Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2636/14.3T8OER-A.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ACTA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PENAS PECUNIÁRIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: As sanções de natureza pecuniária deliberadas pela assembleia de condóminos não se encontram abrangidas pelo artigo 6.º nº 1 do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, não constituindo as actas de reunião de assembleia de condóminos em que foram deliberadas título executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório
Na execução que o Condomínio do prédio sito (…) instaurou contra (…) e (…), com os sinais dos autos, para pagamento de €(…), vieram os executados deduzir embargos, sustentando a inexistência de título executivo para o montante de €(…), uma vez que correspondem a sanção pecuniária pelo atraso de pagamento de comparticipações condominiais e que as penas ou sanções pecuniárias não se mostram abrangidas pelo artigo 6º nº 1 do DL 268/94 de 25 de Outubro.

Liminarmente admitida a oposição, o exequente contestou sustentou em sentido contrário.

Após a notificação às partes da intenção de proferir decisão final, o tribunal recorrido – considerando a falta de junção aos autos de procuração forense a favor do I. Advogado subscritor do requerimento de embargos por parte da executada, e que esta fora notificada para juntar a procuração e ratificar o processado e nada houvera feito – proferiu despacho declarando sem efeito os actos praticados neste processo pelo I. Advogado, em nome e representação da executada e, consequentemente dando sem efeito a apresentação da oposição à execução relativamente à executada, determinando o prosseguimento da execução quanto à ela e condenando o I. mandatário em custas, e de seguida fixou o valor da oposição em conformidade com o valor da execução, passando então a proferir despacho saneador sentença, de cuja parte dispositiva, a final, consta: 
Decide-se assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, julgar improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determinar o prosseguimento da execução.
Custas pelo embargante - cfr. art.º 527º, n.º 1, do CPC.
Registe e notifique (incluindo o Sr. Agente de Execução)”.
Inconformado, o embargante interpôs o presente recurso formulando a final as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. … que julgou improcedentes os presentes embargos de executado e, em consequência, determinou o prosseguimento da execução.
2. Entendeu o Tribunal a quo que, a acta da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo.
3. Considera, o executado que a quantia peticionada a título de penalização é manifestamente usurária, uma vez que a penalização equivale ao quádruplo da dívida.
4. No que se refere ao valor de €(…) de taxa de justiça e honorários de agente de execução, cumpre fazer notar que estas despesas estão acauteladas pelo Artigo 541.º do CPC, pelo que, não faz sentido incluir aqueles valores na quantia exequenda.
5. Entende o executado que as penas ou sanções pecuniárias não se mostram abrangidas pelo disposto no artigo 6.º, nº 1 do D.L. 268/94, de 25 de Outubro, pelo que as mesmas não lhe podem ser reclamadas através da instância executiva.
6. Estatui o artigo 6º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10 que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante de contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
7. A lei, na parte em que se refere a “contribuições devidas ao condomínio”, não abrange todo e qualquer montante que seja devido ao condomínio.
8. As contribuições devidas ao condomínio que são tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94 são “dívidas por encargos de condomínio”, como refere a epígrafe do artigo.
9. Ora, estabelece o artigo 1424.º do Código Civil, que são encargos de condomínio os encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e os encargos “com os serviços de interesse comum”.
10. Assim, as dívidas tidas em vista pelo n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, são as que têm a sua origem nos encargos com a “conservação e fruição das partes comuns do edifício” e encargos “com os serviços de interesse comum”. O que não é o caso das penalizações.
11. Pelo exposto, é de concluir que estão fora do alcance do n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro as penas pecuniárias, pois de acordo com o preceito que as prevê – o n.º 1 do artigo 1434.º do Código Civil – tais penas são estabelecidas para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador.
12. Assim, a acta da assembleia de condóminos não pode constituir título executivo no que concerne aos valores que não sejam quotizações mensais, pelo que, nesta parte, não pode subsistir a decisão recorrida, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
Termos em que (…) deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser a (…) sentença ora recorrida revogada por violação das supra citadas disposições legais, ordenando-se a redução da quantia exequenda.

Contra-alegou o embargado, formulando a final as seguintes conclusões:
1 - É hoje indubitável que a acta da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou serviços constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar a sua quota-parte (artigo 6, nº 1 do DL 268/94 de 25 de Outubro e alínea d) do nº 1 do art. 703º do CPC.
2 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das penas constitui título executivo contra o proprietário, enquadra-se na expressão “contribuições devidas ao condomínio”, e cai no campo de aplicação do artigo 6º do DL 268/94.
3 - A acta da reunião da assembleia de condóminos, que delibere sobre a fixação de penas pecuniárias, por falta de pagamento da quota-parte, no prazo estabelecido, constitui título executivo.
4 - A expressão “ contribuições devidas ao condomínio”, deve ser entendida em sentido amplo, nela se devendo incluir, além das despesas específicas relativas ao próprio condomínio, e que são de diversa natureza, as penas pecuniárias nos termos do artigo 1434 do Código Civil.
5 - Embora rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador.
6 - Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes.
7 - Deve ser amplo o campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio”, incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio de seguro contra risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do artigo 1434”.
8 - O campo de aplicação da expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante da parte inicial do referido artigo 6º, deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias.
9 - A expressão “contribuições devidas ao condomínio” constante da parte inicial do referido artigo 6º, deve ser perspectivado de forma ampla, de molde a abarcar, as penalizações ou penas pecuniárias. Encontrando-se assim na letra da lei correspondência verbal, que nem sequer é mínima, pois o legislador quis abarcar todas as contribuições devidas ao condomínio e, nestas incluem-se necessariamente as sanções pecuniárias, desde que, obviamente, devidamente aprovadas em assembleia de condomínio.
10 - No dia 25 de Outubro de 1994 foram publicados, entre outros, dois diplomas legais, a saber o DL 267/94 e o DL 268/94.
11 - Bastando uma leitura aos respectivos preâmbulos para se concluir que o legislador não quis deixar qualquer questão por resolver, só que os diplomas foram criados numa época em que a propriedade horizontal estava a começar a desenvolver-se a passos largos e actualmente está completamente implementada e até com dificuldades que na altura não se colocavam, como será certamente o caso das penalizações, as quais o legislador não individualizou, mas também não o fez por exemplo com o pagamento do prémio de seguro, etc.
12 - O legislador referiu-se a contribuições devidas ao condomínio, aqui não se pode considerar apenas as quotas e o fundo comum de reserva, mas tudo o que é devido ao condomínio, pois se não fosse esta a intenção do legislador teria dito exactamente quais as contribuições devidas ao condomínio, de forma a restringi-las. O que não fez.
13 - Nem faria sentido que deixasse de fora alguma das contribuições legalmente devidas ao condomínio, pois se a assembleia pode deliberar a aplicação de penas aos condóminos incumpridores, faz todo o sentido que se possa socorrer da acta a que a lei confere a força de título executivo, não quis certamente o legislador incluir umas contribuições e deixar outras de fora, nesta situação não seria legislar, seria meio legislar.
14 - Emergindo a pena pecuniária do incumprimento da quota-parte nas despesas do condomínio, justifica-se que o seu cumprimento coercivo possa observar, também, o mesmo procedimento processual aplicável à quota-parte nas despesas.
15 - Trata-se também de um meio de conferir mais eficácia à administração do condomínio, nomeadamente à cobrança oportuna da quota-parte dos condóminos, dissuadindo comportamentos faltosos e prevenindo dificuldades de gestão do condomínio, que podem provir do atraso no pagamento da quota-parte das despesas do condomínio.
16 - Não há motivo suficientemente relevante para diferenciar o cumprimento coercivo da quota-parte nas despesas do da pena pecuniária.
17 - Aquando da entrada em vigor do DL nº 268/94, já se vinha sentindo a necessidade de alargamento dos títulos executivos, nomeadamente de certos documentos particulares, intenção que se manifestou, de forma clara, na reforma processual empreendida através do DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, e do DL nº180/96, de 25 de Setembro, e se manteve no novo Código de Processo Civil (art. 703º).
18 - A intenção do legislador ao criar aqueles dois diplomas foi a de aperfeiçoar regras e adaptar outras à evolução entretanto verificada.
19 - Tal como consta do preambulo do referido decreto-lei o legislador quis encontrar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando as relações entre condóminos e terceiros, pelo que seguramente no espírito do legislador não havia qualquer intenção de não englobar na acta que constitui titulo executivo as eventuais penalizações, pelo contrário o legislador ao referir “contribuições devidas ao condomínio”, quis englobar toda e qualquer contribuição devida, fosse penas, fosse quotas, fosse fundo comum de reserva, fosse o prémio de seguro, fosse obras com inovações, etc.
20 - Interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer.
21 - O sentido das leis deve evoluir com o sentido da vida. Certamente em 1994 haveria menos condóminos incumpridores do que há actualmente, pelo que aquele preceito obrigatoriamente tem que acompanhar essa mutação, bem como adaptar-se ao que se pretende com a expressão “contribuições devidas ao condomínio”.
22 - O significado que o intérprete deve atribuir à lei é aquele que ela possui no momento da sua interpretação (e não o da criação).
23 - Razões bastantes para a manutenção da decisão recorrida, mantendo-se força executiva à acta que deliberou a aplicação de penalizações aos condóminos incumpridores.
24 - Estando o recorrente me mora, existe claramente fundamento para a aplicação das penas pecuniárias, as quais não se podem de todo apurar de acordo com a pretensão do recorrente.
25 - A aplicação de multas pelo atraso no pagamento das quotizações de condomínio, a partir da data da respectiva aprovação em assembleia, é vinculativa para todos os condóminos, mas desde que respeite a lei, no caso o referido nº 2 do artigo 1434 do Código Civil.
26 - E não podemos esquecer que a cláusula penal prevista, destina-se a ter uma função dissuasora do acto de atraso em pagamento de qualquer contribuição do condomínio e também e ainda a de ressarcir o credor dos prejuízos decorrentes da mora.
27 - Para efeitos de determinação do montante máximo admitido para cada ano, para as penas pecuniárias fixadas pelo condomínio, a lei recorre à figura do rendimento colectável.
28 - Deve aplicar-se, por se manter intacta a filosofia tributária, o enunciado do já referenciado artigo 6º do CCA.
29 - O modo mais adequado de proceder ao cálculo do rendimento colectável é multiplicar o valor patrimonial tributário da fracção por 0,15, que é o factor referido no aludido artigo 6, nº 1, do DL nº 442-C/88; depois sobre o resultado obtido, faz-se incidir o limite de ¼ ou 25%, aferindo-se então se a penalização observa ou não o prescrito no nº 2 do artigo 1434 do Código Civil”.
30 - No mais, apenas este critério permite que a pena pecuniária prevista no artigo 1434 nº 2 do Código Civil exerça uma função efectivamente dissuasora do cumprimento das obrigações em apreço.
31 - Cabia ao recorrente fazer prova do rendimento colectável da sua fracção autónoma, bem como qual era a quarta parte do rendimento colectável anual da mesma, o que não fez.
32 - Não é suficiente para que o tribunal de recurso se pronuncie sobre esta questão referir que as penalizações são usurárias, porque equivale ao quadruplo da divida.
33 - Era dever do recorrente demonstrar e provar o valor colectável anual da sua fracção e comprovar que em cada ano, as penalizações pedidas excediam a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor, o que não fez.
34 - Pelo que não fornecendo aos autos estes elementos, não pode o tribunal de recurso, pronunciar-se sobre esta questão, sob pena de violar o disposto no artigo 609 nº 1 do CPC, por excesso de pronúncia.
35 - O tribunal tem, pois, a pedido expresso do devedor, o poder de reduzir, mas não o de invalidar ou suprimir a cláusula penal que seja manifestamente excessiva.
36 - Devendo usar da faculdade de redução da cláusula penal, quando houver elementos que, segundo um critério de equidade e de justiça, apontem para um manifesto excesso da cláusula penal, todavia nos autos inexistem, por culpa exclusiva do recorrente, esses elementos.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão a decidir é a de saber se as actas de condomínio juntas com o requerimento executivo não constituem título executivo relativamente à quantia de €(…) fixada como pena para o incumprimento do pagamento da quota-parte das despesas comuns.
III. Matéria de facto
O tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: 
Com base nos documentos juntos com o requerimento executivo, considerando ainda a posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, dão-se por provados os seguintes factos:
1. Os Executados detêm inscrição a seu favor da aquisição da fracção autónoma designada pela letra (…)a que corresponde Bloco (…)  – (…) andar direito, para habitação, com uma garagem com o nº (…) na (…) cave, do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…).
2. Os Executados não pagaram as quotas mensais do condomínio e do fundo comum de reserva, desde Abril de 2010 até à instauração da execução, no valor de € (…).
3. As quotas mensais, nos anos de 2010 e 2011, orçavam em € (…).
4. As quotas mensais, nos anos de 2012 a 2014, orçavam em €(…).
5. Na assembleia de condóminos, realizada no dia (…) de (…) de 2008, foi deliberado, por unanimidade, que, a partir de Janeiro de 2009, qualquer condómino que apresente mensalidades em divida por um período superior a 90 dias, acresce a cada uma das mensalidades uma sanção pecuniária de € 10.00 mensal, até à completa regularização.
6. No requerimento executivo apresentado em 10.11.2014, o exequente peticiona o pagamento global da quantia de €(…), sendo €(…) a título de quotizações mensais vencidas e não pagas entre 01.04.2010 a 01.10.2014; €(…) a título de penalizações e €(…) de taxa de justiça e honorários de agente de execução”.
Esta decisão não vem impugnada no recurso.

IV. Apreciação
Em primeiro lugar, deve notar-se que embora no recurso o recorrente venha invocar que o montante de sanção pecuniária fixada seja excessivo e que as despesas de €(…) de taxa de justiça e honorários de agente de execução estão acauteladas pelo artigo 541º do CPC pelo que não faz sentido incluir este valor na quantia exequenda, estas duas questões não foram suscitadas no requerimento inicial de oposição à execução, onde apenas se suscitou a questão da falta de título executivo quanto ao montante de €(…) a título de penalização, pelo que assim sendo, e por via do artigo 627º do CPC, constituem questões novas de que este tribunal de recurso não pode conhecer.
Quanto à questão de saber se a acta de assembleia de condóminos que fixa penalidade por falta de cumprimento tempestivo de contribuições condominiais não constitui título executivo, vamos desde já servir-nos, com o devido respeito, do acórdão proferido pela Relação do Porto, no processo que se encontra no sítio electrónico da dgsi sob o nº RP201805079990/17.3T8PRT-B.P1, em que a questão era colocada exactamente do modo oposto, isto é, era recorrente o condomínio e sustentava que a acta constituía título executivo. O referido acórdão, muito recente, dá conta, além do mais, logo no início da fundamentação que vamos transcrever, do estado da divergência que existe na jurisprudência sobre este assunto. Citamos:  
“A questão em debate neste recurso não é pacífica, constituindo um tema de profunda divergência jurisprudencial, como se ilustra com a breve síntese que se segue:
Pronunciam-se a favor da tese defendida pelo recorrente, os seguintes acórdãos (todos acessíveis no site da DGSI): desta Relação - de 17.05.2016, processo n.º 2059/14.4TBGDM-A.P1, de 24.09.2013, processo n.º 7378/11.9YYPRT-A.P1, de 24.02.2015, processo n.º 6265/13.0YYPRT-A.P1; da Relação de Lisboa - de 9.97.2007, processo n.º 9276/2007-7; de 20.0.2014, processo n.º 8801/09.8TBCSC-A.L1-2, da Relação de Guimarães – de 2.03.017, processo n.º 2154/16.5T8VCT-A.G1; e de 22.10.2015, processo n.º 1538/12.2TBBRG-A.G1.
Contra a tese defendida pelo recorrente (e a favor da que obteve acolhimento na sentença recorrida), registam-se os seguintes arestos: desta Relação – de 16.12.2015, processo n.º 2812/13.6TBVNG-B.P1; da Relação de Guimarães, de 8.01.2013, processo n.º 8630/08.6TBBRG-A.G1; e da Relação de Coimbra – de 4.06.2013, processo n.º 607/12.3TBFIG-A.C1; e de 7.02.2017, processo n.º 454/15.0T8CVL.C1[1].
Vejamos a previsão normativa na qual radica a divergência de interpretação.
Preceitua o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de outubro:
«
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte
A questão recursória resume-se a saber se as penalizações pecuniárias objeto de deliberação dos condóminos integram ou não a previsão do normativo que se transcreveu.
Na resposta à questão enunciada, não pode o julgador prescindir da convocação de várias normas (de direito substantivo e adjetivo) cm vista à interpretação a efetuar sempre de acordo com as regras previstas no artigo 9.º do Código Civil.
Iniciamos o nosso percurso interpretativo, por um princípio que emerge do artigo 703.º do Código de Processo Civil: o da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos.
Dispõe o artigo 703.º do Código de Processo Civil
«1 — À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 — Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».
Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excecionalidade das normas que preveem títulos executivos avulsos em razão do seu caráter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada [Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017 (A Execução de Dívidas de Condomínio), pág. 196].
Face à apontada característica de excecionalidade, as normas que preveem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no artigo 11.º do Código Civil.
Definida a natureza excecional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.
Decorre da sua interpretação gramatical, que o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum.
E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?
Haverá que tomar em consideração a epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10: «Dívidas por encargos de condomínio».
O artigo 1424.º do Código Civil define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela [2], nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam.
Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em ata, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excecional, que o título executivo a que se refere o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 [sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no artigo 1424.º do Código Civil.
Os “encargos de condomínio” a que se referem o artigo 1424.º do Código Civil e o n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10 apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas.
Como bem se refere no acórdão da relação de Coimbra, de 7.02.2017, anteriormente citado, se, por exemplo, um condómino danificar uma parte comum do edifício e a assembleia de condóminos deliberar a sua obrigação de reparação, fixando um valor, a ata de tal reunião não constitui título executivo contra o condómino para pagamento dessa quantia, porquanto, neste caso, a contribuição exigida ao condómino não constitui um encargo resultante da sua relação com o condomínio, antes resultando do facto de ser ele o autor do dano.
Tal como no exemplo dado, a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do artigo 1424.º do Código Civil, não se integrando na previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, encontrando-se prevista, no n.º 1 do artigo 1334.º do Código Civil, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».
Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no artigo 9.º do Código Civil, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efetuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural.
O Código Civil incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art.º 9.º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis[3] - o qual se traduz na razão de ser, no fim objetivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina[4].
E o objetivo visado pelo legislador ao atribuir à ata de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art.º 703.º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.
Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excecionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.
Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respetiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à ação declarativa.
Em conclusão, a integração da previsão legal do n.º 1 do artigo 6.º, do Decreto-lei n.º 268/94, de 25.10, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao artigo 1424.º do Código Civil, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”. (fim de citação).
Ora, como se vê, está longe de se poder afirmar que qualquer das posições jurisprudenciais seja dominante ou maioritária. Os fundamentos essenciais de resolução desta questão jurídica estão devidamente anotados nos acórdãos citados e para eles remetemos.
Com o devido respeito pelas posições assumidas nos diversos arestos de sentido contraditório, poderíamos sumariar que ao pensamento que ressume do acórdão acabado de citar, a tese oposta, apelando também à reconstituição do pensamento do legislador para a interpretação do citado artigo 6º nº 1, sustenta que nenhum sentido faz distinguir porque o intuito legislativo terá sido precisamente agilizar e favorecer as relações que se levantam a partir da compropriedade constituída em propriedade horizontal, de modo que se foi prevista a possibilidade da assembleia de condóminos deliberar sanções para o incumprimento, e se foi previsto que o incumprimento do encargo podia ser suprido sem necessidade de recurso à fase declaratória – que possibilitaria a longa persistência do uso da coisa sem contrapartida ou sem o devido contributo – então também serviria, no pensamento do legislador, a agilizar – e em rigor, a permitir – a vida sobre a coisa comum, passar directamente à execução duma sanção fixada pelo condomínio.
Em nosso entender assim não é.
Primeiro, a tónica principal da produção legislativa obedece ao princípio geral e nuclear do ordenamento jurídico que é a certeza e a segurança jurídica. Isto obriga a dar maior importância justamente a quem defende a natureza taxativa dos títulos executivos – e isso está fora de discussão – e portanto a natureza excepcional da constituição legislativa de novos títulos. Sobre este pensamento de excepcionalidade, não está o legislador autorizado senão a pronunciar-se de forma expressa. Ou seja, a consideração do elemento literal do referido artigo 6º nº 1 não se resolve – e não se afasta – pela consideração de que se trata duma interpretação formalista.
Segundo, não partilhamos da opinião sobre a identidade das razões que convocariam a necessidade da dispensa da acção declarativa. Não é de facto o mesmo perceber que, para a possibilidade de vida – digamos mais rigorosamente, de uso e gozo – de prédio constituído em propriedade horizontal, se torna necessário que os encargos comuns sejam atempadamente providos, sob pena evidente de deterioração e desvalorização, e perceber que se torna imperioso alcançar a executoriedade duma deliberação do condomínio que visando essencialmente prevenir, ou reprimir, o incumprimento da contribuição necessária, lhe fixa, a esse incumprimento, uma sanção. No primeiro caso é urgente que se recupere o valor devido, no segundo caso, ainda que o valor da sanção devida venha a integrar a receita do condomínio, ele não é nem obrigatoriamente previsto na lei – neste sentido é muito útil o contributo do acórdão da Relação de Coimbra de 21.3.2013 – e portanto nem mesmo corresponde a uma fonte de receita previsível, e por isto mesmo a urgência no seu recebimento não dispensa a maior amplitude duma defesa contra o fundamento sancionatório que a acção declarativa proporciona.  
Nestes termos, com o devido respeito pela solução contrária, alinhamos com a tese defendida pelo recorrente, pelo que procederá o recurso, devendo julgar-se procedente a oposição e determinar-se, na conformidade do disposto no artigo 732º nº 4 do CPC, a extinção da execução quanto à quantia relativamente à qual a oposição foi deduzida.
Tendo nele decaído, é o recorrido responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam conceder provimento ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, que substituem pelo presente acórdão que julga a oposição à execução procedente e em consequência extingue a execução quanto à quantia exequenda de €(…).
Custas pelo recorrido.
Registe e notifique.
Lisboa, 11 de Dezembro de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues