Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15056/16.6T8LSB.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FUNDAMENTO PARA A INTERRUPÇÃO DA AUDIÊNCIA
DEPOIMENTO DE PARTE
DECLARAÇÕES DE PARTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1. Da conjugação dos artºs 650º, nº4, 651º, 654º e 656º,nº2 , todos do CPC , imperioso é concluir que, o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas , excepcionalmente, admite já em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.

2. A falta, justificada, da parte que haja requerido a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, deve consubstanciar fundamento para a interrupção da audiência, pois que, estando impossibilitada de comparecer, e , consequentemente de exercer um direito que lhe assiste [ cfr. nº1, do artº 466º, do CPC ], não se descortina existir fundamento pertinente que obste à interrupção da audiência tendo em vista possibilitar-lhe a prestação de declarações de parte já requeridas e deferidas.

3. De resto, não se descortina existir fundamento legal que permita distinguir [ em termos discriminatórios e desiguais ] a prova por depoimento de parte da prova por declarações de parte, a ponto de, permitindo o primeiro a interrupção da audiência para que seja prestado , já as segundas o não permitiriam.

4. No seguimento do referido em 4.1 a 4.3., e ao não interromper a audiência de modo a possibilitar a sua continuação em nova data de forma a possibilitar a prestação do meio de prova pela autora requerido ( prova por declarações de parte ), em última análise incorreu o tribunal a quo na prática de irregularidade que, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade ( cfr. art.º 195º, n.º1, do CPC).

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


A , intentou acção declarativa, com forma de processo comum, contra B [ ARMAZÉNS, S.A]  e C [ COMPANHIA DE SEGUROS …, S.A.] , pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento de uma indemnização no valor global de €101.948,57, sendo:
- €100.000,00 ,a título de compensação pelos danos não patrimoniais;
- €1.948,57 , a título de reparação pelos danos patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a data da citação e até ao efectivo e integral cumprimento.
1.1. - Para tanto, fundamentou a Autora o pedido de condenação das R.R. , e , em síntese , na seguinte factualidade :
- Quando às compras em estabelecimento da 1ª Ré, sofreu uma queda no chão em razão de se encontrar um talo de hortaliça no qual escorregou;
- Em consequência da referida queda, veio  a sofrer lesões físicas, sendo que, após cura das mesmas, ficou ainda assim a padecer de sequelas físicas permanentes;
- A queda da autora é da responsabilidade da 1ª Ré, pois que sobre si recaia a obrigação de manter o seu estabelecimento em condições de segurança para todos os seus clientes;
- Tendo padecido de danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência da queda sofrida, sobre as RR incide a obrigação de os reparar/indemnizar.

1.2. Citadas ambas as RR, qualquer uma delas contestou, no essencial apresentando oposição por impugnação motivada , e impetrando que a acção seja julgada como improcedente.
A 1ª Ré B, deduziu ainda defesa por excepção, invocando ter transferido para Companhia Seguradora a sua responsabilidade pelo sinistro, razão porque forçosa é a respectiva absolvição da instância.

1.3. Designada ( por despacho de 3/10/2016 ) data para a realização ( em 13/2/2017 , pelas 14,00 horas ) de uma audiência prévia, na mesma [ e à qual não comparecerem os mandatários da Autora e da Ré Seguradora, mas que não foi objecto de adiamento ] proferiu-se despacho saneador [ o qual absolveu da instância a 1ª Ré B ], identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas de prova, não tendo sido apresentadas quaisquer reclamações .
Ainda em sede de audiência prévia, foi proferido despacho a admitir as declarações de parte da autora, o rol de testemunhas da autora e Ré seguradora- ambos apresentados com a petição e contestação - , designando-se a data de 28/9/2017 para a audiência de discussão e julgamento .

1.4. Finalmente, realizada e concluída a audiência de discussão e julgamento em 28/9/2017 [ à qual não compareceram a autora e mandatário, e as testemunhas da autora , mas que não foi objecto de adiamento, não obstante em 27/9/2017 ter a autora atravessado nos autos requerimento a solicitar o adiamento da audiência, fundado em justo impedimento, porque impedida de comparecer em razão de na data designada estar impedida em exame/consulta médica ], e conclusos os autos para o efeito, foi em 4/10/2017 proferida sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor :
“ (…)

IV-DECISÃO
Pelo exposto,
julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno a Ré C a pagar à Autora a quantia de €12.223,59, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, devidos, sobre a quantia de €223,59, desde a citação e, sobre a quantia de €12.000,00, desde a presente data, até integral pagamento, absolvendo a do mais peticionado.
Custas pela Autora e pela Ré Allianz na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”

1.5. Não se conformando com a decisão/sentença do tribunal a quo, e identificada em 1.4., da mesma apelou então a Autora A formulando no instrumento recursório apresentado as seguintes conclusões :
1.-Em tese geral, conclui a recorrente no sentido de que a decisão impugnada carece de fundamento legal e é violadora do regime aplicável à matéria da prova em fase de julgamento, bem como ao quadro jurídico determinativo do regime de compensação indemnizatória por danos patrimoniais.
2.-Com a decisão de manutenção do julgamento após a apresentação do requerimento de adiamento, o qual foi imediatamente acompanhado do competente documento justificativo da necessidade de submissão da recorrente a tratamento de doença oncológica grave que entretanto lhe foi detectada, o tribunal a quo não teve em conta o regime contido no artigo 603.º, n.º 1 do CPC, que permite o adiamento da audiência se ocorrer motivo que constitua justo impedimento, do mesmo modo que ignorou a própria definição legal oferecida no artigo 140.º, n.º 1, do CPC, que define como "justo impedimento" o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.
3.-Com a decisão de manutenção do julgamento após a apresentação do requerimento de adiamento, subscrito ou aderido pelos Mandatários de todas as partes, o tribunal a quo ofendeu o regime legal contido no artigo 603.º , n.º 1, do CPC, uma vez que lhe competia adiar o julgamento, perante a falta de advogado, pois que a Senhora juiz em causa não providenciou pela marcação mediante acordo prévio.
4.-Com a decisão de manutenção do julgamento após a apresentação do requerimento de adiamento, a decisão a quo não respeitou o pedido de tomada de declarações de parte da recorrente - apesar de considerar a sua falta "justificada" - ignorando tratar-se de um meio de prova processualmente admissível e que o tribunal não lhe podia coarctar, pelo que assim ofendeu, de forma inaceitável o regime previsto no artigo 466º, do CPC, que ostensiva e injustificadamente colocou em causa.
5.-Ao manter o julgamento, sem a possibilidade de produção de prova testemunhal ou de prova documental que pretendia a recorrente oferecer no acto, e sem a possibilidade concomitante de, produção de prova por confissão das partes (depoimento de parte) ou de prova por declarações de parte ,o tribunal a quo violou o princípio da proibição das decisões-surpresa referido no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, violou o princípio do dever de gestão processual referido no artigo 6.º do CPC, violou o princípio da cooperação referido no artigo 7.º do CPC, violou o princípio do inquisitório referido no artigo 411.º do CPC, violou o princípio da aquisição processual referido no artigo 413.º do CPC e violou o princípio da adequação formal referido no artigo 547.º do CPC - acresce que uma tal decisão é nula uma vez que consubstancia a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prevê e que permite às partes produzir em juízo, no quadro dos meios de prova atendíveis, influindo tal irregularidade no exame e na boa decisão da causa, como determina o artigo 195.º , n. 1, do CPC - a decisão a quo é, pois, contrária ao Direito e é, sobretudo, lamentável, uma vez que consubstancia a aparência formal de um julgamento que, na realidade, verdadeiramente inexistiu e no qual não foi produzido por qualquer das partes - e especificamente pela parte demandante - um único meio de prova, tendo em conta a posição do julgador de recusa absoluta na realização dos actos necessários ao apuramento rigoroso dos factos e à obtenção da boa decisão da causa; o que acabou por inquinar o raciocínio lógico-dedutivo que ficou explanado na sentença quanto à determinação da indemnização: parte dos factos não se logrou terem ficado provados porque a recorrente ficou impedida de o fazer; parte dos factos ficaram provados de forma desarticulada face ao conjunto da prova existente e que não foi possível produzir em juízo, como é o caso dos danos patrimoniais, já que existem documentos relativos a despesas que estão em poder da recorrente e que esta pretendia apresentar em tribunal e que, por via dessa impossibilidade, não foram juntos ao processo e, por isso mesmo, acabaram por fundar a decisão de considerar parte dos factos alegados na petição inicial referentes a essas mesmas despesas como não provados.
6.-No apuramento da indemnização, e no que diz respeito especialmente aos danos não patrimoniais, não foram considerados os factos que, pela sua gravidade, se tornaram merecedores da tutela do direito ou, se o foram, então verifica-se que houve verdadeira desconsideração dos mesmos, mesmo face à prova julgada como provada e, por essa razão, os elementos determinantes para a quantificação da indemnização com base na equidade foram incorrectamente avaliados na decisão a quo, tais como: a gravidade da queda da recorrente; o seu internamento hospitalar em situação de emergência médica; o trauma detectado e a troncadite/tendinite dos abdutores como sua consequência; a alta médica com indicação para repouso, descarga do membro inferior direito, marcha com auxiliares e orientação para o médico assistente; a necessidade de submissão de consultas de Medicina Física e de Reabilitação; a exigência de realização de sessões de hidroterapia, para tratamento do "estado pós trauma da bacia"; o acompanhamento médico hospitalar na área de especialidade da ortopedia; várias consultas no Hospital da Cruz Vermelha; aplicação de infiltrações e submissão a tratamentos de fisioterapia e mesoterapia; a confirmação do diagnóstico de bursite/enteropatia dos nadegueiros na zona troncaíérica direita, considerada clinica mente relevante, na sequência do trauma sofrido; a manutenção de queixas, nomeadamente dor nocturna com ardor na anca, coxa e joelho, sem melhoria com a hidroterapia, limitações diversas nas actividades da vida doméstica e na condução de veículos automóveis - do mesmo modo que não são compatíveis com o quadro clínico posteriormente confirmado e mantido até ao momento presente ; a queda que a recorrente sofreu no supermercado de B em 26.06.2013 teve como consequência trauma da anca direita, "curada com sequelas", concretamente "anca dolorosa", com atribuição de uma Incapacidade Parcial Permanente de 1 ponto; as lesões de que a recorrente ficou a padecer em resultado da queda tornam a sua vida mais penosa, necessitando de acompanhamento medicamentoso e fisiátrico, mantendo queixas álgicas, discretas, facilmente exacerbadas por qualquer esforço físico, apresentando, por isso, limitações aos esforços, com acréscimo de queixas nocturnas de tipo inflamatório - tudo agravado por um período considerável de tempo que se inicia em 2013 e que já conta com quatro anos de relevo fáctico e jurídico.
7.-Ao reduzir o valor do pedido de €101.948,57 (cento e um mil, novecentos e quarenta e oito euros e cinquenta e sete cêntimos) para € 12.223,59 (doze mil, duzentos e vinte e três euros e cinquenta e nove cêntimos), que é um valor totalmente ridículo face à necessidade de reparação dos prejuízos materiais e de compensação dos prejuízos de ordem moral, a decisão a quo violou, uma vez mais, o regime da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito e os critérios determinativos do quantum indemnizatório referidos nos artigos 483.º, nº1, 494.º e 496.º , n.º 1 e n.º 4, do Código Civil.
NOS TERMOS EXPOSTOS, DEVE SER REVOGADA A DECISÃO IMPUGNADA, POR CARECER DE FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA E JURÍDICA ADEQUADA, POR SER INVÁLIDA E POR VIOLAR A LEI APLICÁVEL QUER AO REGIME DE PROVA QUER AO REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS. EM CONSEQUÊNCIA, DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA, E FICANDO SEM EFEITO AS MULTAS APLICADAS ÀS TESTEMUNHAS DA RECORRENTE, DEVE SER ORDENADA A REPETIÇÃO DO JULGAMENTO.
1.6.No tocante à apelação da Autora, não apresentou a Ré contra-alegações.
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Thema decidendum
1.7.Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, e tendo presente o disposto no artº 5º, nº1 e 7º,nº1, ambos deste último diploma legal ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questão a apreciar e a decidir  são as seguintes  :
I) Aferir se, impedido estava o tribunal de ter realizado o julgamento, antes devia ter deferido o requerido adiamento, nos termos do instrumento atravessado nos autos pela autora a 27/9/2017;
II) Aferir se, com a decisão de considerar concluído o julgamento sem que atentasse ao pedido de tomada de declarações de parte da recorrente - apesar de considerar a sua falta "justificada" - ignorou o tribunal a quo um meio de prova processualmente admissível e que o tribunal não podia coarctar, violando o regime previsto no artigo 466º, do CPC;
III) Decidir se, em face do referido em I e II, é a sentença NULA, impondo-se a REPETIÇÃO DO JULGAMENTO, e FICANDO SEM EFEITO AS MULTAS APLICADAS ÀS TESTEMUNHAS DA RECORRENTE;
IV) Apurar se, em sede de apuramento da indemnização fixada, e no que diz respeito especialmente aos danos não patrimoniais, não atentou o tribunal a quo aos factos provados e que, pela sua gravidade, justificavam a atribuição de um valor indemnizatório em montante superior ao fixado [ mostrando-se este valor totalmente ridículo face à necessidade de reparação dos prejuízos materiais e de compensação dos prejuízos de ordem moral ] .
***

2.Motivação de Facto.
O tribunal a quo, em sede de sentença, fixou a seguinte FACTUALIDADE:
A)PROVADA
2.1.- No dia 26/06/2013, por volta das 21h00m/21h30m, a Autora foi fazer compras no supermercado de B, sito na Avenida António Augusto de Aguiar,  em Lisboa.
2.2.- Quando se encontrava na zona das frutas e legumes escorregou num talo de hortaliça que se encontrava no pavimento.
2.3.- Foi assistida por um funcionário do B, Sr. Júlio …, responsável pelos produtos lácteos e congelados, após o que foi chamado o INEM, que conduziu a Autora às urgências do Hospital de S. José.
2.4.- Já no Hospital de S. José foi observada pela equipa de médicos de ortopedia, tendo sido prescrita a realização de um raio X à anca direita .
2.5.- O raio x realizado não evidenciava lesões osteoarticulares agudas, assumindo-se troncadite/tendinite dos abdutores na sequência de trauma.
2.6.- A Autora teve alta medicada, com indicação para repouso, descarga do membro inferior direito, marcha com auxiliares e orientada para o seu médico assistente.
2.7.- Em 07/08/2013, a sua médica de família prescreveu à Autora consulta em Medicina Física e de Reabilitação.
2.8.- Em 09/10/2013, o médico ortopedista, Dr. Luís …, indicou, para tratamento do "estado pós trauma da bacia", a realização de 20 sessões de hidroterapia.
2.9.- Em 24/02/2014 a médica de família da autora encaminhou-a para a Ortopedia do Hospital de Cascais, onde começou a ser seguida pelo Dr. José ….  .
2.10.- A Autora fez infiltrações e submeteu-se a tratamentos de fisioterapia e mesoterapia.
2.11.- Foi confirmado o diagnóstico de troncadite/bursite ou bursite/entesopatia na zona troncatérica direita, na sequência de trauma.
2.12.- A Ré C encaminhou o processo para o Hospital da Cruz Vermelha para que a Autora fosse examinada por um médico da Companhia, a fim de determinar a extensão das suas lesões.
2.13.- Entretanto, a Autora consultou o Dr. José … , médico ortopedista, no Hospital CUF Descobertas, que a observou e aos exames que possuía e pediu mais exames.
2.14.- Nessa sequência, o Dr. José … concluiu, a 07/04/2014, que havia bursite/entesopatia dos nadegueiros, clinicamente relevante.
2.15.- Na última consulta, em 05/05/2014, a Autora matinha as queixas, nomeadamente dor nocturna com ardor na anca, coxa e joelho, sem melhoria com a hidroterapia, e referia limitações nas actividades da vida doméstica e na condução.
2.16.- A primeira consulta que a Autora teve no Hospital da Cruz Vermelha com o médico da Ré C teve lugar no dia 30/04/2014, tendo tido mais três consultas, em 05/06/2014, em 31/07/2014 e em 14/08/2014.
2.17.- Da queda que sofreu no supermercado do B resultou para a autora trauma da anca direita, tendo ficado "curada com sequelas", concretamente "anca dolorosa", tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 1 ponto.
2.18.- Estas lesões tornam a vida da Autora mais penosa, necessitando de acompanhamento médico medicamentoso e fisiátrico.
2.19.- Em 31/07/2015, a Autora mantinha queixas álgicas, apesar de discretas, facilmente exacerbadas pelo esforço físico, apresentando, por isso, limitações aos esforços, referindo queixas nocturnas de tipo inflamatório.
2.20.- A Autora nasceu em 04/03/1945.
2.21.- Na sequência das sequelas de que ficou a padecer em consequência da queda, a Autora teve de suportar, pelo menos, as seguintes despesas: - com uma consulta e tratamentos de fisiatria e 15 sessões de hidroterapia- €100,60; - com medicamentos - € 95,81; - com o envio de documentos, através dos CTT, para a Ré Allianz - € 27,18.
2.22.- O B celebrou com a Ré C um contrato de seguro, titulado pela apólice n.° 202005919, através do qual esta assumiu para si transferido, conjuntamente com outras três seguradoras, o risco de "indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais e/ou materiais que sejam causados a terceiros e a clientes, pelos legítimos representantes ou pessoas ao serviço e pelas quais o Segurado seja civilmente responsável", contrato que "tem por objecto a garantia da responsabilidade extracontratual que ao abrigo da lei civil seja imputável ao Segurado em consequência da actividade" de exploração, entre outros, do Centro Comercial sito na Avenida António Augusto de Aguiar, em Lisboa.
2.23.- Como antecedentes clínicos, a Autora apresentava operação aos pés - halux valgus.
2.24.- A Autora, aquando do acidente, já estava reformada.

B)NÃO PROVADA
2.25.- A Autora vive sozinha, não tendo ninguém que lhe dê apoio ;
2.26.- A Autora encontra-se actualmente a fazer tratamentos de fisioterapia nos Bombeiros da Parede, que consistem na massagem profunda dos nódulos do membro inferior direito e são bastante dolorosos, uma vez que a pressão exercida no tratamento causa uma dor forte, semelhante a facadas;
2.27.- A Autora pagou, em consultas de ortopedia e fisiatria, €516,24, em tratamentos de fisioterapia, € 155,80; em deslocações em transportes públicos para o Hospital de Cascais para a realização de ecografia, consultas e tratamentos, € 173.93; e fez deslocações em viatura própria, num total de 1.234 quilómetros; em fotocópias das despesas de saúde que foi fazendo, € 450,00;
2.28.- A sequela com que ficou a Autora não tem repercussão nos actos da sua vida corrente, afectiva e social;
2.29.- Depois e por causa da operação aos pés, a Autora tomava medicação que continuou a adquirir e realizava tratamentos em tudo idênticos aos que continuou a realizar;
2.30.- A dificuldade de locomoção da Autora advém de patologia pré-existente à queda.
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3.Motivação de Direito.

3.1.-Aferir se, impedido estava o tribunal de ter realizado o julgamento, antes devia ter deferido o requerido adiamento, nos termos do instrumento atravessado nos autos pela autora a 27/9/2017.
É entendimento da apelante que, tendo atravessado nos autos, em 27/9/2017 [ dia anterior ao designado para a audiência ], um requerimento a solicitar o adiamento da audiência, porque impedida de comparecer em razão de à mesma hora dever comparecer a uma consulta de senologia, imprescindível e inadiável em razão do seu estado de saúde, obrigado estava o tribunal a quo em ter adiado a audiência [ o que não fez ], tanto assim que, à mesma faltou também o seu mandatário e, ademais, foi a falta da autora considerada de imediato como justificada.
Pronunciando-se sobre o requerimento da autora de 27/9/2017, recorda-se, despachou o tribunal a quo [ no inicio da audiência do dia  28/9/2017] , nos seguintes temos :
Relativamente ao requerimento da autora de 27/09/2017, considera-se justificada a falta da autora, indicada que estava para prestar depoimento de parte, mas indefere-se o requerido adiamento desta audiência de julgamento por falta de fundamento legal, sem prejuízo da possibilidade da designação de outra data para a sua continuação com o depoimento de parte da autora.
Vão as testemunhas faltosas condenadas na multa de 1 Uc caso não justifiquem a sua falta no decurso do prazo legal”.
Será que, como o considera a apelante, obrigado estava o tribunal a quo em ter adiado a audiência ?

Vejamos.
Sob a epigrafe de “ Realização da audiência “, reza o artº 603º, do CPC, que :
1- Verificada a presença das pessoas que tenham sido convocadas, realiza-se a audiência, salvo se houver impedimento do tribunal, faltar algum dos advogados sem que o juiz tenha providenciado pela marcação mediante acordo prévio ou ocorrer motivo que constitua justo impedimento.
2- Se a audiência for adiada por impedimento do tribunal, deve ficar consignado nos autos o respectivo fundamento; quando o adiamento se dever à realização de outra diligência, deve ainda ser identificado o processo a que respeita.
3- A falta de qualquer pessoa que deva comparecer é justificada na própria audiência ou nos cinco dias imediatos, salvo tratando-se de pessoa de cuja audição prescinda a parte que a indicou.

Por sua vez, dizem-nos os nºs 1 a 3, do artº 150º, do mesmo diploma legal, que :
1- A fim de prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer os mandatários judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação do dia e hora da sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a secretaria de realizar, por forma expedita, os contactos prévios necessários.
2- Quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior, devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já marcado comunicar o facto ao tribunal e identificar expressamente a diligência e o processo a que respeita, no prazo de cinco dias, propondo datas alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados.
3- O juiz, ponderadas as razões aduzidas, pode alterar a data inicialmente fixada, apenas se procedendo à notificação dos demais intervenientes no ato após o decurso do prazo a que alude o número anterior.

Conhecidas as disposições legais pertinentes para a solução da questão ora em análise, e descendo agora à tramitação dos autos, verifica-se que a audiência de julgamento foi designada em sede de diligência de audiência prévia, do dia 13/2/2017, e à qual não compareceu o ilustre mandatário da Autora , razão porque  não foi então possível designar a audiência de julgamento com o acordo prévio de todos os mandatários judiciais ( nos termos do nº1, do artº 151º, do CPC e tendo presente o disposto na alínea g), do nº1, do artº 591º, do mesmo diploma legal [ dispondo a mesma que : Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.º 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: g) Programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas. ].

Mais se constata que, designada em  13/2/2017 a data da audiência para o dia 28/9/2017 [ com uma antecedência de mais de 6 meses ], não veio o ilustre mandatário da autora, no prazo de 5 dias [ cfr. nº 2, do artº 151º, do CPC ], invocar qualquer impedimento profissional, propondo datas alternativas.

Consequentemente, devendo a data da audiência considerar-se como tendo sido acordada com os mandatários , pelo menos tacitamente e nos termos do nº2, do artº 151º, do CPC, e não existindo qualquer outro fundamento subsumível no artº 603º,nº1, do CPC, manifesto é que a falta do Advogado da Autora não consubstanciava motivo legal para o adiamento da audiência.

Neste conspecto, recorda-se que, como bem se nota em recente Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa (1), “ A reforma de 2013 restringiu as causas de adiamento da audiência final em caso de falta do advogado, apenas admitindo essa possibilidade no caso de a audiência não ter sido marcada com o acordo prévio dos mandatários ou em situações de justo impedimento “.

Por outra banda, e agora socorrendo-nos do entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães (2), é outrossim nossa convicção que, não tendo a data da audiência de julgamento sido designada com o acordo prévio de todos os mandatários das partes, a sua designação configura-se como potencialmente provisória durante cinco dias [ período durante o qual podem os mandatários vir aos autos comunicar o seu impedimento em consequência de outro serviço judicial já marcado ], sendo que, caso nada digam/requeiram, deve entender-se, tendo em conta o seu dever de cooperação relativo à informação da existência de impedimento, tratar-se, de um acordo tácito. (3)

Não existindo fundamento legal para o adiamento  da audiência em razão da falta do ilustre mandatário da autora, menos pertinência tem o alegado pela autora no sentido de que, com base na sua própria falta, de resto justificada, deveria a audiência ter sido adiada, e isto porque, além de ter sido requerido o seu depoimento de parte [ pela parte contrária ], requereu outrossim a prestação de declarações de parte , nos termos do artº 466º, do CPC.

É que, para todos os efeitos, os casos de adiamento da audiência [ quando a mesma não chega a iniciar-se e a realizar-se na data designada , cfr. artº 604º,nº1, do CPC ], são apenas os que se mostram expressis verbis elencados no n.º 1, do artº 603º, do CPC,  e, para todos os efeitos, da referida norma não consta a menção/indicação da falta da parte e/ou de testemunha, ou até de qualquer outra pessoa que à mesma deva comparecer.

Em suma, nada obrigava [com base na falta da autora e do seu ilustre mandatário ] ao adiamento da audiência, devendo a mesma realizar-se, porque não existindo razões para tal - cfr. nº1, do artº 604º, do CPC.

Mas, devendo a audiência iniciar-se, com a realização dos actos elencados nos nºs 2 e 3, do artº 604º, do CPC, a questão que agora se suscita/coloca é a de saber se não deveria a mesma ter sido interrompida antes das alegações orais, designando-se uma data para a sua continuação e tendo em vista possibilitar a prestação pela autora das declarações de parte que requereu , e as quais foram objecto de despacho de deferimento proferido em sede de audiência prévia e com o seguinte conteúdo “Admitem-se as declarações de parte da autora a toda a matéria, assim como o rol de testemunhas apresentado com a petição inicial ( fls.28), e o rol de testemunhas apresentado pela Ré Allianz na sua contestação ( fls. 143).

Ora Bem.
Com relevância para a referida matéria, diz-nos o nº2, do artº 606º, do CPC [ com a epígrafe de Publicidade e continuidade da audiência ], que “A audiência é contínua, só podendo ser interrompida por motivos de força maior ou absoluta necessidade ou nos casos previstos no n.º 1 do artigo anterior”.

E, o nº3, do mesmo dispositivo, logo acrescenta que, “Se não for possível concluir a audiência num dia, esta é suspensa e o juiz, mediante acordo das partes, marca a continuação para a data mais próxima; se a continuação não ocorrer dentro dos 30 dias imediatos, por impedimento do tribunal ou por impedimento dos mandatários em consequência de outro serviço judicial já marcado, deve o respectivo motivo ficar consignado em acta, identificando-se expressamente a diligência e o processo a que respeita”.

Aqui chegados, e da conjugação de todas as disposições legais acima indicadas, imperioso é concluir, desde logo, que o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas , excepcionalmente, admite porém em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.

Analisada já a última situação referida, e relativamente à possibilidade de interrupção da audiência, diversas são as situações conjecturáveis que a podem provocar , v.g. a junção de documento e existindo grave inconveniente no prosseguimento da audiência nos termos do artº 424º,do CPC, a falta de testemunha não prescindida e que não tenha comparecido por impedimento legítimo - cfr. artº 508º,nº3, alínea b), do CPC -  e, também a apresentação de um novo articulado ( superveniente) e não prescindindo a parte contrária do prazo de 10 dias para a resposta ( cfr. artº 589º,nº2, alínea b), do CPC .

No nosso entendimento , também a falta, justificada, da parte que haja requerido a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, deve consubstanciar fundamento para a interrupção da audiência, pois que, estando impossibilitada de comparecer, e , consequentemente de exercer um direito que lhe assiste [ cfr. nº1, do artº 466º, do CPC ], não se descortina existir fundamento pertinente que obste à interrupção da audiência tendo em vista possibilitar-lhe a prestação de declarações de parte já requeridas e deferidas. (4)

Acresce que, pertinente não é que as declarações de parte devam à partida ser consideradas como um meio de prova menor, devendo por regra ser desvalorizadas e prematuramente arredadas e desprovidas de qualquer utilidade em termos de valor probatório,  e com base em raciocínio/preconceito de que “ não acredito na parte porque é parte “ , pois que, ao julgador compete, em primeiro lugar, valorar a declaração da parte e, só depois, a pessoa da parte, sob pena de estar a prejulgar as declarações e a incorrer no viés confirmatório (5).

De resto, nada obsta sequer que, “ em última instância, possam as declarações de parte constituir o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação“. (6)
Isto dito, compulsados os autos, verifica-se que o tribunal a quo, não obstante ab initio ter ponderado/admitido a possibilidade de ter de interromper a audiência para , em nova data a designar, permitir a prestação do depoimento de parte da autora, vem posteriormente a dar como concluída a instrução da causa, concedendo a palavra ao mandatário presente da Ré para alegações, e isto porque, este último, acaba por prescindir do requerido depoimento de parte da autora faltosa.
Ou seja, para o tribunal a quo, apenas não prescindindo a Ré do depoimento de parte da autora, haveria lugar à interrupção da audiência, o que já não deveria ocorrer em relação às declarações de parte pela própria autora requeridas e para todos os efeitos pelo tribunal admitidas.

No nosso entendimento, não se descortina existir fundamento legal que permita distinguir [em termos discriminatórios e desiguais] a prova por depoimento de parte da prova por declarações de parte, a ponto de, permitindo  o primeiro a interrupção da audiência para que seja prestado , já as segundas o não permitem, sendo que, para todos os efeitos, e ao invés do depoimento de parte [ que apenas pode ser requerido em relação à parte contrária ou ao comparte - cfrº artº 453º,nº3, do CPC ], já a prestação de  declarações de parte pode ser requerida pela própria parte [que não pela parte contrária (7) ] até ao início das alegações orais em 1ª instância - cfr. artº 466º,nº1, do CPC.

Ou seja, não faz qualquer sentido que o tribunal a quo, ainda que  implicitamente,tenha desvalorizado o meio de prova das declarações de parte, considerando-o como irrelevante e inútil enquanto meio capaz de provocar a interrupção da audiência.

E menos sentido faz ainda a referida e implícita desvalorização quando, em face do objecto do processo, alguns factos integrantes do thema probandum são por natureza revéis à prova documental, testemunhal e mesmo pericial, nomeadamente porque relacionados com “factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa “ (8), e  factos respeitantes a “ acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes“ (9), caso em que a recusa do tribunal em admitir e valorar livremente as declarações favoráveis do depoente pode implicar “ uma concreta e intolerável ofensa do direito à prova, no quadro da garantia de um processo equitativo e da tutela jurisdicional efectiva dos direitos subjectivos e das demais posições jurídicas subjectivas “ (10) .

Por último, e socorrendo-nos das doutas considerações explanadas em Acórdão  proferido por este mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/4/2014 (11), recorda-se que “ Estamos, por conseguinte, no âmbito mais amplo do direito que assiste à parte de provar os factos por si alegados e que sustentam a sua pretensão, ou mesmo de fazer a contraprova dos factos contra si invocados, no quadro do direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da C.R.P.), pelo que, nessa medida, é a cada uma das partes que incumbe eleger os meios de prova adequados à demonstração com que está onerada ou que, de algum modo, convém à prossecução dos seus interesses”.

Aqui chegados,  no seguimento das considerações acabadas de aduzir, e ao não interromper a audiência de modo a possibilitar a sua continuação em nova data de forma a possibilitar a prestação do meio de prova pela autora requerido ( prova por declarações de parte ), em última análise incorreu o tribunal a quo na prática de irregularidade que, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade ( cfr. art.º 195º, n.º1, do CPC).

E, estando a referida irregularidade acobertada em expresso despacho judicial proferido, pertinente é que possa a mesma ser invocada em sede de apelação interposta para a sentença judicial proferida pelo tribunal a quo e que pôs termo à acção.

Em suma, a apelação procede, impondo-se a revogação da sentença apelada ,  e , consequentemente, a obrigatoriedade de o tribunal a quo reabrir a audiência de julgamento, em nova data a designar, de forma a possibilitar a prestação do meio de prova [ pela parte requerido, e deferido pelo tribunal a quo, não tendo porém sido possível ter sido prestado por impedimento/falta justificada da própria parte ] a que alude o artº 466º, do CPC.

3.2.DA REQUERIDA ANULAÇÃO DAS MULTAS APLICADAS ÀS TESTEMUNHAS DA RECORRENTE.
Vem a autora integrar no objecto da apelação interposta a decisão de condenação das testemunhas por si arroladas, impetrando a sua revogação.
As referidas testemunhas, uma vez pela autora arroladas e sujeitas a notificação para comparência, passam doravante a estar sujeitas às obrigações legais quanto ao seu comparecimento e justificações de eventuais faltas, designadamente podendo e devendo ser sancionadas no pagamento de multa caso não justifiquem a falta, multa que de resto é de imediato fixada na acta - cfr. artº 508º,nº4, do CPC.
A sanção referida, como resulta com clareza do disposto no nº 5, do artº 508º, do CPC, é aplicada à testemunha, que não á parte que a arrolou , razão porque o respectivo pagamento em última análise vem a reflectir-se no seu património , e não no património das partes.
Dito isto, dispondo os nºs 1 e 2, do artº 631º, do CPC, que os recursos apenas podem ser interpostos pelas partes principais na causa e que tenham ficado vencidas e, outrossim, pelas pessoas directamente e efectivamente prejudicadas pela decisão, forçoso é concluir que o recurso de decisão de aplicação de uma multa apenas pode ser interposto pela parte e ou pessoa pela mesma directamente prejudicada, in casu as testemunhas sancionadas.
Consequentemente, é manifesta a ilegitimidade da autora para interpor recurso de decisão que sancionou as testemunhas por si arroladas no pagamento de uma multa, e , assim sendo, não se conhece do objecto da apelação na referida parte.
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4Concluindo ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1.- Da conjugação dos artºs 650º, nº4, 651º, 654º e 656º,nº2 , todos do CPC , imperioso é concluir que, o CPC, no que concerne à audiência de discussão e julgamento, estabelece por um lado um princípio básico ou regra geral, qual seja o da respectiva continuidade, mas , excepcionalmente, admite já em concretas e típicas situações, a possibilidade, quer da respectiva interrupção, quer do seu adiamento.
4.2- A falta, justificada, da parte que haja requerido a prestação de declarações sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento directo, deve consubstanciar fundamento para a interrupção da audiência, pois que, estando impossibilitada de comparecer, e , consequentemente de exercer um direito que lhe assiste [ cfr. nº1, do artº 466º, do CPC ], não se descortina existir fundamento pertinente que obste à interrupção da audiência tendo em vista possibilitar-lhe a prestação de declarações de parte já requeridas e deferidas.
4.3- De resto, não se descortina existir fundamento legal que permita distinguir [ em termos discriminatórios e desiguais ] a prova por depoimento de parte da prova por declarações de parte, a ponto de, permitindo  o primeiro a interrupção da audiência para que seja prestado , já as segundas o não permitiriam.
4.4- No seguimento do referido em 4.1 a 4.3., e ao não interromper a audiência de modo a possibilitar a sua continuação em nova data de forma a possibilitar a prestação do meio de prova pela autora requerido ( prova por declarações de parte ), em última análise incorreu o tribunal a quo na prática de irregularidade que, porque tem evidente influência no exame e decisão da causa, consubstancia o cometimento de uma nulidade ( cfr. art.º 195º, n.º1, do CPC).
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5.Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , julgando a apelação de A  parcialmente procedente :
5.1.- Não conhecer do objecto da apelação relacionado com a decisão que sancionou as testemunhas arroladas pela recorrente no pagamento de uma multa, em face da manifesta ilegitimidade recursória da autora ;
5.2.- Revogar a sentença apelada, determinando-se que o tribunal a quo designe uma data para a continuação da audiência de julgamento, a fim de possibilitar à Autora a prestação de declarações de parte, nos termos requeridos e pelo tribunal a quo deferidos, prosseguindo doravante a acção os respectivos e normais trâmites legais, nos termos da alínea e), do nº3, do artº 604º e nº1,do artº 607º, ambos do CPC.
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As custas da apelação ficam a cargo da/s parte/s vencida/s a final e na respectiva proporção
Notifique.
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LISBOA, 22/2/2018 

 
                                              
António Manuel Fernandes dos Santos (O Relator)
Eduardo Petersen Silva (1º Adjunto)
Cristina Isabel dos Santos C.F. Neves (2ª Adjunta)



(1)Cfr.  Ac. de 06-12-2017, Proc. nº 1734/13.5TBTVD.L1-7, sendo Relator CARLOS OLIVEIRA, e in www.dgsi.pt.
(2)Cfr.  Ac. de 25-06-2013 [ Proc. nº 3771/11.5TBVCT.G1 , sendo Relatora RAQUEL REGO ] e de  07-01-2016 [ Proc. nº 136696/14.6YIPRT-A.G1, sendo Relatora CONCEIÇÃO BUCHO ], ambos in www.dgsi.pt
(3)Cfr. ainda Paulo Ramos de Faria  e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Vol. I, Os Artigos da Reforma, Almedina.
(4)É o entendimento que prima facie defende Elizabeth Fernandes, in Um Novo Código de Processo Civil? , Em busca das diferenças, 2014, pág. 35..
(5)Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Testemunhal, 2013, Almedina, págs. 363 e segs..
(6)Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, pág.
(7)Cfr. CAROLINA MARTINS, in Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 27,
(8)Cfr. ELIZABETH FERNANDEZ, “ Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)Coerência do Sistema Processual a Este Propósito”, in Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, pág. 37
(9)Cfr. REMÉDIO MARQUES,  in “A Aquisição e a Valoração Probatória de Factos (Des) Favoráveis ao Depoente ou à Parte”, Julgar, jan-abr. 2012, Nº16, pág. 168.
(10)Cfr. REMÉDIO MARQUES, ibidem, pág. 168.
(11)Proferido no Proc. nº 211/12.6TVLSB.L1-7, sendo Relatora CONCEIÇÃO SAAVEDRA, e in www.dgsi.pt.