Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2790/19.8T8OER-C.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
FIADOR
REJEIÇÃO LIMINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O artigo 14.º-A do NRAU refere-se a um título executivo de feição complexa – integrado pelo contrato de arrendamento escrito e pelo documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante dos valores em dívida, decorrentes do contrato de arrendamento – o qual pode ser gerado, quer face ao arrendatário, quer face ao fiador, desde que, para tal, sejam observadas as condições legais para o efeito, a saber: a) A junção de contrato de arrendamento; b) A junção de comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida; c) Que ao fiador seja dada a conhecer tal comunicação.
II) Comprovada a formação do título executivo complexo em questão relativamente a ambos os executados, que subscreveram no contrato de arrendamento na qualidade de arrendatária – a executada – e de fiador – o executado, detêm ambos legitimidade passiva para serem executados na presente execução – cfr. artigos 53.º, n.º 1, 703.º, n.º 1, al. d), do CPC e artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório:
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Em 16-07-2019, o exequente apresentou em juízo requerimento executivo para instaurar execução ordinária para pagamento de quantia certa contra os executados, processo a que foi atribuído o n.º 2790/19.8T8OER, tendo invocado o seguinte:
“(…) Título Executivo: Artigo 14º A NRAU (…).
Factos:
1.O Requerente é proprietário da fracção autónoma designada pelas letras “AP” correspondente ao … andar, letra …, pertencente ao prédio urbano situado em Oeiras, na Rua …, n.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras com o n.º …/… e inscrito sob o artigo … da união de freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, conforme resulta do documento n.º 1 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
2.Por contrato celebrado no dia 19/06/2015, o Requerente deu de arrendamento à Requerida MJ…, para habitação, a fracção autónoma acima identificada, pela renda de €950,00, conforme resulta do documento n.º 2 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
3.O Requerido AL… outorgou no referido contrato na qualidade de fiador e principal pagador tendo subscrito, nomeadamente, a cláusula 13ª do referido contrato – conf. cit. doc. nº 2.
4.Sucede que, não foi paga a renda vencida em Setembro de 2017, referente a Outubro de 2017, nem as posteriormente vencidas até Junho de 2019, com excepção da renda vencida em Março de 2019.
5.O Requerente comunicou aos Requeridos o montante em dívida, por cartas registadas com aviso de recepção datadas do dia 19 de Fevereiro de 2019, conforme resulta dos documentos n.º 3 a 6 que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
6.As referidas cartas foram recebidas, pela Requerida e Requerido, respectivamente nos dias 25 e 21 de Fevereiro de 2019, conforme resulta dos documentos n.º 7 e 8 que aqui se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.
7.Os Requeridos não pagaram os montantes em dívida nem restituíram o locado.
8.Desde o referido mês de Setembro de 2017 e até à presente data foi paga por conta da referida dívida a quantia total €18.905,00.
9.Assim, o montante em dívida até à presente data é de €1.995,00.
10.O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, constitui título executivo para a execução para pagamento de quantia certa, correspondente às rendas, aos encargos ou despesas que correm por conta do arrendatário, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 14.º-A da Lei 6/2006, de 27 de Fevereiro.
11.Pelo que, o Requerente o dá à execução”.
Com o referido requerimento o exequente juntou os seguintes 8 documentos:
- Doc. 1 – Certidão permanente do registo predial referente à descrição …/…-…-AP;
- Doc. 2 – Documento intitulado “CONTRATO DE ARRENDAMENTO HABITACIONAL COM PRAZO CERTO”;
- Doc. 3 – Carta datada de 19-02-2019 dirigida à executada;
- Doc. 4 – Doc. 6 – Talão de aceitação de correio registado com a ref.ª RH2213 3011 3 PT;
- Doc. 5 – Carta datada de 19-02-2019 dirigida ao executado;
- Doc. 6 – Talão de aceitação de correio registado com a ref.ª RH2213 3012 7 PT;
- Doc. 7 – Aviso postal “de Receção – de entrega”, com a ref.ª RH2213 3011 3 PT, tendo o exequente por remetente e a executada por destinatário e assinado pelo destinatário em 25-02-2019;
- Doc. 8 – Aviso postal “de Receção – de entrega”, com a ref.ª RH2213 3012 7 PT, tendo o exequente por remetente e o executado por destinatário e assinado pelo destinatário em 21-02-2019;
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Em 12-10-2019 foi proferido nos referidos autos de execução despacho de onde consta escrito, nomeadamente, o seguinte:
“(…) A presente execução para pagamento de quantia certa funda-se em contrato de arrendamento e comunicação ao arrendatário da quantia em dívida a título de rendas nos termos do disposto no artigo 14°-A do NRAU e 703°, al. d) do CPC.
Verifica-se que, no requerimento executivo é indicado como espécie Execução Ordinária (Ag. de Execução), tendo sido distribuída como tal.
Ocorre que, por força do disposto no artigo 550°, n.° 2, al. d), do CPC, as execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1a instância (€10 000), como é o caso, seguem a forma de processo sumário, estando, por isso, dispensadas de despacho liminar.
In casu, atento o valor da execução e a natureza do título executivo, reconduz-se tal situação a erro na forma de processo, que importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os actos estritamente necessários para que o processo se aproxime, quando possível, da forma prevista na lei (cfr. art.° 193.°, 1 do CPC).
Pelo exposto, determino que o processo tramite sob a forma sumária.
Sem prejuízo do acabado de referir e de harmonia com o disposto no artigo 734°, n.° 1 aplicável ex vi do artigo 551°, n.° 3 do CPC, verifica-se que a execução foi instaurada contra a arrendatária e o respectivo fiador.
Sem olvidar que se trata de questão fracturante a nível doutrinário e jurisprudencial e sem recusar peso aos argumentos habitualmente alinhados pelos defensores da tese da formação de título executivo, nos quadros do art.° 14°-A, do NRAU também contra o fiador, julgamos sobrelevarem as razões que se opõem a tal entendimento.
Desde logo porque a extensão da formação de título executivo ao fiador não se compagina com o disposto nos art.°s 10°, n.° 5 e 54° do Código de Processo Civil, enquanto contempla que a execução seja dirigida contra quem não consta do título executivo como devedor, sendo certo que se trata de um título de feição complexa não se reduzindo ao contrato de arrendamento.
Por outro lado, resulta claro da alteração legislativa operada pela Lei n.° 31/2012, de 14 de Agosto e pela Lei n.° 13/2019 de 12.02, ao Regime do Arrendamento Urbano a vontade do legislador em não abranger outrem no âmbito subjectivo do título, mantendo inalterada a redacção do actual artigo 14°-A do NRAU quanto à “comunicação ao arrendatário.”
Por outro lado, ainda que em sede de Procedimento Especial de Despejo, o Decreto- Lei n.° 1/2013, de 7.01 institui no artigo 1°, n.° 7 que:
“O pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso só pode ser deduzido contra os arrendatários e, tendo o arrendamento por objecto casa de morada de família, deve ser também deduzido contra os respectivos cônjuges.”.
Acresce que “a fiança é um negócio que envolve um risco assaz elevado para o garante, muito maior até do que o contrato de arrendamento para o próprio inquilino, que, v.g, pode pôr termo ao contrato a todo o tempo, ao contrário daquele que não pode extinguir a fiança, nas mesmas circunstâncias. A sua vinculação fica inteiramente dependente da vontade (e do cumprimento) do inquilino. A esta responsabilidade do garante não deve corresponder um regime ainda mais agravado do ponto de vista processual” - vd. Rui Pinto, In “Manual da execução e do despejo”, Coimbra Editora, 2013, p. 1162 a 1165.
Em suma, tendo presente os ensinamentos expendidos quanto a esta matéria, entre outros, por Fernando Gravato de Morais, In “Falta de pagamento de rendas no arrendamento urbano”, Almedina 2010, p. 81; Miguel Teixeira de Sousa in “Leis do Arrendamento Urbano anotadas” Coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2014, p. 405-406 e Acórdãos da Relação do Porto de 24-04-2014, da Relação de Lisboa de 31.03.2009 e de 18.09.2014, Ac. da Relação de Guimarães de 25.06.2013, disponíveis em www.dgsi.pt., entre outros, forçoso se torna concluir que o artigo 14°-A do NRAU não prevê a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador.
Ou seja, o título executivo previsto no artigo 14°-A, do NRAU só se pode formar contra o próprio arrendatário, não se estendendo ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida.
A manifesta falta ou insuficiência do título executivo constitui fundamento de indeferimento ou rejeição liminar total ou parcial do requerimento executivo (art. 726°, n.° 1, 2, al. a), e 3 do CPC).
Decide-se assim nos termos e pelos fundamentos expostos, rejeitar a presente execução por insuficiência do título executivo apresentado quanto ao fiador.
Custas a suportar pela Exequente, na proporção de 1/2.
Registe e notifique.”.
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Não se conformando com a referida decisão, dela apela o exequente, formulando as seguintes conclusões:
“1.º Vem o presente recurso interposto do despacho através do qual foi liminarmente indeferido o requerimento executivo apresentado pelo apelante, com fundamento em insuficiência de título executivo contra o fiador, AL….
2.º A presente apelação é admissível ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 853.° do CPC, uma vez que está em causa uma decisão de indeferimento do requerimento executivo nos termos do disposto no artigo 734.° do CPC.
3.º O apelante senhorio instaurou a presente execução contra a arrendatária e contra o fiador, peticionando a condenação destes no pagamento da quantia de €1.995,00, a título de rendas vencidas e não pagas.
4.º Quer à arrendatária, quer ao fiador, foram comunicados os montantes em dívida a título de rendas, mediante cartas registadas por estes oportunamente recebidas.
5.º Entendeu o despacho recorrido que o artigo 14.°-A do NRAU não permite a formação de titulo executivo para pagamento de quantia certa contra o fiador, mas tão somente contra o arrendatário tendo, em consequência, determinado o prosseguimento dos autos de execução apenas contra aquele último.
6.º O artigo 14.°-A do NRAU tem por escopo permitir ao senhorio a obtenção de título executivo para pagamento das quantias em dívida a título de rendas, sem necessidade de intentar acção declarativa prévia, tendo em vista o reconhecimento do seu direito de crédito.
7.º A exigência, constante do artigo 14.°-A do NRAU, de obrigar o senhorio a comunicar ao arrendatário o montante em dívida visa, única e exclusivamente, obrigar o primeiro a liquidar as quantias cujo pagamento peticionará em sede de execução, de modo a dar cumprimento à letra do artigo 716.° do CPC.
8.º Não pode, em caso algum, proceder o argumento do Tribunal a quo de que o fiador não consta do título executivo, visto que está que o fiador outorgou o contrato de arrendamento nessa mesma qualidade e, ademais, com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia sendo que, por outro lado, foi-lhe comunicado o montante em dívida a titulo de rendas.
9.º O fiador é, assim, parte legítima no âmbito da presente execução, nos termos do disposto no artigo 53.° do CPC.
10.º O artigo 14.°-A do NRAU não visa determinar a legitimidade daqueles que podem vir a figurar como executados no âmbito de uma acção executiva para pagamento de quantia certa mas, outrossim, elencar os requisitos cuja observância se mostra necessária para que se forme titulo executivo, conforme prescrito na alínea d) do n.° 1 do artigo 703.° do CPC.
11.º Dado que despareceu a figura jurídica da fiança do locatário, que se encontrava prescrita no artigo 655.° do C.C, a fiança prestada no âmbito de um contrato de arrendamento passou a estar sujeita ás regras gerais constantes dos artigos 627.° e ss. do mesmo diploma legal.
12.º A fiança prestada no âmbito de um contrato de arrendamento comunga, assim, das características de acessoriedade e de subsidariedade de qualquer outra fiança.
13.º O fiador no contrato dos autos renunciou expressa e inequivocamente ao benefício da excussão prévia, pelo que a fiança por si prestada é solidária com a da arrendatária.
14.º Não pode colher o argumento de que admitir que o fiador fosse demandado no âmbito de uma acção executiva levaria a que este ficasse onerado por um regime processual especialmente gravoso.
15.º Ao outorgar num contrato na qualidade de fiador, sabe este (ou deve saber) quais as consequências de tal outorga, em particular, a sua vinculação a cumprir as obrigações do seu afiançado, nos termos prescritos no artigo 634.° do C.C.
16.º Não pode o fiador ignorar a (provável) possibilidade de vir a ser chamado a cumprir as obrigações do seu afiançado, à custa do seu património.
17.º Ao fiador assistem os direitos de usar os meios de defesa próprios e ainda os que competem ao devedor.
18.º O argumento de que o n.° 1 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 1/2013 apenas permite a propositura de um procedimento especial de despejo contra o arrendatário não permite, de forma alguma, concluir que não se admite que o fiador seja demandado no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa.
19.º Trata-se de dois meios processuais com âmbitos de aplicação e finalidades totalmente distintos - No primeiro caso, a cessação do contrato de arrendamento e a desocupação do locado por parte do arrendatário, no segundo o pagamento das quantias devidas a título de renda.
20.º Ao ter decidido como decidiu, o Tribunal a quo violou os artigos 53.° do CPC, 14.°-A do NRAU, 627.°, 631.°, 634.°, 637.°, n.° 1. 641.°, n.° 1 e 644.°, todos do C.C.
21.º Em face das razões supra aduzidas, deve ser concedido provimento à presente apelação e, em consequência, devem os autos de execução prosseguir também contra o fiador”.
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Admitido liminarmente o requerimento recursório e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , a única questão a decidir é a de saber:
A) Se a decisão de rejeição liminar da execução quanto ao executado AL…, por insuficiência de título executivo, deve ser revogada, por violação dos artigos 53.° do CPC, 14.°-A do NRAU, 627.°, 631.°, 634.°, 637.°, n.° 1, 641.°, n.° 1 e 644.° do CC?
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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso os elencados no relatório.
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4. Fundamentação de Direito:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso apresentado, apreciando a questão supra enunciada.
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A) Se a decisão de rejeição liminar da execução quanto ao executado AL…, por insuficiência de título executivo, deve ser revogada, por violação dos artigos 53.° do CPC, 14.°-A do NRAU, 627.°, 631.°, 634.°, 637.°, n.° 1, 641.°, n.° 1 e 644.° do CC?
Em conformidade, cumpre apreciar se a decisão que rejeitou o requerimento executivo, liminarmente, por insuficiência do título, quanto ao executado, se encontra correta ou se, ao invés, deve ser revogada, como pugna a recorrente.
O Tribunal recorrido, manifestando embora que se trata de “questão fracturante a nível doutrinário e jurisprudencial”, entendeu que não se formou título executivo, nos quadros do artigo 14.º-A do NRAU, relativamente ao executado, demandado como fiador do contrato de arrendamento mencionado nos autos.
Considerou-se na decisão recorrida, em resumo, os seguintes argumentos:
- Que “a extensão da formação de título executivo ao fiador não se compagina com o disposto nos art.°s 10°, n.° 5 e 54° do Código de Processo Civil, enquanto contempla que a execução seja dirigida contra quem não consta do título executivo como devedor, sendo certo que se trata de um título de feição complexa não se reduzindo ao contrato de arrendamento”;
- Que “resulta claro da alteração legislativa operada pela Lei n.° 31/2012, de 14 de Agosto e pela Lei n.° 13/2019 de 12.02, ao Regime do Arrendamento Urbano a vontade do legislador em não abranger outrem no âmbito subjectivo do título, mantendo inalterada a redacção do actual artigo 14°-A do NRAU quanto à “comunicação ao arrendatário.””;
- Que “em sede de Procedimento Especial de Despejo, o Decreto- Lei n.° 1/2013, de 7.01 institui no artigo 1°, n.° 7 que: “O pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso só pode ser deduzido contra os arrendatários e, tendo o arrendamento por objecto casa de morada de família, deve ser também deduzido contra os respectivos cônjuges.”, sendo “a fiança é um negócio que envolve um risco assaz elevado para o garante, muito maior até do que o contrato de arrendamento para o próprio inquilino, que, v.g, pode pôr termo ao contrato a todo o tempo, ao contrário daquele que não pode extinguir a fiança, nas mesmas circunstâncias. A sua vinculação fica inteiramente dependente da vontade (e do cumprimento) do inquilino. A esta responsabilidade do garante não deve corresponder um regime ainda mais agravado do ponto de vista processual” - vd. Rui Pinto, In “Manual da execução e do despejo”, Coimbra Editora, 2013, p. 1162 a 1165”.
Conclui o Tribunal recorrido que o título do artigo 14.º-A do NRAU apenas se pode formar contra o arrendatário e não contra o fiador que seja responsável pelo pagamento de rendas, considerando que, “tendo presente os ensinamentos expendidos quanto a esta matéria, entre outros, por Fernando Gravato de Morais, In “Falta de pagamento de rendas no arrendamento urbano”, Almedina 2010, p. 81; Miguel Teixeira de Sousa in “Leis do Arrendamento Urbano anotadas” Coordenação de António Menezes Cordeiro, Almedina 2014, p. 405-406 e Acórdãos da Relação do Porto de 24-04-2014, da Relação de Lisboa de 31.03.2009 e de 18.09.2014, Ac. da Relação de Guimarães de 25.06.2013, disponíveis em www.dgsi.pt., entre outros, forçoso se torna concluir que o artigo 14°-A do NRAU não prevê a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador”.
O recorrente, nos termos da alegação efetuada, entende diversamente, considerando que existe título executivo formado também contra o executado, contrapondo os seguintes argumentos:
- Que à arrendatária e ao fiador foram comunicados os montantes em dívida a título de rendas, mediante cartas registadas por estes oportunamente recebidas;
- Que o artigo 14.°-A do NRAU tem por escopo permitir ao senhorio a obtenção de título executivo para pagamento das quantias em dívida a título de rendas, sem necessidade de intentar acção declarativa prévia, tendo em vista o reconhecimento do seu direito de crédito;
- Que a exigência do artigo 14.°-A do NRAU, de obrigar o senhorio a comunicar ao arrendatário o montante em dívida visa, única e exclusivamente, obrigar o primeiro a liquidar as quantias cujo pagamento peticionará em sede de execução, de modo a dar cumprimento à letra do artigo 716.° do CPC;
- Que o fiador outorgou o contrato de arrendamento nessa qualidade e com expressa renúncia ao benefício da excussão prévia, sendo parte legítima na execução, nos termos do disposto no artigo 53.° do CPC;
- Que o artigo 14.°-A do NRAU não visa determinar a legitimidade daqueles que podem vir a figurar como executados no âmbito de uma acção executiva para pagamento de quantia certa, mas elencar os requisitos cuja observância se mostra necessária para que se forme titulo executivo, conforme prescrito na alínea d) do n.° 1 do artigo 703.° do CPC;
- Que dado que despareceu a figura jurídica da fiança do locatário, que se encontrava prescrita no artigo 655.° do C.C, a fiança prestada no âmbito de um contrato de arrendamento passou a estar sujeita ás regras gerais constantes dos artigos 627.° e ss. do mesmo diploma legal, comungando das características de acessoriedade e de subsidariedade de qualquer outra fiança, sendo que, o fiador no contrato dos autos renunciou ao benefício da excussão prévia, pelo que a fiança por si prestada é solidária com a da arrendatária;
- Que não colhe o argumento de que admitir que o fiador fosse demandado no âmbito de uma acção executiva levaria a que este ficasse onerado por um regime processual especialmente gravoso, sendo que, ao outorgar num contrato na qualidade de fiador, sabe (ou deve saber) as consequências de tal outorga, em particular, a sua vinculação a cumprir as obrigações do seu afiançado, nos termos prescritos no artigo 634.° do C.C., não podendo ignorar a (provável) possibilidade de vir a ser chamado a cumprir as obrigações do seu afiançado, à custa do seu património, assistindo-lhe os direitos de usar os meios de defesa próprios e ainda os que competem ao devedor;
- Que o n.° 1 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 1/2013 não permite, de forma alguma, concluir que não se admite que o fiador seja demandado no âmbito de uma execução para pagamento de quantia certa; e
- Que são dois meios processuais com âmbitos de aplicação e finalidades totalmente distintos - No primeiro caso, a cessação do contrato de arrendamento e a desocupação do locado por parte do arrendatário, no segundo o pagamento das quantias devidas a título de renda.
Vejamos:
A ação executiva pressupõe a prévia definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto.
Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução por a sua formação reunir requisitos que a lei entende oferecerem a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
O título executivo constitui um pressuposto processual específico da execução. É ele que determina o fim e os limites da ação executiva (art.º 10.º n.º 5 do CPC). Daí que a sua falta ou insuficiência constitua fundamento para a recusa do requerimento executivo pelo agente de execução (art.º 725.º n.º 1 alínea d) do CPC), para o indeferimento liminar do requerimento executivo pelo juiz (art.º 726.º n.º 2 alínea a) do CPC), para ulterior rejeição oficiosa da execução (art.º 734.º n.º 1 do CPC) e para oposição à execução (artigos 729.º n.º 1 alínea a) e 731.º do CPC).
O CPC em vigor, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, infletiu o sentido de ampla executoriedade de documentos consagrada no anterior CPC, retirando a exequibilidade aos documentos particulares, com ressalva dos títulos de crédito (vide art.º 46.º n.º 1 al. c) do anterior CPC e art.º 703.º n.º 1 do atual CPC).
Visou-se contrariar o aumento exponencial de execuções e o risco de execuções injustas, por ausência de controlo prévio sobre o crédito invocado e de contraditório (cfr. Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, que deu origem ao novo CPC).
A executoriedade de documentos particulares está, atualmente, dependente de disposição legal especial, que lhes atribua força executiva (cfr. n.º 2 do art.º 703.º do CPC).
Uma dessas disposições legais especiais, que conferem força executiva a documentos particulares, é a que se contém no n.º 1 do artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU, diploma aprovado pela Lei 6/2006 de 27/2, objeto de alteração pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto e, novamente, pela Lei n.º 79/2014, de 19 de Dezembro) que estabelece que: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente ás rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Esta norma tem como sua antecessora o art.º 15.º n.º 2 do NRAU (na sua versão originária) onde se dispunha:
“Título executivo
1 - Não sendo o locado desocupado na data devida por lei ou convenção das partes, podem servir de base à execução para entrega de coisa certa:
a) Em caso de cessação por revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no nº 2 do artigo 1082º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável por ter sido celebrado para habitação não permanente ou para fim especial transitório, o contrato escrito donde conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no artigo 1097º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado dos comprovativos das comunicações previstas na alínea c) do artigo 1101º do Código Civil e no artigo 1104º do mesmo diploma;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no nº 1 do artigo 1084º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos do nº 5 do artigo 37º ou do nº 5 do artigo 43º, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário.
2 - O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-03-2019 (Pº 4957/18.7T8SNT-B.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS), sobre a alteração efetuada do artigo 15.º, n.º 2, do NRAU na sua versão inicial, para o actual e vigente artigo 14.º-A, que: “É fácil perceber que com a nova redacção o legislador teve o cuidado de ser mais rigoroso, passando a utilizar a expressão “…título executivo para execução para pagamento de quantia certa…” em vez “…título executivo para acção de pagamento de renda…”. Além disso, ampliou o leque de prestações susceptíveis de constituírem causa debendi constantes do título: alargou-o aos encargos e despesas que corram por conta do arrendatário”.
O normativo em apreço refere-se a um título executivo de feição complexa, integrado por dois elementos corpóreos: o contrato de arrendamento escrito e o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida (assim, a decisão sumária proferida neste Tribunal da Relação de Lisboa, datada de 12-12-2008, P.º 10790/2008-7, TOMÉ GOMES).
A questão que se coloca é a da de saber se o título executivo previsto no artigo 14.º-A do NRAU, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, com o aditamento resultante da Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto - que corresponde ao anterior artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal - se aplica e gera apenas relativamente ao arrendatário ou se vincula também os fiadores que tenham intervindo no contrato de arrendamento?
A questão em apreço já foi objecto de intensa análise doutrinária e jurisprudencial, verificando-se acentuada divergência.
Em termos doutrinários, Fernando Gravato de Morais (Falta de pagamento de renda no arrendamento urbano; Almedina, 2010, pp. 77-81; Cadernos de Direito Privado, Julho/Setembro 2009, n.º 27, CEJUR, pp. 57-63, e “A jurisprudência no triénio posterior à entrada em vigor do NRAU”, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Luís Alberto Carvalho Fernandes”, Vol. I, Direito e Justiça, UCP, 2011, pp. 512-513) pronunciou-se no sentido de que, do texto do artigo 15º, nº 2 do NRAU (antes da alteração introduzida pelo actual artigo 14º-A), apenas se pode afirmar uma tendência no sentido da não aplicabilidade ao fiador, dado o preceito ter sido pensado apenas para o arrendatário, revelando contudo dúvidas quanto à interpretação da norma.
Entende o mencionado Autor que o preceito em questão se insere num normativo destinado, essencialmente, a proteger os interesses do senhorio perante o arrendatário, sendo esse o contexto da lei, expresso no amplo leque de casos do n.º 1 do artigo 15.º do NRAU, na sua versão originária.
No mesmo sentido, Rui Pinto (Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pp. 1164-1165), Soares Machado e Regina Santos Pereira (Arrendamento Urbano (NRAU), 3.ª ed., Petrony, 2014, pp. 281 e 284) e Teixeira de Sousa (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, coordenação de Menezes Cordeiro, AAVV, 2014, p. 406) excluem o fiador do âmbito e alcance do artigo 14º-A do NRAU, na redação em vigor (correspondente ao artigo 15.º, n.º 2, do NRAU na versão de 2006), afirmando a natureza restritiva das normas que prevêem categorias de títulos executivos, limitados em relação a uma interpretação não literal.
No plano jurisprudencial o dissêndio também se verifica.
Assim, por um lado, manifestando-se no sentido de que o título executivo em questão, previsto no artigo 14.º-A do NRAU, é restrito ao arrendatário, não se estendendo ao respectivo fiador ainda que tenha intervindo no contrato de arrendamento e renunciado ao beneficio de excussão prévia, vd. os seguintes arestos (todos disponíveis nas bases de dados da DGSI e ECLI):
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2007 (Pº 7685/2007-6, rel. JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 31-03-2009 (Pº 2150/08.6TBBRR.L1-7, rel. ANA RESENDE);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-09-2014 (Pº 6126/12.0TCLRS.L1-2, rel. EZAGUY MARTINS);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-03-2018 (P.º 1457/15.0T8ACB-A.C1, rel. ALBERTO RUÇO);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-04-2014 (Pº 869/13.9YYPRT.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02-12-2019 (Pº 8820/18.3T8PRT-A.P1, rel. MANUEL DOMINGOS FERNANDES);
Ao invés, posicionando-se no sentido de que o título executivo se forma também relativamente ao fiador, vd. entre outros, as seguintes decisões (todas disponíveis nas bases de dados da DGSI e ECLI):
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2014 (Pº 1442/12.4TCLRS-B.L1.S1, rel. GRANJA DA FONSECA);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-11-2012 (Pº 1105/12.0YRLSB-2, rel. ONDINA CARMO ALVES);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13-11-2014 (Pº 7211/13.7YYLSB-B.L1, rel. CARLOS MARINHO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22-10-2015 (Pº 4156-13.4TBALM-B.L1-8, rel. RUI DA PONTE GOMES);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17-05-2016 (Pº 13257/15.3T8LSB-A.L1-7, rel. MARIA DO ROSÁRIO MORGADO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-06-2016 (Pº 5356/12.0TBVFX-B.L1-7, rel. LUÍS ESPIRITO SANTO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-10-2016 (Pº 4960/10.5TCLRS.L1-6, rel. EDUARDO PETERSEN SILVA);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10-11-2016 (Pº 4633/08.9YYLSB-B.L1-2, rel. VAZ GOMES)
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23-02-2017 (Pº 6165-14.7YYLSB-B.L1-8, rel. ISOLETA ALMEIDA COSTA);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-01-2018 (Pº 10087-16.9T8LRS-B.L1-6, rel. CRISTINA NEVES);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-02-2019 (Pº 11637/18.1T8LSB.L1-7, rel. DIOGO RAVARA);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-03-2019 (Pº 15962/17.0T8LSB-A.L1-7, rel. CRISTINA COELHO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-03-2019 (Pº 4957/18.7T8SNT-B.L1-6, rel. ADEODATO BROTAS);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-09-2019 (Pº 6298/13.7TBVFX.L1-6, rel. ANA PAULA CARVALHO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-11-2019 (Pº 1866/17.0T8ALM-A.L1-6, rel. TERESA PARDAL);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-04-2009 (Pº 7864/07.5TBLRA-B.C1, rel. SÍLVIA PIRES);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04-06-2019 (Pº 7285/18.4T8CBR-B.C1, rel. LUÍS CRAVO);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 12-05-2009 (Pº 1358/07.6YYPRT-B.P1, rel. GUERRA BANHA);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23-06-2009 (Pº 2378/07.6YYPRT-A.P1, rel. CÂNDIDO LEMOS);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-10-2009 (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Pº 2789/09.2YYPRT.P1, rel. HENRIQUE ANTUNES);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2010 (Pº 3913/08.8TBGDM-B.P1, rel. RODRIGUES PIRES);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-05-2011 (Pº 515/10.2TBMAI-A.P1, rel. RUI MOURA);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 18-10-2011 (Pº 8436/09.5TBVNG-A.P1, rel. CECÍLIA AGANTE);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-03-2013 (Pº 8876/09.7TBMAI-A.P1, relatora Anabela Dias da Silva);
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06-03-2018 (Pº 13535/14.9T8PRT-A.P1, rel. ANA LUCINDA CABRAL);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 29-05-2012 (Pº 579/09.1YYPRT-A.G1, rel. MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO);
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-02-2018 (Pº 8529/15.0T8VNF-B.G1, rel. MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA).
Ponderada a situação em apreço e as inevitáveis dúvidas decorrentes de tão ampla divergência, designadamente jurisprudencial, afigura-se-nos ser de perfilhar este último entendimento.
Neste ponto, parecem-nos inteiramente válidas as considerações expendidas no Acórdão deste Tribunal de 07-06-2016 (Pº 5356/12.0TBVFX-B.L1-7, rel. LUÍS ESPIRITO SANTO) sobre as razões que justificam esta posição e que ora se reproduzem.
Assim:
“(…) A norma em análise – o artigo 14º-A do NRAU (bem como o antecedente artigo 15º, nº 2, do mesmo diploma legal) – não identifica concretamente o sujeito contra o qual se formou o título executivo, não aludindo à pessoa do arrendatário ou à do fiador.
Refere, apenas que “o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da notificação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas (…)”.
Trata-se de um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva, nos termos da alínea d) do nº 1, do artigo 703º do Código de Processo Civil.
É, portanto, neste quadro de especialidade e excepcionalidade que terá que ser entendida e enquadrada a formação do título executivo em referência.
O artigo 10º, nºs 4 e 5, do Código de Processo Civil, estabelecendo que o título executivo constitui a base que determina o fim e os limites da acção executiva, legitima o exequente a obter, nessa sede, a realização de uma obrigação que lhe é devida, sem necessidade de prévia instauração de acção declarativa.
Consistindo o título executivo no contrato de arrendamento celebrado, complementado com a comunicação ao arrendatário (e ao fiador) do montante em dívida, é absolutamente compreensível e expectável que a obtenção da realização da obrigação devida ao senhorio – o pagamento das rendas vencidas – possa advir, nesta sede, do conjunto dos responsáveis pelo incumprimento e que se assumiram, enquanto tais, no próprio título exequendo: o arrendatário e o seu garante, que nessa mesma específica qualidade aceitou e subscreveu o documento agora dado à execução.
Concordantemente, lei não refere nem sugere, em momento algum, em termos restritivos, que este título especial só deva ter eficácia executiva contra o arrendatário.
Na situação sub judice, tendo existido comunicação válida aos fiadores, é indiscutível que os mesmos figuram, enquanto verdadeiros e próprios obrigados, no título complexo que serve de base à execução para pagamento de quantia certa (as rendas vencidas e não pagas).
Não cremos, portanto, que existam razões sérias e bastantes para os excluir do processo executivo, no qual poderão, naturalmente, exercer os mais amplos direitos de defesa – tal como sucederia na acção declarativa, a intentar com o mesmo objecto essencial e prosseguindo idêntico finalidade mediata.
O conteúdo da responsabilidade do fiador, sendo própria e autónoma, molda-se sobre o da pessoa afiançada, nos termos gerais dos artigos 627º, nº 1 e 634º do Código Civil.
Trata-se de uma posição pessoal de garante, a título acessório, do cumprimento da obrigação assumida pelo devedor principal.
Conforme salienta Luís Menezes Leitão, in “Garantia das Obrigações”, a página 108, “a fiança resulta sempre ou de um contrato entre o fiador e o credor, ou de um contrato entre o fiador e o devedor que, nesse caso, revestirá a natureza de contrato a favor de terceiro (…) Apesar de a fiança ser normalmente originada num contrato entre duas partes, ela é sempre elemento de uma relação triangular entre o fiador, o credor e o devedor”.
As características e o regime jurídico da fiança (mormente o preceituado nos artigos 627º, nº 2, 631º, 632º e 637º do Código Civil) não prejudicam, de modo algum, a possibilidade de criação, quanto ao fiador, de um título a que a lei especialmente confira força executiva, conforme é precisamente o caso do citado artigo 14º-A do NRAU, relativamente ao não pagamento das rendas vencidas no contrato de arrendamento.
Não se trata, nesta situação, da constituição de um título executivo (contra os garantes) por mera notificação extrajudicial, atendendo a que o contrato de arrendamento, enquanto mero documento particular, não revestiria, por si, a qualidade de título executivo (questão abordada no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Novembro de 2007 -relator José Eduardo Sapateiro).
Diferentemente, neste particular, o legislador quis consagrar um título a que, em especial, atribuiu força executiva (cfr. artigo 703º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil), conferindo-lhe uma específica e inconfundível natureza e alcance.
Como se referiu, esse mesmo título, de natureza complexa, é composto pelo contrato de arrendamento e pela notificação ao arrendatário (e ao fiador) quanto aos montantes em dívida.
A situação do fiador, enquanto executado, é neste contexto precisamente similar à do próprio arrendatário: ambos figuram no contrato de arrendamento; ambos são responsáveis pelo pagamento das rendas vencidas; de ambos pode o credor senhorio exigir tal pagamento.
Logo, o título executivo criado ex novo, com foros de especialidade, protegendo primordialmente o interesse do senhorio, deve valer contra ambos.
A tal não se opõe o regime substantivo da fiança que, nos termos do artigo 634º do Código Civil, prevê que a responsabilidade do fiador cubra as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, indiciando a própria desnecessidade da sua interpelação (sobre este ponto, vide, entre outros, a decisão singular do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Dezembro de 2008 – relator Tomé Gomes).
Na situação sub judice, como se disse, os executados fiadores tiveram intervenção pessoal e directa no contrato de arrendamento que constitui um dos documentos base que serve de suporte à presente execução.
São, portanto, directamente responsáveis pelas consequências patrimoniais associadas ao incumprimento pelo arrendatário quanto à sua obrigação básica do pagamento pontual da renda estabelecida, tendo-lhes sido comunicado previamente, através de notificação judicial avulsa, o montante em dívida a este título.
Não se vislumbra, portanto, tomando em consideração o regime substantivo correspondente à figura da fiança, qualquer motivo suficientemente forte e relevante para não devam ser abrangidos pela previsão do artigo 14º-A do NRAU (e do artigo 15º, nº 2 do regime antecedente).
– Afigura-se-nos absolutamente inócuo, para estes efeitos, que a anterior disposição legal aplicável previsse, no respectivo artigo 15.°, nº 2: “O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida".
A alteração introduzida pelo actual artigo 14º-A limitou-se a acrescentar, no âmbito da abrangência da norma, “os encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário”, sem bulir com o essencial da sua previsão: a possibilidade do senhorio, após haver notificado o devedor ou devedores, partir de imediato para a acção executiva, sem as delongas associadas à instauração prévia da acção declarativa com vista ao reconhecimento do seu crédito.
Não é pelo facto da norma se ter tornado mais abrangente, reforçando a tutela dos direitos do locador face ao incumprimento do locatário, que daí vem a resultar qualquer tipo de exclusão de responsabilidade, em sede executiva, do fiador do inquilino.
A ausência de referência formal – preto no branco – à figura do fiador na letra do artigo 14º-A do NRAU, não é, só por si, susceptível de desarmar o senhorio relativamente à possibilidade de investida executiva contra o garante pelo cumprimento das obrigações do arrendatário.
É a própria norma a conferir a natureza de título executivo ao contrato de arrendamento, conjugado com a subsequente comunicação pessoal da dívida, o que levará razoavelmente a entender, coerente e logicamente – perscrutando, deste modo, a intenção legislativa -, a responsabilização, directa e pessoal, de todos e cada um dos sujeitos obrigados nesse mesmo título: quer o arrendatário, quer o fiador que aí figure.
A referenciada circunstância de o artigo 14º-A não haver alterado substancialmente o que anteriormente dispunha o antecedente 15º, nº 2, quando o assunto já teria sido objecto de discussão e entendimentos divergentes, constitui um argumento manifestamente débil e inconsistente.
Com efeito, a intervenção legislativa não tem de pautar-se necessariamente pela função pedagógica, clarificadora ou uniformizadora do sentido das normas cuja interpretação gere controvérsia. Não é isso que se pede ou que se espera do legislador. Se norma antecedente já revelava o sentido e alcance que ora se propugna, era totalmente dispensável e inapropriada a interpretação autêntica realizada, enviesadamente, por esta via omissiva ou inerte.
É perfeitamente normal que o Decreto-lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro, no seu artigo 7º, obrigue a que o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso só possa ser deduzido contra o arrendatário e não contra o fiador.
Note-se que o objectivo fundamental desse diploma de natureza especial é a cessação do arrendamento e a desocupação célere do locado, em termos particularmente simples e eficazes, procurando-se obstar a invocação de qualquer matéria que, tornando mais complexa a lide, inviabilize ou dificulte esse concreto desiderato.
Já o título executivo que serve de base a execução com vista ao pagamento de quantia certa envolve outro tipo de objectivos: a eficaz obtenção pelo credor dos montantes pecuniários – expressos no título complexo (arrendamento e comunicação) - que lhe são devidos, em relação àqueles que se constituíram como seus devedores através da subscrição desses documentos.
Pelo não é legítimo retirar dessa circunstância, respeitante ao citado artigo 7º do Decreto-lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro, qualquer outro tipo de ilação para a discussão que nos ocupa, uma vez que um dos diplomas não contende nem interfere com o alcance e propósitos do outro.
Não se compreende que a pretensa debilidade/fragilidade do fiador ou o seu maior risco – relativamente ao afiançado – aconselhe (interpretativamente) a deixá-lo de fora do título executivo assim formado.
O fiador é responsável directo e pessoal, enquanto garante, pelas obrigações incumpridas pelo afiançado no que se refere ao não pagamento pontual das rendas vencidas. Terá ao seu dispor os meios de defesa que assistem ao afiançado.
Ao assumir-se, livre e voluntariamente, como fiador, e havendo subscrito o contrato nessa qualidade particular, não pode invocar, em termos razoáveis, que não esperasse ou antevisse a eventualidade/probabilidade de ser chamado a responder pela obrigação típica do arrendatário que fora incumprida.
É normal e compreensível que o faça na própria sede executiva, ao lado daquele em cujo interesse se atravessou, assumindo a sua própria e autónoma responsabilidade, embora decalcada na daquele.
A circunstância de a vinculação do fiador ficar inteiramente dependente da vontade e do cumprimento do afiançado, neste caso o inquilino, constitui uma característica absolutamente natural na lógica do regime jurídico inerente ao funcionamento da figura da fiança.
De resto, é precisamente isso o que significa ser garante do cumprimento da obrigação de outrem.
O artigo 637º, nºs 1 e 2 do Código Civil, confere ao fiador a possibilidade de invocação de todos os meios de defesa, os próprios e que os competiriam ao afiançado, salvo se forem incompatíveis com a obrigação do fiador.
Este recorte essencial do regime da fiança – responsabilidade até ao limite do conteúdo da obrigação principal (artigo 631º, nº 1 do Código Civil) e abrangência quanto às consequências contratuais da mora (artigo 634º do Código Civil) – nada tem a ver com os meios que a lei entenda disponibilizar ao senhorio, enquanto credor do direito às rendas vencidas.
A pretensa fragilidade da posição jurídica do fiador não obriga, por si só, à opção por um regime menos agravado (a acção declarativa em vez da executiva) do ponto de vista processual.
De resto, a própria constituição da fiança constitui, na maior parte das situações, a melhor e mais sólida garantia concedida ao senhorio no sentido da salvaguarda da efectivação do direito básico neste relacionamento negocial: o recebimento pontual da renda.
Fará sentido obrigá-lo a desdobrar os procedimentos processuais – ao jeito de via sacra - para obter a prestação que, no mesmo circunstancialismo de facto, lhe foi expressamente assegurada, por ambos os intervenientes contratuais?
– No mesmo sentido, não pode aceitar-se o argumentário de que “só o arrendatário está em condições de controlar a veracidade do conteúdo da comunicação e deduzir oposição”.
É evidente que o fiador, tendo querido assumir - e assumido de facto - a obrigação pessoal de garante, terá que diligenciar pela sua própria defesa, sem se escudar nos conhecimentos privados do seu afiançado, a que poderá ter, ou não, acesso.
É um problema exclusivo do fiador com o qual o senhorio, credor da importância exequenda, nada tem a ver.
Sempre se dirá que, normalmente, a constituição de fiança tem na base numa relação muito próxima (familiar, de amizade, ou outra) que facilmente permite, na maior parte das situações, reunir os elementos necessários para sindicar a veracidade da comunicação e congregar todos os meios de defesa.
Acrescente-se, ainda, que este tipo de conhecimento - eventualmente distanciado – refere-se a um facto de natureza objectiva e de comprovação relativamente simples: o pagamento, ou não, pontual da renda exigível.
Não colhe a argumentação de que o regime do NRAU já consagra casos de multiplicidade de acções, como sucede relativamente ao pedido de rendas, cumulado com a indemnização prevista à luz do artigo 1045º, nº 2 do Código Civil.
Com efeito, se há casos em que se compreende que não seja possível dispensar a discussão e reconhecimento do direito subjectivo na acção declarativa própria, inviabilizando a possibilidade de recurso imediato à acção executiva, tal não constitui razão suficientemente forte para restringir o âmbito da execução nas situações – como o presente – em que a formalização da obrigação devida ao senhorio, permitindo responsabilizar o arrendatário, deve logicamente produzir tal efeito relativamente ao seu garante e co-responsável, sem prejuízo do exercício dos direitos de defesa em sede de oposição à execução.
A exclusão do fiador do âmbito do título executivo obrigará, quanto a uma matéria normalmente linear – pagou ou não pagou a renda vencida – a uma inconveniente e indesejável duplicação de meios processuais, com todos os riscos inerentes, sacrificando-se o credor, em termos de custos e tempo, quando os tão proclamados valores da economia e agilização de actos e ritos, bem como da eficiência e do prestígio do funcionamento da instituição judiciária, imporiam, obviamente, a resolução conjunta, célere e global, desta questão jurídica, sem mais desdobramentos ou compassos de espera inúteis, injustificados e inconsequentes.
De resto, o entendimento oposto ao que se perfilha conduz a colocar em crise o próprio alcance prático da fiança – que existe fundamentalmente para servir o interesse do credor, que vê nela a sua garantia mais real e eficaz -, uma vez que o senhorio seria sistematicamente levado a accionar executivamente, em primeiro lugar, apenas o inquilino.
A eventual execução contra fiador, após a demorada demanda declarativa (com os custos associados), só aconteceria muito mais tarde, desfasadamente, num momento em que o crédito já se encontraria satisfeito ou em que se teria entretanto consolidado negativamente – quiçá de forma irrecuperável – o arrastado e ininterrupto prejuízo económico para o (virtual) beneficiário da fiança”.
Como resulta do que vem sendo referido, a norma em apreço não é restritiva ao arrendatário, sendo que para haver título executivo contra o fiador será necessário obter-se o comprovativo da comunicação a este, para que não ocorra execução sem, previamente, o fiador saiba que a obrigação do arrendatário se venceu e lhe é exigível a si o pagamento.
A lógica tem de se encontrar nas circunstâncias da própria elaboração da reforma do NRAU e nas finalidades a que se propôs o legislador, nomeadamente a procura pela flexibilização do mercado do arrendamento, a agilização nos procedimentos para a recuperação do gozo arrendado, entre outras.
Concluindo: A norma do artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU não se encontra restringida ao arrendatário, entendendo-se, sem se efetuar qualquer interpretação analógica, que é passível a formação de título executivo contra o fiador que tenha intervindo no contrato sem que haja a necessidade de, previamente, o locador ver o direito contra este reconhecido em ação declarativa contra ele instaurada.
Assim, perfilhando-se este entendimento, conclui-se que se mostra possível a formação de título executivo, nos termos do n.º 1, do artigo 14.º-A do NRAU, quer contra o arrendatário, quer contra o fiador, desde que, para tal, sejam observadas as demais condições legais para que tal formação se concretize, a saber: a) A junção de contrato de arrendamento; b) A junção de comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida; c) Que ao fiador seja dada a conhecer tal comunicação.
Foi, aliás, esta a orientação seguida no Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa, de 05-11-2020, desta 2.ª Secção Cível, emitido no processo n.º 11006/14.2T8LSB-A.L1 e relatado pelo ora relator, onde se concluiu, nomeadamente, que:
“(…) III) O artigo 14.º-A do NRAU refere-se a um título executivo de feição complexa – integrado pelo contrato de arrendamento escrito e pelo documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante dos valores em dívida, decorrentes do contrato de arrendamento – o qual pode ser gerado, quer face ao arrendatário, quer face ao fiador, desde que, para tal, sejam observadas as condições legais para o efeito, a saber: a) A junção de contrato de arrendamento; b) A junção de comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida; c) Que ao fiador seja dada a conhecer tal comunicação.
IV) A execução para pagamento de quantia certa baseada no título executivo a que se refere o mencionado artigo 14.º-A do NRAU pode respeitar às rendas, aos encargos e/ou às despesas que corram por conta do arrendatário, considerando-se aí compreendidas as rendas que se vencerem desde a comunicação efectuada ao arrendatário até à entrega efectiva do locado e a indemnização prevista no artigo 1045.º, n.º 1, do CC, cuja liquidação depende de uma operação de simples cálculo aritmético, a ser realizada pelo exequente no requerimento executivo (…).”.
No presente caso, do requerimento executivo dos autos resulta que o exequente instaurou acção executiva para obter o pagamento das rendas não pagas pela executada/arrendatária e reclamando a quantia exequenda também do fiador, tendo junto, para tanto, o contrato de arrendamento, as cartas dirigidas à arrendatária e ao fiador, com a comunicação dos valores em dívida, bem como, os comprovativos do envio e recepção de tais correspondências, por estes.
Assim, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, comprovada se encontra a formação do título executivo complexo em questão relativamente a ambos os executados, que subscreveram no contrato de arrendamento na qualidade de arrendatária – a executada – e de fiador – o executado, detendo ambos legitimidade passiva na presente execução – cfr. artigos 53.º, n.º 1, 703.º, n.º 1, al. d), do CPC e artigo 14.º-A, n.º 1, do NRAU.
A decisão recorrida deve, pois, ser revogada e substituída pela presente que, verificando a liminar existência do título executivo, determine o prosseguimento da execução relativamente a ambos os executados, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.
A apelação deduzida deverá, em consequência, ser julgada procedente.
*
Tendo a exequente (apelante) visto integralmente provido o recurso que deduziu, não ficou vencida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC. Por sua vez, os executados – à data do despacho recorrido proferido, não citados – eram alheios à sorte do recurso, não lhes podendo ser oposto o critério da causalidade tributária.
Inexistindo norma que dispense tributação, em conformidade com o princípio geral de tributação ínsito no artigo 1.º, n.º 1, do RCP, deve ser apurada a responsabilidade tributária decorrente da instância gerada e do facto de se ter desenvolvido actividade jurisdicional relevante para efeitos de custas, dos eventuais encargos assumidos e das custas de parte que poderá ter determinado.
Todavia, no momento em que é proferido o acórdão, não é possível afirmar que o desfecho da apelação, ainda que revogando o decidido em 1ª instância, se reflecte negativamente na esfera dos executados, em termos do seu decaimento e, por outro lado, o “proveito” do recurso não é, por ora, encontrado na esfera destes, não lhes sendo favorável a revogação da decisão (implicando o prosseguimento dos autos) e tal decisão não se reflete diretamente na sua esfera (tendo a questão que a motivou um caráter preliminar à sua intervenção nos autos).
Na situação em apreço, porque se está perante uma decisão interlocutória, a decisão que se impõe é a de relegar a decisão sobre a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso para aquela que decida sobre a responsabilidade tributária da decisão final.
O critério da causalidade (tal como enunciado na previsão contida no n.º 2 do artigo 527.º do CPC) adquirirá, relativamente a esta instância interlocutória, plena operatividade quando for conhecida a parte vencida da causa principal, a parte vencida da decisão nuclear e final do processo, podendo encontrar-se, nesse momento, aquele a quem deva ser imposta a obrigação de custas - no sentido de que se enquadra no iter processual que conduzirá a uma decisão final sobre o mérito do litígio (da acção e, eventualmente, da reconvenção) – e que permite patentear, ainda que em ulterior momento, a quem é imputável a instância recursória ora julgada (cfr., neste sentido, o Acórdão deste Tribunal e Secção, de 06-02-2020, Pº 2775/19.4T8FNC-A.L1-2).
Assim, a responsabilidade tributária inerente deverá ser suportada pela parte vencida a final.
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5. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem o tribunal coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido de 12-10-2019, substituindo-o pela presente decisão que, verificando a liminar existência do título executivo, determina o prosseguimento da execução relativamente a ambos os executados, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique e registe.
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Lisboa, 17 de dezembro de 2020.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes