Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1055/21.0T8BRR.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
AMORTIZAÇÃO DE QUOTA
CLAÚSULA DE INTRANSMISSIBILIDADE DE QUOTAS A SUCESSORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O contitular de uma quota social tem legitimidade processual para invocar a nulidade de deliberação social que procedeu à amortização dessa quota, bem como da deliberação que procedeu à alteração do respectivo pacto social.
II- O falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido.
III - Aberta a herança, os sucessores, através do seu representante (art.º 222.º, n.º 1, do CSC), podem participar, enquanto titulares de um direito sobre a quota do de cujus, nas deliberações da sociedade que possam afectar os direitos inerentes à quota.
IV- Mesmo estabelecendo o pacto social uma cláusula de intransmissibilidade da quota aos sucessores do sócio falecido, enquanto não for decidida a respectiva amortização ou aquisição, os sucessores desta entram na titularidade da quota.
V- Nestas circunstâncias, embora os sucessores do sócio 
falecido não tenham o direito de participar na deliberação em que a sociedade decida do destino da quota, podem participar na assembleia em que a sociedade seja chamada a terminar com o período de pendência da quota do falecido e a deliberar alterações ao respectivo pacto social.

VI- Não tendo sido convocado, nem participado na assembleia o c. de casal da herança do sócio falecido, não podem deixar de ser declaradas nulas, por força do disposto no art.º 56º, nº1, a), do CSC, as deliberações que aprovaram a amortização da respectiva quota e alterações ao pacto social.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:

 I. Relatório
A… J… intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A… II, …, Lda e C… M…,  ambos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, peticionando a declaração de nulidade de todas as deliberações tomadas na assembleia geral de 18/02/2021 da sociedade ré, designadamente a amortização da quota do falecido sócio J… J… e o cancelamento das inscrições na matrícula da sociedade ré de dep. 317 de 22/02/2021 e ap. 63 de 12/04/2021.
Sustentou o autor a sua pretensão no desrespeito dos requisitos gerais da amortização da quota do sócio falecido, J… J…, pai do autor; na aquisição da contitularidade da referida quota pelos herdeiros do sócio falecido, o autor e a segunda ré e consequente falta de convocação do autor para a assembleia geral na qual foi deliberada a amortização da quota do sócio falecido.
Devidamente citadas, as rés deduziram contestação, defendendo a improcedência da acção, por impugnação e por excepção.
Invocaram a ilegitimidade do autor para intentar a acção e impugnar deliberações sociais, em virtude de este não ser sócio da sociedade A… II …, Lda.
Sustentaram igualmente a caducidade do direito de acção, por entenderem ser do conhecimento do autor a cláusula estatutária da primeira ré que regula a amortização de quotas desde o momento em que foi submetida a registo e que, ainda que assim não se entendesse, também o prazo de caducidade previsto no art.º 59.º do Código das Sociedades Comerciais se mostraria precludido porquanto decorreram mais de 30 dias entre a invocada tomada de conhecimento da comunicação de amortização da quota (em 23/02/2021) e a propositura da presente acção (em 04/06/2021). Do mesmo modo, invocaram a caducidade do direito de acção com fundamento no disposto no art.º 59.º do Código das Sociedades Comerciais, por terem decorrido mais de 60 dias entre a data das deliberações tomadas na assembleia de 18/02/2021 e o alegado conhecimento do respectivo conteúdo (em 23/02/2021) e a data da propositura da presente acção (em 04/06/2021).
Impugnaram, por fim, os factos alegados pelo autor e as conclusões que este deles pretende extrair, sustentando, designadamente, que na assembleia geral da sociedade ré de 18/02/2021 estava presente a totalidade do capital social, intervindo C… M… na sua qualidade de sócia e, em simultâneo, de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do sócio J… J…
Convocada e realizada audiência prévia, não foi possível obter a conciliação das partes. Em sede de audiência prévia, as rés vieram invocar a ilegitimidade passiva da segunda ré, defendendo que as acções de declaração de nulidade como de anulação devem ser propostas contra a sociedade e não contra os sócios.
Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade do A. invocada pelas RR. e procedente a excepção de ilegitimidade passiva da R. C… M… e, consequentemente, nos termos dos art.ºs 60.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, e 278.º, n.º 1, al. d), 576.º, n.º 2, e 577.º, al. e), do Código de Processo Civil, foi a mesma absolvida da instância.
Foi julgada improcedente a excepção de caducidade do direito de acção invocada pelas RR.
Foi fixado o objecto do litígio e foi proferida sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, declarou nulas as deliberações tomadas na assembleia geral da ré sociedade de 18/02/2021 de amortização da quota do falecido sócio J… J…, de alteração da cláusula quarta do contrato social e de eliminação da cláusula décima sexta do contrato social e determinado o cancelamento das inscrições na matrícula da sociedade ré de dep. 317 de 22/02/2021 e ap. 63 de 12/04/2021.
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Inconformada a R. A… II …, Lda, interpôs recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1. A deliberação que ocorreu no passado dia 18/02/2021 realizou-se em assembleia geral universal.
2. Onde estiveram presentes todos os Sócios e o representante comum da quota do falecido J… J…, cujo A. e a 2 Ré são contitulares.
3. Ora, ao contrário do que conclui o tribunal a quo, o A. não é sócio da sociedade, mas sim mero contitular da quota do seu falecido pai.
4. Pelo que os direitos inerentes à quota são exercidos pelo representante comum, que no presente caso, por tratar-se de uma herança, é o cabeça-de-casal como supra se aludiu.
5. Pelo que para efeitos do exercício do direito de participação, o A. esteve legitimamente representado pelo representante comum da quota, que assegurou e exerceu o seu direito.
6. Pelo que a aludida deliberação foi válida e eficaz.
7. Carecendo o A. de legitimidade activa para a propositura da presente acção, uma vez que não é o representante comum, sendo somente um contitular da quota do falecido J… J…
8. Pelo que compete somente ao representante comum o exercício dos direitos inerentes à quota, nos termos do 222º, nº 1, do CSC, nomeadamente o direito participar nas deliberações sociais, nos termos o art.º 21, nº 1, b), do CSC.
9. Nesta senda, o A. é somente um contitular da aludida quota em mão comum, não derivando do registo de aquisição uma titularidade directa da aludida quota, já que só após efetivação da partilha e da liquidação da herança se virá a determinar se e a quem, é transmitida a quota social e sempre também com observância do que estiver previsto no pacto social
10. A nulidade invocada pelo A. é uma nulidade atípica e sanável, tendo características de anulabilidade.
11. Pelo que uma interpretação actualista, sistemática e teológica o A. careceria sempre de legitimidade para a presente acção.
Terminou peticionando que a sentença seja revogada e que a R. seja absolvida da instância por verificação de ilegitimidade activa do A., ou, caso assim não se entenda, que não seja declarada nula a deliberação social tomada na assembleia geral da R. realizada no pretérito dia 18/02/2021.
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Não foram apresentadas Contra-Alegações.
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O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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Foram colhidos os vistos das Exmªs Adjuntas.
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II– Objecto do Recurso
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo apelante, importa decidir:
- da legitimidade do autor e
- se as deliberações aprovadas em Assembleia Geral da R. – sociedade por quotas – enfermam de nulidade.
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III- Fundamentação
A) De Facto
O tribunal considerou como provada a seguinte factualidade, que não foi objecto de impugnação:
i. Como relevantes para a apreciação da excepção de ilegitimidade activa, foram considerados provados os seguintes factos:
1) A sociedade ré A… II…, Lda., com o NIPC …, com o capital social de €10.000, distribuído em duas quotas, uma no valor de € 7.000 da titularidade de J… J… e outra no valor de €3.000 da titularidade de C… M…, foi constituída em 21/12/2016, tendo sido inscrita no registo comercial em pela ap. 27/20161227.
2) J… J… foi nomeado gerente por deliberação de 21/12/2016 (ap. 27/2016127), tendo cessado funções por óbito.
3) C… M… foi nomeada gerente por deliberação de 18/01/2021 (ap. 32/20210222)
4) J… J… faleceu em 24/11/2020, no estado de divorciado de A… V…, tendo deixado como únicos herdeiros os seus dois filhos, o autor e a segunda ré.
5) Pela menção Dep. 317/20210222 encontra-se registada a transmissão de quota de J… J… para A… II…, Lda.
ii. Como relevantes para a decisão de mérito, foram considerados provados os seguintes factos:
1) O autor foi sócio fundador com o seu pai, já falecido, J… J… da sociedade comercial por quotas “A…, Lda.”.
2) Em 17/10/1985, o A. e o seu pai J… J… constituíram a sociedade A…, Lda., com o NIPC … e sede …, em Lisboa.
3) A sociedade A…, Lda., tem o objecto: o comércio e instalação de material e equipamento de segurança.
4) A sociedade A…, da., foi constituída com o capital social de 74.819,68 Euros, correspondente a uma quota de 56.114,76 Euros pertencente a J… J… e uma quota de 18.704,92 Euros pertencente ao A..
5) A sociedade A…, Lda. obrigava-se com a assinatura de um gerente, tendo ficado nomeado gerente o sócio J… J…
6) Em 20/01/2009, a sociedade A…, Lda. mudou a sua sede para a Rua …, em Corroios.
7) Em 05/08/2002, a sociedade A…, Lda. comprou a fracção autónoma designada pela letra “A”, que corresponde à cave – loja 1, do prédio urbano sito na Rua …, em Almada, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº …, freguesia da …, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo …, da freguesia de …  
8) Em 05/05/2014, a sociedade A…, Lda. comprou a fracção autónoma, designada pela letra “C”, que corresponde ao Pavilhão Três, nos pisos um e dois - indústria - com um logradouro 91,60 m2, que faz parte do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito em …, Corroios, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora, sob o número …, da freguesia da …, inscrito na respectiva matriz, sob o artigo …, da União de Freguesias de …  
9) O ora autor era sócio trabalhador da sociedade A…, Lda., sendo que em Março de 2013, o referido J… J…, pai do autor, despediu-o por carta, alegando que tinham existido faltas injustificadas e abandono ao trabalho.
10) O ora autor impugnou judicialmente o despedimento, o que deu origem ao processo n.º …, que correu seus termos pelo … Juízo do Tribunal do Trabalho de Almada.
11) O referido processo terminou por transacção, nos termos da qual a sociedade A…, Lda. foi condenada a pagar ao ora autor a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), e o ora autor cedeu a sua quota no valor nominal de 18.704,92 Euros ao seu pai, o referido J… J…, o qual ficou a ser o único sócio da sociedade A…, Lda..
12) A partir de 12/07/2013, o sócio J… J… passou a ser o único sócio da sociedade A…, Lda., sendo detentor da totalidade do capital social da sociedade, nomeadamente das duas quotas, uma no valor nominal de 56.114,76 Euros e outra no valor nominal de 18.704,92 Euros.
13) Em 24/11/2020, o sócio J… J… faleceu no estado de divorciado de A… V…
14) J… J… deixou como únicos herdeiros, os seus dois filhos, o ora autor e C… M…  
15) Por escritura pública de habilitação lavrada em 22/02/2021, no Cartório Notarial de …, em …, o ora autor declarou desempenhar o cargo de cabeça-de-casal, bem como o óbito de J… J… e a sucessão como únicos herdeiros dos seus filhos, o declarante e C… M…
16) A… V…, em 24 de Maio de 2012, deu entrada de processo de divórcio litigioso, nomeadamente o processo n.º …, que correu seus termos pelo … Juízo do Tribunal de Família e Menores da Comarca de …, o qual foi convolado para divórcio por mútuo consentimento, cuja sentença transitou em julgado em 21/10/2013.
17) Na sequência do processo de divórcio de J… J… e A… V…, esta propôs processo de inventário, o qual corre seus termos no Cartório Notarial de Almada, da Dra. …, sito na …, nomeadamente o processo n.º …, actualmente suspenso em consequência do falecimento do interessado.
18) As duas quotas da sociedade A…, Lda. estão relacionadas no referido processo de inventário.
19) Em 23/02/2021, o autor recebeu uma carta da advogada da sociedade A…, Lda., com o seguinte teor: “Serve a presente para em representação da nossa constituinte A…, Lda., com sede na Rua …, NIPC …, comunicar a V. Exa., na qualidade de co-herdeiro do sócio J… J… que, em virtude do falecimento deste, facto de que a referida sociedade tomou conhecimento em 18.01.2021, esta decidiu por deliberação de 18.02.2021, nos termos do artº 7º do contrato social, amortizar a quota de 1.875,00€ (mil oitocentos e setenta e cinco euros) de que mesmo era titular, pelo seu valor nominal. …”.
20) No mesmo dia 23/02/2021, o autor recebeu uma carta da advogada da ré A…, II, Lda., com o seguinte teor: “Serve a presente para em representação da nossa constituinte A… II, …, Lda., com sede na Rua …, NIPC …, comunicar a V. Exa., na qualidade de co-herdeiro do sócio J… J… que, em virtude do falecimento deste, facto de que a referida sociedade tomou conhecimento em 18.01.2021, esta decidiu por deliberação de 18.02.2021, nos termos do art.º 8º do contrato social, amortizar a quota de 7.000,00€ (sete mil euros) de que mesmo era titular, pelo seu valor nominal. …”.
21) Em 09/07/2020, deu entrada um registo de alterações ao contrato da sociedade A…, Lda., nomeadamente um registo de redução de capital de 74.819,68 Euros para 5.000,00 Euros, com base numa deliberação datada de 30/04/2020, o qual ficou provisório por dúvidas.
22) Em 09/07/2020, foi registada a cedência de duas quotas do referido J… J… à sociedade R. A… II…, Lda., NIPC …, nomeadamente uma quota no valor nominal de 1.875,00 Euros e outra no valor nominal de 1.250,00 Euros.
23) A sociedade ré A… II …, Lda., com o NIPC …, com o capital social de €10.000, distribuído em duas quotas, uma no valor de € 7.000 da titularidade de J…J… e outra no valor de €3.000 da titularidade de C… M…, foi constituída em 21/12/2016, tendo sido inscrita no registo comercial em pela ap. 27/20161227.
24) A sociedade ré tem por objecto o comércio e instalação de material e equipamento de segurança.
25) J… J… foi nomeado gerente por deliberação de 21/12/2016 (ap. 27/2016127), tendo cessado funções por óbito.
26) C… M… foi nomeada gerente por deliberação de 18/01/2021 (ap. 32/20210222).
27) Pela menção Dep. 317/20210222 encontra-se registada a transmissão de quota de J… J… para a ré A…II .., Lda..
28) Em 18/02/2021, a sociedade ré reuniu em assembleia geral extraordinária, na qual esteve presente a sócia C… M…, detentora de quota correspondente a 30% do capital social, encontrando-se representados 30% do capital social de € 10.000, que presidiu.
29) Fez-se constar na acta da referida assembleia extraordinária, com o n.º 9, que:
Atento o conhecimento em 18.01.2021, do óbito do sócio J… J… constante da acta número seis, foi decidido pela sócia, nos termos do art.º 54º, do código das sociedades comerciais, dispensar as formalidades prévias e reunir-se em assembleia geral, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem de trabalhos:
Ponto um: deliberação sobre se a sociedade procede à amortização da quota do sócio falecido J… J…, em conformidade com o artigo oitavo do contrato social, ou se aceita prosseguir a sua actividade, com os herdeiros do sócio falecido.
Ponto dois: alteração do artigo quarto do contrato social.
Ponto três: eliminação do artigo décimo sexto do pacto social.”
30) Plasmou-se na acta n.º 9 de 18/02/2021 da sociedade ré: “Aberta a sessão sob a presidência da sócia C… M… e sendo do conhecimento da assembleia geral desde 18.01.2021, que o sócio J… J… faleceu em 24.11.2020, conforme certidão de óbito constante da acta número seis, considerou-se a Assembleia regularmente constituída, podendo deliberar de forma eficaz sobre a ordem de trabalhos.
Ponto um da ordem de trabalhos:
Dada a palavra à sócia C… M… por esta foi dito que, o artigo oitavo do pacto social dispõe que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos seus herdeiros, tendo a sociedade direito a amortizá-la pelo valor nominal, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro.
Consequentemente propôs que a sociedade amortize a quota de 7.000,00€ que o sócio J… J… detinha na sociedade, amortização que deverá ocorrer pelo seu valor nominal.
Tendo a sociedade tomado conhecimento, através da acta número seis, de dezoito de Janeiro de 2021, do falecimento do sócio J… J… Prevendo expressamente o artigo oitavo do contrato social que: “Falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos seus herdeiros, tendo a sociedade direito a amortizá-la pelo valor nominal, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro.” Devendo, contudo tal prerrogativa, ser exercida pela sociedade, no prazo máximo de noventa dias a contar do conhecimento do falecimento do sócio, sob pena de a quota se considerar transmitida aos sucessores do sócio falecido.
É deliberada e aprovada a amortização de quota de 7.000,00€ (sete mil euros) que o sócio J… J…, já falecido, detinha na sociedade. A amortização é efectuada pelo seu valor nominal, em conformidade ao disposto no artigo oitavo do pacto social.
Foi ainda deliberado que o valor de sete mil euros, é nesta data colocado à disposição dos herdeiros do sócio, cuja quota foi amortizada pela sociedade.
Esta deliberação vai ser sujeita a registo comercial e comunicada aos herdeiros do sócio.
Ponto dois da ordem de trabalhos:
Foi deliberada e aprovada a alteração do artigo quarto do pacto social, que passa a ter a seguinte redacção:
QUARTA
O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de 10.000,00€ (dez mil euros), representado por duas quotas, uma quota no valor nominal de 7.000,00€ (sete mil euros), pertencente à sociedade A…II …, Lda., com sede na Rua …, NIPC … e outra no valor nominal de 3.000,00€ (três mil euros), pertencente à sócia C… M…,  divorciada, residente na Rua …, Almada, NIF …  
Ponto três da ordem de trabalhos:
Foi deliberada e aprovada a eliminação do artigo décimo sexto do pacto social”.
31) O autor não foi convocado para a assembleia geral da sociedade ré que teve lugar no dia 18/02/2021.
32) Estatui a cláusula sétima do contrato de sociedade da ré: “A sociedade tem o direito de amortizar qualquer quota, pelo seu valor nominal, nos seguintes termos: (…) c) no caso de falecimento de sócio a quem não sucedam herdeiros legitimários (…).”
33) E estabelece a cláusula oitava: “Falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos seus herdeiros, tendo a sociedade direito a amortizá-la pelo valor nominal, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro”.
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B) O Direito
i. Da (i)legitimidade do autor
Peticionou o A. que fosse declarada a nulidade das deliberações aprovadas na Assembleia Geral da R. A… II …, Lda, com fundamento na alínea a) do nº 1 do art.º 56º do Código das Sociedades Comerciais.
Como se sabe, existe uma razão principal para a distinção entre a nulidade e a anulabilidade dos actos jurídicos que determina o diferente tratamento que lhes dá o nosso sistema jurídico: a gravidade do vício que afecta tais actos.
Podemos dizer que, em regra, o nosso sistema jurídico sanciona com a nulidade a violação de interesses públicos e com a anulabilidade a violação de interesses meramente privados, sendo que, também em regra, a nulidade é invocável a todo o tempo, é de conhecimento oficioso e pode ser invocada por qualquer interessado, enquanto a anulabilidade apenas pode ser invocada em determinado período subsequente à cessação do vício e por aqueles em cujo interesse foi estabelecida – cfr artigos 285º a 294º do Código Civil.
Esta diferenciação entre a nulidade e a anulabilidade das deliberações sociais resulta também do disposto nos art.ºs 56º a 60º do Código das Sociedades Comerciais.
Na nossa lei é excepcional o sistema da nulidade das deliberações sociais: é maioritariamente aceite que as deliberações sociais nulas estão sujeitas ao princípio da tipicidade – cfr neste sentido o  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/13/2004 – Processo nº 04A1519, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt. Com excepção das nulidades ali previstas, todas as demais invalidades implicarão a anulabilidade da deliberação social viciada.
Neste sentido, tem legitimidade para a acção “qualquer interessado” (cfr., neste sentido, Pinto Furtado, in Deliberações dos Sócios, p. 357; J. M. Coutinho de Abreu, em anotação ao artigo 57.º, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, p. 703.
O autor peticiona a declaração de nulidade das deliberações tomadas em assembleia geral da ré sociedade de 18/02/2021, nomeadamente a amortização da quota pertença de J… J… a favor da própria sociedade pelo seu valor nominal.
A Ré A… II …, Lda., com o NIPC …, com o capital social de € 10.000, distribuído em duas quotas, uma no valor de € 7.000 da titularidade de J… J… e outra no valor de € 3.000 da titularidade de C… M…, foi constituída em 21/12/2016, tendo sido inscrita no registo comercial em pela ap. 27/20161227.
J… J… faleceu em 24/11/2020, no estado de divorciado de A… V…, tendo deixado como únicos herdeiros os seus dois filhos, o autor e C… M…
O A. é, assim, contitular da quota da sociedade R. por força da sucessão hereditária.   
Como se decidiu no Ac. da RG de 18/01/2018, relatora: Sandra Melo, igualmente in www.dgsi.pt: «(…) os contitulares das quotas têm necessariamente interesse no destino da sociedade, nada obstando que cada um no seu interesse, enquanto titular de uma expetativa de aquisição, despolete a simples declaração de nulidade de uma deliberação social.
Neste sentido parece inclinar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/29/2013 no processo 994/11.0T2AVR.C1.S1, que conhecendo a final do mérito, absolvendo os demandantes do pedido, quando cita o acórdão recorrido “[O] Autor invoca a nulidade. Esta, mesmo considerando as normas dos artigos 56º a 62º do Código das Sociedades Comerciais, “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal” (art.286º do Código Civil; ver Pinto Furtado, Deliberações, Almedina, 2005, página 758 e acórdão da Relação do Porto, de 26.10.2004, processo 0423569, em www.dgsi.pt.).
(…)
O contitular de uma quota social tem legitimidade processual para invocar a nulidade de deliberação social que procedeu à amortização dessa quota e tem igualmente legitimidade para invocar a nulidade da deliberação que procedeu à alteração do respectivo pacto social e isto independentemente de o respectivo pacto social poder consagrar a intransmissibilidade da quota, pois enquanto não for decidida a respectiva amortização, os sucessores desta entram na titularidade da quota.
 Sustentou a apelante que estamos em presença de uma nulidade atípica e sanável, tendo características de anulabilidade, pelo que não apenas poderá ser invocada pelo A., enquanto contitular da quota.
Mesmo a entender-se que a nulidade em questão se possa tratar de uma nulidade atípica – uma vez que o vício da falta de convocação pode vir a ser sanado posteriormente por vontade de todos os sócios que não participaram na deliberação – cfr neste sentido Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Jorge Coutinho de Abreu, Vol. I, Almedina, pág. 692, - o A. é contitular da quota social que integra a herança do seu pai e, como tal, contrariamente ao invocado pela apelante inclusive por referência ao decidido no Proc. nº … cuja sentença juntou, não pode deixar de ser considerado interessado para efeitos de invocação de tal nulidade - falta de convocação da assembleia em que as deliberações foram tomadas.
Nesta parte, improcede, pois, o recurso, devendo ser mantida a decisão que julgou o A. parte legítima.
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ii. Da nulidade das deliberações da Assembleia Geral da R./apelada sociedade  realizada em 18/02/2021
Peticionou o autor a declaração de nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral da ré de 18/02/2021, nos termos do art.º 56.º, n.º 1. al. a), do Código das Sociedades Comerciais, invocando não ter sido convocado para a referida assembleia, como entende deveria ter sido por ter adquirido conjuntamente com C… M…, a contitularidade da quota pertença do falecido sócio J… J… e terem sido desrespeitados os requisitos gerais da amortização da quota do sócio falecido.
Entendeu o tribunal a quo que o A. não é sócio da apelante e, como tal, não tinha que ser convocado para a Assembleia Geral da mesma. Ainda assim e porque entendeu que o tribunal não está sujeito à alegação das partes quanto à aplicação das regras de direito, decidiu declarar a nulidade das deliberações aprovadas na referida Assembleia, com fundamento no facto de nesta apenas ter tido intervenção na qualidade de sócia, “representando 30% do capital social de € 10.000, como se lavrou na acta respectiva (ponto 28) dos factos provados), em lugar algum ali se mencionando a sua intervenção na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de J… J… (ao contrário do alegado na contestação)”. Diz-se ainda na mesma decisão que “para que as deliberações dos sócios possam ser tomadas em assembleia geral não convocada necessário é que estejam presentes ou representados todos os sócios (art.º 56.º, n.º 1, al. a), segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais), o que não ocorreu no caso em apreço, pois que ninguém interveio na assembleia em representação da quota que integra a herança indivisa do sócio J… J…”.
Invocou a recorrente que nessa assembleia estiveram presentes todos os sócios e o representante comum da quota do falecido J… J…, que diz ser a 2ª R.
Encontra-se demonstrado que a sociedade ré A… II …, Lda., com o NIPC …, com o capital social de € 10.000, distribuído em duas quotas, uma no valor de € 7.000 da titularidade de J… J… e outra no valor de € 3.000 da titularidade de C… M…, foi constituída em 21/12/2016, tendo sido inscrita no registo comercial em pela ap. 27/20161227.
A mesma tem por objecto o comércio e instalação de material e equipamento de segurança.
J… J… foi nomeado gerente por deliberação de 21/12/2016 (ap. 27/2016127), tendo o mesmo vindo a falecer no dia 24/11/2020, no estado de divorciado de A… V…
C… M… foi nomeada gerente por deliberação de 18/01/2021 (ap. 32/20210222).
Em 18/02/2021, a sociedade ré reuniu em assembleia geral extraordinária, na qual esteve presente a sócia C… M…, detentora de quota correspondente a 30% do capital social, encontrando-se representados 30% do capital social de € 10.000, que presidiu.
Fez-se constar na acta da referida assembleia extraordinária, com o n.º 9, que:
Atento o conhecimento em 18.01.2021, do óbito do sócio J… J… constante da acta número seis, foi decidido pela sócia, nos termos do art.º 54º, do código das sociedades comerciais, dispensar as formalidades prévias e reunir-se em assembleia geral, para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos:
Ordem de trabalhos:
Ponto um: deliberação sobre se a sociedade procede à amortização da quota do sócio falecido J… J…, em conformidade com o artigo oitavo do contrato social, ou se aceita prosseguir a sua actividade, com os herdeiros do sócio falecido.
Ponto dois: alteração do artigo quarto do contrato social.
Ponto três: eliminação do artigo décimo sexto do pacto social.”
Plasmou-se na acta n.º 9 de 18/02/2021 da sociedade ré: “Aberta a sessão sob a presidência da sócia C… M… e sendo do conhecimento da assembleia geral desde 18.01.2021, que o sócio J… J… faleceu em 24.11.2020, conforme certidão de óbito constante da acta número seis, considerou-se a Assembleia regularmente constituída, podendo deliberar de forma eficaz sobre a ordem de trabalhos.
Ponto um da ordem de trabalhos:
Dada a palavra à sócia C… M… por esta foi dito que, o artigo oitavo do pacto social dispõe que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos seus herdeiros, tendo a sociedade direito a amortizá-la pelo valor nominal, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro.
Consequentemente propôs que a sociedade amortize a quota de 7.000,00€ que o sócio J… J… detinha na sociedade, amortização que deverá ocorrer pelo seu valor nominal.
Tendo a sociedade tomado conhecimento, através da acta número seis, de dezoito de Janeiro de 2021, do falecimento do sócio J… J… Prevendo expressamente o artigo oitavo do contrato social que: “Falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmitirá aos seus herdeiros, tendo a sociedade direito a amortizá-la pelo valor nominal, adquiri-la ou fazê-la adquirir por sócio ou por terceiro.” Devendo, contudo, tal prerrogativa, ser exercida pela sociedade, no prazo máximo de noventa dias a contar do conhecimento do falecimento do sócio, sob pena de a quota se considerar transmitida aos sucessores do sócio falecido.
É deliberada e aprovada a amortização de quota de 7.000,00€ (sete mil euros) que o sócio J… J…, já falecido, detinha na sociedade. A amortização é efectuada pelo seu valor nominal, em conformidade ao disposto no artigo oitavo do pacto social.
Foi ainda deliberado que o valor de sete mil euros, é nesta data colocado à disposição dos herdeiros do sócio, cuja quota foi amortizada pela sociedade.
Esta deliberação vai ser sujeita a registo comercial e comunicada aos herdeiros do sócio.
Ponto dois da ordem de trabalhos:
Foi deliberada e aprovada a alteração do artigo quarto do pacto social, que passa a ter a seguinte redacção:
QUARTA
O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de 10.000,00€ (dez mil euros), representado por duas quotas, uma quota no valor nominal de 7.000,00€ (sete mil euros), pertencente à sociedade A… II … Lda., com sede na Rua …, NIPC … e outra no valor nominal de 3.000,00€ (três mil euros), pertencente à sócia C… M…,  divorciada, residente na Rua …, NIF …  
Ponto três da ordem de trabalhos:
Foi deliberada e aprovada a eliminação do artigo décimo sexto do pacto social”.
Pela menção Dep. 317/20210222 encontra-se registada a transmissão de quota de J… J… para a ré A… II …, Lda e pela Ap. 63/20210412 as alterações ao contrato de sociedade supra referidas.
As pessoas colectivas manifestam a sua vontade resolvendo ou deliberando através das suas assembleias ou reuniões de sócios. Como refere Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 1993, pg. 12, a deliberação é uma declaração colectiva.
Cada sócio tem o direito de se opor a qualquer deliberação ilegal, isto é, que viole ou contrarie a lei geral ou a lei especial do corpo colectivo; tal direito de oposição consiste em pedir que se julgue nula, ou se anule, a deliberação ilegal – cfr Moitinho de Almeida, Anulação e Suspensão de Deliberações Sociais, 4ª Ed., pág. 10.
Estabelece o art.º 56º, nº1, do CSC, que:
“São nulas as deliberações dos sócios:
a) Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados”.
Como se diz no Código das Sociedades Comerciais em Comentário, ob cit., pág. 691:
«Assembleia Geral não convocada é, antes de mais, a assembleia não precedida de qualquer convocatória: ninguém foi convocado mas, ainda assim, alguns sócios reuniram-se e adotaram deliberações. Compreende-se que estas deliberações sejam nulas: apesar de a falta de convocação ser vício de procedimento, é vício muito grave, na medida em que afasta sócios do exercício de direitos fundamentais da sociedade – designadamente o direito de participar (plena ou limitadamente) nas deliberações e o direito de obter informações sobre a vida da sociedade (especialmente em assembleia): art.º 21º, 1, b) e c).
Por isso mesmo, deve igualmente ser considerada assembleia não convocada a realizada sem presença de um ou mais sócios que não foram convocados (convocados foram somente alguns, ou algum); sócios legitimados para participar em assembleia não podem ser excluídos da possibilidade de exercerem os seus mais elementares direitos – são nulas as deliberações adotadas em assembleia na qual algum deles não participou por não ter sido convocados.
(…)
Porém, a nulidade das deliberações tomadas em assembleia não convocada não é uma nulidade típica. É atíplica (invalidade mista lhe chamam geralmente), pois pode o vício da falta de convocação ser sanado posteriormente por vontade de todos os sócios que não participaram nas deliberações (os primacialmente protegidos pela cominação do art.º 56º, 1, a)), convalidando-se elas então. Utilizando os dizeres do nº 3 do art.º 56º, a nulidade de uma deliberação tomada em assembleia geral não convocada “não pode ser invocada quando os sócios ausentes e não representados (…) tiverem posteriormente dado por escrito o seu assentimento à deliberação”.
Contudo, a nulidade (atípica) não afeta necessariamente todas as deliberações tomadas em assembleia geral não convocada. Apesar da ausência (total ou parcial) de convocação, não são (por isso) nulas “se todos os sócios tiverem estado presentes ou representados” (2ª parte do nº 1 do artº 56º).»
De acordo com o Direito societário, o falecimento de um sócio pode, em tese, dar origem à chamada triple option: ou a sociedade se dissolve; ou amortiza ou adquire a quota do falecido aos herdeiros; ou continua a sua existência integrando como seus sócios os herdeiros do falecido.
Havendo pluralidade de herdeiros e enquanto a herança permanecer indivisa, passa a verificar-se a contitularidade da participação social, expressamente contemplada e regulada nos art.ºs 222º a 224º e 303º do CSC. Do acervo destas disposições retira-se que a lei privilegia o exercício dos direitos dos contitulares, não em conjunto, mas através de um representante comum.
Dispõem estes normativos:
“Artigo 222.º Direitos e obrigações inerentes a quota indivisa
1 - Os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum.
2 - As comunicações e declarações da sociedade que interessem aos contitulares devem ser dirigidas ao representante comum e, na falta deste, a um dos contitulares.
3 - Os contitulares respondem solidariamente pelas obrigações legais ou contratuais inerentes à quota.
4 - Nos impedimentos do representante comum ou se este puder ser nomeado pelo tribunal, nos termos do artigo 223.º, n.º 3, mas ainda o não tiver sido, quando se apresenta mais de um titular para exercer o direito de voto e não haja acordo entre eles sobre o sentido de voto, prevalecerá a opinião da maioria dos contitulares presentes, desde que representem, pelo menos, metade do valor total da quota e para o caso não seja necessário o consentimento de todos os contitulares, nos termos do n.º 1 do artigo 224.º
Artigo 223.º Representante comum
1 - O representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado e pode ser destituído pelos contitulares. A respectiva deliberação é tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se outra regra se convencionar e for comunicada à sociedade.
2 - Os contitulares podem designar um de entre eles ou o cônjuge de um deles como representante comum; a designação só pode recair sobre um estranho se o contrato de sociedade o autorizar expressamente ou permitir que os sócios se façam representar por estranho nas deliberações sociais.
3 - Não podendo obter-se, em conformidade com o disposto nos números anteriores, a nomeação do representante comum, é lícito a qualquer dos contitulares pedi-la ao tribunal da comarca da sede da sociedade; ao mesmo tribunal pode qualquer contitular pedir a destituição, com fundamento em justa causa, do representante comum que não seja directamente designado pela lei.
4 - A nomeação e a destituição devem ser comunicados por escrito à sociedade, a qual pode, mesmo tacitamente, dispensar a comunicação.
5 - O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, salvo o disposto no número seguinte; qualquer redução desses poderes só é oponível à sociedade se lhe for comunicada por escrito.
6 - Excepto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar actos que importem extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios. A atribuição de tais poderes pelos contitulares deve ser comunicada por escrito à sociedade.
Artigo 224.º Deliberação dos contitulares
1 - A deliberação dos contitulares sobre o exercício dos seus direitos pode ser tomada por maioria, nos termos do artigo 1407.º, n.º 1, do Código Civil, salvo se tiver por objecto a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações, renúncia ou redução dos direitos dos sócios; nestes casos, é exigido o consentimento de todos os contitulares.
2 - A deliberação prevista na primeira parte do número anterior não produz efeitos em relação à sociedade, apenas vinculando os contitulares entre si e, para com estes, o representante comum”.
A designação de representante comum pode ter lugar, antes de mais, por lei. Será esse o caso do c. de casal quando a quota faz parte de comunhão hereditária – cfr Acs. do STJ de 4/10/1994, BMJ nº 440º, pág. 504, de 22/01/2009, relator: Custódio Montes e de 06/10/2009, relator: Nuno Cameira, os quais podem ser consultados in www.dgsi.pt e ainda Raúl Ventura, in Sociedade por quotas, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 517.     
É consabido que existe contitularidade de direitos sempre que um direito cabe a um tempo a mais de uma pessoa.
As quotas indivisas ficam até à partilha na titularidade dos sucessores dos falecidos sócios, em regime de contitularidade, devendo os contitulares exercer os direitos inerentes às quotas através de um representante comum, nos termos do art.º 222º, nº1, do supracitado. Este representante comum representa a quota indivisa, representando os contitulares perante a sociedade para o exercício de direitos inerentes à quota. E esse representante é o cabeça de casal, nos termos do art.º 223º, nº1, já referido. Cabendo a este a administração da herança indivisa, tem poderes para exercer todos os direitos sociais no tocante à participação social indivisa, exceptuados os casos do art.º 223º, nº6, do CSC, para os quais necessita, como qualquer outro representante comum, que lhe sejam conferidos poderes de disposição. “… tais poderes podem ser atribuídos ao representante comum, em função das situações, por lei, por testamento, pelo tribunal ou por todos os contitulares” - anotação ao artº 223 por Soveral Martins in Código das Sociedades Comerciais em Comentário já citado, Vol. III, pág. 416.
Resulta da acta da Assembleia de 18/02/2021 que o pacto social da sociedade apelada estabelece uma cláusula de intransmissibilidade da quota aos sucessores do sócio falecido, devendo ser amortizada ou adquirida pela sociedade, por sócio ou por terceiro (art.º 8º do pacto).
Aberta a sucessão, enquanto não fosse decidida a respectiva amortização ou aquisição, os sucessores entraram na titularidade da quota, sendo integrada na titularidade da herança aberta por óbito do sócio falecido a quota de que este era detentor na sociedade.
Durante a pendência da quota, ou seja, desde a morte do sócio até à amortização ou aquisição da quota, os sucessores entram na titularidade desta, a qual pode ser objecto de partilha e adquirem o direito de preservar ou manter a identidade e a integridade da quota de modo a salvaguardar os seus interesses.
Estabelece o art.º 227º do referido Código das Sociedades Comerciais:
“1- A amortização ou a aquisição da quota do sócio falecido efectuada de acordo com o prescrito nos artigos anteriores retrotrai os seus efeitos à data do óbito.
2 - Os direitos e obrigações inerentes à quota ficam suspensos enquanto não se efectivar a amortização ou aquisição dela nos termos previstos nos artigos anteriores ou enquanto não decorrerem os prazos ali estabelecidos.
3 - Durante a suspensão, os sucessores poderão, contudo, exercer todos os direitos necessários à tutela da sua posição jurídica, nomeadamente votar em deliberações sobre alteração do contrato ou dissolução da sociedade.”
A amortização ou aquisição da quota do de cujus apenas pode acontecer mediante deliberação da sociedade; porém, os sucessores do sócio falecido, muito embora não tenham o direito de participar na deliberação em que a sociedade decida da sorte da quota, podem participar nas assembleias em que a sociedade seja chamada a terminar com o período de pendência da quota do sócio falecido.
In casu, sustenta a apelante que o cargo de c. de casal por óbito de J… J… incumbe a filha C… M…, que esteve presente na assembleia e votou as deliberações, sendo que, por sua vez, na escritura pública de habilitação lavrada em 22/02/2021, no Cartório Notarial de …, em …, o autor, ora apelado, declarou ser ele a desempenhar tal cargo.
Independentemente de, nos termos das regras que resultam do artigo 2080º do Código Civil, tal cargo incumbir a um ou a outro dos filhos, temos como certo que C… M… apenas interveio na assembleia na qualidade de sócia, representando 30% do capital social de € 10.000, como se lavrou na acta respectiva (ponto 28) dos factos provados). Como se diz na sentença recorrida, em lugar algum ali se menciona a sua intervenção na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de J… J…, ao contrário do alegado pela apelante. 
Como se disse, para que as deliberações dos sócios possam ser tomadas em assembleia geral não convocada necessário é que estejam presentes ou representados todos os sócios (art.º 56.º, n.º 1, al. a), segunda parte, do Código das Sociedades Comerciais), o que não ocorreu no caso em apreço, pois que ninguém interveio na assembleia em representação da quota que integra a herança indivisa do sócio J… J…
Manifestamente, não resulta que tenha sido convocado ou tenha tido intervenção na assembleia geral da R. de 18/02/2021 o(a) cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do sócio J… J… (art.º 222.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais), nem que tenha havido lugar à convocação ou à intervenção de todos os herdeiros do falecido.
Assim, as deliberações aprovadas na aludida assembleia são nulas nos termos do disposto no art.º 56.º, n.º 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais.
Diga-se ainda que, mesmo que se entenda que a nulidade ali prevista se trata de uma nulidade atípica (invalidade mista) por, como se referiu supra, o vício da falta de convocação poder vir a ser sanado posteriormente por vontade de todos os sócios que não foram convocados, nem participaram na assembleia, in casu não resulta que a nulidade tenha sido sanada.
Há, assim, que julgar improcedente o recurso interposto da sentença que declarou nulas as deliberações aprovadas na assembleia geral da ré de 18/02/2021 e o cancelamento das respectivas inscrições no registo comercial.
*
IV – Decisão
Em face do exposto acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar o recurso interposto pela recorrente improcedente e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
*
Custas pela apelante
Registe e Notifique.                                                             
Lisboa, 28/02/2023
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro