das suas ações, continua a poder votar e o seu voto a ser válido para as ações com que o(s) seu(s) procurador(es) se apresenta(ram) na assembleia geral?
38. No caso da resposta ao ponto imediatamente anterior (c) ser positiva [o voto ser válido apesar de o acionista não votar com todas as ações de que efetivamente é titular] e a resposta ao ponto (a) ser negativa [o voto não ser válido porque o acionista não votou com todas as ações de que efetivamente é titular], como é que está garantida a igualdade de tratamento formal e substantivo dos acionistas para a mesma classe de ações no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias gerais?
39. Qual a interpretação que se deve extrair da conjugação dos artigos 3.°, 3.° - A, 3.° -B e 3. -C, 4.°, 7.° e 10.° da Diretiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho, com particular atenção para o artigo 7.°, n.° 4 da aludida Diretiva, quanto à possibilidade do acionista poder fazer-se representar e votar por procurador para apenas uma parte do total das ações que detém na(s) sua(as) carteira de valores mobiliários juntos do(s) intermediário(s) financeiro(s)?
40. Igualmente importa questionar o TJUE sobre a melhor interpretação a retirar do artigo 17.°, n.° 1 e 2 da Diretiva 2004/109/CE, o que se sugere, na continuação das perguntas anteriores, nos seguintes moldes: o emitente de ações admitidas à negociação num mercado regulamentado que impeça o acionista dessa sociedade votar numa assembleia geral de acionistas com o motivo de não ter registado a quantidade total de ações que efetivamente detém (mas apenas a parte suficiente para lhe conferir pelo menos o direito a um voto), ao mesmo tempo que permite outros acionistas votarem com as suas ações apesar de ser impossível determinar se estavam a votar com todas as suas ações, viola o disposto no artigo 17.°, n.°s 1 e 2 da Diretiva 2004/109/CE?
41. Ainda, em sede de pedido de reenvio para decisão prejudicial, há que questionar o TJUE sobre a correta interpretação a extrair do artigo 2.°, n.° 1, alínea d) da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003 relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que altera a Diretiva 2001/34/CE, quando a saber se a oferta pública, dirigida aos acionistas remanescentes de uma sociedade sobre as condições de oferta de aquisição dos valores mobiliários que estes detêm constitui ou não uma “oferta de valores mobiliários ao público” e se tal operação pode se encontrar na previsão do artigo 4.° da mesma Diretiva, pelo que se sugere a seguinte formulação para as questões a colocar (para facilitar continuamos a numeração anterior).
42. Note-se que não se está a colocar ao TJUE nenhuma questão relativa à interpretação das normas legislativas ou regulamentos do direito português, nem tão-pouco sobre a compatibilidade dessas normais com o direito comunitário e muito menos se pretende que o Tribunal Europeu validade ou interprete as decisões dos tribunais portugueses; tal como se recorta com elevada nitescência da formulação das questões supra elencadas.
43. Só à luz da correta interpretação da Diretiva Europeia supra mencionadas é possível extrair a aplicação correta do direito a esta questão de interpretação nova, de interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União Europeia e inclusivamente da jurisprudência nacional.
44. Por todas estas razões está mais que justificada a importância e obrigatoriedade (caso se esgotem as instâncias - sem mais oportunidade de recurso - por força do artigo 671.°, n.° 3 do CPC) do reenvio prejudicial solicitado.
Em sede de dispositivo terminou pedindo seja suspensa a presente instância até que o Tribunal de Justiça da União Europeia se pronuncie, a título prejudicial, expressa e especificamente, sobre questões que enunciou e numerou de 1 a 8 e, em qualquer caso, seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene a ré nos pedidos.
Com o requerimento e alegações de recurso a apelante juntou um documento, correspondente a reprodução/cópia do teor de mensagem de correio eletrónica (e-mail).
A ré apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
 A. Embora dedique o primeiro capítulo das suas alegações a escalpelizar a decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto, a Recorrente não impugna verdadeiramente aquela decisão nem requer a sua modificação (na motivação ou nas conclusões que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso).
B. A Recorrente demite-se do cumprimento dos ónus que o artigo 640.° do Código de Processo Civil faz recair sobre quem pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto (tentando inclusivamente transferir alguns deles para o Tribunal de forma totalmente inadmissível) e não especifica os meios de prova constantes do processo que impunham uma decisão diferente da que foi tomada (nomeadamente quando se trata de prova gravada, em que apenas se remete para os depoimentos ao invés de indicar as passagens da gravação relevantes) nem indica qual a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida em relação aos factos provados que contesta, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova.
C. A prova testemunhal produzida nos presentes autos foi corretamente valorada pelo Tribunal a quo e as razões que a Recorrente invoca para inquinar aquela valoração resultam, salvo o devido respeito, de interpretações enviusadas da prova testemunhal produzida e de uma (injustificada) sobrevalorização do depoimento da testemunha Octávio Viana, que a Recorrente enaltece e erradamente reputa suficiente para infirmar qualquer outro tipo de prova.
D. A Recorrente vem contestar a Decisão Recorrida com base em erros de julgamento que decorrem - pasme-se! - do confronto da prova produzida com um documento que só agora foi junto aos autos pela Recorrente e não foi, por isso, sequer conhecido pelo Tribunal a quo.
E. A junção do documento apresentado com as alegações de recurso nesta fase processual é manifestamente extemporânea e deve ser rejeitada nos termos do disposto nos artigos 651.° e 425.° do Código de Processo Civil, seja por não se poder aceitar a tese de que a Recorrente desconhecia aquele documento, seja porque (e ainda que assim não fosse) a Recorrente teve mais de um mês e meio para proceder à junção daquele documento desde o momento em que na sua tese teve dele conhecimento, nada alegando para justificar a sua inação.
F. A mensagem de correio eletrónica junta como Doc. n.° 1 às alegações de recurso só faz prova quanto às declarações ali atribuídas ao seu autor e está em linha com o depoimento da testemunha Octávio Viana em audiência, nada acrescentando àquilo que foi a prova produzida a respeito do que se passou na Assembleia Geral.
G. A alegação a respeito da suposta contradição da decisão sobre a matéria de facto revela uma errada compreensão da Recorrente sobre a questão de Direito que lhe subjaz, nada havendo a apontar à Decisão Recorrida nesse âmbito.
H. Para efeitos do presente recurso, deverá dar-se por estabilizada a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo de onde decorre que o representante da Recorrente não foi impedido de participar na Assembleia Geral mas apenas de exercer o seu direito de voto.
I. A tese apresentada pela Recorrente no presente recurso é, em grande medida, construída sobre um pressuposto errado: que o direito a participar na Assembleia Geral é indissociável do direito de voto, quando é incontroverso que se tratam de dois direitos distintos e independentes que não devem ser confundidos.
J. É de afastar a interpretação do princípio da unidade de voto que a Recorrente pretende retirar na norma estatutária que rege a votação dos acionistas com ações registadas em diferentes contas de valores mobiliários (descrita no facto provado n.° 2), que de modo algum invalida o raciocínio do Tribunal a quo. Trata-se, em primeiro lugar, de um argumento que subverte por completo a ordem das coisas, ao sugerir que se afastem determinadas interpretações das normas legais só porque, nessas interpretações, seria fácil de violar tais normas, e não pode, por isso, colher. Em segundo lugar, a norma estatutária em questão não tem aplicação no caso dos autos (em que todas as ações da Recorrente estavam registadas na mesma conta de valores mobiliários) e que, além disso, tem subjacentes necessidades de proteção do acionista que não se fazem sentir quando é o própria acionista que não quer exercer todos os direitos de voto que lhe são conferidos pelas suas ações. Por fim, a premissa em que a Recorrente baseia o seu raciocínio - que seria impossível determinar se um acionista que detém as suas ações registadas em diferentes contas de valores mobiliários - não é sequer verdadeira já que as ações representativas do capital social da Luz Saúde são nominativas pelo que seria fácil despistar as situações em que um acionista se propusesse a exercer apenas uma parte dos seus direitos de voto.
K. O princípio da unidade de voto ínsito no artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais proíbe não só o voto em sentido divergente mas também o voto parcial e andou bem o Tribunal a quo ao considerar justificado o impedimento de o representante da Recorrente votar na Assembleia Geral.
L. A declaração do intermediário financeiro prevista no artigo 23.°-C, n.° 4, do Código de Valores Mobiliários é, contrariamente ao que indica a Recorrente condição necessária para o exercício de direito de voto mas o exercício do direito de voto da Recorrente não foi prejudicado por aquela declaração, mas pela falta de poderes do seu representante.
M. Nos casos em que se verifiquem situações que colidam com o disposto no artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais, o voto desse acionista deve ser recusado, não fazendo qualquer sentido alegar que, pese embora o voto fosse nulo, o acionista deve ser admitido a vota, já que o Direito repudia a prática de atos inúteis e a cominação de nulidade apenas é prevista para os casos em que o voto seja indevidamente exercido.
N. A Decisão Recorrida, no que respeita à interpretação e aplicação do artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais é clara, coerente e suficientemente fundamentada.
O. As ações da Recorrente são ações providas de direito de voto, característica essencial e definidora da natureza da participação social, que não é passível de renúncia pelo acionista, e muito menos fica dependente do cumprimento de uma qualquer formalidade, que apenas pode afetar o exercício desse direito mas já não a sua existência.
P. Além de nenhum elemento nos autos permitir questionar a conformidade das normas internas em discussão nestes autos com as diretrizes da Diretiva 2007/36/CE, esses argumentos são inadmissíveis e contraditórios com a atuação da Recorrente, em que prescinde, num primeiro momento, de direitos de voto que pacificamente lhe cabiam, para depois brandir normas de direito europeu que visam precisamente assegurar que os acionistas possam exercer todos os seus direitos.
Q. Se a Recorrente tivesse exercido o seu direito de voto, a deliberação de perda da qualidade da sociedade aberta em vez de ser aprovada com uma maioria de 99,99% teria sido aprovada com uma maioria de "apenas” 99,7795%, não devendo restar dúvidas quanto a qual seria o sentido da deliberação se o representante da acionista tivesse participado uma vez que os acionistas que votaram a favor da deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta foram, precisamente aqueles que a propuseram.
R. O representante da Recorrente não participou na Assembleia Geral e não lhe assistiu, portanto, o direito previsto no artigo 290.° do Código dos Valores Mobiliários que pudesse ter sido violado.
S. A oferta aos acionistas da Luz Saúde que votaram contra a deliberação de perda da qualidade da sociedade aberta, prevista no artigo 27.°, n.° 3, alínea a) do Código de Valores Mobiliários, não é uma oferta pública para efeitos do regime previsto no Código de Valores Mobiliários.
T. Quer a contrapartida oferecida pela Fidelidade (EUR 5,71) quer a contrapartida fixada como limite à subsistência da oferta (EUR 5,75) cumprem os requisitos estabelecidos no artigo 188.° do Código de Valores Mobiliários, sendo superiores (i) ao maior preço pago pelo oferente ou por um seu acionista pela aquisição de valores mobiliários da mesma categoria e (ii) ao preço médio ponderado das ações da Luz Saúde, nos seis meses anteriores à oferta. Além de ter sido fixada em observância dos requisitos estabelecidos na lei, a contrapartida mínima de EUR 5,75 por ação contra a qual a Autora se rebela representa ainda um prémio de EUR 2,81 em relação ao preço médio ponderado das ações da Luz Saúde, que correspondia a um prémio de 91% em relação à cotação das ações em bolsa na data em que foi anunciada a proposta.
U. No relatório do revisor oficial de contas sobre o valor da contrapartida mínima a oferecer aos acionistas por ocasião da perda de qualidade de sociedade aberta da Luz Saúde, preparado ao abrigo do disposto no artigo 188.°, n.° 4, do Código dos Valores Mobiliários, foi considerado que a contrapartida mínima a oferecer aos acionistas é de EUR 5,52 por ação, ou seja, inferior à contrapartida mínima oferecida pela Fidelidade.
V. Nem o impedimento de o representante da Recorrente exercer o seu direito de voto na Assembleia Geral nem a contrapartida oferecida pela Fidelidade no contexto do processo de aquisição das ações dos acionistas que votassem contra a perda da qualidade de sociedade aberta configuram uma violação do princípio da igualdade dos acionistas.
W. O pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Recorrente não diz respeito à interpretação de normas comunitárias mas apenas à interpretação do artigo 385.° do Código das Sociedades Comerciais e sua aplicação ao caso dos autos, matéria que escapa à competência daquele tribunal.
X. O Tribunal de Justiça da União Europeia não dispõe de poderes consultivos para responder a questões gerais ou meramente hipotéticas, como as que a Recorrente pretende ver esclarecidas relacionadas com a forma como a representação dos acionistas em assembleias gerais de sociedades cotadas é organizada em Portugal e a bondade da solução adotada pelo legislador.
Y. Não foi alegado, nem demonstrado qualquer facto suscetível de integrar os pressupostos de que depende a condenação da Luz Saúde como litigante de má fé.
Notificada das contra-alegações apresentadas pela ré, a autora apresentou novo pedido de condenação da ré como litigante de má fé, agora no pagamento de indemnização a título de honorários ao seu mandatário no montante de € 60.000,00, ao qual acrescentou pedido de aplicação, a cargo da ré, de taxa de justiça correspondente à dos processos de especial complexidade, nos termos do art. 530º do CPC, e condenação da ré em taxa sancionatória excecional nos termos do art. 531º do CPC, ao que a ré respondeu, invocando a total ausência de fundamento para os referidos pedidos que, além do mais, não são cumuláveis entre si.
Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
II – OBJETO DO RECURSO:
De acordo com o disposto nos artigos 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, balizado o objeto do recurso pelo objeto da ação e, nos limites deste, pelo âmbito das conclusões do recorrente, sem prejuízo de outras questões que oficiosamente cumpra conhecer, vêm submetidas a apreciação as seguintes questões:
A) Erro de julgamento de facto tendo como objeto os factos descritos sob os pontos 12 e 13 dos factos provados e os descritos sob os pontos 1, 2, 6 a 8 dos factos não provados, com fundamento em distinta valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas e, particularmente, com fundamento no teor do documento junto com as alegações, em confronto com os depoimentos prestados pelas testemunhas L…e O… e estes entre si, o que impõe a prévia apreciação:
i) da admissibilidade da junção aos autos do documento apresentado em sede de recurso, e enquanto meio indicado pela apelante para comprovar o invocado erro de julgamento de facto;
ii) do cumprimento dos requisitos legais do recurso dirigido à decisão de facto.
B) Erro de julgamento de direito atinente com:
i) a apreciação da (i)legalidade do impedimento do exercício dos direitos de participação e/ou de voto da autora pelo presidente da assembleia geral da ré, atinente, o primeiro, com o resultado da impugnação da decisão de facto, e o segundo, com a declaração da autora manifestando a intenção de participar na assembleia com um numero de ações inferior às por si detidas, com consequente repercussão na aferição das invocadas violações do direito da autora à informação no âmbito da assembleia e do princípio de tratamento igual dos acionistas;
ii) a apreciação da (i)legalidade do objeto da condição a que foi sujeita a deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta da ré (atinente com a fixação, pelo ofertante, de um valor de aquisição das ações dos acionistas que tenham votado contra a referida deliberação);
C) Necessidade de reenvio prejudicial para esclarecimento/resposta a questões suscitadas pela apelante.
D) Apreciação dos pressupostos da litigância de má fé por referência à conduta processual da ré em sede de contestação da ação.
III – FUNDAMENTAÇÃO:
A Mmª Juiz a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
1. A ré L…e, S.A., é uma sociedade anónima, com sede na Rua ….Lisboa, e com o capital social de € 95.542.254,00.
2. A convocatória para a assembleia geral extraordinária da ré datada de 21 de Março de 2018, subscrita pelo Presidente da Mesa da Assembleia Geral da ré, L…, determina:
“Nos termos do disposto na lei e no Contrato de Sociedade, e a pedido da accionista Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., convoco os Senhores Acionistas da .. S.A., sociedade aberta, com sede ……, com o capital social de 95.542.254 euros, para reunirem em Assembleia Geral Extraordinária, na Sala Multiusos das Casas da Cidade Lisboa,…… no dia 13 de abril de 2018, pelas 10 horas, em virtude de a sede social não oferecer condições satisfatórias para a reunião, para deliberar sobre a seguinte
ORDEM DE TRABALHOS
Ponto Único - Deliberar sobre a perda de qualidade de sociedade aberta da …, S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27°, n.° 1, alínea b), do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação.
INFORMAÇÃO AOS ACIONISTAS I. REQUISITOS DE PARTICIPAÇÃO NA ASSEMBLEIA
(a) De acordo com o artigo 11.°, n.°s 1 e 2, do Contrato de Sociedade, a Assembleia Geral é constituída por todos os Acionistas com direito de voto e titulares de outros valores mobiliários emitidos pela Sociedade não poderão assistir às reuniões de tal Assembleia, sem prejuízo do direito de nela se fazerem representar, nos termos legalmente previstos.
(b) Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, do Contrato de Sociedade, a cada cem acções corresponde 1 (um) voto.
(c) Só podem estar presentes na Assembleia Geral e aí discutir e votar, pessoalmente ou por representação, ou exercer o seu direito de voto por correspondência, os accionistas que, até às 00.00 horas (hora de Lisboa) do quinto dia de negociação anterior ao da realização da Assembleia Geral, i.e., até 6 de abril de 2018 (“Data de Registo”), tenham devidamente registadas na respectiva conta de registo individualizado de valores mobiliários escriturais uma quantidade de acções que lhes confira pelo menos 1 (um) direito de voto.
(d) O exercício dos direitos de participação e de voto na Assembleia Geral não é prejudicado pela transmissão das acções em momento posterior à Data de Registo, nem depende do bloqueio das mesmas entre a Data de Registo e a data da Assembleia Geral.
(e) Os Acionistas que pretendam participar na Assembleia Geral em conformidade com os termos previstos no ponto (c) supra deverão declarar essa sua intenção, por escrito, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral e ao intermediário financeiro onde a conta de registo individualizado esteja aberta, o mais tardar até às 23:59 horas (hora de Lisboa) do dia de negociação anterior à data de Registo, isto é, do dia 5 de abril de 2018, podendo, para o efeito, recorrer aos formulários disponíveis na sede social ou no sítio da Internet www.luzsaude.yt. A declaração ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral pode ser transmitida por correio eletrónico para o seguinte endereço de e-mail assembleia.geral@luzsaude.pt.
f) Os Intermediários financeiros que sejam informados da intenção dos seus clientes de participar na Assembleia Geral, até às 23.59 horas (hora de Lisboa) do dia 6 de abril de 2018, informação sobre o número de ações registadas em nome de cada um dos seus clientes, com referência às 00.00 horas da Data de Registo, podendo, para o efeito, utilizar o seguinte endereço de correio eletrónico ….
(g) Os Acionistas que, a título profissional, detenham as ações em nome próprio mas por conta de clientes (“Acionistas Profissionais ”), podem votar em sentido diverso com as suas ações, desde que, para além da declaração de participação e do envio pelo respetivo intermediário financeiro da informação acima referida, apresentem ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, dentro dos mesmos prazos e com recurso a meios de prova suficientes e proporcionais, (i) a identificação de cada cliente e o número de ações a votar por sua conta e (ii) as instruções de voto, específicas para cada ponto da ordem de trabalhos, dado por cada cliente. Assim, apenas serão admitidos a participar e a votar os Acionistas Profissionais cujas declarações de participação e demais informações e cujas declarações dos respetivos intermediários financeiros sejam recebidas pelo Presidente da Mesa até, respetivamente, às 23.59 horas (hora de Lisboa) do dia 5 de abril de 2018 e às 23.59 horas (hora de Lisboa) do dia 6 de abril de 2018.
(h) Os Acionistas que tenham declarado a intenção de participar na Assembleia Geral nos termos referidos em (e) supra e transmitam a titularidade das ações entre a Data do Registo e o fim da Assembleia Geral, devem comunica-lo imediatamente ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
(i) Nos termos estatutários, em primeira convocação a Assembleia Geral não poderá reunir sem estarem presentes ou representados Acionistas titulares de ações representativas de, pelo menos, 50% (cinquentapor cento) do capital social, sejam quais forem os assuntos da Ordem de Trabalhos. Em segunda convocação, a Assembleia Geral pode deliberar seja qual for o número de Acionistas presentes ou representados e o capital por eles representado.
II. REPRESENTAÇÃO DE ACIONISTAS
(a) Os Acionistas podem fazer-se representar na Assembleia Geral, nos termos do disposto no artigo 380.° do Código das Sociedades Comerciais, bastando, como instrumento de representação, uma carta assinada pelo próprio, dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Alternativamente, os Acionistas podem recorrer ao formulário automático da declaração acessível na página da Luz Saúde na Internet www.luzsaude.pt ou ao formulário em suporte papel disponível na referida página da Internet e na sede social, a partir da divulgação da presente convocatória.
(b) Um Acionista pode nomear diferentes representantes relativamente às ações detidas em diferentes contas de valores mobiliários; neste caso, não pode qualquer dos representantes votar em sentido diverso sobre a mesma proposta, sob cominação de anulação da totalidade dos votos expressos. Se algum dos representantes não comparecer na Assembleia Geral serão, não obstante, considerados os votos dos representantes presentes, desde que estes votem todos no mesmo sentido.
(c) A presença na Assembleia Geral de um Acionista que tenha indicado um ou mais representantes tem como consequência a revogação dos poderes de representação concedidos.
(d) Os instrumentos de representação dos Acionistas a que se referem os parágrafos anteriores (incluindo os formulários automáticos ou formulários em suporte papel), bem como as cartas ou declarações dos Acionistas que sejam pessoas coletivas e em que seja(m) indicado(s) o(s) nome(s) de quem os representa e os eventuais instrumentos de agrupamento dos Acionistas, devem ser dirigidos ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral por forma a serem pelo mesmo recebidos até às 23.59 horas (hora de Lisboa) do dia 5 de abril de 2018.
III. INCLUSÃO DE ASSUNTOS NA ORDEM DE TRABALHOS E APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS DE DELIBERAÇÃO
(a) Nos termos do artigo 23.°-A, número 2, do Código dos Valores Mobiliários, o (s) Acionista(s) que, por si só ou agrupados, possua(m) ações correspondentes a, pelo menos, 2% (dois por cento) do capital social podem requerer a inclusão de assuntos na Ordem de Trabalhos, mediante requerimento dirigido, por escrito, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
(b) O referido requerimento deve ser apresentado nos cinco dias seguintes à data de publicação desta convocatória e ser acompanhado de uma proposta de deliberação para casa assunto cuja inclusão se requeira, bem como de prova da titularidade do capital social necessário.
(c) O aditamento à convocatória e as propostas de deliberação para cada assunto aditado são divulgados aos Acionistas pela mesma forma utilizada para a divulgação da presente convocatória, logo que possível e, em qualquer caso, até às 0.00 horas (hora de Lisboa) da Data de Registo.
(d) De igual forma, e de acordo com o disposto no artigo 23.°-B do Código dos Valores Mobiliários, o(s) Acionista(s) que, por si só ou agrupados, possua(m) ações correspondentes a, pelo menos, 2% (dois por cento) do capital social podem requerer a inclusão de propostas de deliberação relativas a assuntos referidos na convocatória ou a esta aditados, mediante requerimento dirigido, por escrito, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral nos cinco dias seguintes à publicação da convocatória ou do respetivo aditamento. Ao requerimento deve ser junta a informação que deve acompanhar a proposta de deliberação em causa, bem como prova da titularidade do capital social necessário.
(e) As propostas de deliberação, bem como a informação que as deva acompanhar são divulgadas aos Acionistas pela mesma forma utilizada para a divulgação da presente convocatória, logo que possível e, em qualquer caso, até 10 (dez) dias antes da data da Assembleia Geral.
f) Não sendo satisfeitos os requerimentos para a inclusão de assuntos na Ordem de Trabalhos e/ou de propostas de deliberação relativas a assuntos referidos na convocatória ou a esta aditados, podem os interessados requerer judicialmente a convocação de nova assembleia para deliberar sobre aqueles assuntos ou propostas.
IV.  VOTO POR CORRESPONDÊNCIA
(a) De acordo com o disposto no artigo 22.° do Código dos Valores Mobiliários e no artigo 13.° do Contrato de Sociedade, os Acionistas habilitados a participar na Assembleia Geral poderão exercer o respetivo voto por correspondência, através de declaração por si assinada, onde (i) indiquem a respetiva identidade e a participação social e correspondentes direitos de voto por si detidos na Sociedade, com recurso aos meios de prova suficientes e proporcionais para o efeito, e (ii) manifestem, de forma inequívoca, o sentido do seu voto em relação a cada um dos pontos da ordem de trabalhos da Assembleia. Para o efeito, os Acionistas poderão, se o desejarem, utilizar os boletins de voto à disposição dos Acionistas na sede da Sociedade ou no sítio da Internet www.luzsaude.pt.
(b) A declaração de voto (ou boletim de voto) deve ser acompanhada de fotocópia legível do documento de identificação do Acionista e remetida em envelope fechado, endereçado ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, através de correio registado, de modo a que sejam por este recebidos até às 17.00 horas (hora de Lisboa) do dia 10 de abril de 2018. No caso de Acionista que seja pessoa coletiva, a declaração de voto deverá ser assinada por quem tenha poderes para representar tal entidade e a assinatura reconhecida nessa qualidade e com menção à suficiência de tais poderes.
(c) Os votos por correspondência são contados para a formação do quórum constitutivo da Assembleia Geral e valem igualmente para a segunda convocação da Assembleia Geral, cabendo ao Presidente da Mesa verificar a sua autenticidade e regularidade e assegurar a sua confidencialidade até ao momento da votação. Considerar-se-á revogado o voto por correspondência emitido no caso de presença do Acionista ou seu representante na Assembleia Geral.
(d) Os votos por correspondência valem como votos negativos relativamente a propostas de deliberação apresentadas posteriormente à data da sua emissão.
(e) Só serão considerados os votos dos Acionistas que tenham igualmente cumprido os requisitos de participação na Assembleia referidos na Secção I da presente Convocatória, designadamente quanto à manifestação da intenção de participação na Assembleia e envio, pelo respetivo intermediário financeiro, da informação relevante, dentro dos prazos aplicáveis.
(f) Os votos exercidos por correspondência serão considerados no momento do escrutínio da votação, por adição aos exercido no decurso da Assembleia Geral.
V. ELEMENTOS INFORMATIVOS PRÉVIOS À ASSEMBLEIA GERAL
Os documentos e informações respeitantes aos Pontos da Ordem de Trabalhos, bem como os demais elementos previstos no número 1 do artigo 289. ° do Código das Sociedades Comerciais e no número 1 do artigo 21.°-C do Código dos Valores Mobiliários, estão à disposição dos Acionistas, para consulta, na sede social, bem como na página da Luz Saúde na Internet www.luzsaude.pt, a partir da data de publicação da presente convocatória. A demais documentação legalmente exigida ficará ainda disponível no Sistema de Difusão de Informação da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (www.cmvm.yt).
Na Assembleia Geral, os Acionistas podem requerer que lhes sejam prestadas informações verdadeiras, completas e elucidativas que lhes permitam formar uma opinião fundamentada sobre os assuntos sujeitos a deliberação, sendo que as mesmas devem ser prestadas pelo órgão da sociedade que para tal esteja habilitado e só podem ser recusadas se a sua prestação puder ocasionar grave prejuízo à Sociedade ou a outra sociedade com ela coligada ou violação de segredo imposto por lei."
3.      A Assembleia Geral da ré convocada nos termos do facto provado 2., teve lugar no dia 13 de abril de 2018, tendo sido elaborada ata respectiva do seguinte teor:
ATA N.° 36
“Aos treze dias e abril de dois mil e dezoito, reuniu na Sala Multiusos das Casas da Cidade Lisboa, sita na Avenida Marechal Teixeira Rebelo, n.° 20, 1500-427 Lisboa, em virtude de a sede social não oferecer condições satisfatórias para a reunião, a Assembleia Geral da sociedade…., S.A., sociedade aberta, com o capital social de € 95.542.254,00, com o número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa coletiva 504885367 (a “Sociedade ”).
Assumiu a direção dos trabalhos o Presidente da Mesa, Dr….s, tendo sido coadjuvado pelo Vice-Presidente da Mesa, Dr. …. Barona, e pela Secretária da Mesa, Dra. ... O Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral começou por informar os presentes de que a Assembleia Geral foi regularmente convocada e que, tendo em consideração os Acionistas devidamente representados na Assembleia e os acionistas que exerceram o seu voto por correspondência nos termos previstos na convocatória, se encontrava reunido um quórum de 98,8077% do capital social da Sociedade, correspondente a 944.029 votos. Estavam igualmente presentes todos os membros dos órgãos sociais em efetividade de funções, com exceção do Dr. …., do Dr…. e do Dr. ….o, membros do Conselho de Administração, e da Dra. …., membro do Conselho Fiscal.
Feitas estas considerações preliminares, o Senhor presidente da Mesa da Assembleia Geral declarou validamente constituída a Assembleia Geral para deliberar sobre a seguinte Ordem de Trabalhos:
Ponto Único: Deliberar sobre a perda da qualidade de sociedade aberta…, S.A., nos termos e para os efeitos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b), do Código dos Valores Mobiliários, e consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação.
O Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu início à sequência de abertura da assembleia declarando que estavam reunidas todas as condições legais e estatutárias para a realização da assembleia, não havendo quaisquer impedimentos ao regular funcionamento da mesma, pelo que estava aberta a sessão.
Entrando na análise do Ponto Único da Ordem de Trabalhos, o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral dispensou a leitura da proposta apresentada pela acionista Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., por a mesma constar da informação preparatória que foi oportunamente divulgada aos senhores acionistas e perguntou aos acionistas representados se pretendiam usar da palavra ou pedir algum esclarecimento sobre a referida proposta.
Contatando-se que nenhum acionista representado pretendeu usar da palavra ou solicitar qualquer esclarecimento adicional, o Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral deu, assim, início à votação da referida proposta, tendo a mesma sido aprovada, nos termos do disposto no artigo 27.°, n.° 1, alínea b), do Código dos Valores Mobiliários, pela maioria dos acionistas, com 943.943 votos a favor, correspondentes a 94.394.408 ações, representativas de 99,9909% do capital social representado em Assembleia (e de 98,799% do capital social da Sociedade), e com 86 votos contra, correspondentes a 8.659 ações, representativas de 0,0091% do capital social representado em Assembleia (e de 0,009% do capital social da Sociedade).
 Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão e lavrada a presente ata que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelos membros da Mesa da Assembleia Geral.”
4. Nos termos do Contrato de Sociedade da sociedade ré:
“Artigo 11.°
Assembleia Geral
1. A Assembleia Geral é constituída por todos os acionistas com direito de voto.
2. Os acionistas sem direito de voto e os titulares de outros valores mobiliários emitidos pela Sociedade não poderão assistir às reuniões da Assembleia Geral, sem prejuízo do direito de nelas se fazerem representar, nos termos legalmente previstos.
3. Só podem estar presentes na Assembleia Geral e aí discutir e votar ou em cada uma das suas sessões, em caso de suspensão, os acionistas que pelas 0 horas do quinto dia útil anterior ao da realização da Assembleia Geral, tenham validamente registadas na respetiva conta de registo individualizado de valores mobiliários escriturais uma quantidade de ações que lhes confiram, segundo a lei e o presente contrato, pelo menos um direito de voto.
4. Os acionistas que pretendam participar na Assembleia Geral em conformidade com os termos previstos no número anterior deverão declarar essa sua intenção, por escrito, ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral e ao intermediário financeiro onde a conta de registo individualizado esteja aberta, enviando também ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, caso seja aplicável, os instrumentos de representação e a indicação de quem os representa, o mais tardar até ao dia referido no número 3 deste Artigo.
Artigo 12.°
Da Mesa e da Convocação da Assembleia Geral
 1. A Mesa da Assembleia Geral é composta por um Presidente, um Vice-Presidente e um Secretário, eleitos pela Assembleia Geral.
2. A Assembleia Geral convocada a requerimento de acionistas titulares de ações que lhe confiram tal direito, nos termos da lei imperativa, não se realizará se não estiveram presentes os requerentes dessa convocatória.
3. A exigência de a ata da Assembleia Geral ser lavrada por notário, quando a lei a permita, deverá ser formulada em carta dirigida ao Presidente da Mesa, com a assinatura legalmente reconhecida, entregue na sede social até ao quinto dia útil anterior ao dia designado para a reunião da Assembleia Geral.
Artigo 13.°
Direito de Voto
1. A cada cem ações corresponde um voto.
2. É admitido o voto por correspondência.
3. Os votos por correspondência são contados para a formação do quórum constitutivo da Assembleia Geral e valem igualmente para a segunda convocação da Assembleia Geral para a qual foram emitidos, cabendo ao Presidente da Mesa verificar a sua autenticidade e regularidade, nos termos que forem publicitados na convocatória para a Assembleia Geral.
4. Cabe igualmente ao Presidente da Mesa assegurar a conformidade dos votos por correspondência até ao momento da votação.
5. Considera-se revogado o voto por correspondência emitido, no caso de presença na Assembleia Geral do acionista ou de seu representante.
6. Os votos por correspondência valem como votos negativos relativamente a propostas de deliberação apresentadas posteriormente à data da sua emissão.
Artigo 14.°
 Quórum
1. Em primeira convocação, a Assembleia Geral não poderá reunir sem estarem presentes ou representados, acionistas titulares de ações representativas de, pelo menos, cinquenta por cento do capital social, sejam quais foram os assuntos da ordem de trabalhos.
2. Em segunda convocação, a Assembleia Geral pode deliberar seja qual for o número de acionistas presentes ou representados e o capital por eles representado.
Artigo 15.°
Maioria Deliberativa
1. A Assembleia Geral delibera por maioria dos votos emitidos, salvo nos casos em que a lei ou o presente contrato exijam uma maioria qualificada.
2. As deliberações sobre alteração do contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução ou outros assuntos para os quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, devem ser aprovadas por dois terços dos votos emitidos, quer a Assembleia reúna em primeira quer em segunda convocação.
3. As abstenções não são contadas para quaisquer deliberações.”
5. A autora é acionista da ré, sendo a sua participação social representada por ações escriturais.
6. Em 5 de abril de 2018, a autora era titular de, pelo menos, 100 ações da Luz Saúde.
7. A autora, a 5 de abril de 2018, pelas 19 horas, comunicou ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da …, S.A., que pretendia estar presente, por intermédio do representante ali indicado, para participar na discussão e exercer os seus direitos de voto relativamente a 100 ações de que era titular, na reunião da Assembleia Geral convocada para o dia 13 de abril de 2018.
 8. Por carta datada de 6 de abril de 2018, recebida nesse dia, dirigida ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral, o intermediário financeiro da autora confirmou o registo de 200 (duzentas) ações escriturais de que a autora era titular.
9. A convocatória aludida no facto provado 2 teve por base a “Proposta de deliberação relativa ao Ponto Único da ordem do dia da Assembleia Geral Extraordinária da L…, S.A.”, efetuada pela Comissão Executiva da Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A., do seguinte teor: “Tendo presente a concentração do capital social da ..) nos acionistas Fosun International Limited (“Fosun International”) e Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. (“Fidelidade”), esta última detida, em 84.9861%, por via indireta, pela Fosun International, acionistas estes que detêm atualmente 94.384.363 ações representativas de 98,788% do capital social e dos correspondentes direitos de voto da Luz Saúde, considera a Fidelidade não se justificar a manutenção do estatuto de sociedade aberta da Luz Saúde, tendo nomeadamente presente os custos e formalidades inerentes a tal estatuto, podendo, em seu entender, proceder-se à deliberação da perda da qualidade de sociedade aberta da sociedade, com a consequente imediata exclusão da negociação em mercado regulamentado da ações da Luz Saúde, nos termos do artigo 27.°, n.° 1, alínea b), e 29.°, n.° 2, do Código dos Valores Mobiliários (o “CVM”).
O artigo 27.° do CVM estabelece que, no caso de a perda da qualidade de sociedade aberta ser deliberada em assembleia geral da sociedade, deve ser indicado um acionista que se obrigue a adquirir, no prazo de três meses após o deferimento pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (a “CMVM”), as ações pertencentes, nessa data, às pessoas que não tenham votado favoravelmente a deliberação de assembleia geral de perda da qualidade de sociedade aberta, sendo a contrapartida a fixar nos termos do artigo 188.° do CVM.
 Tendo ainda em consideração que:
a) Em 26 de Outubro de 2017 a Fidelidade e a Fosun International celebraram um contrato de compra e venda de ações representativas do capital social da Luz Saúde, S.A., através do qual a Fidelidade vendeu à Fosun International 46.815.704 ações da Luz Saúde, ao preço de € 5,71 (cinco euros e setenta e um cêntimos), por ação;
b) Com exceção da compra e venda de ações Luz Saúde referida em a), nem a Fidelidade, nem qualquer entidade que se encontra com esta numa das situações previstas no artigo 20.° do CVM, adquiriu quaisquer ações da Luz Saúde nos últimos 6 (seis) meses;
c) A cotação média ponderada das ações da L.. no Euronext Lisbon, nos últimos 6 (seis) meses, foi de € 2,94 (dois euros e noventa e quatro cêntimos) por ação,
A Fidelidade considera que a contrapartida de € 5,71 (cinco euros e setenta e um cêntimos) por ação da L… constitui uma contrapartida adequada, incluindo um prémio de € 2,77 (dois euros e setenta e sete cêntimos) relativamente à suprarreferida cotação média ponderada.
Assim, a Fidelidade propõe:
1. Que a Assembleia Geral da …. delibere aprovar a perda de qualidade de sociedade aberta da…, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 27.°, n.° 1, alínea b), do CVM, e a consequente atribuição de poderes a qualquer dos membros do Conselho de Administração da Sociedade para praticar qualquer dos atos necessários ou convenientes à plena execução dessa deliberação, designadamente no que concerne às respetivas formalidades de execução, tal como a submissão do requerimento relevante de perda da qualidade de sociedade aberta junto da CMVM;
2. Que a deliberação acima prevista fique sujeita à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta,
não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da Luz Saúde que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da …., salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo;
3. Que, sendo deliberada a perda da qualidade de sociedade aberta da …, e sem prejuízo da condição referida em 2, seja designada a Fidelidade como a acionista a quem incumbirá cumprir com as obrigações previstas no n.° 3 do artigo 27.° do CVM, do qual emerge a obrigação de aquisição das ações da …. pertencentes aos acionistas que não votem favoravelmente a deliberação de perda de qualidade de sociedade aberta, mediante uma contrapartida calculada nos termos dos artigos 27.°, n.°4, e 188.°do CVM. ”
10. Confrontado com a discrepância entre o número de ações inscritas em nome da autora à data do registo (200 ações) e o número das ações com as quais o representante da autora estava mandatado para votar nos termos da carta de representação (100 ações), entendeu o Presidente da Mesa não dever ser admitida a votação daquela acionista na Assembleia Geral.
11. Tal decisão foi comunicada ao representante da autora pelo Presidente da Mesa no dia 13 de abril de 2018, data da Assembleia Geral.
12. O Presidente da Mesa informou expressamente o Senhor  representante da autora, que, pese embora a limitação ao direito ao voto, poderia assistir e intervir na Assembleia Geral.
13. Não obstante, o referido representante da autora ausentou-se do local onde a Assembleia Geral teria lugar.
*
III.  2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Designadamente, não se provou que:
1) A autora foi impedida de participar na Assembleia Geral pelo Presidente da Mesa.
2) Tal ocorreu porque a autora é, a par com outros acionistas minoritários, persona non grata no seio da ré.
3) O Presidente da Mesa da Assembleia Geral da sociedade ré comunicou à autora, por intermédio do seu representante, que a mesma não poderia participar na Assembleia Geral convocada para 13 de abril de 2018 devido a uma divergência entre o número de ações (200) bloqueadas pelo intermediário financeiro para efeito de participação na Assembleia Geral e o número de ações (100) que a autora declarou querer utilizar para exercer os seus direitos políticos.
4) O Presidente da Mesa da Assembleia Geral atuou com o intuito de impedir a autora de exercer os seus direitos políticos na referida Assembleia Geral e influenciar os restantes acionistas com as intervenções que tinha preparado.
5)  A autora sentiu-se ofendida na sua honra e dignidade, tanto que ficou enervada e passou bastante mal, principalmente porque fez um enorme esforço, nomeadamente financeiro, para poder participar naquela Assembleia Geral, já que tanto a autora como o seu representante vivem no Porto, pelo que teve várias despesas de deslocação, representação e um dia completamente perdido.
6) Com o impedimento de participar na Assembleia Geral em causa imposto pelo respetivo Presidente da Mesa, a autora, por intermédio do seu representante, não pôde expressar os seus pontos de vista, partilhando-os com os demais acionistas, suscitando o debate deliberativo e questionando o Conselho de Administração.
7) A autora também se viu impedida de obter informação na aludida Assembleia Geral.
8) A ré contestou de forma cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterando a verdade dos factos e omitindo factos relevantes para a decisão da causa, sabendo que tudo se passou como relata a autora na petição inicial.
A) Da impugnação da decisão de facto
i) Documento junto com as alegações de recurso
Com as alegações, e como parte integrante dos fundamentos do erro de julgamento que imputa à decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido, a apelante juntou e requereu a admissão e valoração de documento. Corresponde este a mensagem de correio eletrónico que pelas 10h12 do dia 13 de abril uma testemunha indicada pela autora remeteu para uma testemunha indicada pela ré, ambas ouvidas em sede de audiência de julgamento. Conforme ponto 7 das conclusões de recurso, justificou a oportunidade da junção do dito documento alegando que só dele tomou conhecimento na audiência de julgamento perante os depoimentos das referidas testemunhas, ….., os quais fizeram referência a uma mensagem de correio eletrónica enviada naquele dia à assembleia geral e ao regulador (CMVM). Mais acrescentou que estava impossibilitada de apresentar aquele documento em fase anterior à audiência de julgamento porque estava na posse de terceiros e porque desconhecia a sua existência até por aqueles ser mencionado na audiência de julgamento.
A recorrida defende a extemporaneidade da junção do documento e pugna pela sua rejeição (al. E) das conclusões das contra-alegações).
Sob a epigrafe Junção de documentos e de pareceres prevê o art. 651º do CPC que As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez prevê o artigo 425º do CPC que Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
Por elucidativo na matéria, transcreve-se o sumário do acórdão da Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1 relatado por Teles Pereira):
I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.//II – Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.//III – Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.//IV – Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.//V – Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.//VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum. (disponível no site da dgsi).
Sem curar da relevância probatória do documento - que, de resto, pela sua natureza (receptícia), antes de mais e no contexto factual em que é situado, impunha demonstrar que a mensagem que corporiza chegou ao efetivo conhecimento do destinatário até ou simultaneamente com a realização da assembleia geral -, no caso não se coloca a superveniência do documento aferida pelo critério da necessidade decorrente do julgamento proferido na primeira instância porque, conforme matéria amplamente alegada e debatida pelas partes nos articulados (típicos e incidentais) que apresentaram nos autos, os temas de prova fixados em sede de audiência prévia incluem os factos que ora são objeto de impugnação e aos quais a autora reporta o documento - atinentes ao impedimento de a autora, através do seu representante, participar na assembleia geral em apreço. Tema de prova que a decisão de facto sob censura concretiza sob os pontos 12 e 13 dos factos provados e sob os pontos 1 e 3 dos factos não provados, por referência ao sentido que um declaratário normal não deixaria de extrair da alegação fáctica e conclusiva contida nos arts. 4º, 22º, 25º, 37º, 41º, 42º, 43º, 44º, 48º, 49º e 60º da petição e, com particular relevância, no ultimo parágrafo de fls. 4 do req. da autora de 25.05.2018, através do qual, além do mais, a autora pretendeu esclarecer o sentido do por ela alegado na petição inicial, e de cujo teor, na conjugação semântica de todo o que a respeito expõe e a que reporta, logicamente se extrai que a autora aceita que não foi impedida de assistir à assembleia geral da ré, mantendo apenas que foi impedida de nela participar e votar (e ao que agora nos referimos independentemente do sentido que no léxico comum e jurídico a autora imputa às ações ‘participar’ e ‘votar’ que, na tarefa que ora nos ocupa, não releva).
Ostensivo também é que o referido requisito temporal é afastado na modalidade de superveniência objetiva, posto que a produção e existência do documento é cronologicamente anterior à audiência de julgamento (aliás conforme alegado pela autora, corresponde a facto praticamente contemporâneo com o facto que através dele pretende firmar, a saber, que o Presidente da assembleia impediu/obstou à participação do representante da autora nessa mesma assembleia geral da ré).
Resta a superveniência subjetiva do documento, que a autora invoca alegando que estava na posse de terceiros que nunca o mencionaram até à audiência de julgamento, e que apenas nesta dele teve conhecimento através dos depoimentos nela prestados pelas testemunhas …..
Porém, conforme acórdão da Relação do Porto de 06.03.2017 (proc. nº 632/14.0T8VNG.P1), [N]o tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.//No entanto, conforme se vem entendendo [Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente (disponível no site da dgsi).
Por referência ao que vem alegado pela autora, ainda que só após o encerramento da audiência de julgamento tenha visto ou tomado conhecimento do concreto e preciso teor da mensagem eletrónica que agora pretende juntar (não obstante tenha sido produzida por terceiro, irmão da autora, atuando em representação desta), inarredável é que tomou conhecimento da sua existência – do envio e do assunto a que reportava – bem como da identidade dos ‘terceiros’ que a detinham na sua disponibilidade, 49 dias antes do encerramento da audiência, ou seja, aquando da inquirição das testemunhas realizada na sessão realizada no dia 14.03.2018, data na qual em que, sendo do seu interesse, como agora o manifesta, e considerando as conhecidas restrições processuais legalmente impostas à admissão superveniente dos documentos (cfr. arts. 423º, 425º e 651º do CPC), deveria ter diligenciado pela sua junção aos autos previamente ao encerramento da audiência, designadamente, requerendo a sua junção naquela data (14.03.2018) ou, não lhe sendo possível, que lhe fosse concedido prazo para lhe permitir proceder à sua junção ou, justificando, requerendo ao juiz do julgamento a notificação da testemunha para o fazer nos termos do art. 432º do CPC, diligência que por si só era apta a acionar em momento processual oportuno – na fase de julgamento em primeira instância - o exercício do contraditório e as subsequentes sindicância da admissibilidade e valoração probatória do documento em questão.
Conforme acórdão da Relação do Porto de 26.09.2016 (proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1), e ao qual nesta matéria aderimos in totum,  [T]odavia, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento, pois que, como se refere no Ac. da RC de /11/2014[2] a “(…) a questão não é o que “não se sabe”, “porque não se sabe” - ninguém sabe aquilo que não teve a curiosidade ou o cuidado de averiguar - a questão é o que justificadamente alguém “não podia saber, mas veio a saber mais tarde” e só neste caso se fala em superveniência subjectiva.” ; e acórdão do STJ de 30/4/2019 (prc. Nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2), [Q]uanto ao argumento da falta de acesso anterior ao documento, tal como sucede quanto ao desconhecimento anterior, não é qualquer situação deste tipo que surte o efeito previsto na norma do artigo 425.º do CPC.//Conforme adverte Rui Pinto, “[n]o tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1.º instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partas: a parte deve alegar – e provar – a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento” [Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, cit., p. 314].//O desconhecimento ou a falta de acesso anterior ao documento deve, em suma, assentar em razões atendíveis, não podendo ser imputável à falta de diligência dos sujeitos, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador (disponíveis no site da dgsi).
De acordo com o critério previsto pelo citado art. 651º, nº 1 do CPC e concretizado nos arestos supra citados, por manifestamente intempestivo, carece de fundamento legal a junção de documento requerida em sede de recurso pela apelante, motivo pela qual vai a mesma rejeitada, com consequente condenação da apelante nas custas do incidente a que deu causa nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais, a fixar em duas UC’s, por adequada à gravidade da negligência e à evitável atividade processual a que em consequência da mesma deu causa em sede recursiva.
Consigna-se que não se determina o desentranhamento do documento rejeitado por consubstanciar ato inútil (artigo 130º do Código de Processo Civil).
ii) Requisitos da impugnação da decisão de facto
(………)
Desta feita, concluindo que a apelante não cumpriu o ónus de delimitar com precisão o sentido da pretensão recursória em sede de julgamento de facto, não se compaginando o convite ao aperfeiçoamento em sede de incumprimento dos ónus de alegação no recurso dirigido à decisão de facto (cfr. Ac. do STJ de 27.09.2018, disponível no site da dgsi), e não se vislumbrando um qualquer vício de insuficiência da decisão de facto proferida pelo tribuna ad quo passível de conhecimento oficioso, improcede em toda a linha a apelação nesta matéria, mantendo-se sem alterações os factos julgados provados pelo tribunal recorrido.
B) Erro de julgamento de direito:
a) Da invocada anulabilidade da deliberação com fundamento na violação, pelo Presidente da Mesa da assembleia geral da ré, do direito de participação -  i) informação, intervenção e ii) voto - da autora, e iii) do princípio da igualdade dos acionistas.
O Presidente da Mesa da assembleia assume funções de organização e direção dos trabalhos da assembleia, desde a sua convocação até ao seu encerramento, em conformidade com os termos anunciados na convocatória e o determinado pela lei, pelo pacto social, por deliberação dos sócios ou por decisão do próprio Presidente da Mesa da assembleia. Funções no exercício das quais, como moderador e guardião da lei e dos estatutos, e sem prejuízo dos direitos próprios que potestativamente lhe são reconhecidos, máxime na direção dos debates e das intervenções, lhe cumpre observar os princípios da imparcialidade, da legalidade e do igual tratamento de sócios. Este ultimo impõe-lhe [a]ssegurar que todos os accionistas têm idênticas possibilidades de expressão e de questionamento; no âmbito da assembleia – e com excepção, como é óbvio, do voto – todas as pessoas têm iguais direitos, devendo a igualdade ser mantida por cabeça e não por voto (Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, II Vol., 2ª ed., p. 753).
No exercício da condução da assembleia, além do mais, cabe-lhe desde logo aferir da regularidade das participações, certificando-se preliminarmente da legitimidade ou capacidade de todas as presenças para assegurar de que apenas permanecem no local da assembleia as pessoas que nela podem participar, novamente, de acordo com a convocatória, os estatutos e a lei (art. 379º e 382º do CSC).
Sob a epígrafe Participação na assembleia prevê o art. 379º do CSC nos seguintes termos:
1 - Têm o direito de estar presentes na assembleia geral e aí discutir e votar os accionistas que, segundo a lei e o contrato, tiverem direito a, pelo menos, um voto.//2 - Os accionistas sem direito de voto e os obrigacionistas podem assistir às assembleias gerais e participar na discussão dos assuntos indicados na ordem do dia, se o contrato de sociedade não determinar o contrário.//(…)//5 - Sempre que o contrato de sociedade exija a posse de um certo número de acções para conferir voto, poderão os accionistas possuidores de menor número de acções agrupar-se de forma a completarem o número exigido ou um número superior e fazer-se representar por um dos agrupados.//6 - A presença na assembleia geral de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores depende de autorização do presidente da mesa, mas a assembleia pode revogar essa autorização.
No âmbito da discussão trazida a estes autos impõe-se considerar a natureza e categoria societária da ré, enquanto sociedade anónima com capital aberto ao investimento ou disperso pelo público, as designadas sociedades abertas previstas pelo art. 13º do Código dos Valores Mobiliários, sujeitas à supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e reguladas, para além das disposições gerais e das especificamente previstas no CSC para as sociedades anónimas, por regras especialmente adaptadas às especificidades das relações e valores/interesses societários naquelas geradas, previstas pelo CVM que, como é apanágio da lei especial, se sobrepõem àquelas apenas e sempre que por elas seja contrariada.
Nesta matéria – participação em assembleia -, as normas do CVM, em conformidade com a Diretiva 2007/36/CE, preveem um regime de legitimidade para o exercício dos direitos de participação e de voto em assembleia geral, desde logo assente no sistema da data de registo das ações (para ultrapassar os constrangimentos gerados pelo sistema de bloqueio das ações).
 Assim, dispõe o art. 23º-C do CVM:
1 - Nas sociedades emitentes de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, tem direito a participar na assembleia geral e aí discutir e votar quem, na data de registo, correspondente às 0 horas (GMT) do 5.º dia de negociação anterior ao da realização da assembleia, for titular de ações que lhe confiram, segundo a lei e o contrato de sociedade, pelo menos um voto.//2 – (…).
3 - Quem pretenda participar em assembleia geral de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado declara-o, por escrito, ao presidente da mesa da assembleia geral e ao intermediário financeiro onde a conta de registo individualizado esteja aberta, o mais tardar, até ao dia anterior ao dia referido no n.º 1, podendo, para o efeito, utilizar o correio eletrónico.
4 - O intermediário financeiro que, nos termos do número anterior, seja informado da intenção do seu cliente em participar em assembleia geral de sociedade emitente de ações admitidas à negociação em mercado regulamentado, envia ao presidente da mesa da assembleia geral desta, até ao fim do dia referido no n.º 1, informação sobre o número de ações registadas em nome do seu cliente, com referência à data de registo, podendo, para o efeito, utilizar o correio eletrónico.
i) Das disposições citadas, em conjugação com o art. 290º do CSC, resulta que, sem prejuízo das limitações legal ou estatutariamente consagradas, o direito de participação na assembleia geral é integrado por vários direitos, sem que se confunda ou esgote em qualquer um deles, a saber: direito a entrar, a estar presente e a assistir aos trabalhos da assembleia; direito a nela solicitar e receber informações atinentes com a ordem dos trabalhos; direito a intervir com exposições atinentes com a ordem dos trabalhos; e direito de emitir declaração de voto (vd. Pedro Pais Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª ed., p. 118 e s.). A assembleia geral, para além dos seus poderes jurídico-societários, funciona ainda como órgão de informação, de discussão e de descompressão (Menezes Cordeiro, ob. cit., p. 768)
Afigura-se consensual que, salvas as limitações legais e estatutárias (cfr. art. 379º, nº 1 e 2 do CSC), o titular de ações representativas do capital da sociedade, para além do direito de estar presente e assistir aos trabalhos da assembleia geral, tem direito a nela solicitar informações e/ou a expor opiniões (art. 290º do CSC). Direitos cuja relevância democrática no processo deliberativo social conduz ou pode conduzir à anulabilidade da deliberação com fundamento na recusa ou impedimento injustificado do seu exercício.
Mas, como resulta cristalino, a presença voluntária do acionista - por si ou validamente representado - na reunião em que se corporiza a assembleia, constitui a condição primeira e indissociável da violação de tais direitos, condição empírica que o representante da autora não concretizou posto que se ausentou ou não permaneceu no local onde iria ter lugar a reunião, sem que, contrariamente ao que vinha alegado pela apelante, tenha resultado provado que assim procedeu porque o presidente da assembleia o informou que, para além da limitação/não admissão à votação, a acionista por ele representada estava impedida de participar. Com efeito, do acervo factual adquirido nos autos ação resulta que foi o representante da autora quem, na sequência da informação da sua não admissão a votação transmitida pelo Presidente da Mesa da assembleia, por motivação própria e/ou daquela decorrente, decidiu não entrar, ausentar-se ou não permanecer no local onde iria decorrer a reunião da assembleia geral extraordinária da ré.
Donde, sem necessidade de outras considerações, por inúteis, se conclui pela impossibilidade fáctica da ocorrência da violação do direito de participação da autora à assembleia geral de 13.04.2018 nas suas dimensões do direito à informação e do direito à intervenção.
ii) Ainda no âmbito dos poderes-deveres que funcionalmente assistem ao Presidente da Mesa da assembleia, cabe-lhe recusar os votos ilícitos ou indevidos. Assim sucederá com os votos que violem proibições legais (384.º/6, como exemplo) ou que contundam com a unidade do voto (385.º/1).(…): tudo sem recurso para a assembleia e a título definitivo (Menezes Cordeiro, ob. cit. p. 758).
Sob a epígrafe Unidade de voto dispõe o art. 385º do CSC, prevendo nos seguintes termos:
1 - Um accionista que disponha de mais de um voto não pode fraccionar os seus votos para votar em sentidos diversos sobre a mesma proposta ou para deixar de votar com todas as suas acções providas de direito de voto.//(…) //4 - A violação do disposto no n.º 1 deste artigo importa a nulidade de todos os votos emitidos pelo accionista.
Conforme factos assentes, pelas 19h00 do dia 5 de abril de 2018 a apelante comunicou ao Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Luz Saúde, S.A. que pretendia estar presente, por intermédio do representante ali indicado, para participar na discussão e exercer os seus direitos de voto relativamente a 100 ações de que era titular, na reunião da Assembleia Geral convocada para o dia 13 de abril de 2018. No dia de 6 de abril de 2018 o Presidente da Mesa da Assembleia Geral recebeu comunicação do intermediário financeiro da autora a confirmar o registo de 200 (duzentas) ações escriturais de que a autora era titular. Com fundamento na divergência entre o número de ações inscritas em benefício da autora à data do registo e o número de ações com as quais declarou pretendeu participar, o Presidente da Mesa da Assembleia comunicou ao representante da apelante por ela mandatado para votar que esta não era admitida à votação naquela Assembleia geral.
Entende a apelante que a referida comunicação de não admissão à votação consubstancia impedimento ilegal do direito de voto que lhe assiste na qualidade de acionista cumpridora dos requisitos formais previstos pelo n.° 3 do art. 23.°-C do CVM e, em suporte, alega que A declaração do intermediário a que se refere o n.° 4 do art. 23.°-C do CVM não é, manifestamente, uma condição do exercício do direito de participação na assembleia geral., acrescentando que sequer faria sentido que o exercício do direito de voto ficasse dependente de um ato de alguém que não fosse o próprio acionista.
Cumpre notar antes de mais que, sem que se questione que o direito de voto é titulado e exercido pelo acionista (por si ou através de representante), o dever de informação que legalmente recai sobre o intermediário financeiro enquadra-se em perfeita linha com o art. 3º-A, nº 1 e 2 da Diretiva nº 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho de 2007 invocada pela apelante (relativa ao exercício de certos direitos dos acionistas de sociedades abertas) e transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto Lei nº 49/2010 de 19.05, nos termos da qual e sob a epigrafe Identificação dos acionistas, prevê que [O]s Estados-Membros devem assegurar que as sociedades tenham o direito de identificar os seus acionistas. e (…) que, a pedido da sociedade ou de terceiros designados pela sociedade, os intermediários comuniquem à sociedade, sem demora, as informações relativas à identidade dos acionistas. Nos termos da al. j) do art. 2º daquela Diretiva, entende-se por Informações relativas à identidade do acionista», informações que permitem identificar um acionista, incluindo (…) o número de ações detidas. Acresce que os intermediários financeiros, cuja atividade pressupõe a celebração de um contrato com o investidor, pelo papel chave que assumem na dinâmica e modus operandi do mercado financeiro, correspondem a entidades autorizadas e com registo prévio na CMVM (cfr. arts. 293º e 295º, nº 1 do CVM), sujeitas a um amplo quadro de deveres (vg. arts. 304º, nº 1 e 305º, nº 1, e a responsabilização civil emergente do incumprimento desses mesmos deveres (cfr. art. 314º, nº 1 do CVM).
Em consonância lógica, a declaração através da qual o intermediário financeiro informa o Presidente da Mesa da assembleia geral da exata extensão da participação social do acionista, para além de corresponder ao exercício de um direito de informação da sociedade, é manifestamente condição para aferir da legalidade do voto do acionista, quer quanto à verificação/comprovação dessa mesma qualidade de acionista e da medida do respetivo voto, nos termos do art. 384º, nº1 e 2 do CSC, quer quanto à limitação legal que do art. 385º do CSC decorre ao seu exercício, e com pleno respeito pela proporcionalidade entre meios e fins a que alude o art. 7º, nº 4 da Diretiva 2007/36/CE.
Contrariamente ao que a apelante defende, da literalidade dos termos empregues na construção e redação da norma prevista pelo art. 385º, nº 1 - dividida em duas orações pela conjunção disjuntiva ou (que expressa ideia de alternância ou escolha) -, e do sentido interpretativo que a mesma impõe, decorre que prevê duas proibições (no exercício do voto) de conteúdo distinto: uma proibição de emissão de diferentes sentidos de voto por parte do mesmo acionista (1ª oração), e outra proibição de exercício do voto apenas com uma parte do total das ações de que é titular (2ª oração). Sentido que no campo da hermenêutica encontra suporte no critério previsto pelo art. 9º, nº 3 do Código Civil (Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.), e que não é contrariado pelo regime legal especificamente aplicável às sociedades abertas, designadamente, pelo art. 23º do CVM que reconhece ao acionista a possibilidade de nomear diferentes representantes para a mesma assembleia, mas sem prejuízo do disposto no art. 385º do CSC.
A questão passa então pela delimitação do segmento do art. 385º nº 1 do CSC - ações providas de direito de voto. Quais são?
Com relevância prevê o art. 384º, nº 1 e 2 do CSC:
1 - Na falta de diferente cláusula contratual, a cada acção corresponde um voto.
2 - O contrato de sociedade pode:
a) Fazer corresponder um só voto a um certo número de acções, contanto que sejam abrangidas todas as acções emitidas pela sociedade e fique cabendo um voto, pelo menos, a cada (euro) 1000 de capital;
b) Estabelecer que não sejam contados votos acima de certo número, quando emitidos por um só accionista, em nome próprio ou também como representante de outro.
Ainda recorrendo aos doutos ensinamentos de Pedro Pais de Vasconcelos, [E]mbora na linguagem comum e na letra da lei seja corrente contar quantos votos tem cada sócio, este só tem verdadeiramente um voto. (…). Assim, quando o artigo estatui que o acionista não pode fraccionar o seu voto nem deixar de votar com todas as suas acções, o sentido é o de que o acionista só tem um voto e que esse voto é exercido em bloco, unitária e totalmente (ob. cit. p. 131). A comum referência a ‘votos’ traduz apenas a quantificação ou diferenciação do peso do seu voto, por referência ao capital que lhe corresponde (voting power). Continua o citado autor que [S]eja qual for o número de acções de que seja titular, o acionista tem de votar unitariamente com o peso de voto correspondente à totalidade das suas acções e não pode fraccionar o seu voto. (…) Somos de opinião que o voto deve, em princípio, ser unitário. O regime do art. 385º é muito claro nesse sentido e a sua aplicação é extensível aos demais tipos societários por remissão dos artigos 189º, nº 1, 248º, nº 1, 474º e 478º (p. 132 e 135).
Com efeito, do mero confronto das normas previstas pelos arts. 384º e 379º do CSC e 23º-C e 23º do CVM, reguladoras do direito de voto e respetivas limitações (legais ou estatutárias), perpassa a necessidade de distinção entre: titularidade de ações representativas do capital, direito de voto e voting power por elas conferido, e exercício do direito de voto.
Assim, se, cfr. art. art. 23º-C, nº 1 do CVM e 384º, nº 1 e 2, al. a) do CSC para o qual aquele logicamente remete, a titularidade do direito/poder de voto depende da titularidade de uma ou várias ações (ordinárias), nem sempre o inverso é verdadeiro; ou seja, para além das ações preferenciais - que não conferem direito de voto nem contam para a determinação da representação do capital exigida na lei ou no contrato de sociedade para as deliberações dos acionistas (cfr. art. 341º, nº 1 e 6 do CSC -, admite-se a titularidade de ações (ordinárias) que, por si só (desconsiderando, portanto, a possibilidade de participação agrupada prevista pelo art. 379º, nº 5 do CSC), não atribuem/não conferem direito de voto ao titular das ações. Assim sucede sempre que o acionista seja titular de ações às quais, estatutariamente, e no respeito pelos limites previstos pelo art. 384º, nº 2, al. a) do CSC, não corresponda um voto (na linguagem comum e legal empregue na matéria). Versando ao caso, de acordo com os estatutos da ré, a cada 100 ações representativas do respetivo capital corresponde apenas um voto, o que vale por dizer que as ações detidas em número inferior (vg. 99) ou na parte em que não atinja o correspondente a múltiplos de 100 (vg. 100+99), não conferem direito de voto. Nesses casos (reitera-se, sem considerar, e sem prejuízo da possibilidade de participação agrupada) as ações não conferem direito/poder de voto, pelo do que se trata é de uma limitação da participação na assembleia geral através do não reconhecimento de todos os poderes que naquele direito se incluem (assistência, informação, intervenção e voto) ou tão só do não reconhecimento do direito de voto (vd. art. 379º, nº 2 do CSC). Do que se trata não é da limitação ao direito/poder de voto, mas sim da inexistência deste (por referência ao número de ações), como expressamente se reconhece do segmento do art. 379º, nº 2, Os accionistas sem direito de voto. Dito de outra forma, tratam-se de ações não provida de direito de voto (isoladamente ou de per si consideradas/imputadas à titularidade de um acionista). Esse não era o caso da autora posto que, sendo titular de 200 ações, todas elas lhe conferiam direito de voto na medida/peso correspondente à fração do capital social que representam.
Do exposto também logicamente decorre, por um lado, que o ‘número’ de ‘votos’ conferidos pelas ações não se confunde necessariamente com o numero de ações tituladas por cada acionista e, por outro, que no cômputo total dos votos emitidos, o peso ou medida do voto de cada acionista é aferido pelo numero de ações que lhes conferem direito de voto, exceto quando ocorra limitação que ao acionista se impõe, nos termos que de imediato sinteticamente se expõem.
Num segundo momento - logicamente subsequente à prévia e positiva determinação da existência do direito/poder de voto decorrente da imputação (subjetiva) da titularidade das ações a cada acionista presente/representado na assembleia -, poderão ocorrer limitações permitidas pelo direito societário ao exercício desse direito, que se traduzem em mecanismos de blindagens estatutárias e, estes, em medidas de defesa do controlo instituído na sociedade, que precisamente, e conforme admitido pelo art. 384º, nº 2, al. ) do CSC, impede a contagem dos votos emitidos pelo mesmo acionista, em nome próprio, ou em representação de outrem, acima de determinado limite estatutariamente estabelecido, alterando as regras de contagem de votos em Assembleia-Geral e, assim, o voting power de cada acionista titular de ações (de qualquer categoria ou apenas de uma categoria determinada). Essa limitação decorre porém da vontade do ente societário, por inerente aos respetivos estatutos e enquanto legalmente admissível, sem que - conforme entre nós é defendido por douta, esclarecida e já citada doutrina - esteja na disponibilidade/discricionariedade do sócio e lhe seja reconhecida a faculdade de, no exercício do direito/poder de voto, limitar o peso do seu voto a um montante representativo do capital inferior ao por si detido, visando um qualquer objetivo, qualquer que ele seja, mas que sempre será individual ou à margem do interesse comum ou, pelo menos, à margem da sindicabilidade do ente societário, e, por isso, egoístico. A distinção, resulta diretamente da lei; em conjugação com a vontade da sociedade/pacto social, mas já não em função da vontade de cada titular de fração do capital social a quem, pretendendo exercer o direito de voto para contribuir e integrar a vontade social, se lhe impõe que faça refletir a dita fração de que é titular no apuramento do quórum constitutivo e deliberativo de cada assembleia geral, exceto nos casos em que a sociedade, através dos respetivos estatutos, determine contagem distinta, cfr. arts. 383º, nº 1, 2 e 3 e 386º do CSC. Com efeito, as ações de que cada sócio é titular, materializam a um tempo essa qualidade/condição de sócio e a inerente relação jurídica que estabelece com a sociedade e com os outros sócios, e o critério de determinação da sua concreta posição no funcionamento dos órgãos sociais, máxime, em sede deliberativa, sujeita a regras, legais e estatutárias, em defesa do interesse social, que inclui a dicotómica proteção das minorias e das maiorias enquanto reflexo ou manifestação daquele. Nesta matéria, não obstante as eventuais e individuais dissintonias de cada sócio (ainda que comuns a vários), as limitações previstas pelo pacto social permanecem do interesse comum da sociedade enquanto não forem alteradas através da modificação dos seus estatutos.
Do exposto se conclui, em síntese e contrariamente à tese defendida pela apelante, que o conteúdo da posição social jurídica e societariamente relevante que decorre da titularidade das ações (não preferenciais) não é alterado pelos procedimentos de participação e formalidades exigidos para a legitimação ou admissibilidade, em cada assembleia geral, do exercício do direito de voto de cada acionista naquela contido, conforme o prevê o art. 384º, nº 8 do CSC e os arts. 21º-B, nº 2, al. a), 23º-C, nº 1, 3 e 4 do CVM, normas que, de resto, através do sistema ou critério «data de registo», cumprem a positiva transposição, nessa matéria, dos arts. 7º, nº 2 e 4 da Diretiva 2007/36/CE, em derrogação do anterior sistema de bloqueio de ações, proibida pelo nº 2 do art. 23º-C do CVM, em conformidade com a diretriz contida no art. 7º, nº 1 da referida Diretiva.
Finalmente, o princípio da unidade de voto previsto pelo art. 385º, nº 1 do CSC com o conteúdo e alcance que vimos de expor, é reforçado pelo art. 10º, nº 2, penultimo e ultimo parágragos, permitindo que um acionista, titular de várias ações em mais do que uma conta de valores mobiliários, proceda à nomeação de um representante distinto para as ações detidas em cada conta para cada assembleia geral, mas sempre sem prejuízo das regras da lei nacional que proíba o exercício diferenciado do direito de voto referente a ações tituladas pelo mesmo acionista, no nosso ordenamento, o art. 385º do CSC. A pretensão da apelante de, na mesma assembleia geral, acumular o ‘não exercício’ de uma parte do peso do seu voto, com o ‘exercício’ de outra parte do peso desse mesmo voto, consubstancia exercício diferenciado das ações providas de voto de que é titular, produtor da nulidade do voto que viesse a emitir. A nulidade do ato/voto confere legitimidade ao Presidente da Mesa da Assembleia para, no uso dos poderes deveres de organização e direção da assembleia em conformidade com a lei e os estatutos, transmitir à acionista o impedimento que obstava à emissão do seu voto, por ilegal e juridicamente inatendível naquelas circunstâncias (cfr. art. 385º, nº 4 do CSC).
iii) Invoca ainda a apelante a violação do princípio do tratamento igualitário dos accionistas que se encontrem na mesma situação expressamente consagrado na Diretiva 2007/36/CE (art. 4º), no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias gerais. Porém, não descreve ou confronta uma qualquer concreta posição social de qualquer outro acionista que tenha sido admitido à votação e que se encontrasse nas mesmas circunstâncias que a apelante, a saber, que se apresentasse à participação e à votação na assembleia apenas com parte do total dos votos detidos e inscritos na(s) respetiva(s) conta(s) de valores mobiliários na «data de registo.
Em fundamento da pretensa ou possibilidade abstrata da violação do princípio da igualdade de tratamento dos acionistas alega a apelante que as sociedades anónimas não têm forma de verificar qual é a totalidade de ações que determinado acionista detém. Negligenciou a apelante o que o legislador logo expressamente fez constar no preambulo do Decreto Lei nº 49/2010: [C]om a introdução da regra da data de registo e a proibição de bloqueio das acções durante um determinado período antes das assembleias gerais, a directiva altera o paradigma nacional relativamente à participação nas assembleias gerais das sociedades emitentes de acções admitidas à negociação em mercado regulamentado. Com efeito, a regra da data de registo prevê que os direitos de participação e votação em assembleia geral sejam determinados apenas com base no número de acções de que certa pessoa é titular numa data específica anterior à assembleia geral. Para atender a questões práticas de organização e funcionamento das assembleias gerais suscitadas pelo fim do bloqueio de acções prevê-se ainda um mecanismo de «inscrição» prévia, sob a forma de uma declaração de intenção de participação do accionista na assembleia geral, que é completada pela informação sobre o número de acções registadas em nome deste, enviada pelo intermediário financeiro onde a conta de registo individualizado esteja aberta.
Olvidará também a apelante que, no contexto da prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, a Lei n.º 15/2017, de 03.05, em consonância com o art. 10º nº2 da Diretiva (UE) 2015/849, de 20 de maio, proibiu a emissão de valores mobiliários ao portador a partir da respetiva entrada em vigor, em 04.05.2017 e, simultaneamente, impôs a conversão dos valores mobiliários ao portador existentes em nominativos (cfr. arts. 2º nº1, 2 e 3 da referida Lei). A partir de então, e conforme previsto pelos arts. 46º, nº 1, 47º e 52º do CVM, todos os valores mobiliários são nominativos, escriturais ou titulados, e sujeitos, os primeiros, a inscrição em contas individualizadas junto de intermediário financeiro ou do emitente (art. 61º do CVM), e os segundos, a entrega/depósito em intermediário financeiro autorizado ou em sistema centralizado (art. 99º do CVM), sendo a transmissão de uns e outros objeto de registo junto do emitente ou junto de intermediário financeiro que o representa (art. 102º do CVM).
Tanto basta para excluir a bondade jurídica do fundamento da invocada violação do tratamento igualitário imputada à atuação do Presidente da Mesa da Assembleia geral da ré de 13.04.2018, cuja sindicância logo à partida resultava prejudicada por ausência de qualquer fattispecie apta a conformá-la.
Finalmente, cumpre referir que não cabe na presente ação e apelação aquilatar da validade da menção aposta na convocatória, descrita sob o ponto 2, II, b) dos factos provados, designadamente no confronto com o principio da unidade de voto previsto pelo art. 385º, nº 1 do CSC, que surge confortado pelo disposto nos penultimo e ultimo parágrago do nº 2 do art. 10º da Diretiva 2007/36/CE, porquanto nenhum vício vem apontado à deliberação com fundamento no procedimento ali abstratamente descrito.
b) Da invocada nulidade da deliberação com fundamento na ilegalidade do respetivo objeto
Alega a apelante que a deliberação – de perda de qualidade aberta - em si não é uma OPA mas, por força do estabelecido no artigo 27.°, n.° 3 alínea a) do CVM, resulta numa e de carácter obrigatória. Nesse pressuposto, imputa-lhe o vício da nulidade com fundamento na violação dos arts 119.°, n.° 1, al. b) e 124.° n.° 3 e 4, ambos do CVM, pelo facto de a aquisição, pelo acionista oferente, ficar sujeita à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta, não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da Luz Saúde que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da Luz Saúde, salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo.
Alega que tanto consubstancia fraude ao disposto nos arts. 27.°, n.°s 1 e 3 conjugado com o art. 188.°, ambos do CVM), no pressuposto de que aquela condição aprisiona os acionistas minoritários na sociedade ou a um preço que apenas interessa à oferente.
Repescando a sintética definição de sociedade aberta prevista pelo art. 13º do CVM – sociedade de capital aberto ao investimento público -, e que é automaticamente adquirida uma vez verificados os pressupostos legais de que depende, a perda de tal qualidade, que não é automática e, tratando-se de operação voluntária, impõe seja requerida à CMVM e por esta deferida, corresponde precisamente à exclusão da dispersão publica do respetivo capital através da exclusão da negociação das ações em mercado regulamentado de valores mobiliários, cfr. art. 29º do CVM, retornando ao ‘privado’ – o designado delisting.
Da referida decisão de perda de qualidade de sociedade aberta resultam efeitos societários: objetivos, para a sociedade que, sem alteração da respetiva natureza societária e estatutária para além de uma situação de domínio pela maioria acionista (com forte possibilidade de apropriação do interesse social), deixa de estar sujeita ao regime jurídico especificamente aplicável às sociedades abertas; e subjetivos, para os acionistas, atinente com a modificação da respetiva posição social decorrente da exclusão da negociação em bolsa, com consequente exclusão do regime e escrutínio a que estão sujeitas as sociedades abertas através da fiscalização e supervisão por entidade competente e diminuição do acesso a informação societária, diminuição da negociabilidade dos títulos e, consequentemente, efetiva depreciação e diminuição do valor real das ações remanescentes, tituladas pelos acionistas minoritários. Neste particular, na ausência de um regime legal de tutela das minorias, a exclusão das ações da negociação em mercado seria apto a aumentar o poder negocial do acionista maioritário já que, com muita probabilidade, passa a ser o único real interessado na aquisição da posição minoritária.
É precisamente o conflito de interesses da trilogia sociedade, acionistas maioritários, e acionistas minoritários e, mais especificamente, o efeito subjetivo e interesse patrimonial que lhe subjaz, que se revela no âmago da presente discussão. Recorrendo de novo ao pragmatismo de Pedro Pais de Vasconcelos, [U]ma das principais causas desta litigiosidade [societária] está na raridade da estipulação de cláusulas de amortização, de exoneração e de exclusão nos estatutos da sociedade. O mito de que o acionista pode sempre sair da sociedade, vendendo as suas acções, ignora que para tanto é necessário que haja comprador a preço justo. (…) e são frequentes os casos em que há sócios aprisionados nas sociedades, que querem sair, mas não conseguem; há também casos de sociedades que ficam reféns de sócios minoritários que perturbam o seu funcionamento e não podem ser excluídos. (ob. cit., p. 163).
Em conformidade com a regulação do direito europeu na matéria, designadamente, a já aludida Diretiva 2007/36/CE de 11.07, o legislador ordinário fixou os requisitos exigidos à concretização da operação de delisting, harmonizando ou equilibrando o peso dos interesses em jogo, com particular atenção aos interesses dos acionistas minoritários de forma a garantir a proteção da expetativa destes últimos relativamente ao investimento realizado numa sociedade que, à data em que o realizaram, lhes atribuía um estatuto jurídico que, na sequência do delisting, vão necessariamente perder.
Assim, no Capítulo IV do CVM, dedicado às Sociedades Abertas e, neste, na secção IV Perda da qualidade de sociedade aberta, sob a epigrafe Requisitos o art. 27º, nº 1 prevê as condições para a perda da qualidade de sociedade aberta:
a) quando, em consequência de uma OPA, um acionista passe a deter mais de 90% dos direitos de voto, calculados nos termos do art. 20° n°1 CVM,
b) quando a perda da qualidade de sociedade aberta seja deliberada em assembleia geral da de acionistas por uma maioria não inferior a 90% do capital social e em assembleias dos titulares de ações especiais e de outros valores mobiliários que confiram direito à subscrição ou aquisição de ações por maioria não inferior a 90% dos valores mobiliários em causa,
c) ou quando tenha decorrido um ano sobre a exclusão da negociação das ações em mercado regulamentado, fundada na falta de dispersão pelo público.
Prosseguindo, o art. 27º mais prevê que:
2 - A perda de qualidade de sociedade aberta pode ser requerida à CMVM pela sociedade e, no caso da alínea a) do número anterior, também pelo oferente.
3 - No caso da alínea b) do n.º 1, a sociedade deve indicar um acionista que se obrigue:
a) A adquirir, no prazo de três meses após o deferimento pela CMVM, os valores mobiliários pertencentes, nesta data, às pessoas que não tenham votado favoravelmente alguma das deliberações em assembleia;
b) A caucionar a obrigação referida na alínea anterior por garantia bancária ou depósito em dinheiro efetuado em instituição de crédito.
4 - A contrapartida da aquisição referida no n.º 3 calcula-se nos termos do artigo 188.º
Inserido no Capítulo III dedicado às Ofertas publicas de aquisição, para o que ora releva, prevê o art. 188º nos seguintes termos:
1 - A contrapartida de oferta pública de aquisição obrigatória não pode ser inferior ao mais elevado dos seguintes montantes:
a) O maior preço pago pelo oferente ou por qualquer das pessoas que, em relação a ele, estejam em alguma das situações previstas no n.º 1 do artigo 20.º pela aquisição de valores mobiliários da mesma categoria, nos seis meses imediatamente anteriores à data da publicação do anúncio preliminar da oferta;
b) O preço médio ponderado desses valores mobiliários apurado em mercado regulamentado durante o mesmo período.
2 - Se a contrapartida não puder ser determinada por recurso aos critérios referidos no n.º 1 ou se a CMVM entender que a contrapartida, em dinheiro ou em valores mobiliários, proposta pelo oferente não se encontra devidamente justificada ou não é equitativa, por ser insuficiente ou excessiva, a contrapartida mínima será fixada a expensas do oferente por auditor independente designado pela CMVM.
3 – (…)
4 - A decisão da CMVM relativa à designação de auditor independente para a fixação da contrapartida mínima, bem como o valor da contrapartida assim que fixado por aquele, são imediatamente divulgados ao público.
5 – (…)
Nos termos do art. 28º, nº 2 do CVM, a par com a publicação da decisão de deferimento da pretensão da perda da qualidade de sociedade aberta, a CMVM procede também à publicação dos termos da aquisição dos valores mobiliários e deve ser repetida no fim do 1.º e do 2.º meses do prazo para exercício do direito de alienação.
Das normas citadas resulta que, decidida a exclusão voluntária do mercado através de uma deliberação social aprovada por uma maioria não inferior a 90% do capital social, esta fica condicionada à constituição e cumprimento de uma obrigação de aquisição das participações dos acionistas dissidentes a cargo de acionista indicado pela sociedade, ou seja, das ações dos sócios que não votaram favoravelmente a referida deliberação, investindo-os no correspetivo direito de alienação potestativa das respetivas ações mediante contrapartida fixada nos termos previstos para a oferta publica de aquisição, cujo pagamento está antecipadamente caucionado/garantido (enquanto requisito para o deferimento da preensão pela CMVM). Optando por não permanecer na sociedade, o descrito mecanismo garante aos sócios minoritários o interesse de liquidez que detinham, através da venda imediata dos ativos em causa, e, pela mesma via, liberta-os dos riscos de potencial aprisionamento à sociedade e ao controlo da maioria, permitindo-lhes ‘abandonarem’ a sociedade sem perda do valor investimento (tutela ‘negativa’ do investimento ou tutela do ‘desenvestimento’, cfr. Manuel Carneiro da Frada e Diogo Costa Gonçalves, Perda da Qualidade de Sociedade Aberta (Delisting de Ações) e Tutela dos Acionistas Minoritários, in CADERNOS DO MERCADO DE VALORES MOBILIÁRIOS//ENSAIOS DE HOMENAGEM A AMADEU FERREIRA, VOL. I, p. 23 e ss.). A referida tutela, contra o risco de ‘expropriação’ ou diminuição do valor objetivo da participação dos acionistas minoritários, é assegurada pela fixação da contrapartida/preço mínimo a pagar, determinado nos termos do art. 188º do CVM, ou seja, nos termos legalmente previstos para a oferta publica de aquisição obrigatória, a que acresce a imposição do caucionamento da obrigação de aquisição, por garantia bancária ou depósito em dinheiro efetuado em instituição de crédito; garantia que, material  e funcionalmente, e sob o prisma da esfera de interesses dos acionistas minoritários, desempenha o objetivo da exoneração sempre que não pretendam permanecer numa sociedade na qual, objetivamente, não vão beneficiar da posição social que detinham aquando da aquisição da participação.
Na análise da problemática da tutela das minorias no âmbito da operação de delisting de ações empreendida por Carneiro da Frada e Diogo Costa Gonçalves (ob. cit.), qualificam o supra referido procedimento, d’A perda da qualidade de sociedade aberta por deliberação em assembleia geral como paradigma normativo do equilíbrio dos interesses em jogo no delisting, (…) onde o legislador teve especial cuidado em harmonizar os interesses em jogo., mais acrescentando que O regime previsto no art.º27/1 b) é marcadamente protecionista da posição jurídica dos acionistas minoritários (…). Deste modo se confere um grau de tutela equivalente, ao menos, ao existente no regime geral da OPA.; e o que aqueles autores mais enfatizam no confronto com o delisting realizado nas condições previstas pela al. a) do nº 1 do art. 27º da CVM, pela indiciada lacuna de tutela geradora de discrepância de tratamento em desfavor dos acionistas minoritários, mas que concluem ser meramente aparente na medida em que, na condição por aquela prevista, o delisting surge ainda numa (…) dependência genética e funcional (…) aos termos e condições da OPA [previamente] realizada e dos concretos meios de tutela facultados por esta aos acionistas minoritários, remetendo os acionistas minoritários para o regime previsto pelo art. 196º do CVM, se verificadas as condições do art. 194º do mesmo diploma (discussão que aqui não releva posto que o caso em apreço não se enquadra na condição prevista pela al. a) do nº 1 do art. 27º do CVM, a qual também constitui o objeto de discussão e problematização suscitado por Mariana Alves de Melo, em O Delisting, A sua admissibilidade no ordenamento jus-mobiliário português e a tutela das minorias, Dissertação apresentada à Escola de Direito da Universidade Católica Portuguesa para a obtenção do título de Mestre, sob a orientação do Professor Doutor José Engrácia Antunes, Escola do Porto 2017).
De entre as situações legalmente previstas de perda da qualidade de sociedade aberta, e em conformidade com os requisitos que reunia, constata-se que a ré enveredou pela prevista pela al. b) do nº 2 do art. 27º, a qual prevê um específico regime para tutela dos acionistas minoritários. Tutela que expressamente decorre do nº 3 do art. 27º e do disposto no art. 28º, nº 2, este ultimo para garantir a maior publicidade para que os acionistas minoritários, se assim o entenderem, exerçam em tempo o seu direito de alienação potestativa.
Conforme proposta apresentada pelo acionista Fidelidade e submetida à assembleia geral extraordinária da ré de 13.4.2018, foi por aquele proposto que a deliberação de perda de qualidade de sociedade aberta fique sujeita à condição de, em momento algum do processo de perda da qualidade de sociedade aberta, não vir a ser fixada uma contrapartida mínima, devida aos acionistas minoritários da Luz Saúde que não votem favoravelmente a deliberação ora proposta, superior a € 5,75 (cinco euros e setenta e cinco cêntimos) por ação da Luz Saúde, salvo no caso de a Fidelidade vir a aceitar pagar uma eventual contrapartida mais alta que venha a ser fixada no âmbito de tal processo.
Ainda que formulada pela negativa, a descrita proposta contém a indicação do valor da contrapartida proposto e anunciado para o cumprimento da oferta de aquisição imposta pela obrigação de aquisição das ações dos minoritários prevista pelo art. 27º, n 3 do CVM (€5,71), que tem como correspetivo o direito potestativo de alienação conferido aos acionistas minoritários, nos quais se inclui a apelante. É por referência à invocada ilegalidade da dita proposta/oferta de aquisição que a apelante ataca a validade e requer a destruição da deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta da sociedade na qual participam. Para fundamentar a ilegalidade da dita proposta alega que a perda da qualidade de sociedade aberta não consubstancia, mas dá origem a uma oferta publica de aquisição - que a apelante aceita dispensar ou não exigir a publicação de prospeto, nos termos previstos pelo art. 109º do CVM e pelo art. 2º, nº 1, al. d) e 4º da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação) -, que tal conclusão é confirmado pela remissão do art. 27º para o art. 188º do CVM, e que a proposta de aquisição do acionista oferente viola os arts. 119º, nº 1, al. b) e 124º, nº 3 e 4 do CVM, violação que, em síntese, e sem por em causa a aplicabilidade ao caso dos arts. 27º, nº 3 e 188º do CVM, sintetiza nos termos que se transcrevem:
Posto isto, é isento de dúvida que estamos assim perante uma autêntica fraude à lei, já que o artigo 27.°, n.°s 1 e 3 conjugado com o artigo 188.° todos do CVM, visa que os acionistas titulares das ações remanescentes que não votem favoravelmente a deliberação possam receber o justo valor pela venda das suas ações perante um evento corporativo desta natureza e a condição imposta na supra referida deliberação impede esse fim ao condicionar o pagamento do preço justo a um aprisionamento na sociedade ou a um preço que apenas interesse à oferente.
Dir-se-á antes de mais que, conforme realça a apelada, é em primeira linha a própria deliberação – de perda da qualidade de sociedade aberta –, e não a obrigação de aquisição de ações que daquela legal e imperativamente decorre, que o acionista indicado pela sociedade condicionou ao cumprimento daquela obrigação por valor não superior ao por ele proposto, de € 5,71, constituindo este o valor mínimo de venda para os acionistas minoritários, e o máximo de compra para a oferente. Com efeito, impõe-se a contextualização de tal ‘condição’ no regime previsto pelo citado art. 188º do CVM, na medida em que, em caso de dúvida ou discordância da CMVM sobre a ‘justeza’ da contrapartida pelo montante proposto, esta poderá vir a ser fixada em valor distinto por recurso a auditoria acionada pela CMVM. Caso assim viesse a suceder e a resultar na fixação de valor superior ao proposto pelo acionista, e que este não aceitasse pagar, teria como consequência a invalidade ou ineficácia da deliberação que, de resto, sempre ficaria dependente do cumprimento do caucionamento, pelo acionista indicado, da obrigação de aquisição das ações dos acionistas dissidentes.
Nesta sede a apelante invoca o art. 124º, nº 4 do CVM, nos termos do qual A oferta não pode estar sujeita a condições cuja verificação dependa do oferente, ao que a apelada opõe o disposto no nº 3, nos termos do qual A oferta só pode ser sujeita a condições que correspondam a um interesse legítimo do oferente e que não afetem o funcionamento normal do mercado. No seguimento da apreciação que antecede, e à margem agora da discussão sobre a natureza da obrigação de aquisição intrínseca ao conteúdo da deliberação, cumpre desde já referir que a proposta de aquisição apresentada pelo acionista indicado mais não corresponde que à concretização da dinâmica da operação societária prevista pelas disposições conjugadas dos arts. 27º, nº 2 a 4 e 188º do CVM; corresponde ainda a um interesse legitimo do acionista, de não ser compelido a pagar pelas ações contrapartida de valor superior ao por ele proposto, sendo certo que a (in)verificação dessa possibilidade não dependia de si porque não estava na sua disponibilidade, mas poderia ser apta a prejudicar a eficácia da decisão social de perda da qualidade de sociedade aberta, desde logo ao nível da sua execução para produção dos efeitos a que tende, que culmina com a emissão de decisão favorável da CMVM e respetiva publicação (cfr. art. 29º do CVM). Ainda que não seja o caso, sublinhe-se neste particular que não se exige a concordância dos acionistas maioritários sobre as condições da oferta posto que, A não aceitação, pelos acionistas maioritários, das condições ou dos valores propostos não afeta a perda de qualidade de sociedade aberta (A. Barreto Menezes Cordeiro, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2ª ed., p. 345).
Novamente, sem entrar na discussão sobre a natureza da obrigação de aquisição das ações dos minoritários que decorre da perda da qualidade da sociedade aberta, a apelante suporta a invalidade da deliberação no art. 119, nº 1, al. b) do CVM, norma que, reportada ao pedido de registo e prospeto de oferta pública, prevê a recusa da sua aprovação (pela CMVM) quando A oferta for ilegal ou envolver fraude à lei. Decorre dos seus próprios termos que tal preceito demanda seja integrado pela violação de um qualquer outro concreto normativo sendo que, pelo já antes exposto, falece a que pela apelante vem reportada ao art. 124º, nº 3 e 4 do CVM, pelo que nada mais a este respeito cumpre apreciar.
Prosseguindo, depreende-se da fundamentação da apelante que, mesmo no pressuposto de que parte, não vem por ela invocada uma qualquer invalidade da proposta de aquisição com fundamento ou na violação dos requisitos previstos pelo art. 27º, nº 3, e/ou nos critérios para determinação da contrapartida previstos pelo art. 188º, nem tão pouco vem pela autora/apelante contraposto um montante que, no confronto com o proposto pelo acionista, fosse apto a gerar discussão e a apreciação do justo valor das ações remanescentes que aquela norma (art. 188º) pretende acautelar e garantir.
Concluindo-se, como se conclui, pela ausência de verificação das ilegalidades que pela apelante vêm imputadas ao objeto de deliberação ainda que de oferta pública de aquisição se tratasse, despiciendo resultaria, por inútil à apreciação do pedido, apreciar se a obrigação de aquisição das participações dos acionistas dissidentes assume ou não a natureza de oferta pública, conforme defende a apelante, tanto mais porque, para além da informação societária facultada no âmbito do processo deliberativo que culminou com a assembleia e deliberação de 13.04.2018, numa ou outra tese as condições de oferta obrigatória seriam em todo idênticas, máxime em termos de valor, porque em qualquer caso fixado em obediência aos critérios previstos pelo art. 188º do CVM.
No entanto sempre se acrescenta que se adere à doutrina conhecida nesta matéria, a já supra anotada e a que devidamente contextualizada vem apontada pela apelada, no sentido de que a oferta obrigatória prevista no art 27º, nº 3, al. a) do CVM não corresponde a uma oferta pública de aquisição, nos conceito e pressupostos definidos pelos arts. 109º e ss. do CVM, sem que tanto contrarie uma qualquer disposição de direito europeu protetora dos sócios minoritários, designadamente, as Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2003/71/CE de 04.11, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação e que, nos termos do art. 1º, nº 2, al. h),  não é aplicável [A]os valores mobiliários incluídos numa oferta cujo valor total seja inferior a 2500000 euros, limite esse que será calculado ao longo de um período de 12 meses; e 2004/25/CE de 21.04.2004, relativa às ofertas públicas de aquisição, cujo art. 2º, nº 1, al. a) define  oferta pública de aquisição [u]ma oferta pública (que não pela sociedade visada) feita aos titulares de valores mobiliários de uma sociedade para adquirir a totalidade ou uma parte desses valores mobiliários, independentemente de essa oferta ser obrigatória ou voluntária, na condição de ser subsequente à aquisição do controlo da sociedade visada ou ter como objectivo essa aquisição do controlo nos termos do direito nacional; condições que no caso não se verificam porquanto a oferta surge no âmbito da deliberação social de perda da qualidade de sociedade aberta e, por isso, tem como destinatários, determinados, os sócios remanescentes que a não votaram favoravelmente e apenas estes (necessariamente titulares de não mais do que 10% do capital social, sendo que no caso, o total é inferior a 1,22%) e não, conforme art. 5º, nº 1 da Diretiva 2004/25/CE, [t]odos os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações. A conjugação do art. 5º, nº 2 desta Diretiva - que afasta o dever de lançar a oferta prevista no nº 1 uma quando o controlo tiver sido adquirido na sequência de uma oferta voluntária realizada em conformidade com a presente directiva, dirigida a todos os titulares de valores mobiliários, para a totalidade das suas participações – com o art. 16º, nº 2 do mesmo diploma – dirigida à tutela dos acionistas remanescentes no seguimento do resultado de uma oferta publica – confirma o acerto de uma interpretação do art. 27º, nº 3, al. b) do CVM conforme com as diretrizes europeias na matéria, de exclusão da oferta de aquisição emergente de uma operação de perda da qualidade de sociedade aberta da categoria das ofertas públicas de aquisição.
Afigura-se-nos como pertinente ao caso que, na apreciação da pretendida correspondência entre a oferta (obrigatória) de aquisição de ações emergente da deliberação de perda da qualidade de sociedade aberta e a oferta publica de aquisição, não pode perder-se de vista um princípio básico e eminentemente característico do mercado bolsita: o de que o investimento acionista em mercado regulamentado não garante o capital investido pelo que, a proteção dos acionistas minoritários, não visa eliminar o risco inerente à flutuação da cotação das ações, que pode suceder em virtude de inúmeros fatores. Nesta senda, e enquanto mecanismo de tutela, a obrigação de aquisição das ações dos minoritários e o correspetivo direito de alienação potestativo deverão ser interpretados e integrados com o fundamento determinante do reconhecimento legal daquela mesma tutela, a saber, a alteração/depreciação da posição social do sócio minoritário decorrente de superveniente alteração da estrutura acionista e, associada a esta, da mudança do controlo/domínio da sociedade em que participam. Isto para dizer que, na apreciação do grau de tutela devida aos acionistas minoritários, não é despiciente atender, por referência à sucessiva mutabilidade da estrutura acionista da sociedade e respetiva dinâmica, ao momento em que aqueles procederam ao investimento através da aquisição das suas ações, designadamente, se tal investimento foi realizado antes ou depois de consumada/verificada a aquisição do domínio da sociedade pela maioria. Consideração que se impõe, no mínimo, por duas ordens de razões: a primeira porque, de acordo com os critérios que presidem à flutuação dos valores mobiliários, uma situação de domínio da maioria (ainda que não corresponda a uma inevitabilidade) é de per si apta a conduzir à depreciação em bolsa das restantes ações e, assim, permitir a sua aquisição numa posição ‘em baixa’; a segunda porque as expectativas de investimento ou, numa perspetiva jurídica, o concreto conteúdo da posição social associada à aquisição das ações num contexto, já consumado, de controlo por maioria, está originariamente condicionado/limitado a essa mesma situação de domínio, que pode já cumprir os requisitos legitimadores do pedido e do deferimento da perda da qualidade de sociedade aberta. Esta saída [do acionista minoritário] não se encontra justificada através de uma permissão, concedida pelo legislador, para que o sócio possa ajustar o seu investimento, mas antes porque o sistema jurídico considera legítimo que um sócio possa salvaguardar o investimento que efetuou e sair dessa sociedade, quando se encontre perante situações que apresentem uma suscetibilidade elevada de se revelarem lesivas para a sua posição social e que tornam inexigível a sua permanência na sociedade, apresentando-se como legítima a saída unilateral da sociedade nessas condições (Gustavo de Sousa Botelho, O direito de exoneração do acionista minoritário//A saída da sociedade aberta após a transferência de controlo como manifestação do princípio da igualdade entre acionistas, in Dissertação de Mestrado na área de especialização em Ciências Jurídicas Empresariais, sob orientação da Ana Perestrelo de Oliveira, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2014, p. 16).
A descrita distinção constituirá fundamento bastante para, sem beliscar o princípio da igualdade de tratamento – que exige tratamento igual para situações iguais e tratamento diferenciado para situações diferenciadas -, justificar a (pelo menos aparente) divergência de regime de concretização da tutela dos acionistas minoritários: em função do valor percentual detido pelo acionista maioritário (um terço ou metade) que, nos termos do art. 187º do CVM e só nestes, sobre ele impõe um dever de lançar oferta pública de aquisição sobre a totalidade das ações), ou em função do resultado da OPA, portanto, numa subsequente aquisição ou alienação potestativa tendente ao domínio total nos termos dos arts. 194º a 196º, que pressupõe uma maioria conseguida na OPA de pelo menos 90%, à qual agora é reconhecido, não o dever, mas o poder de adquirir as ações remanescentes não alienadas no âmbito da OPA (right of squeeze-out), remetendo expressamente para o cumprimento adaptado do anúncio previsto para a OPA (art. 176º) e para a justa contrapartida calculada nos termos do art. 188º (aquisição cujos efeitos, previstos no art. 195º, nº 4 do CVM, são iguais aos efeitos previstos pelo art. 29º do CVM). Caso a maioria igual ou superior a 90% resultante da OPA não exerça aquele poder de aquisição nem responda ao convite dos acionistas remanescentes para apresentação de proposta de aquisição, a lei reconhece-lhes o direito de alienação potestativa das suas ações (right of sell-out), embora por esta via os acionistas minoritários – que decidiram não vender no âmbito da OPA - não beneficiem do caucionamento da contrapartida através de garantia ou depósito em instituição bancária nos termos em que beneficiam no âmbito de uma OPA (art. 177º, nº 2 do CVM), do exercício do poder de aquisição previsto pelo art 194º (art. 194º, nº 5 do CVM)  ou da perda da qualidade de sociedade aberta (art. 27º, nº 3, al. b) do CVM).
De realçar que o art. 196º reconhece aos acionistas remanescentes o direito de alienação potestativa das suas ações, da mesma forma como é reconhecido pelo art. 27º, nº 3, al. a), mas só neste caso impõe o referido caucionamento da obrigação de pagamento da contrapartida, diferenciação que encontra razão no facto de aqui o direito potestativo de alienação resultar de uma iniciativa do acionista maioritário, de perda da qualidade da sociedade aberta conducente à alteração da posição social do minoritário, enquanto que o previsto pelo art. 196º do CVM nasce num contexto de ausência de alteração da estrutura acionista e societária para além daquela que corresponde ao resultado da OPA (que precedeu o exercício do direito de alienação potestativa), no âmbito da qual o acionista minoritário, podendo fazê-lo (e beneficiando aí do ‘prémio de controlo’ do valor da oferta por, normalmente, ser superior ao valor de mercado para garantir o êxito da OPA), optou por não alienar a sua participação. Não é indiferente tratar-se de uma oferta pública obrigatória ou voluntária uma vez que na primeira já se verificou a transferência do controlo da sociedade.
Novamente, independentemente da resposta à questão da aplicabilidade da Diretiva 2004/25/CE ao presente caso (à partida, dependente da prévia qualificação da obrigação de aquisição das participações dos acionistas dissidentes), ainda assim, no confronto entre as normas de direito interno que regulam e conferem cristalina solução ao pressuposto inerente conflito de interesses entre as maiorias e as minorias decorrentes da perda voluntária de qualidade de sociedade aberta, cumpre anotar que os mecanismos de tutela do acionista minoritária previstos pelo art. 27º, nº 2, al. b) do CSC cumprem o objetivo da Diretiva 2004/25/CE, de fixar determinados princípios comuns e um número limitado de requisitos gerais a implementar pelos Estados-Membros em conformidade com o respetivo sistema nacional e o seu contexto cultural (cfr. considerando 26), no que se inclui a proteção igualitária dos titulares detentores de participações minoritárias da mesma categoria após uma mudança do controlo das sociedades (considerando 9, 1.ª parte), sendo de realçar que, conforme art. 5º, nº 2 daquela Diretiva, esta sequer exige a aplicação das regras que prevê sobre a determinação do preço se o controlo do oferente (prévio ou pressuposto da subsequente oferta) for adquirido através de uma oferta voluntária geral, excluindo nestes casos o dever de lançar uma oferta obrigatória.
A previsão do art. 27º, nº 3, al. b) do CSC, ao remeter para os critérios do art. 188º do CSC a determinação da contrapartida devida aos acionistas minoritários remanescentes (no caso, limitados aos ‘dissidentes’), corresponde in totum à tutela prevista pelo art. 16º, nº 2 da Diretiva, em conjugação com os pressupostos ou condições previstas pelo art. 15º, constituindo na esfera daqueles o direito de alienação potestativa das suas ações, através da imposição da correspetiva aquisição dos seus valores mobiliários pelo acionista indicado pela sociedade, com base num preço justo, obstando assim ao fenómeno de aprisionamento do sócio minoritário numa sociedade na qual lhe deixou de interessar permanecer, através de um procedimento que garante o tratamento igualitário dos acionistas colocados na mesma situação, e que a deliberação objeto da presente ação não contraria ou desrespeita.
Os efeitos que o accionista titular da participação qualificada tipicamente pretende ver reconhecidos são aqueles que resultam da perda da qualidade de sociedade aberta; importa, por isso, assumir como ponto de partida o regime correspondentemente aplicável. Antes de verificarmos que este regime assegura uma tutela plenamente justificada dos interesses dos investidores minoritários, é, em qualquer caso, importante referir que o nível de proteccionismo das soluções em benefício dos investidores é, aqui, superior àquele que decorreria do regime de exclusão da negociação em mercado regulamentado (cf., sobretudo, o disposto no art. 213.º/1 e 3 CVM). (…).
O fundamento da perda de qualidade de sociedade aberta reside, na hipótese prevista na al. b) do art. 27.º/1, num novo compromisso entre o princípio da maioria e o princípio da autonomia da vontade. Porém, enquanto que na perda de qualidade por concentração na sequência de oferta prévia, a instância de exercício da liberdade de determinação do desinvestimento ocorre em momento anterior ao da manifestação da maioria, a ordem é, aqui, a inversa. Em primeiro lugar, exige-se que a saída de mercado, determinada pela perda de qualidade, resulte de uma deliberação da assembleia geral, aprovada por uma maioria não inferior a 90% do capital social. Deve, além disso, a sociedade indicar um accionista que se obrigue a adquirir os valores mobiliários pertencentes aos accionistas que não tiverem votado favoravelmente a deliberação em causa. (…).
Sendo discutível que esta oferta possa ser qualificada como uma «oferta pública», está em causa um encargo de emissão de um proposta negocial de aquisição, não ficando a operação de saída de mercado dependente de uma efectiva aquisição das participações pertencentes aos accionistas que não apoiem a perda de qualidade de sociedade aberta. O fim visado por esta norma é o de possibilitar o desinvestimento dos accionistas que possam ser prejudicados pela desvalorização dos seus títulos ou, em qualquer caso, comprometidos pela submissão a um regime de negociação caracterizado por uma menor liquidez. Este fim considera-se atingido com a aquisição, por aqueles accionistas, de um direito potestativo à alienação das suas participações, independentemente, de resto, de tal oferta ter partido de outro accionista ou, diversamente, de um terceiro ou da própria sociedade.
A protecção dos accionistas minoritários que, na situação-fundamento presente na al. a), era assegurada segundo a lógica da oferta pública, é aqui [al. b)] como que diferida para um momento posterior ao da formação da «vontade societária» na direcção da saída de mercado. Na substância, porém, o nível ou intensidade com que são tutelados os interesses daqueles accionistas é equivalente: basta ver que a contrapartida é calculada nos termos do art. 188.°/3 CVM, que é concedido um prazo razoavelmente alargado para assumir a decisão sobre a oferta (três meses) e que são assumidos cuidados especiais com a informação a disponibilizar ao público (art. 28.°/2 CVM).
O modelo acolhido pelo legislador, na concordância prática entre os princípios da maioria e da protecção da minoria, entre a pretensão à saída de mercado e a prevenção da desvalorização das participações sociais assenta, nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 27.º.º num pensamento geral e comum: a garantia de valor do património da minoria não pode prevalecer sobre o interesse da sociedade na saída de mercado, pelo que a perda da qualidade de sociedade aberta não pode ser evitada diante de uma manifestação tão qualificada nesse sentido; em contrapartida, os sócios minoritários beneficiam da possibilidade de alienação das suas participações no âmbito de um processo especialmente garantístico, no âmbito de uma oferta pública geral de aquisição ou de uma oferta de aquisição condicionante dos efeitos da deliberação social no sentido da perda de qualificação de sociedade aberta. Paula Costa e Silva e Nuno Trigo dos Reis, A PERDA DA QUALIDADE DE “SOCIEDADE ABERTA” EM CONSEQUÊNCIA DE OFERTA PÚBLICA DE AQUISIÇÃO. O MODELO DE CONCORDÂNCIA PRÁTICA DE INTERESSES NO DIREITO MOBILIÁRIO PORTUGUÊS, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, Ensaios de Homenagem a Amadeu Ferreira, Vol. I).
A talhe de foice mais se aduz que, não obstante a (aparente) lacuna de proteção das minorias na condição prevista pelo art. 27º, nº 1, l. a) do CVM apontada pelos estudos supra citados, também nestas situações a CMVM adota o procedimento previsto pelo nº 3 e 4 da citada norma, indicando-se a título de exemplo a Deliberação de 30.07.2019 da CMVM, de perda da qualidade de sociedade aberta da SAG GEST – Soluções Automóveis Globais, SGPS, S.A.
Não ocorre pois qualquer um dos vícios – nulidade ou anulabilidade – que pela apelante vêm apontados à deliberação que resultou da assembleia geral extraordinária da ré de 13 de abril de 2018, pelo que a apelação improcede.
C) Do pedido de Reenvio Prejudicial
i) A apelante requereu a suspensão da presente instância para que, por recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) se pronuncie expressa e especificamente sobre as questões que formulou, nos seguintes termos:
1. O acionista de uma sociedade cotada na bolsa de valores que registe apenas uma parte da quantidade total de ações que detêm junto de um (ou vários) intermediário(s) financeiro(s) para efeitos de participação e votação numa assembleia geral de acionistas deve (pode) ser impedido de votar com essas ações que registou pelo motivo de não ter registado a quantidade total de ações que efetivamente detém? Ou seja, o facto de o acionista não registar a totalidade das ações que detém inibe ou anula os votos das ações que registou para efeitos de participação e votação na assembleia geral?
2. Atento ao disposto no artigo 4.° da Diretiva, em caso do TJUE entender que o acionista pode (deve) ser impedido de participar e/ou votar na assembleia geral porque não registou todas as ações que efetivamente detém [ou seja, respondendo positivamente à pergunta em a)], como deve a sociedade cotada e/ou os intermediários financeiros e/ou os reguladores proceder para saber e garantir que todos os acionistas que se encontrem na mesma situação no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias gerais são inibidos de votar ou os seus votos serem anulados? Ou seja, como podem, à luz das atuais regras e da praxis no mercado de valores mobiliários as sociedades cotadas saber qual a quantidade total das ações que cada acionistas efetivamente detém por forma a inibir todos aqueles que não registem essa totalidade?
3. Pode o acionista de uma sociedade nomear diferentes procuradores relativamente às ações detidas em diferentes contas de valores mobiliários e os votos dos procuradores presentes serem considerados validos (desde que votem no mesmo sentido) mesmo que um dos procuradores não compareça na Assembleia Geral e portanto não vote? Ou seja, mesmo que o acionista não vote, por intermedio do(s) seu(s) procurador(es) com a totalidade das suas ações, continua a poder votar e o seu voto a ser válido para as ações com que o(s) seu(s) procurador(es) se apresenta(ram) na assembleia geral?
4. No caso da resposta ao ponto imediatamente anterior (c) ser positiva [o voto ser válido apesar de o acionista não votar com todas as ações de que efetivamente é titular] e a resposta ao ponto (a) ser negativa [o voto não ser válido porque o acionista não votou com todas as ações de que efetivamente é titular], como é que está garantida a igualdade de tratamento formal e substantivo dos acionistas para a mesma classe de ações no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias gerais?
5. Qual a interpretação que se deve extrair da conjugação dos artigos 3.°, 3.° -A, 3.° -B e 3. -C, 4.°, 7.° e 10.° da Diretiva 2007/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Julho, com particular atenção para o artigo 7.°, n.° 4 da aludida Diretiva, quanto à possibilidade do acionista poder fazer-se representar e votar por procurador para apenas uma parte do total das ações que detém na(s) sua(as) carteira de valores mobiliários juntos do(s) intermediário(s) financeiro(s)?
6. Igualmente importa questionar o TJUE sobre a melhor interpretação a retirar do artigo 17.°, n.° 1 e 2 da Diretiva 2004/109/CE, o que se sugere, na continuação das perguntas anteriores, nos seguintes moldes: o emitente de ações admitidas à negociação num mercado regulamentado que impeça o acionista dessa sociedade votar numa assembleia geral de acionistas com o motivo de não ter registado a quantidade total de ações que efetivamente detém (mas apenas a parte suficiente para lhe conferir pelo menos o direito a um voto), ao mesmo tempo que permite outros acionistas votarem com as suas ações apesar de ser impossível determinar se estavam a votar com todas as suas ações, viola o disposto no artigo 17.°, n.°s 1 e 2 da Diretiva 2004/109/CE?
7. Impõe-se ainda questionar o TJUE sobre se a comunicação de uma oferta de aquisição de valores mobiliários admitidos á negociação em mercado regulamento que seja dirigida aos acionistas remanescentes (público), onde conste as condições da oferta para adquirir os valores mobiliários em questão, nomeadamente mas não exclusivamente o preço e condições para a determinação desse preço e aceitação da oferta e pagamento da contrapartida em resultado da perda de qualidade aberta da sociedade (delisting) requerida pela Sociedade ou Oferente, consubstancia ou não uma “oferta de valores mobiliários ao público” na asserção da definição dada pelo artigo 2.°, n.° 1, alínea d) da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003?
8. E questionar se a comunicação de uma oferta de aquisição de valores mobiliários admitidos á negociação em mercado regulamento que seja dirigida aos acionistas remanescentes (público), onde conste as condições da oferta para adquirir os valores mobiliários em questão, nomeadamente mas não exclusivamente o preço e condições para a determinação desse preço e aceitação da oferta e pagamento da contrapartida, pode ser dispensada da obrigação de publicar um prospeto nos termos do artigo 4.° da Diretiva 2003/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Novembro de 2003 por se tratar de uma oferta de aquisição que resulta de uma operação de perda de qualidade aberta (delisting)?
Conforme recomendações do TJUE divulgadas pelos Estados Membros através da comunicação 2019/C380/01, são os seguintes os pressupostos para pedido de reenvio prejudicial:
1. Previsto nos artigos 19.°, n.° 3, alínea b), do Tratado da União Europeia (a seguir «TUE») e no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia {a seguir «TFUE»), o reenvio prejudicial é um mecanismo fundamental do direito da União Europeia. Visa garantir a interpretação e a aplicação uniformes deste direito na União, oferecendo aos órgãos jurisdicionais dos Estados- Membros um instrumento que lhes permite submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia (a seguir «Tribunal de Justiça"), a título prejudicial, questões relativas à interpretação do direito da União ou à validade dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.
2. O processo prejudicial assenta numa estreita colaboração entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais dos Estados- Membros. (…).
3. A competência do Tribunal de Justiça para se pronunciar, a título prejudicial, sobre a interpretação ou a validade do direito da União é exercida por iniciativa exclusiva dos órgãos, jurisdicionais nacionais, independentemente de as partes no processo principal terem ou não exprimido a intenção de submeterem uma questão prejudicial ao Tribunal de Justiça. Uma vez que é chamado a assumir a responsabilidade pela futura decisão judicial, é na verdade ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar-se sobre um litígio - e a ele apenas - que cabe apreciar, atendendo às particularidades de cada processo, tanto a necessidade de um pedido de decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça.
4. (…)
5. Os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros podem submeter uma questão ao Tribunal de Justiça sobre a interpretação ou a validade do direito da União se considerarem que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa (v. artigo 267.°, segundo parágrafo, TFUE). Um reenvio prejudicial pode revelar-se particularmente útil nomeadamente quando for suscitada perante o órgão jurisdicional nacional uma questão de interpretação nova que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do direito da União ou quando a jurisprudência existente não dê o necessário esclarecimento num quadro jurídico ou factual inédito.
6. Quando for suscitada uma questão no âmbito de um processo pendente perante um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão jurisdicional é no entanto obrigado a submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça (v. artigo 267.°, terceiro parágrafo, TFUE), exceto quando já existir uma jurisprudência bem assente na matéria ou quando a forma correta de interpretar a regra de direito em causa não dê origem a nenhuma dúvida razoável.
7. (…).
8. O pedido de decisão prejudicial deve ter por objeto a interpretação ou a validade do direito da União, e não a interpretação das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.
(…).
Momento adequado para proceder ao reenvio prejudicial
12. Um órgão jurisdicional nacional pode apresentar ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial a partir do momento em que considera que uma decisão sobre a interpretação ou a validade do direito da União é necessária para proferir a sua decisão. É com efeito esse órgão jurisdicional que está mais bem colocado para apreciar em que fase do processo nacional deve apresentar tal pedido.
13. Contudo, na medida em que este pedido vai servir de fundamento ao processo perante o Tribunal de Justiça, em que este último deve dispor de todos os elementos que lhe permitam verificar a sua competência para responder às questões submetidas e, na afirmativa, dar uma resposta útil a essas questões, é necessário que a decisão de efetuar um reenvio prejudicial seja tomada numa fase do processo em que o órgão jurisdicional de reenvio esteja em condições de definir, com precisão suficiente, o quadro jurídico c factual do processo principal, bem como as questões jurídicas que este suscita. No interesse de uma boa administração da justiça, pode igualmente ser oportuno proceder ao reenvio na sequência de um debate contraditório.
Nas recomendações atinentes com a forma e conteúdo do pedido que deverão ser respeitados, e sob pena da possibilidade de o TJUE se declarar incompetente para se pronunciar sobre as questões submetidas a título prejudicial ou julgar o pedido de decisão prejudicial inadmissível, entre outros elementos necessários à identificação da questão e do direito interno aplicável, mais é recomendada a exposição das razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar-se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.
Em plena conformidade com o teor da citada recomendação decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, acórdão de 21 de Novembro de 2012 (processo n.º 222/12-30) e o STJ, acórdão de 17.03.2016 proferido no processo nº 588/13.6TVPRT.P1.S1 (disponíveis na página da dgsi). Deste ultimo transcreve-se o sumário atinente com o pedido de reenvio prejudicial:
IV. Questão prejudicial é aquela que um órgão jurisdicional nacional de um qualquer Estado-Membro considera necessária para a resolução de um litígio pendente perante si, e é relativa à interpretação, ou à apreciação de validade, do Direito da União (com excepção da apreciação de validade dos Tratados).
V. Esta competência prejudicial que assenta no instituto do reenvio prejudicial, previsto naquele supra apontado ínsito legal, constitui um mecanismo de cooperação judicial, que visa a garantia da efectividade do direito comunitário e a sua prevalência sobre o direito nacional, permitindo assim um controlo concreto da validade do direito secundário da EU, ao mesmo tempo que proporciona a uniformidade na interpretação e aplicação das respectivas normas.
VI. O reenvio prejudicial para o TJUE é, em princípio facultativo, dependendo exclusivamente do poder discricionário do Tribunal nacional, sendo certo que existem alguns casos em que o mesmo se torna obrigatório.
VII. A aparente obrigatoriedade decorrente de um pedido de reenvio ter sido feita a um Órgão jurisdicional cujas decisões, que à luz do direito interno, sejam insusceptíveis de recurso ordinário, veio a ser resolvida pelo caso Cilfit de 6 de Outubro de 1982, onde se conclui que a convocação das instâncias comunitárias só se justificará, quando as instâncias nacionais considerem que o recurso àquelas é necessário para a solução do pleito e mais, que haja sido suscitada uma dúvida quanto à interpretação desse direito.
VIII. O aludido «dever» de reenvio, não se afirma com um carácter absoluto, perdendo tal significância, quando a questão suscitada for idêntica a outra já suscitada em processo idêntico e assim decidida a titulo prejudicial, reconhecendo assim que a «correcta aplicação do direito comunitário pode impor-se com tal evidência que não dê lugar a qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar à questão suscitada», doutrina do «acto claro» em contraposição à teoria do «acto aclarado», com a finalidade de evitar que os Órgãos Judiciais da UE sejam chamados a intervir quando já haja antecedentes decisórios quanto às mesmas questões e/ou em casos paralelos, apresentando-se os Acórdãos do Tribunal de Justiça como um misto de Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, na sua faceta de apreciação abstracta típica e a concreção da regra do precedente.
Conforme decorre da já exposta apreciação do mérito da apelação e da aplicação e interpretação normativa para ela convocadas, no caso não se vislumbra uma qualquer necessidade de recurso ao reenvio prejudicial, desde logo porque, no confronto entre as normas de direito interno que, nos termos já expostos, concorrem para a apreciação jurídica do litígio e o direito da união europeia em matéria de tutela do exercício do direito de voto e tutela dos acionistas minoritários, não só não ocorre uma qualquer dúvida de interpretação das respetivas disposições, como não se vislumbra um qualquer sobreposição conflituante entre o teor e o alcance de umas e outras na solução devida ao caso; ao invés.
Com efeito, reportando à preocupação do legislador europeu em matéria de uniformização da tutela dos acionistas minoritários no âmbito de ofertas públicas para aquisição de controlo ou do domínio total, na condição prevista pelo art. 27º, nº 1, al. b) do CVM, o direito nacional, através do art. 27º, nº 3 e 4, 28º e 188º do CVM, atribui aos acionistas minoritários o direito de alienar as suas ações e sair da sociedade em condições idênticas às dos acionistas que, no âmbito de uma Oferta Publica de Aquisição, alienaram a respetiva participação (e com isso possibilitaram a transferência de controlo ou domínio da sociedade) pelo que, suscitar o reenvio prejudicial para obter uma decisão do Tribunal de Justiça sobre a invocada correspondência ou equivalência da obrigação de aquisição das ações remanescentes prevista pelo art. 27º, nº 3, al. a) do CVM à oferta publica de aquisição não traria qualquer resultado útil, na medida em que, em qualquer caso, não impediria a decisão de improcedência da ação e da apelação nos termos já expostos.
Da mesma forma, a tutela do exercício do direito de voto visada uniformizar pelo direito europeu através da Diretiva 2007/36/CE não entronca na questão jurídica do âmbito do princípio da unidade de voto prevista pelo art. 385º, nº 1 do CSC, que ao direito interno cumpre definir e ao órgão jurisdicional do Estado Membro interpretar, em conformidade com o art. 10º, nº 2 daquela Diretiva.
Assim, às questões colocadas pela apelante sob os pontos 1, 2 e 5 responde o direito interno, já exposto em sede de apreciação da apelação, designadamente, na previsão do direito à informação e identificação dos acionistas que assiste à sociedade e sujeitos a eles vinculados. Acresce que, no confronto com a situação fáctica que delimita o objeto da presente ação e apelação – na qual resulta assente que a autora era titular de 200 ações ordinárias e apresentou-se a participar na assembleia através de representante apenas com 100 ações -, as diretrizes de regulamentação europeia nessa matéria previstas pelos arts. 2º, al. j), 3º-A, nºs 1, 2 e 3 e 3º-B da Diretiva 2007/36/CE, não suscitam uma qualquer dúvida de interpretação com pertinência e reflexo na decisão do litigio destes autos. Pertinência que resulta desde logo prejudicada por partir de premissas desconformes com o direito interno aplicável, ou seja, do pressuposto erróneo da impossibilidade de a sociedade conhecer a quantidade de ações tituladas por cada acionista que se apresenta a participar na assembleia, por si ou através de representante. 
Igualmente, as questões colocadas sob os pontos 3, 4 e 6 têm como premissas pressupostos de factos que não correspondem nem integram a matéria objeto do litigio e que, por isso, neles não cumpre apreciar.
As questões que a apelante coloca sob os pontos 7 e 8 e a resposta por elas pretendida obter não é necessária à apreciação do objeto da apelação, tanto mais que é a apelante quem, logo na petição inicial e em sede de alegações, aponta para a não obrigatoriedade e/ou desnecessidade do prospeto regulado pela Diretiva 2003/71/CE e, por isso, a ausência da sua publicação pela ré não vem erigido a fundamento dos vícios por aquela imputados à deliberação objeto da presente ação.
Mas, para além da impertinência das questões na resolução do litígio em concreto, pela similitude das questões de fundo que as mesmas suscitam – princípio do tratamento igualitários dos acionistas e especial tutela dos minoritários - a jurisprudência europeia conhecida na matéria permite reconhecer que o resultado do mérito da apelação não suscita uma qualquer dúvida razoável quanto à solução a dar às questões por ela suscitadas.
Assim, decisão do TJUE de 15.10.2009 proferida no processo C-101/08, seção II (disponível em www.eurlex.europa.eu), o caso Audiolux, no âmbito do qual a Cour de cassation luxemburguesa respondeu negativamente às questões suscitadas a título prejudicial, de saber se:
- as referências à igualdade entre acionistas e, mais precisamente, à proteção dos acionistas minoritários, constantes num conjunto de disposições contidas em atos das instituições da Comunidade, entre outros, a Diretiva 2004/25/CE, resultavam de um princípio geral do direito comunitário.
- este princípio geral do direito comunitário se deveria aplicar apenas nas relações entre uma sociedade e os seus acionistas ou, pelo contrário, também se impunha nas relações entre acionistas maioritários que exercessem ou adquirissem o controlo de uma sociedade e os acionistas minoritários dessa sociedade, em especial, no caso de uma sociedade cujas ações estivessem cotadas numa bolsa de valores.
Na sua decisão, em 15 de outubro de 2009, relativamente à primeira e segunda questões o TJUE entendeu que o direito comunitário não contempla um princípio geral de direito por força do qual os acionistas minoritários são protegidos pela obrigação do acionista dominante que adquire ou que exerce o controlo de uma sociedade de lhes propor a aquisição das respetivas ações nas mesmas condições que as oferecidas na aquisição de uma participação que confere ou reforça o controlo do acionista dominante.(…)
(…) em conformidade com o artigo 1.º da Diretiva 2004/25/CE, o âmbito de aplicação quer da oferta obrigatória quer da alienação potestativa está limitado às sociedades cotadas em bolsa e, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, desta diretiva, a oferta obrigatória aplica-se unicamente quando alguém detém, após uma aquisição, uma participação que lhe confere o controlo dessa sociedade e a alienação potestativa vale apenas para situações em que o acionista adquire, no momento da oferta pública, mais de 90% do capital com direito de voto, de acordo com os artigos 15.º e 16.º da referida diretiva; (…)
Recordando jurisprudência assente, o TJUE vem ainda referir que o princípio geral da igualdade de tratamento exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objetivamente justificado.
(…) a decisão do TJUE é bastante abrangente e também pretenderá rejeitar, pelo menos de forma implícita, a existência de um princípio geral de igualdade entre os acionistas como tal, tanto no plano externo como no interno. Mesmo que o TJUE tivesse considerado o artigo 4.º da Directiva 2007/36/CE, de 11 de julho de 2007, relativa ao exercício de certos direitos dos accionistas de sociedades cotadas: “A sociedade deve assegurar a igualdade de tratamento de todos os accionistas que se encontrem na mesma situação no que se refere à participação e ao exercício dos direitos de voto nas assembleias-gerais”, a resposta seria incontestavelmente negativa quanto à igualdade “externa”, tendo em conta que a Diretiva é omissa quanto à questão da aquisição ou reforço do controlo na sociedade e o artigo 4.º apenas se dirige à sociedade. Quanto à igualdade “interna”, entende que a resposta também deverá ser negativa, de acordo com entendimento supra. Nem a Diretiva nem o artigo 4.º citado possuem um alcance geral suficiente para que se possa deduzir, isoladamente ou em conjugação com outras disposições do direito comunitário, um princípio geral de direito. A Diretiva visa apenas as sociedades cotadas e o artigo 4.º trata apenas da participação e do exercício de direitos de voto dos acionistas, nas assembleias-gerais das sociedades cotadas. (Gustavo de Sousa Botelho, ob. cit.).
Na análise crítica que dirige à referida decisão do TJUE, acrescenta Gustavo Botelho que [c]onsiderando que esta Diretiva [2004/25/CE] já se encontra em vigor e a argumentação e doutrina exposta sobre este caso, é possível verificar que o regime societário europeu caminhou num sentido que confere maior proteção aos acionistas minoritários, apesar de não identificar e especificar uma solução adequada para todas as situações suscetíveis de causar danos a este tipo de acionistas. No entanto, também cumpre reconhecer que tal objetivo talvez não deva ser reclamado de uma diretiva que apenas vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios (artigo 288.º, 3.º parágrafo do TUE).
Em conformidade com o exposto não se vislumbram motivos aptos a justificar o reenvio prejudicial solicitado.
D) Dos incidentes de litigância de má fé
A autora deduziu incidente de litigância de má fé e requereu a condenação da ré como litigante de má fé em multa a favor do Tribunal e indemnização a seu favor no montante de €30.000,00, pedido que fundamentou nas considerações expendidas pela ré em sede de contestação a respeito do numero de ações tituladas pela autora providas de direito de voto.
Já em sede de instância recursiva, e agora com fundamento no expedindo pela ré na resposta às alegações de recurso, a apelante cumulou novo pedido de condenação da ré com fundamento em litigância de má fé, agora em indemnização no montante de 60.000,00, alegando que a ré pretendeu enganar o julgador – ou seja, o coletivo do Tribunal da Relação - quando, em sede de resposta ao recurso, alegou e pretendeu fazer crer – ao coletivo deste Tribunal - que, contrariamente ao que consta das alegações de recurso, a autora não identificou as passagens da gravação relevante à impugnação que dirigiu à decisão de facto da sentença recorrida.
De harmonia com o disposto no art. 542º do CPC, Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
A litigância de má fé corresponde a conduta processual ilícita por assunção de condutas ou uso indevido de procedimentos judiciais, e abrange não só condutas dolosas mas também negligentes, sendo que estas podem até revestir a forma de negligência inconsciente, quando o agente não se apercebe, devendo fazê-lo, do resultado da sua conduta, por imprevidência, imperícia, descuido ou inaptidão (cfr. António Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, pág. 316). Assim, a norma em apreço impõe responsabilidade subjetiva no caso de dolo ou negligência, quer na sua forma substancial - respeitante à relação jurídica material - quer na sua forma instrumental - concernente à relação jurídica processual. Na base da má fé está um requisito essencial: a censurável ausência de razão ou desconformidade do procedimento/atuação adotada com a lei (processual e/ou material) e que, na sua forma mais empírica, ocorre quando se tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, páginas 355 a 358).
Vertendo ao caso concreto resulta à evidência que, no âmbito do primeiro pedido, a autora não imputa à ré uma qualquer versão factual desconforme com a realidade por ela conhecida, sendo que tanto também não decorre da atividade processual cumprida nos autos. Com efeito, em conformidade com a verdade processual adquirida nos autos e que resultou da consensualidade das partes, a ré alegou que a autora era titular de 200 ações representativas do capital social e apresentou-se a participar na assembleia através de representante para o efeito mandatado relativamente apenas a 100 das ações por si detidas. Nesta sede a autora censura à ré a qualificação ou âmbito das ações providas de direito de voto por esta defendida, sendo que tanto consubstancia evidente questão de direito, na qual, de resto, a autora ré obteve vencimento.
Quanto à invocada desconformidade entre o teor das alegações de recurso lavradas pela autora e as considerações que a esse respeito são tecidas pela ré, atinentes com os requisitos da admissibilidade da impugnação da decisão de facto, corresponde à verdade que a autora não procedeu nem à indicação das passagens da gravação nem à transcrição de todos os depoimentos que invocou para fundamentar a discordância com o julgamento de facto realizado pelo tribunal recorrido, remetendo nesta parte para os fundamentos que presidiram à rejeição do recurso sobre a decisão de facto.
Sem necessidade de outras considerações, por desnecessárias, se conclui que a ré não deduziu oposição desconforme com a realidade dos factos por si conhecida ou cuja falta de fundamentação não devia ignorar.
Nos termos dos arts. 527º, nº 1 e 539º, nº 1 do CPC e 7º, nº 2 e 4 do RCP, cabe proferir condenação da autora nas custas do recurso e, bem assim, do incidente de litigância de má fé, determinada pelo seu decaimento em ambos os procedimentos, relevando neste ultimo a temeridade do pedido de litigância de má fé deduzida pela autora, contra a evidência do que as alegações de recurso revelam.
E) Do pedido de condenação da ré na taxa prevista para ações de especial complexidade, e na taxa excecional prevista pelo art. 531º do CPC.
Prevê o art. 530º, nº 7 do CPC que Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. A referida taxa recai sobre cada uma das partes na proporção do seu decaimento.
O art. 531º prevê que, Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.; taxa que, nos termos do art. 10º do RCP, é fixada pelo Juiz entre 2 e 15 UC’s.
Correspondendo aos fundamentos do segundo pedido de condenação da ré como litigante de má fé, alega a apelante que a ré faltou à verdade e pretendeu enganar o coletivo deste Tribunal quando, em sede de resposta às alegações, alegou que No que concerne à prova gravada quase sempre a recorrente opta por reproduzir o que resultou dos depoimentos [reprodução que corresponde, não à transcrição de todos os depoimentos mas a um resumo do conteúdo dos mesmos, de acordo com a perceção que a recorrente deles teve e a valoração que deles faz] sem identificar as passagens da gravação relevantes (…) relegando para o julgador a função de as localizar., contra o que a apelante se insurge alegando que indicou o ficheiro completo do depoimento e, de seguida, indicou com precisão (ficheiro de som e período) as passagens relevantes da gravação ao mesmo tempo que identifica os pontos de facto que considera incorretamente julgados e fundamenta e expõe a decisão a que tais provas, apreciadas com critica, deveriam resultar, concluindo que é descaradamente falso o que a ré afirma., (…) que visa apenas cansar e enganar o julgador perante a total e manifesta falta de razão e argumentos substantivos por parte da ré (…) visou produzir uma artificiosa complexidade da matéria litigiosa e enganar o julgador  - quando tudo se resume a uma pequena e simples questão de direito com a aplicação do artigo 385º do CSC. Mais acrescentou que as referidas alegações da ré a assustaram sobremaneira, vendo-se obrigada a rever, com reforçada atenção, as suas alegações e a resposta em causa. Estes, os fundamentos do pedido de fixação e condenação da ré nas taxas previstas pelos arts. 530º, nº 7 e 531º do CPC.
Ora, para além de a autora/apelante decair em todos os segmentos do recurso e dos incidentes que neste deduziu, e o que tanto bastaria para votar à inutilidade os pedidos que ora se apreciam, cumpre reiterar a total e manifesta ausência de razão da apelante. Com efeito, em sede de alegações a apelante suporta a impugnação que dirige à decisão de facto no confronto entre os depoimentos das testemunhas Otávio Viana e Luis Cortes Martins e valoração que dele extrai. Porém, do depoimento da primeira testemunha não especificou nem transcreveu outras passagens da gravação para além das atinentes ao alegado envio do mail (correspondente ao documento que a apelante apresentou com as alegações), e apenas quanto à testemunha Luis Cortes Martins indicou as passagens da gravação e transcreveu os depoimentos nelas contidas com relevância para a matéria descrita sob os pontos 12 e 13 dos factos provados. Acresce que a impugnação vem também suportada nas declarações prestadas pelas restantes testemunhas, sem que relativamente a estas tenha indicado qualquer passagem da gravação ou procedido à transcrição da parte dos depoimentos que, na valoração que deles faz, fundamentam o desacerto que imputa ao julgamento realizado pelo tribunal recorrido.
Do exposto se conclui que - sem entrar na questão de quem pretendeu enganar quem -, contrariamente ao que a apelante alega, não indicou com precisão as passagens relevantes da gravação dos depoimentos de todas as testemunhas que indicou como os meios de prova que, na valoração que deles faz e conforme clama, não são idóneos ou objetivamente aptos a sustentar a decisão alcançada pelo tribunal, alegação cuja falsidade é facilmente demonstrável.
De resto impõe-se referir que, não só pelo que resulta evidente do resultado do recurso e dos incidentes que deduziu, mas também pela densificação que fez de uma simples questão de direito, são os articulados incidentais e as alegações de recurso da apelante que precisamente vestem o hábito da incorreção processual que imputa à apelada pois que, apesar de assumir que o mérito da presente ação contende apenas com uma simples questão de direito, não se inibiu de, ainda assim, de impugnar a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido e de deduzir indevido pedido de reenvio prejudicial para o TJEU, nele incluindo questões para esclarecimento e resposta à referida simples questão de direito.
Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se conclui pela total ausência de fundamento factual e legal para a requerida condenação da ré nas taxas de justiça previstas pelos arts. 530º e 531º do CPC.
III - DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os Juízes deste coletivo em:
1. Indeferir a requerida suspensão da instância com vista à formulação de pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça Europeu.
2. Julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
3. Julgar improcedente o incidente de litigância de má fé deduzido pela apelante em sede recursiva e, consequentemente, dele absolver a ré.
4. Condenar a apelante no pagamento:
i) Das custas do incidente a que deu causa com a requerida mas intempestiva junção do documento que apresentou com as alegações, que se fixam em duas UC’s de taxa de justiça, nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais;
ii) Das custas do recurso;
iii) Das custas do incidente de litigância de má fé, que se fixam em quatro UC’s de taxa de justiça.

                                     
Lisboa, 18.12.2019
Amélia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Decisão Texto Integral: