Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3761/14.6TDLSB.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PREJUIZO PATRIMONIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I-A falta de impugnação da matéria de facto, nos termos do disposto no artº 412 nº 3 do CPP, por parte da recorrente, não pode legitimimar um pedido de condenação no pedido cível a liquidar em execução de sentença de factos que resultaram não provados e que não foram postos em crise no recurso;
II- O crime de burla, tem como elementos do tipo legal para a sua verificação os seguintes, que decorrem claramente do seu enunciado legal:- Que o agente tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, que com tal propósito e de forma ardilosa, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos e por fim, assim determinando o ofendido à prática de actos que causem a este ou a outra pessoa um prejuízo patrimonial, nos termos do artº 217º nº 1 do C.P.;

III-O elemento do tipo, o prejuízo patrimonial exigido não pode ser visto, invertendo-se a situação para o campo da futurologia, colocando tal elemento na “vontade”, ou no “querer” posterior da arguida à pratica do crime, de pagar ou não, no todo ou em parte a quantia com que indevidamente se locupelotou, ou se tinha intenção de o fazer ou não, pois aquele perfectibliza-se no exacto momento em que o lesado que foi ardilosamente enganado, e induzido em erro, abriu mão da quantia monetária, e esta entrou na esfera da total disponibilidade da arguida, obtendo esta assim, um enriquecimento ilegítimo instantâneo a que sabia não ter direito, e que dissipou a seu bel-prazer. Como também a mesma ilacção não se pode retirar quando se afirma não estar preenchido o elemento do tipo, “prejuízo patrimonial”, se a arguida foi pagando ao longo dos anos à ofendida algumas quantias mesmo com atrasos e incumprimentos, não se podendo falar assim em prejuízo patrimonial para a ofendida;

IV- Concluindo o Tribunal da Relação pela condenação da arguida, haverá que considerar o Acórdão de fixação de Jurisprudência, nº4/2016, o qual fixou que :“Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal”, caso dos autos, pelo que se determinou “in casu” e em concreto a pena a aplicar à arguida pela pratica de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a), com referência ao artigo 202º al. b), todos do Código Penal, numa pena de dois anos e seis meses de prisão, a qual fica suspensa na sua execução pelo mesmo período nos termos do disposto no artº 50º nº 1 e 5 do C.P., a contar do trânsito em julgado da presente decisão, ficando porém, tal suspensão sujeita ao dever de a arguida pagar à assistente no mesmo prazo, a quantia de cinco mil euros devida a titulo de indemnização civil, nos termos do artº 51º nº 1 al a) do C. P., seguindo todos os trâmites legais e a feitura do devido e legal cumúlo juridico.

( elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


RELATÓRIO

A arguida MS..., devidamente identificada nos autos, foi objecto, através de sentença proferida nestes autos na 1ª instância, no processo 3761/14.6TDLSB do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo local criminal de Lisboa- Juiz 8 da seguinte decisão, proferida pelo Tribunal “ a quo”:

a) Absolvo MS... da autoria material do crime de burla qualificada de que vinha acusada;

b) Condeno a arguida MS... pela autoria material de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

c) Mais condeno a referida arguida pela autoria material de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c), com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

d) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, vai a arguida MS... condenada na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros);

e) Condeno ainda a arguida no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se em 2 (duas) UC’s a taxa de justiça, e ainda no pagamento dos honorários devidos ao Exmo. Defensor oficioso que assegurou a sua defesa até à constituição de Mandatária;

f) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante e, em consequência, condeno a arguida e demandada MS... a pagar a MQ...a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo a demandada do demais peticionado;

   Não se conformando com a sentença proferida, veio a assistente MQ..., interpor recurso daquela sentença proferida a folhas 715 até 761, apresentando entre o mais as seguintes conclusões (ipsis verbis de acordo com o recurso apresentado):

V- Conclusões.

A Apelante, como, alegou  supra em , em 1; II; III e especialmente em IV, matéria que aqui dá por reproduzida, para todos os legais efeitos, Discorda e Impugna  as Decisões  que,   absolveram a Arguida  do crime de  crime de burla qualificada de que vinha acusada , que  não a condenou no pedido de indemnização cível referente a danos patrimoniais  e apenas  a   condenou no pagamento de € 2500,00 (dois mil e quinhentos euros) de danos morais e bem como da Decisão que condenou  a Arguída na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta curos);

2.ª Conclusão

A Apelante ficou vencida ,na Sentença, dessas Decisões, tendo, assim, Legitimidade para Recorrer (art. s 400º e 401º do C. P. P e 631º do C.P.C ),  e por força do artigo 403º nºs 1 e 2  alíneas a) b)  e c) e f)  do     C. P. P  (concurso de crimes) o Recurso Restringe-se ao Crime de   Burla Qualificada de que a Arguída estava acusada, e à pena em que foi condenada  e  á Indemnização  Matéria Cível.

3.ª Conclusão

Com o presente Recurso a Assistente pugna pela Condenação da Arguída, para além dos crimes em que foi Condenada, pelo Crime de Burla Qualificada  de que foi Absolvida e ainda no que concerne ,  à pena,  que por força  da Condenação daquela pelo Crime de Burla Qualificada tem necessariamente de ser maior (ampliada ) e  pela Condenação da Arguída , em indemnização por danos materiais de que também foi absolvida  e ainda pela condenação da Arguída por danos morais, em montante nunca inferior a € 5000.00 (cinco mil euros) dada a sua gravidade e a Ofensa ao crédito e ao bom nome da Assistente que figurou  numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal e que a impediu de acesso a crédito bancário.

4.ª Conclusão

 A Assistente  nada tem a opôr à Fundamentação dos Factos Provados ,mas Discorda do Enquadramento  Jurídico-Penal  relativamente ao Crime de Burla, Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, 218º nº 2, alínea a), com  referência  ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal ,dada na Sentença Impugnada. Porque,

5.ª Conclusão

Determina o artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, referindo-se ao Cime de Burla,  que: " Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa".

6.ª Conclusão

A Burla ocorre quando uma pessoa utiliza astúcia para induzir outra em erro ou engano, de modo a que essa pessoa pratique um acto de disposição patrimonial de que resulte um prejuízo e neste crime ,  o  agente  tem de usar astúcia, no sentido objectivo, de forma a levar a cabo uma manobra ardilosa ou uma” mise en scène ” e dela  tem de resultar o erro ou engano que cause acto de disposição e este  tem de causar o prejuízo.

7.ª Conclusão

Se, nessa manobra ardilosa , a vítima  se engana e pratica o acto de disposição fazendo o depósito na conta de um terceiro, o agente não enriquece mas há burla consumada.

8.ª Conclusão

O Crime de Burla  , pressupõe a saída dos bens da esfera de disponibilidade fáctica da vítima implicando, deste modo, um duplo nexo de imputação objectiva: por um lado, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo sujeito passivo, de actos atinentes a uma diminuição patrimonial do próprio ou de outrem, e por outro, entre tais actos e a verificação efectiva do prejuízo patrimonial e o  bem jurídico protegido por esta disposição legal é o Património e não a propriedade.

9.ª Conclusão

No Crime de Burla é  património do sujeito passivo globalmente considerado, que merece tutela , sendo este entendido como um conjunto de situações e posições com valor económico detidos por uma pessoa e protegidos pela ordem jurídica, ou pelo menos, cuja fruição não é desaprovada por esta mesma ordem jurídica, o que abarca os direitos subjectivos (reais ou obrigacionais), os lucros cessantes e as expectativas de vantagens jurídico-económicas, isto é, é um conceito com grande abrangência e o valor económico do património não implica, necessariamente, falarmos em cédulas monetárias com valor facial ou moedas metálicas com valor facial, pois o valor económico está também ou seja, exatamente como está descrito no próprio artigo  217º do Código Penal Português

10.ª Conclusão

No caso dos autos há duas vítimas , a Assistente  e a Cetelem,  tendo tido ambas prejuízo no seu património , como resulta dos factos provados a saber:

1º- A Cetelem porque concedeu um crédito/financiamento de € 24.000.00 (vinte e quatro mil euros)   à Arguída  a quem não concederia se esta  tivesse usado os meios normais e legais e não os meios astuciosos e fraudulentos criminais que utilizou ,montante esse que ainda lhe não foi restituído, estando em dívida Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava se em dívida apenas o montante de € 12.592,25.(nº 35 º dos factos Provados).

2º- A Assistente que  em consequência desse facto, viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.( nº 37 dos Factos Provados) .

3ª- Recusa por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal.

11.ª Conclusão

O legislador ao prever na norma incriminatória como suficiente para a consumação do crime  o facto de a vítima sofrer um efectivo prejuízo patrimonial, sem, contudo, referir a necessidade de o agente efectivamente obter um enriquecimento ilícito, fez com que o bem jurídico ficasse tutelado de forma particular, antecipou-se a uma eventual sagacidade do agente que compreendesse uma actuação astuciosa projectada de modo a que não se pudesse enxergar o seu enriquecimento ou o de um terceiro, a auto - beneficiação patrimonial .

12.ª Conclusão

A Recorrente  teve Prejuízo Patrimonial e também teve Prejuízo Patrimonial a Cetelem e   há   um duplo nexo de imputação objectiva.-   O primeiro nexo compreendido entre a vinculação da conduta do agente, provocadora de factos que induzam em erro ou engano a(s)  vítima(s)  e a prática por esta de actos tendentes a diminuição do seu património (ou de terceiro). O que resulta dos factos Provados - O segundo nexo compreendido na vinculação entre os actos tendentes à diminuição do património, praticados pela vítima, e a verificação do efectivo prejuízo patrimonial  quer da Assistente, quer da Cetelem , a Assistente  que viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.( nº 37 dos Factos Provados)  e Recusa por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal e a Cetelem porque concedeu um crédito/financiamento de € 24.000.00 (vinte e quatro mil euros)   à Arguída  a quem não concederia se esta  tivesse usado os meios normais e legais e não os meios astuciosos e fraudulentos criminais que utilizou ,montante esse que ainda lhe não foi restituído, estando em dívida Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava se em dívida apenas o montante de € 12.592,25.(nº 35. º dos factos Provados).

13.ª Conclusão

O  Crime de Burla   só se  consuma com a saída do valor da esfera patrimonial do sujeito passivo, consubstanciada num prejuízo efectivo, não sendo necessário que exista um enriquecimento do agente,  ou seja, a consumação da burla acontece quando existe o prejuízo na esfera patrimonial do sujeito passivo, independentemente do valor entrar na esfera patrimonial do agente.

14.ª Conclusão

O criminoso , neste caso a Recorrida,   actuou   com  fraude,  porque   a sua   conduta criminosa lava ao resultado danoso, iludindo a defesa do titular do direito ofendido, ou mesmo desviando a actividade deste em sentido favorável à  sua  conduta criminosa, tendo a actividade do  ofendido sido  aproveitada fraudulentamente para consumação do crime , havendo  voluntariedade na entrega da coisa que se encontra viciada por erro causado por qualquer artifício fraudulento, sendo que  a ofensa dos interesses patrimoniais -  do Património  -  realizou se através da viciação da livre disposição patrimonial  e o interesse patrimonial (Património) é lesado pela agressão à normalidade dos actos de disposição.

15.ª Conclusão

Em suma, pode dizer se que para a verificação de um Crime de Burla, importa considerar, num primeiro momento, a verificação de uma conduta astuciosa que induza directamente ou mantenha em erro ou engano o lesado e num segundo momento, deverá verificar se um enriquecimento ilegítimo ou auto - beneficiação patrimonial .de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro factos que aconteceram e constam dos Factos dados Como Provados na Sentença

16.ª Conclusão

Tudo isto ocorreu nos autos e constam dos Factos Provados e  o montante do enriquecimento ilegítimo foi de valor consideravelmente de valor elevado €24 000,00(Vinte e quatro mil euros).

17.ª Conclusão

Assim, o Crime de Burla compreende os seguintes elementos do tipo de ilícito , que o agente tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo ou auto - beneficiação patrimonial . com tal propósito e de forma ardilosa, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos e  assim determinando o ofendido à prática de actos que causem a este ou a outra pessoa um prejuízo patrimonial.

18.ª Conclusão

Situação que se encontra Factualizada  nos Factos Provados.

19.ª Conclusão

O crime de burla exige uma conduta dolosa, podendo assumir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal, exigindo se um dolo específico por parte do agente, ou seja, não basta o dolo de causar um prejuízo patrimonial ao defraudado ou a terceiro, impondo se ainda, por parte do agente, uma especial intenção de atingir, pela sua conduta, um enriquecimento ilegítimo ou a auto - beneficiação patrimonial .

20.ª Conclusão

Ora, no caso em apreço, como bem refere a Sentença Impugnada, apurou se que com recurso a documentação forjada, na qual se apresentava como sendo a Assistente, a arguida logrou convencer os responsáveis da "Cetelem" a aprovarem a concessão de um crédito no montante de € 24.000,00, quantia monetária que foi disponibilizada à arguida em conta aberta de forma ilícita em nome da assistente, à qual apenas a arguida tinha acesso. E,

21.ª Conclusão

Com tal conduta, dúvidas não se colocam que a arguida actuou com a intenção de obter para si determinada quantia monetária através de uma conduta ilícita   forjando documentos, pois que sabia não dispor de condições para em nome próprio beneficiar de tal concessão de crédito   o que fez induzindo em erro os funcionários da "Cetelem", ao apresentar lhes documentação da assistente MQ..., criando nestes a convicção que estavam a contratar com esta, o que não correspondia à verdade. Quantia que a recorrida  MS... veio a obter e a  utilizar .

22.ª Conclusão

A Sentença Recorrida   conclui que “ Sucede, porém, que não ficou demonstrado o últimos dos elementos típicos do crime de burla: que em consequência de tal conduta tivesse ocorrido um efectivo prejuízo patrimonial, discordando dela a Recorrente  que teve Prejuízo Patrimonial e Prejuízo Patrimonial que  também teve a Cetelem.  

23.ª Conclusão

Conclui a Sentença Impugnada que :  “ …Pese embora essa conduta ilícita da arguida, o certo é que ao longo dos anos esta foi pagando as prestações acordadas com a "Cetelem"   ainda que com atrasos e em alguns meses incorrendo em efectivo incumprimento   mas na realidade não poderá falar se de um prejuízo patrimonial para a “Cetelem”, que vem recebendo da arguida as contrapartidas acordadas e subjacentes à concessão de tal crédito.

24.ª Conclusão

A Apelante  entende   que  houve um efectivo prejuízo pela Cetelem  porque é a própria Sentença Impugnada reconhece  que a Cetelem e a  Assistente tiveram cada  uma  prejuízo e reconhece que a Arguída  obteve um financiamento a que não tinha direito  como resulta dos nºs  20º a 38º inclusivé , dos Factos Provados,  acima transcritos, que aqui se dão por reproduzidos para todos os legais efeitos. 

25.ª Conclusão

E nesses Factos Provados resulta de Forma Inequívoca que houve um Locupletamento da Arguída , Locupletamento hábil, mas que está patente nos autos e consta dos Factos Dados Como Provados  e o legislador protegeu o bem jurídico de forma hábil porque antecipou-se a uma eventual sagacidade do agente que compreendesse uma actuação astuciosa projectada de modo a que não se pudesse enxergar o seu enriquecimento ou o de um terceiro, e ,pelo menos a Arguída teve  auto - beneficiação patrimonial com o seu comportamento.

26.ª Conclusão

Conclui a Sentença Recorrida que: “ Por outro lado, apesar dos danos morais causados à assistente   que adiante se analisarão   não poderá afirmar se que esta tenha sofrido um concreto e efectivo prejuízo patrimonial por via da aprovação daquele crédito, pois que a assistente nunca pagou qualquer prestação por conta desse contrato forjado, nem sofreu um qualquer prejuízo patrimonial directamente decorrente de tal conduta da arguida.” , o que está em contradição com os Factos Assentes e que consta  da Conclusão da Sentença no que se refere ao Crime de Falsificação ,mas que se é prejuízo para esse Crime também o é para o Crime de Burla ,referindo a Douta Sentença  ". Nestes termos, ainda que ao agente não assista uma específica intenção de causar prejuízo a outrem, basta que, com a sua conduta tenha obtido um beneficio ilegítimo, entendendo se este como "(..) toda a vantagem (patrimonial ou não patrimonial) que se obtenha através do acto de falsificação ou do acto de utilização do documento .falsificado .E

27.ª Conclusão

Refere ainda a Sentença que “ No caso em apreço, tendo em conta a factualidade dada como provada, resulta evidente que também aqui a arguida preencheu os elementos objectivo e subjectivo do crime de falsificação de documento de que vem acusada, porquanto forjou a assinatura de MQ... na documentação com que abriu a conta bancária no banco BPI, bem como nos contratos de crédito subscritos com a "Cetelem", tendo ainda adulterado uma factura de molde a comprovar uma morada da assistente que não correspondia à realidade, obtendo para si, com essas condutas, o beneficio ilegítimo de ver aprovado um crédito de € 24.000,00, ao qual de outro modo não teria acesso, em face das responsabilidade financeiras que já detinha junto de diversas entidades bancárias.” E,

28.ª Conclusão

Mais refere a Douta Sentença Impugnada  que .”Acresce que com essa conduta e a que adoptou posteriormente  ao incumprir o pontual pagarnento das prestações atinentes a tal contrato de concessão de crédito   a arguida causou à assistente um prejuízo, pois que esta viu o seu nome figurar como devedora em lista do Banco de Portugal, sendo lhe ainda recusada a concessão de um crédito bancário, sabendo, evidentemente, a arguida que a sua conduta era ilícita e criminalmente punível.”

29.ª Conclusão

É a própria Sentença Impugnada reconhece os prejuízos quer da Assistente, quer da Cetelem  e depois de os reconhecer não pode dizer que não existiram.

30.ª Conclusão

A Sentença Impugnada   conclui  ainda   que:   “ Mas ainda que assim não fosse, a actuação da arguida   ao realizar o pagamento das prestações acordadas, apesar de alguns incumprimentos verificados ao longo do tempo   não permite concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não se tendo demonstrado que com essa sua actuação tivesse em mente locupletar se com tal quantia monetária, jamais tendo a intenção de proceder ao seu pagamento

31.ª Conclusão

A Assistente  além  do que já demonstrou  atrás  sobre o seu Prejuízo  e do Prejuízo da Cetelem, vem invocar que  houve  um locupletamento da Arguída ,locupletamento hábil, mas que está patente nos autos e que o legislador protegeu o bem jurídico de forma hábil porque antecipou-se a uma eventual sagacidade do agente que compreendesse uma actuação astuciosa projectada de modo a que não se pudesse enxergar o seu enriquecimento ou o de um terceiro, a auto - beneficiação patrimonial  e a Arguída  procedeu com o seu comportamento à sua  “auto - beneficiação patrimonial” .

32.ª Conclusão

Assim a Assistente  discorda  do entendimento da Sentença Impugnada   porque  houve prejuízo patrimonial ,  quer da Assistente , quer da Cetelem e houve  por parte da Arguída  uma “auto - beneficiação patrimonial”, devendo-se ter em especial atenção que a Arguída obteve: Um financiamento indevido de   sendo de prestar-se uma especial atenção aos n.ºs  2 1. Por terem ficado convencidos que toda a documentação apresentada se encontrava em ordem e que estavam a contratar com a assistente, que reunia condições económicas para o efeito, e assim determinados pela actuação da arguida, os responsáveis da "Cetelem" aprovaram o crédito solicitado, no montante de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros). - Concessão de crédito pela Cetelem de€ 24.000,00 (vinte e quatro mil euros):Que.

33.ª Conclusão

Entrou no património da Arguida  “ 22. Assim, no dia 4 de Fevereiro de 2014, foi creditado na conta bancária supra referida o montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros), após ter sido descontada a quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta cures) referentes ao imposto de selo de utilização de crédito,  e que esta, utilizou , em seu proveito, fazendo com tal montante , pagamentos  e transferências bancárias para  outra conta ,titulada pela Arguída,  como resulta dos Factos Provados dos N.ºs 22.º a 24.º) .E que,

34.ª Conclusão

É um Financiamento  que o artigo 202º do Código  Penal , na alínea a) considera valor consideravelmente  elevado , porque excede 200 Unidades de Conta (UCS , sendo a UC á data no valor de € 102,00 (cento e dois euros) ,excedia €20.400,00 (Vinte mil e quatrocentos euros). 

35.ª Conclusão

A Arguída após a subscrição do referido contrato de crédito, com o Financiamento    de€ 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) que lhe foi feito, efectuou o pagamento de mensalidades, levantou dinheiro,  transferiu o dinheiro para outra conta sua.

36.ª Conclusão

 E registou, situações de atraso no pagamento, á Cetelem, e em alguns meses de incumprimento, em face das dificuldades financeiras com que se debatia. E,

37.ª Conclusão

Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava se em dívida o montante de € 12.592,25.(nº 35 º dos factos Provados).,  um valor  elevado ,porque a alínea a) do artigo 202º  do Código Penal considera Valor elevado o que excede 50 Unidades de Conta ,ou seja o que excedia e excede € 5500,00 (Cinco mil e quinhentos euros) .  E gravíssimo ainda o facto de

38.ª Conclusão

Em consequência da descrita conduta da arguida, nomeadamente em face dos incumprimentos que, por vezes, se verificaram, a "Cetelem " comunicou tal facto ao Banco de Portugal   Centralização das Responsabilidades de Crédito, indicando como incumpridora a ora assistente, que figurava como titular no aludido contrato.(nº 36 dos Factos Provados).

39.ª Conclusão

Esta Situação descrita é um grave prejuízo ,quer no Património da Assistente, quer no da Cetelem.

40.ª Conclusão

Prejuízo Patrimonial que a Arguída Causou , de tal forma grave,  que a  Assistente em consequência desse facto, viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.( nº 37 dos Factos Provados) , recusa por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal.

41.ª Conclusão

O  texto da norma incriminatória (artigo 217º do C. P ) não  condiciona a consumação do crime a um eventual enriquecimento ilegítimo do agente ou de terceiro, se o fizesse  far-se-ia escapar do âmbito de protecção da norma toda e qualquer situação em que agente tivesse em  mente actuar de modo a que os bens da vítima não entrassem na sua (ou de terceiro) esfera de disponibilidade fáctica e/ou jurídica.

42.ª Conclusão

Repete a Assistente que  se o texto do artigo incriminatório  condicionasse ao locupletamento do Arguído , aconteceria que,  em todos os casos em que ocorresse o efectivo prejuízo patrimonial da vítima, mas que não se pudesse ou conseguisse provar o efectivo enriquecimento do agente (ou de terceiro) correr-se-ia o risco de o mesmo não poder ser responsabilizado penalmente por este tipo de crime.

43.ª Conclusão

Desta forma a Arguída  MS... praticou  o crime de Burla Agravada  de que vinha Acusada  quer pelo Mº Pª, quer pela Assistente e por esse Crime deve também ser Condenada, sendo que o Crime  de Burla é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de  multa (artigo 217º do C. P. ) e o nº 1 do   Artigo 218º do mesmo Código   pune o Crime de Burla Qualificada  de Valor elevado .com pena de Prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e  o Nª 2  do ainda mesmo Código  determina a Pena de Prisão  de 2 a 8 anos, quando o prejuízo Patrimonial for de valor  consideravelmente elevado  como é o caso dos autos.  

44.ª Conclusão

Houve um efectivo prejuízo pela Assistente  que consta dos factos Provados e que consta  da Conclusão da Sentença no que se refere ao Crime de Falsificação ,mas que se é prejuízo para esse Crime também o é para o Crime de Burla , porque a Assistente  além  do que já demonstrou  atrás. sobre o seu Prejuízo  e do Prejuízo da Cetelem, vem invocar que  houve  um locupletamento da Arguída ,locupletamento hábil, mas que está patente nos autos e que o legislador protegeu o bem jurídico de forma hábil porque antecipou-se a uma eventual sagacidade do agente que compreendesse uma actuação astuciosa projectada de modo a que não se pudesse enxergar o seu enriquecimento ou o de um terceiro, a auto - beneficiação patrimonial  e a Arguída  procedeu com o seu comportamento à sua  “auto - beneficiação patrimonial” ..

45.ª Conclusão

Desta forma a Arguída  MS... praticou  o crime de Burla Agravada  de que vinha Acusada  quer pelo Mº Pª, quer pela Assistente e por esse Crime deve também ser Condenada, sendo que o Crime  de Burla é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de  multa (artigo 217º do C. P. ) e o nº 1 do   Artigo 218º do mesmo Código   pune o Crime de Burla Qualificada  de Valor elevado .com pena de Prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e  o Nª 2  do ainda mesmo Código  determina a Pena de Prisão  de 2 a 8 anos, quando o prejuízo Patrimonial for de valor  consideravelmente elevado  como é o caso dos autos.  

46.ª Conclusão

A Assistente no que concerne à Pena Aplicada à Arguída vinca que as consequências decorrentes da conduta ilícita da arguida, foram graves não obstante  não ter  antecedentes criminais ou outras condenações averbadas no C R C, e  ter  reconhecido em grande medida os factos praticados, e que  perante a factualidade apurada,  o Código Penal  pune  o Crime  de Burla  com pena de prisão até 3 anos ou com pena de  multa  (artigo 217º do C. P. ) e o nº 1 do   Artigo 218º do mesmo Código   pune o Crime de Burla Qualificada  de Valor elevado .com pena de Prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e  o Nª 2  do ainda mesmo Código determina a Pena de Prisão  de 2 a 8 anos, quando o prejuízo Patrimonial for de valor  consideravelmente elevado  como é o caso dos autos.

47.ª Conclusão

Pelo que tendo a Arguída praticado um Crime de Burla  com prejuízo patrimonial  consideravelmente  elevado , que o Código determina entre 2  a  8 anos de prisão , não pode a Arguída  ser punida  com pena inferior á  determinada ,até porque praticou  outros crimes pelos quais  também foi  condenada tendo-se  em atenção.    

•0 grau de ilicitude do facto, que se situa num nível elevado, em particular no crime de falsificação, tendo em conta a logística subjacente à prática do crime e o número de documentos forjados, o que é revelador de uma premeditação e desenvoltura criminosa assinaláveis, impondo se ainda considerar o grau de violação dos deveres impostos à arguida enquanto contabilista que prestava serviços à assistente, sendo que foi essa relação que permitiu a perpetração dos factos;

•A culpa com que actuou, que assumiu a modalidade de dolo directo e de elevada intensidade, considerando a energia dolosa contida na concreta actuação da arguida;

•A circunstância de a arguida gozar de inserção profissional, não ter averbadas condenações no seu C R C e ter confessado em grande medida os factos, denotando alguma autocensura quanto à sua conduta.

48.ª Conclusão

A Douta Sentença  Impugnada   condenou  a arguida na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa pelo crime de furto, e na pena de 300 (trezentos) dias de multa pelo crime de falsificação de documento e em cúmulo jurídico na pena de, na pena  de multa de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) no que se refere aos Crimes de Furto e Falsificação, o que perfez  a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros).

49.ª Conclusão

Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, onde são tidos em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, sendo os pressupostos que a lei exige para a aplicação de uma pena única:

- prática de uma pluralidade de crimes pelo mesmo arguido, formando um concurso efectivo de infracções, seja ele concurso real, seja concurso ideal (homogéneo ou heterogéneo);

50.ª Conclusão

A determinação da pena no concurso de crimes consta  do art. 77.º, n.º 2 do CP, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas,  aos vários crimes , não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias tratando-se de pena de multa  e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas, sendo  o  limite mínimo  é a maior das penas parcelares aplicadas  e o limite máximo corresponde ao somatório de todas as penas aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos e  a regra é da acumulação material das penas, mesmo que de natureza diferente, como o caso de pena de multa  e de pena de prisão.

51.ª Conclusão

A pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas   não podendo, no caso da pena de multa, ultrapassar os 900 dias  , e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e no caso dos autos a pena única terá como limites mínimo  300  dias de multa e como limite máximo  8 anos de prisão.

52.ª Conclusão

Entende a Recorrente que, ponderando todos os factos carreados para os autos, designadamente o circunstancialismo temporal em que os crimes foram perpetrados e a personalidade da arguida tal como surge revelada nos factos apurados e na postura assumida em audiência, considera se adequado condenar a arguida na pena  de multa única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) no que se refere aos Crimes de Furto e Falsificação  e  a pena de prisão  de 4 anos para o Crime de Burla Qualificada.

53.ª Conclusão.

A Assistente entende que  há prova bastante nos autos  que  consta dos Factos Provados para condenar por danos materiais a Arguída ,porque deles constam   os dias  de trabalho que a Assistente teve que perder dias, para se deslocar à Polícia Judiciária, ao Banco BPI,  ao Banco de Portugal , à Cetelem  e ao DIAP e ainda nos dias  em que tiver lugar o Julgamento da Arguída. nunca inferiores  a 12 (doze ),com efeito só em julgamento foram  três dias, como constam das Actas de julgamento, constam também os dias em que teve de ir á Polícia Judiciária e ao DIAP  e foram 9/5/ 2014,16/5/2014,17/5/2014, 19/5/2014 ,28/5/2014, 7/7/ 2014, 11/7/2014, 22/10/2014 ,14/1/2015,  16/12/2015, ao BPI e pelo menos foram dois ,ou seja em   9 , 19 e 29/5/2014, Banco de Portugal 9/5 /2014,212/10/2014 ,Cetelem  9/5/2014,  16/6/2014, 24/8/2015 ,além, de constar dos autos a ida à Ordem dos Contabilistas e outras.

54.º Conclusão

Deixando de auferir uma média de noventa euros dia ,ou seja no montante global  de  €  1.080,00 ( mil e oitenta euros)  com tais deslocações, porquanto a actividade de Agente de Execução é feita de actos internos e externos ,cabendo neles os Honorários e Despesas e por cada acto externo  o  valor é de e 51,00 (cinquenta e um euros  e todos estes actos constam da Portaria nº 225/2013 artigos 13º,,18º nº 3.

55.ª Conclusão

A Assistente  fez  ,deslocações  e  contactos  pessoais e telefónicos com o Banco de Portugal  , Banco BPI,  Cetelem ,tendo gasto cerca de € 200,00 (duzentos  euros)  com isso., constando dos autos as cartas e os dias de deslocação.

56.ª Conclusão.

Também consta  dos autos e e da Matéria Provada que  a  Assistente  é Agente de Execução, cuja actividade  profissional é externa e interna que  teve necessidade  de mudar de veículo automóvel  para efectuar o trabalho externo  e   foram-lhe recusados empréstimos  para  a compra  de um veículo  de serviço  Wolkswagen Tiguan matrícula xx-xx-xx  junto  de Entreposto Lisboa Comércio de Viaturas ,S.A ,por  constar o seu nome  em lista de pessoas com responsabilidades  financeiras  no Banco de Portugal.

57.ª Conclusão

Empréstimo esse de  cerca de 15.000 (quinze ml euros) ,pois o custo do veículo era de  € 14.500.00 (catorze mil e quinhentos euros)  que não lhe foi concedido pelas entidades bancárias  onde o solicitou Caixa Geral de Depósitos  e  Millennium bcp ,tendo tido necessidade  de recorrer  a empréstimo  particular, contraído junto de  seus pais, deixando de poder beneficiar  de pagar e amortizar o veículo ao longo  de cinco anos, O que lhe causou um dano  superior a  € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

58.ª Conclusão

Desta forma estão provados nos autos  os danos materiais Deixando de auferir uma média de noventa euros dia ,ou seja no montante global  de  €  1.080,00 ( mil e oitenta euros), das despesas de deslocação  e  contactos  pessoais e telefónicos com o Banco de Portugal  , Banco BPI,  Cetelem ,tendo gasto cerca de € 200,00 (duzentos  euros)  com isso., constando dos autos as cartas e os dias de deslocação e ainda o prejuízo da não amortização do veículo em cinco anos ,o que  perfaz €3.780,00 (três mil setecentos e oitenta euros) a que acrescem os honorários e despesas da sua Mandatária e cujo valor  não é inferior a €2500.00 (dois mil e quinhentos euros), o que tudo soma € 6280,00 ( seis mil, duzentos e oitenta euros)

 59.ª Conclusão

Determina a Sentença que se  apurou que a Assistente e Demandante passasse a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, chegando a ver recusado um crédito bancário por idêntica razão, o que consta dos Factos Provados nos nºs 36 e 37º

60.ª Conclusão

Os Factos em que a Assistente  alicerçava a sua pretensão indemnizatória  estão provados , como consta dos autos e dos Factos Provados ,o que  o Tribunal não apurou foi o montante exacto dos danos Materiais da Assistente  que esta  indicou no valor de € 6280.00 (Seis mil, duzentos e oitenta euros). E,

61.ª Conclusão

O nº 2 do artigo 609º, do Código de Processo Civil determina que “Se não houver elementos para fixar  o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado - Liquidação essa a efectuar ,ou por Incidente de Liquidação, ou em Execução de Sentença, nos termos dos artigos 358º a 361º do C.P.C, nºs 1 e 2 , sendo que não podia era deixar de Condenar a Arguída ,  em Danos Materiais,  face à Matéria qua Consta Provada, não podendo  improceder a pretensão da Assistente quanto aos danos materiais que sofreu no valor de € 6280.00 (Seis mil, duzentos e oitenta euros)

62.ª Conclusão

Também no que respeita aos Danos não Patrimoniais  a Assistente discorda do Montante ,por parco, fixado na Sentença.

63.ª Conclusão

 Refere a sentença Impugnada  que “ No que respeita aos invocados danos não patrimoniais, sendo hoje indiscutível que a obrigação de indemnizar igualmente os inclui   como resulta expressamente enunciado no artigo 496.º do Código Civil  , constata se que a arguida com a sua conduta, constitui se na obrigação de indemnizar a demandante, nos termos dos artigos 483.º e 487.º do Código Civil, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.”

64.ª Conclusão

E continua  a Douta Sentença “ In casu, apurou se que após MQ... ter tomado conhecimento da conduta da arguida, ficou angustiada, enervada, stressada e com insônias, tendo mesmo tido necessidade de recorrer a auxílio médico e medicamentoso para debelar esse estado de ansiedade, o que se afigura perfeitamente lógico perante as consequências ocasionadas pela conduta da arguida e subsequente incumprimento das prestações do contrato, que levou a que a assistente e demandante passasse a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, chegando a ver recusado um crédito bancário por idêntica razão.”

65.ª Conclusão

 Mais acrescenta a Sentença” Acresce que tal estado de ansiedade se perpetuou no tempo, apenas tendo diminuído com a aproximação da data de julgamento, o que também se mostra perfeitamente plausível, em face do aproximar do desfecho do processo. Tais factos abalaram a vivência diária da demandante, sendo que os danos apurados assumem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.

66.ª Conclusão

E Refere ainda  que “ Inexistindo um "preço" para os danos não patrimoniais, atenta a sua natureza infungível, é contudo necessário conceder ao lesado uma compensação que proporcione certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro para, de certa forma, reparar as lesões dos direitos de personalidade emergentes do evento danoso, impondo se lançar mão a critérios de equidade enquanto critério de fixação do quantum indemnizatório. Na fixação deste importa atender à gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado, bem como às demais circunstâncias previstas nos artigos 494.º e 496º', nº. 3 do Código Civil.”

67.ª Conclusão

E condenou  a arguida e demandada MS... a pagar a MQ...a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo a demandada do demais peticionado;

68.ª Conclusão

Também a Assistente entende que  dada a gravidade dos seus dânios morais  , gravidade essa  que consta dos Factos Provados a condenação nos danos morais  é parca, até porque foi ofendida  gravemente no crédito e no bom nome, tutelados pelo artigo 484º do Código Civil .

69.ª Conclusão

  A Assistente tinha pedido  a condenação da Assistente no montante de € 7500,00 (sete mil e quinhentos euros) pela  indemnização por   danos morais e a Assistente é pessoa que exerce uma actividade onde o bom nome e reputação são essenciais –Agente de Execução – e a Arguída abalou esse bom nome e reputação  da Assistente /Demandante ,pelo que  para além  do stress, angústia, depressão ,enervamentos , conflitos  com as pessoas com que lidou no dia a dia (vivência diária)  , dores de cabeça , á ofensa do crédito e bom nome .Por isso,

70.ª Conclusão

Os danos não patrimoniais não podem ser inferiores a pelo menos € 5000,00 (cinco mil euros),discordando do montante  fixado na douta sentença de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos curos) que deve ser  revogado e substituído pelo montante de  € 5000,00 (cinco mil euros),montante  que a arguida deve ser condenada  a pagar à assistente a quantia de  a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

71.ª Conclusão

A Douta Sentença impugnada tem de ser revogada   e substituída por douto Acórdão que dê provimento ás pretensões da Assistente constantes das presentes Alegações   pelas razões constantes do Presente Recurso. E,

72.ª Conclusão.

Ser a Arguída condenada, por  Douto Acórdão que :

a)           Revogue  a Sentença Impugnada  que condenou a Arguída  por um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, Por um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas b) e c), do Código Penal e na pena  de multa única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) ), o que perfazia a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta curos) e ainda em indemnização ,apenas, por danos morais  no valor de € 2500,00 (Dois mil e quinhentos euros).

b)            Substitua a Sentença Revogada por Douto Acórdão que:

1-            Condene a Arguída  por um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, Por um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, nº 1, alíneas b) e c), do Código Penal e na pena  de multa única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros) ), o que perfazia a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta curos),por força do cúmulo jurídico das penas de multa.

2-           Condene a Arguída  MS... pela prática  do crime de Burla Agravada  de que vinha Acusada  quer pelo Mº Pª, quer pela Assistente - um crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº 1, 218º nº 2, alínea a), com  referência  ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal ,  punido com pena com pena de Prisão de 2 a 8 anos,  por o Prejuízo Patrimonial ser de valor  consideravelmente elevado  como é o caso dos autos. 

3-           Que  condene   a Arguída a pagar à  Assistente  o valor de € 6280.00 (Seis mil, duzentos e oitenta euros) a título de Danos Materiais  que estão demonstrados nos autos  e se assim não for entendido  que o Tribunal condene  a Arguída  nos termos do  nº 2 do artigo 609º, do Código de Processo Civil  ,ou seja, “Se não houver elementos para fixar  o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado - Liquidação essa a efectuar ,ou por Incidente de Liquidação, ou em Execução de Sentença, nos termos dos artigos 358º a 361º do C.P.C, nºs 1 e 2 .

4-            Que Condene ainda a Arguída a pagar à Assistente  por danos morais  e ofensa ao seu crédito e  bom nome no montante de pelo montante de  € 5000,00 (cinco mil euros),montante  que a arguida deve ser condenada  a pagar à assistente a quantia de a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos

Assim Decidindo, Farão Vossas Excelências ,Venerandos Desembargadores , a Verdadeira e Acostumada Justiça.

O Ministério público, junto da 1ª Instância respondeu ao recurso interposto ( a folhas 784 até 791), apresentando as seguintes:

III – Conclusões:

1- O que decorre da decisão proferida pelo Tribunal a quo e com a qual concordamos é que, não obstante alguns atrasos no pagamento das prestações e mesmo alguns incumprimentos, ficou demonstrado que nem a Assistente nem a “Cetelem” tiveram prejuízo patrimonial. Na verdade, ficou demonstrado que a arguida tendo vindo a pagar as prestações do financiamento solicitado à “Cetelem”, no valor de €24.000,00, sendo que em 25.11.2016 apenas se encontrava em dívida o valor de €12.592,25.

2- A Assistente não procedeu ao pagamento de qualquer prestação, nem a isso se viu obrigada, por parte da “Cetelem” quanto ao empréstimo concedido à arguida e obtido através de recurso à identificação da Assistente e a documentos forjados.

3- A Assistente não sofreu qualquer prejuízo patrimonial decorrente directamente da conduta da arguida, que se fazendo passar por ela abriu conta bancária nome da assistente e negociou crédito com a “Cetelem” como da assistente se tratasse.

4- A própria “Cetelem” não foi prejudicada, em termos patrimoniais, dado que a arguida após contactar tal entidade obteve referência multibanco e procedeu ao pagamento das prestações em causa, embora por vezes o tenha feito com atrasos e por vezes não tenha conseguido proceder a tal cumprimento, por força das dificuldades provocadas pelo sobre endividamento em que se encontrava.

5- A prova destes factos resultou não só das declarações da própria arguida, que admitiu quase na totalidade a prática dos factos que lhe foram imputados, explicando porque o fez – mas também da inquirição de testemunha da “Cetelem” e dos documentos juntos pela sociedade que atestam que a arguida tem vindo a proceder ao pagamento das prestações acordadas e que a Assistente figura ainda como devedora, por ser a titular do contrato, mas nenhum pagamento fez aquela entidade.

6- Ora, verificando-se que não houve um efectivo prejuízo patrimonial decorrente do contrato de crédito fraudulento celebrado pela arguida e que esta foi a única forma de contornar a impossibilidade de obtenção de crédito junto da banca, necessariamente teria a arguida que ser absolvida deste crime pelo qual foi acusada dada a prova que se produziu em sede de audiência de discussão e julgamento.

7- Quanto ao prejuízo resultante da conduta da arguida consistente na inserção do nome da Assistente na Centralização das Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal tal não configura em si um prejuízo que atingiu o património da Assistente, antes se prefigurando como um dano não material sofrido.

8- Quanto à recusa de concessão de créditos para aquisição de viatura automóvel à Assistente tal prejuízos advieram da comunicação da “Cetelem” face a um incumprimento de prestações pela arguida mas não integram o prejuízo patrimonial directo decorrente de um empréstimo que nunca seria pago, isto é um prejuízo no correspondente ao valor de €24.000,00. É precisamente este valor do contrato de financiamento que qualificou o crime que foi imputado à arguida, e este prejuízo patrimonial não foi causado nem à Assistente nem à “Cetelem”, bem como não ficou demonstrado que essa fosse a intenção da arguida. 

9- Isto porque ainda antes do raciocínio que leva à conclusão que não houve um efectivo prejuízo patrimonial derivado da conduta da arguida – face ao cumprimento das prestações do contrato por parte desta – há que ter em conta se a arguida agiu com o dolo específico da burla – “intenção de obter para si um enriquecimento ilegítimo”.

10- Ora, a conduta da arguida que ficou demonstrada em sede de julgamento denuncia que aquela teve intenção de proceder ao pagamento das prestações, desde o início do contrato, e que, segundo o que a própria afirmou em julgamento (e não foi infirmado por qualquer outra prova) apenas agiu da forma como agiu porque não conseguiria a obtenção de financiamento em seu nome por não reunir as condições exigidas para tanto.

11- Não se conseguindo provar que a arguida tenha agido com o dolo específico da burla, isto é que nunca teve intenção de pagar o empréstimo concedido, há que decidir pela sua absolvição como bem fez a decisão do Tribunal a quo.

12- As demais condutas da arguida foram punidas – por verificação de todos os elementos e pressupostos legais exigidos pelos tipos de crimes – com as penas constantes do dispositivo da sentença.

13- O Ministério Público entende ainda que bem andou a decisão recorrida quanto a não ter dado como factos provados os constantes do PIC na parte respeitante aos danos patrimoniais, porque, efectivamente, a assistente não logrou fazer prova dos mesmos, e quanto ao valor estabelecido para os danos não patrimoniais parece-lhe razoável e adequada a indemnização atribuída à Assistente na decisão recorrida.

Face ao exposto, entendemos não dever ser dado provimento ao recurso do arguido. Termos em que farão V. Exas. a costumada,

JUSTIÇA!

A arguida respondeu ao recurso interposto pela assistente pela forma constante de folhas 767 até 782 (onde em parte transcreve parte da sentença recorrida), concluindo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado e em consequência deve ser confirmada a sentença do Tribunal de 1ª instância, com todos os efeitos legais, fazendo-se assim a costumada justiça!

A Digna Procuradora Geral Adjunta junto deste Tribunal, em douto parecer discorda na integra do parecer apresentado pelo MºPº na 1ª instância ( fls. 801 e 802), nomeadamente quanto à absolvição relativa ao crime de burla agravada que se imputava à arguida, pelos motivos que especifica detalhadamente, e concluiu pela adesão ao recurso apresentado pela assistente, o qual, deverá na sua perspectiva ser integralmente provido e a arguida condenada pela prática de um crime de burla agravada.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P.

O processo seguiu observando-se todos os formalismos legais.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pela assistente, o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões: 

-Dever ser a arguida condenada pela pratica de um crime de burla agravada p.p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a), com referência ao artigo 202º al. b), todos do Código de Processo Penal;

-Impugna a sentença no segmento em que condenou a arguida na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros, pela pratica do crime de furto e falsificação;

-Dever a arguida ser condenada relativamente ao pedido cível em quantia não inferior a €5000,00, pelos danos não patrimoniais, e condenada no montante de € 6280,00 a titulo  de danos patrimoniais, estes últimos a liquidar em execução de sentença.

             Vejamos então:

A sentença sob censura tem o seguinte teor, nos segmentos que ora nos interessam:

1. Relatório

   Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do Tribunal singular, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o Ministério Público requereu o julgamento de:

MS...,

imputando-lhe a autoria material, na forma consumada e em concurso efectivo, de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal, e 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal.

  A assistente MQ...acompanhou a acusação pública, nos termos previstos no artigo 284.º do Código de Processo Penal, e deduziu ainda pedido de indemnização civil contra a arguida, pugnando pela condenação desta no pagamento da quantia de € 6.280,00 (seis mil duzentos e oitenta euros) a título de danos patrimoniais e € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) por conta de danos morais, todos decorrentes da conduta delituosa em apreciação nestes autos.

(…).

   2. Fundamentação de Facto

   2.1. Factos Provados

   Discutida a causa, com relevância para a decisão a proferir resultaram provados os seguintes factos:

1. A arguida MS... exerce desde 1998 a actividade profissional de contabilista e encontra‑se inscrita na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

2. Desde 2008 e até Janeiro de 2014, a arguida prestou serviços na área de contabilidade à assistente MQ..., que é agente de execução, e já prestava idênticos serviços de contabilista ao pai da assistente, AQ..., desde pelo menos o ano de 2003.

3.  Desempenhando ambas a respectiva actividade profissional no mesmo prédio, sito na Avenida  (…) em Lisboa, do qual AQ... é inquilino, tendo igualmente escritório como advogado na mesma morada.

4. No decurso do ano de 2011, a arguida contraiu um empréstimo junto do Banco Popular tendo em vista a construção de uma habitação.

5. Sucede que a arguida viu‑se impossibilitada de cumprir as suas obrigações junto daquela instituição bancária, incorrendo em incumprimento contratual e ficando endividada.

6. Perante este quadro, e por saber que não lograria obter junto da banca novo crédito em seu nome, em data não concretamente apurada do ano de 2014, mas certamente anterior a 10 de Janeiro de 2014, a arguida decidiu apresentar um pedido de concessão de crédito pessoal em nome da assistente, que sabia reunir as condições económicas para o efeito, sem o seu conhecimento nem autorização, fazendo sua a quantia que dessa forma fosse obtida.
7.  Valendo‑se da circunstância de ter fácil acesso aos seus documentos pessoais em razão das funções por si desempenhadas, em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a 10 de Janeiro de 2014, a arguida dirigiu‑se ao escritório de MQ... e retirou do interior da carteira desta que aí se encontrava o cartão de cidadão da assistente, cujo valor em concreto não foi possível determinar, fazendo‑o seu.
8. Em seguida, para obter um comprovativo de residência, a arguida socorreu‑se de uma factura do gás do mês de Outubro de 2013, emitida em nome da assistente e que lhe havia sido entregue por esta, digitalizou‑a e alterou informaticamente os campos respeitantes à morada da cliente.
9. Fazendo constar como morada a Av. (…) Lisboa.
10. Apesar de saber que a assistente não reside e nunca residiu no aludido endereço, antes sendo uma antiga morada da arguida.
11. Na posse do cartão de cidadão da assistente, do suposto comprovativo de morada e ainda de uma declaração de rendimentos da assistente do ano de 2012, a que teve acesso por ser sua contabilista, no dia 10 de Janeiro de 2014, a arguida dirigiu‑se ao balcão do banco BPI, sito na Avenida de Roma, em Lisboa, e diligenciou pela abertura de uma conta bancária em nome da assistente.
12. Para tanto, entregou à funcionária C… os ditos documentos.
13. Após, no respectivo contrato de abertura de conta, no local destinado à assinatura do cliente, a arguida apôs pelo seu próprio punho o nome manuscrito “MQ...”, como se da própria se tratasse, produzindo assinatura semelhante à verdadeira e susceptível de ser tida como tal.
14. Nessa sequência, foi aberta no “Banco BPI” a conta n.º (…), em nome da assistente.
15. Prosseguindo com os seus desígnios, através da internet, a arguida entrou em contacto com a instituição financeira “Cetelem” e solicitou a concessão de um crédito no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), em nome da assistente, sem o conhecimento nem autorização desta.
16. Para o efeito, enviou cópia do cartão de cidadão da assistente, da mencionada declaração de rendimentos e do suposto comprovativo de morada.
17. E indicou ainda o NIB da conta n.º(…) , que abrira em nome da assistente no “Banco BPI”, como sendo a conta onde deveria ser creditada a quantia emprestada.
18. Na sequência desses contactos, a arguida recepcionou os exemplares do contrato de crédito e, no dia 27 de Janeiro de 2014, apôs no documento, pelo seu próprio punho, o nome “MQ...”, produzindo assinatura em tudo idêntica à da assistente e susceptível de ser tida como tal, no contrato de crédito da “Cetelem” n.º(…) , na respectiva apólice de seguro e autorização de débito directo, no local destinado ao 1.º titular.
19. Previamente, em 15 de Janeiro de 2014, a arguida já havia colocado o nome manuscrito “MQ...” num outro contrato celebrado com a “Cetelem”, que todavia ficou suspenso após ter sido concretizado o sobredito contrato datado de 27 de Janeiro de 2014.
20. Tendo a arguida enviado os aludidos documentos à mencionada instituição financeira.
21. Por terem ficado convencidos que toda a documentação apresentada se encontrava em ordem e que estavam a contratar com a assistente, que reunia condições económicas para o efeito, e assim determinados pela actuação da arguida, os responsáveis da “Cetelemaprovaram o crédito solicitado, no montante de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).
22. Assim, no dia 4 de Fevereiro de 2014, foi creditado na conta bancária supra referida o montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta curos), após ter sido descontada a quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta euros) referentes ao imposto de selo de utilização de crédito.
23. E sobre a qual passou a vigorar uma autorização de débito em conta para liquidação das respectivas prestações (noventa e seis mensalidades no valor de € 386,76 ­cada uma).
24. A arguida fez sua tal quantia, efectuando diversos levantamentos e procedendo a transferências bancárias para uma outra conta por si titulada.
25. A arguida agiu com o propósito concretizado de se apoderar do cartão de cidadão de MQ..., bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização da sua legítima proprietária.
26. A arguida quis ainda alterar por via informática a factura do gás supra mencionada, no local destinado à morada da cliente, e fazer constar dos sobreditos contratos assinaturas que não eram verdadeiras mas eram susceptíveis de serem consideradas como tal por terceiros, nomeadamente pelos funcionários do “BPI” e da “Cetelem”.
27. O que fez com o propósito de obter um empréstimo, a que sabia que não teria acesso com as suas condições económicas e financeiras.
28. Bem sabendo a arguida que com a sua actuação abalava a credibilidade que tanto as facturas como os contratos de abertura de conta e de concessão de crédito merecem no meio comercial em que se inserem, e desse modo, podia vir a prejudicar a assistente.
29. A instituição financeira “Cetelemapenas concedeu o financiamento no montante acima indicado uma vez que a arguida, com toda a sua actuação, fez crer aos responsáveis daquela instituição que estavam a contratar com a assistente, pessoa cujo nome figurava em toda a documentação que instruiu o pedido de concessão de crédito, e que reunia as condições económicas necessárias para lhe ser autorizado o financiamento.
30. Não obstante a arguida estar ciente que tal não correspondia à verdade.
31. Logrando, dessa forma, obter um financiamento que sabia ser indevido, em virtude de ser obtido com recurso a documentação alheia e assinaturas forjadas.
32. Estando a arguida ciente de que não dispunha das condições para obter crédito em nome pessoal.
33. A arguida actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas de puníveis por lei penal.
Provou-se ainda que:
34. Após a subscrição do referido contrato de crédito, a arguida efectuou o pagamento de mensalidades, registando, contudo, situações de atraso no pagamento, e em alguns meses de incumprimento, em face das dificuldades financeiras com que se debatia.
35. Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava-se em dívida apenas o montante de € 12.592,25.
36. Em consequência da descrita conduta da arguida, nomeadamente em face dos incumprimentos que, por vezes, se verificaram, a “Cetelem” comunicou tal facto ao Banco de Portugal – Centralização das Responsabilidades de Crédito, indicando como incumpridora a ora assistente, que figurava como titular no aludido contrato.
37. Em consequência desse facto, a assistente viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.
38. Em consequência directa e necessária da conduta da arguida, e ao tomar conhecimento da mesma, em particular por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal, a assistente MQ... andou stressada e com insónias.
39. Em consequência da conduta da arguida, a assistente ficou angustiada e enervada.
40. Tendo tido necessidade de recorrer a ajuda médica e medicamentosa, em face dessa ansiedade.
41. Situação que se manteve ao longo do tempo, diminuindo apenas com a aproximação da data de julgamento.

Mais se provou que:

42. A arguida trabalha como contabilista por conta própria, auferindo um rendimento médio mensal de € 1.350,00.

43. Vive sozinha em casa arrendada despendendo com o pagamento da renda a quantia mensal de € 650,00.

44. Com o pagamento de encargos contraídos com o Banco Popular despende cerca de € 500,00 mensais.

45. Com o pagamento do crédito em causa nos autos despende a arguida a quantia mensal de aproximadamente € 390,00.

46. Com o pagamento de empréstimo contraído para aquisição de veículo automóvel despende a quantia mensal de aproximadamente € 300,00.

47.  Como habilitações literárias a arguida possui uma licenciatura em organização e gestão de empresas.

48. No certificado de registo criminal da arguida não se encontram averbadas condenações.

   2.2. Factos Não Provados

   Com relevância para a decisão a proferir, não se provaram os demais factos constantes da acusação, designadamente:

a) Quando a arguida apresentou o pedido de concessão de crédito pessoal em nome da assistente não tinha qualquer intenção de restituir a quantia mutuada.

b) A arguida nunca teve intenção de pagar o empréstimo concedido.

c) Como, aliás, não o fez.

d) Em função da conduta da arguida, a instituição financeira “Cetelem sofreu um prejuízo patrimonial no montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros).
e) A arguida causou à “Cetelem” um prejuízo patrimonial de igual valor ao do capital financiado.
f) Com a sua conduta a arguida causou um prejuízo ao Estado e à “Cetelem”.
g) A arguida não tinha forma de proceder ao pagamento das respectivas prestações do referido contrato de concessão de crédito como, aliás, não o fez.
h) Causando à empresa financeira um prejuízo patrimonial de igual valor, correspondente ao capital financiado.

i) Em consequência da conduta da arguida, a assistente perdeu pelo menos 12 (doze) dias de trabalho como agente de execução com deslocações que fez à Polícia Judiciária, ao Banco BPI, ao Banco de Portugal, à Cetelem e ao DIAP e ainda nos dias em que decorreu o julgamento.

j) Tendo deixado de auferir uma média de € 90,00 (noventa euros) por cada dia, no montante global de € 1.080,00 (mil e oitenta euros).

k) Com deslocações e contactos pessoais e telefónicos com o Banco de Portugal, Banco BPI e Cetelem despendeu a assistente cerca de € 200,00 (duzentos euros).

l) Em consequência de não lhe ter sido concedido empréstimo bancário de € 15.000,00 para aquisição de veículo automóvel e por ter recorrido a empréstimo particular de seus pais, a assistente deixou de poder beneficiar da amortização do veículo ao longo de cinco anos.

m) O que lhe causou um prejuízo de pelo menos € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

n) Com as despesas com consultas, conferências e deslocações a Tribunal da advogada que teve de contratar, a assistente despenderá não menos de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
o) Em consequência da conduta da arguida, a assistente andou deprimida.

   2.3. Justificação da Convicção do Tribunal

Tal como resulta do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, salvo quando a lei disponha diferentemente, a prova deve ser apreciada no seu conjunto, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, sendo certo que a livre apreciação da prova não se confunde, em momento algum, com a afirmação de uma convicção fundada na mera subjectividade do julgador. Ao invés, é ponto assente que a livre convicção terá sempre de assentar numa valoração racional e crítica da prova produzida e examinada em audiência, harmonizável com as regras da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, permitindo objectivar a motivação da decisão tomada.

No caso em apreço, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova documental constante dos autos, designadamente os documentos de fls. 14 a 21, 72 a 94, 95 a 98, 99-100, 169, 329 a 332, 333-334, 335 a 343 (documentação bancária e contratual diversa), 648 a 652 (informação prestada pela Cetelem), 615-619 (relatório social) e 581 (CRC), o que foi conjugado com o relatório de exame pericial de fls. 323 a 328, e ainda com as declarações prestadas em audiência de julgamento, quer pela arguida e pela assistente, quer pelas testemunhas inquiridas que demonstraram algum conhecimento acerca da factualidade em apreço nos autos.

A arguida prestou declarações de forma descontraída, e para além de esclarecer acerca das suas condições pessoais e de vida reconheceu em grande medida os factos que lhe são imputados, procedendo ao enquadramento dos mesmos, nomeadamente no que tange à motivação da sua conduta, relacionada com dificuldades financeiras com que se debatia, vendo esta conduta como única solução para a resolução dos seus problemas. Asseverou, contudo, que nunca foi sua intenção não pagar o referido crédito, o que aliás foi fazendo, justificando os atrasos e incumprimentos que foram ocorrendo no decurso do contrato com as já identificadas dificuldades financeiras e situação de sobre endividamento.

Tais declarações da arguida foram em parte corroboradas pelos elementos documentais constantes dos autos, em particular a informação recolhida junto da empresa detentora da marca “Cetelem” e constante de fls. 648 a 652, donde resulta clara a existência de pagamentos efectuados ao longo de todo o contrato (na sua maioria em terminais ATM, como afiançado pela arguida). Perante tal quadro fáctico e apesar das situações de incumprimento, na ausência de outros elementos de prova que infirmassem essas declarações, entendeu-se que da concreta conduta da arguida não poderia concluir-se que esta tivesse actuado da forma apurada com o propósito de nunca pagar o referido crédito, procurando enriquecer injustificadamente e com prejuízo da Cetelem ou de terceiro, nomeadamente a assistente, o que determinou a decisão do tribunal quanto aos factos não provados atinentes a tal matéria.

No tocante à demais factualidade apurada, sopesaram-se as declarações da assistente, que esclareceu como tomou conhecimento da conduta da arguida e quais as consequências que esses factos tiveram na sua relação com entidades bancárias, bem como na sua vivência diária e estado anímico. Quanto a este último conspecto sopesam-se ainda os testemunhos de J…, companheiro da assistente há 12 anos, AQ… e M…, pais da assistente, que em face do convívio diário que mantinham com esta lograram esclarecer acerca do estado psicológico desta desde que tomou conhecimento da conduta da arguida e suas consequências, nomeadamente a comunicação efectuada ao Banco de Portugal, comunicação essa que não só resulta da informação prestada a fls. 648, como também resultou apurada do testemunho de S…, funcionária da Cetelem desde Agosto de 2010, que confirmou que a assistente sempre foi considerada a devedora em tal contrato.

No que concerne à demais factualidade dada como não provada, resultou a mesma da insuficiência probatória verificada, porquanto as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas inquiridas se revelaram parcos para persuadir o tribunal a decidir de forma diversa, considerando que muitos dos factos alegados poderiam ser facilmente demonstrados com a apresentação de prova documental que sustentasse tais testemunhos, a qual, todavia, a assistente e demandante não carreou para os autos, sendo certo que era sobre si que impendia o ónus probatório quanto a tal matéria.

   3. Enquadramento Jurídico-Penal

Vem a arguida acusada da autoria material, em concurso real, de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código Penal, e de 1 (um) crime de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, alínea a), com referência ao artigo 202.º, alínea b), todos do Código Penal.

(…)

   Relativamente ao crime de burla, dispõe o artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal que “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

   Já da interpretação conjugada dos artigos 218.º, n.º 2, alínea a) e 202.º, alínea b) resulta que se o prejuízo patrimonial for consideravelmente elevado, a conduta será punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, sendo o valor consideravelmente elevado aquele que exceder as 200 unidades de conta.

   Enquanto crime material ou de resultado, o crime de burla pressupõe a saída dos bens da esfera de disponibilidade fáctica da vítima implicando, deste modo, um duplo nexo de imputação objectiva: por um lado, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo sujeito passivo, de actos atinentes a uma diminuição patrimonial do próprio ou de outrem, e por outro, entre tais actos e a verificação efectiva do prejuízo patrimonial.[1]

Está-se em presença de um crime de execução vinculada, na medida em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da forma particular em que se traduz o comportamento do agente, isto é, o enriquecimento ilegítimo não pode, pois, ser causado por qualquer modo, mas apenas através de erro ou engano sobre factos por parte do agente. Em suma, pode dizer-se que para a verificação de um crime de burla, importa considerar, num primeiro momento, a verificação de uma conduta astuciosa que induza directamente ou mantenha em erro ou engano o lesado e num segundo momento, deverá verificar-se um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro. Por outro lado, deverá existir uma sucessiva relação de causa-efeito entre os meios empregues e o erro ou engano e entre esses e os actos que vão directamente defraudar o património do terceiro ou do lesado.[2]

   Assim, o crime de burla compreende os seguintes elementos do tipo de ilícito:

   a) Que o agente tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;

   b) Com tal propósito e de forma ardilosa, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos;

   c) Assim determinando o ofendido à prática de actos que causem a este ou a outra pessoa um prejuízo patrimonial.

No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de burla exige uma conduta dolosa, podendo assumir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal. Porém, exige-se um dolo específico por parte do agente, ou seja, não basta o dolo de causar um prejuízo patrimonial ao defraudado ou a terceiro, impondo-se ainda, por parte do agente, uma especial intenção de atingir, pela sua conduta, um enriquecimento ilegítimo.

É, todavia, necessário que o erro – enquanto falsa representação da realidade concreta e que funcione como vício do consentimento da vítima – ou o engano tenham sido astuciosamente provocados pelo agente da infracção, isto é, recorrendo a um meio engenhoso para enganar ou induzir em erro[3], e que o enganado, em consequência do erro, realize uma disposição patrimonial, por exemplo, a entrega de uma coisa ou a prestação de um serviço.

Ora, no caso em apreço, apurou-se que com recurso a documentação forjada, na qual se apresentava como sendo a assistente, a arguida logrou convencer os responsáveis da “Cetelem” a aprovarem a concessão de um crédito no montante de € 24.000,00, quantia monetária que foi disponibilizada à arguida em conta aberta de forma ilícita em nome da assistente, à qual apenas a arguida tinha acesso.

Com tal conduta, dúvidas não se colocam que a arguida actuou com a intenção de obter para si determinada quantia monetária através de uma conduta ilícita – forjando documentos, pois que sabia não dispor de condições para em nome próprio beneficiar de tal concessão de crédito – o que fez induzindo em erro os funcionários da “Cetelem”, ao apresentar-lhes documentação da assistente MQ..., criando nestes a convicção que estavam a contratar com esta, o que não correspondia à verdade.

Sucede, porém, que não ficou demonstrado o últimos dos elementos típicos do crime de burla: que em consequência de tal conduta tivesse ocorrido um efectivo prejuízo patrimonial.

Com efeito, pese embora essa conduta ilícita da arguida, o certo é que ao longo dos anos esta foi pagando as prestações acordadas com a “Cetelem” – ainda que com atrasos e em alguns meses incorrendo em efectivo incumprimento – mas na realidade não poderá falar-se de um prejuízo patrimonial para a “Cetelem”, que vem recebendo da arguida as contrapartidas acordadas e subjacentes à concessão de tal crédito. Por outro lado, apesar dos danos morais causados à assistente – que adiante se analisarão – não poderá afirmar-se que esta tenha sofrido um concreto e efectivo prejuízo patrimonial por via da aprovação daquele crédito, pois que a assistente nunca pagou qualquer prestação por conta desse contrato forjado, nem sofreu um qualquer prejuízo patrimonial directamente decorrente de tal conduta da arguida.

Mas ainda que assim não fosse, a actuação da arguida – ao realizar o pagamento das prestações acordadas, apesar de alguns incumprimentos verificados ao longo do tempo – não permite concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não se tendo demonstrado que com essa sua actuação tivesse em mente locupletar-se com tal quantia monetária, jamais tendo a intenção de proceder ao seu pagamento.

Perante o que se deixa exposto, por entender que não ficaram demonstrados em toda a sua extensão os elementos típicos do imputado crime de burla qualificada, importa concluir pela absolvição da arguida quanto à autoria material de tal ilícito, o que se decide.

   4. Da Escolha da Pena e sua Medida

4.1. Conjugando o disposto nos artigos 40.º e 70.º do Código Penal, resulta que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e o reforço da consciência jurídica comunitária na validade da norma infringida (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial).

A pena, por seu turno, não pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que esta é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar.

Por outro lado, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No caso dos autos, pese embora as consequências decorrentes da conduta ilícita da arguida, considerando que não possui antecedentes criminais ou outras condenações averbadas no CRC, tendo reconhecido em grande medida os factos praticados, entende-se que as finalidades da punição ainda serão devidamente salvaguardadas com a aplicação de penas de multa, optando-se, assim, por esta em detrimento da pena de prisão.

   Perante a factualidade apurada, importa determinar a medida concreta da pena a aplicar, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra a arguida (cfr. artigo 71.º do Código Penal).

No caso em apreço, sopesa-se:

· O grau de ilicitude do facto, que se situa num nível elevado, em particular no crime de falsificação, tendo em conta a logística subjacente à prática do crime e o número de documentos forjados, o que é revelador de uma premeditação e desenvoltura criminosa assinaláveis, impondo-se ainda considerar o grau de violação dos deveres impostos à arguida enquanto contabilista que prestava serviços à assistente, sendo que foi essa relação que permitiu a perpetração dos factos;

· A culpa com que actuou, que assumiu a modalidade de dolo directo e de elevada intensidade, considerando a energia dolosa contida na concreta actuação da arguida;

· A circunstância de a arguida gozar de inserção profissional, sopesando-se ainda o facto de não ter averbadas condenações no seu CRC e ter confessado em grande medida os factos, denotando alguma autocensura quanto à sua conduta.
Tudo visto e ponderado, tendo presente as molduras penais abstractamente aplicáveis e as concretas necessidades de prevenção geral e especial, julga-se adequado e proporcional ao caso em apreço e à salvaguarda das finalidades da punição condenar a arguida na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa pelo crime de furto e  na pena de 300 (trezentos) dias de multa pelo crime de falsificação de documento.
No que concerne ao quantitativo diário a aplicar, considerando o disposto no n.º 2 do artigo 47.º do Código Penal e o apurado quanto aos rendimentos e encargos da arguida, julga-se adequado fixar em € 6,00 (seis euros) o valor diário a aplicar à pena de multa.

4.2. Dispõe o artigo 77.º do Código Penal que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única, onde são tidos em conta, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

   A pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas – não podendo, no caso da pena de multa, ultrapassar os 900 dias –, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 

   In casu, a pena única terá como limites mínimo e máximo, respectivamente, 300 e 480 dias de multa.

   Ponderando todos os factos carreados para os autos, designadamente o circunstancialismo temporal em que os crimes foram perpetrados e a personalidade da arguida tal como surge revelada nos factos apurados e na postura assumida em audiência, considera-se adequado condenar a arguida na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros).

   5. Pedido de Indemnização Civil

Peticiona a assistente e demandante civil o pagamento da quantia de € 13.780,00 (treze mil setecentos e oitenta euros), sendo € 6.280,00 a título de danos patrimoniais e € 7.500,00 por conta de danos não patrimoniais sofridos, todos decorrentes da conduta delituosa da arguida e em análise nestes autos.

A indemnização a fixar no âmbito do processo penal assume, atento o disposto nos artigos 129.º do Código Penal e 71.º do Código de Processo Penal, a natureza de indemnização de perdas e danos decorrentes da prática de um crime. Por conseguinte, o apuramento quantitativo e respectivos pressupostos ancoram-se no estatuído pela lei civil (cfr. arts. 483.º e seguintes do Código Civil).

   Está-se no campo da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, aquela que resulta da violação de um dever geral de abstenção contraposto, in casu, um direito de propriedade.

   Para que se verifique a obrigação de indemnizar, importa que se mostrem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos: um facto voluntário, ilícito e culposo; a imputação desse facto ao lesante; a ocorrência de danos; a existência de um nexo de causalidade entre o facto e os danos.

Inviabilizada a reconstituição natural, haverá lugar à compensação pecuniária, com recurso à Teoria da Diferença.

Quanto ao montante indemnizatório por danos patrimoniais, deve considerar-se a diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que este se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano (artigos 562.º e 566.º do Código Civil)[4].

Considerando a configuração feita pela demandante no que concerne a danos patrimoniais, estão em causa danos emergentes, ou seja, prejuízos causados em consequência do facto ilícito (artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil).

Todavia, pelas razões já expostas em sede de motivação da decisão de facto, não logrou a demandante provar os factos em que alicerçava esta sua pretensão indemnizatória, cujo ónus probatório sobre si impendia. Assim, nesse conspecto, improcede tal pretensão.

No que respeita aos invocados danos não patrimoniais, sendo hoje indiscutível que a obrigação de indemnizar igualmente os inclui – como resulta expressamente enunciado no artigo 496.º do Código Civil –, constata-se que a arguida com a sua conduta, constitui-se na obrigação de indemnizar a demandante, nos termos dos artigos 483.º e 487.º do Código Civil, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

In casu, apurou-se que após MQ... ter tomado conhecimento da conduta da arguida, ficou angustiada, enervada, stressada e com insónias, tendo mesmo tido necessidade de recorrer a auxílio médico e medicamentoso para debelar esse estado de ansiedade, o que se afigura perfeitamente lógico perante as consequências ocasionadas pela conduta da arguida e subsequente incumprimento das prestações do contrato, que levou a que a assistente e demandante passasse a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, chegando a ver recusado um crédito bancário por idêntica razão. Acresce que tal estado de ansiedade se perpetuou no tempo, apenas tendo diminuído com a aproximação da data de julgamento, o que também se mostra perfeitamente plausível, em face do aproximar do desfecho do processo.

Tais factos abalaram a vivência diária da demandante, sendo que os danos apurados assumem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.
Assim sendo, cumpre determinar o valor da indemnização a atribuir.

   Inexistindo um “preço” para os danos não patrimoniais, atenta a sua natureza infungível, é contudo necessário conceder ao lesado uma compensação que proporcione certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro para, de certa forma, reparar as lesões dos direitos de personalidade emergentes do evento danoso, impondo-se lançar mão a critérios de equidade enquanto critério de fixação do quantum indemnizatório. Na fixação deste importa atender à gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado, bem como às demais circunstâncias previstas nos artigos 494.º e 496.º, n.º 3 do Código Civil.

Nestes termos, ponderando todos os elementos trazidos aos autos e supra apreciados, tendo ainda presente o enquadramento legal exposto, e o lapso temporal em que se perpetuaram parte desses danos, julga-se adequado condenar a arguida a pagar à assistente a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, absolvendo a demandada do demais peticionado.

Não tendo sido peticionados juros de mora, não poderá o tribunal condenar no seu pagamento, como é jurisprudência fixada, entendimento que já anteriormente se sufragava[5].

6. Decisão

   Nestes termos, julgo as acusações parcialmente procedentes, por parcialmente provadas e, em consequência:

g) Absolvo MS... da autoria material do crime de burla qualificada de que vinha acusada;

h) Condeno a arguida MS... pela autoria material de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);

i) Mais condeno a referida arguida pela autoria material de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c), com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros);
j) Em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, vai a arguida MS... condenada na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros);

k) Condeno ainda a arguida no pagamento das custas processuais criminais, fixando-se em 2 (duas) UC’s a taxa de justiça, e ainda no pagamento dos honorários devidos ao Exmo. Defensor oficioso que assegurou a sua defesa até à constituição de Mandatária;
l) Julgo parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante e, em consequência, condeno a arguida e demandada MS... a pagar a MQ...a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, absolvendo a demandada do demais peticionado;

m) Mais condeno a demandante e a demandada no pagamento das custas processuais cíveis, na proporção dos respectivos decaimentos.

                  Conhecendo, dir-se-á:

                    Já acima se delimitou o âmbito do conhecimento do recurso interposto pela assistente perante este Tribunal.

 No entanto e “brevitatis causa”, expenderemos a tal propósito, como vestibular, o seguinte:

O recurso é um meio de impugnação de decisão judicial, que tem por finalidade a eliminação dos defeitos da decisão injusta ou inválida ainda não transitada em julgado, submetendo-a a uma nova apreciação por outro órgão jurisdicional hierarquicamente superior, ou a correcção de uma decisão já transitada em julgado.

O recurso pode ser estruturado com uma de duas finalidades: remediar o eventual erro do juiz ou Tribunal ou constituir meio de sindicar a decisão de um órgão judicial por outro, em regra hierarquicamente superior. (…)

   No direito Português antigo as decisões finais condenatórias em processo penal não passavam em julgado sem reapreciação da questão em segundo julgamento; ainda que a acusação ou defesa não recorressem, o juiz era obrigado a recorrer “ por parte da justiça” (vide Ordenações Filipinas, Livro V, tit.CXXII).

Reflexo ainda desta orientação, também o CPP de 1929 impunha o recurso obrigatório por parte do MºPº das sentenças condenatórias que impusessem penas graves, submetendo necessariamente a decisão condenatória a uma nova apreciação jurisdicional ainda que não fossem invocados vícios da decisão recorrida.

O recurso no Código de 1929 tinha pois uma ou outra das duas finalidades apontadas: correção de erro da decisão ou sindicância da decisão (vide CPP de 1929, artigo 473 único, O MºPº recorrerá sempre das decisões condenatórias que impuserem qualquer das penas maiores fixadas nos números 1º, 2º, 3º e 4º do artº 55º ou dos nºs 1º, º , 3º e 4º do artigo 57º do código Penal, tendo o recurso efeito suspensivo/ Ainda na redacção dada ao § único do artº 473º pelo DL 402/82 de 23.09 se dispunha: O MºPº recorrerá sempre das decisões condenatórias que impuserem pena de prisão em medida superior a oito anos).

   Não é assim hoje no código vigente. O recurso, referindo-nos agora ao recurso ordinário, tem sempre por fim corrigir um vício da decisão recorrida e por isso ele só pode ser interposto por quem se considerar afectado por esse vício e tiver interesse que seja remediado. È isto também que justifica aliás a proibição de reformatio in pejus(…)

   Também a questão do duplo grau de jurisdição está hoje ultrapassada porque na 4ª revisão Constitucional foi alterado o nº 1 do artº 32º da constituição acrescentando-se ao texto originário- o processo criminal assegura todas as garantias de defesa- incluindo o recurso.

   O direito ao recurso é, pois, a partir da 4ª reforma Constitucional um direito fundamental e como decorrência necessária o Código consagra o direito de recurso em todas as formas de processo (exceptua-se o processo sumaríssimo porque é manifestação de justiça consensual).

   Vide, Direito Processual Penal Português, do procedimento (marcha do processo), vol.III, Germano Marques da Silva- UCP.

1- Vem a assistente recorrer, e num dos seus segmentos ínsitos quer na sua motivação quer nas conclusões, especificamente pela alteração em concreto da pena única que foi aplicada à arguida quanto à prática do crime de furto e de falsificação, conforme atrás se deixou excurso.

Este tema suscita o conhecimento de uma questão prévia, e que é a da possibilidade da admissibilidade do recurso interposto pela assistente na parte em que pugna pela alteração/ modificação, da pena, neste caso única, de multa que foi aplicada à arguida.

É por todos consabido, que, o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que "o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir." (Assento n.º 8/99, de 30 de Outubro de 1997, CJ/STJ V.III.21, CJ/STJ VII.II.26, BMJ 470-47 e 486-21e DR I-A 10 de agosto de 1999).

A jurisprudência mais recente, de que é exemplo o acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2011, de 9 de Fevereiro de 2011, proferido no proc.º n° 148/07, tratando de questão diversa, não infirma a jurisprudência fixada naquele acórdão, continuando a entender-se que o interesse em agir do assistente depende da invocação pelo mesmo de um interesse concreto e próprio.

Posição que já havia sido reafirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente no seu acórdão de 24 de Outubro de 2002, proferido no processo 02P3183 e consultável in Jusnet , "O recurso é de rejeitar, na medida em que a assistente/recorrente não dispõe de [concreta] legitimidade para recorrer (pois que a decisão recorrida não a «afecta» nem foi «contra ela proferida» - art.s 69.2.c e 401.1.b do CPP) nem alegou - e, menos ainda, «demonstrou» - «um concreto e próprio interesse em agir»").

Sendo que sobre esta matéria também se pronunciou o Tribunal Constitucional, que, no seu acórdão 205/2001, de 9 de maio de 2001, proferido no processo 372/00, que decidiu julgar conformes à Constituição, designadamente ao princípio do Estado de direito e direito de intervenção do ofendido no processo penal, as normas constantes dos artigos 69.1, 69.2.c, 401.1.b, e 401.2 do Código de Processo Penal, na interpretação fixada pelo Assento n.º 8/99, que restringe a legitimidade do assistente para impugnar a decisão condenatória no que concerne à escolha e medida concreta da pena imposta ao arguido, condicionando-a à prova de específico interesse em agir.

(vide neste sentido o AC do TRL de 19.11.2015, in www.dgsi.pt )

Ora no caso dos autos a recorrente/ assistente, para que dúvidas não subsistam, não invocou, nem se vislumbra que o tenha, diga-se, no presente recurso, aquele especifico interesse em agir que detivesse “in casu”, e propiciasse assim, a sua eventual viabilidade, logo a sua apreciação pelo Tribunal Superior, neste particular segmento.

Como bem  se refere, no C.P.P. Comentado de António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2014, p. 1286, no tocante ao segmento da decisão respeitante à espécie e medida da pena, "parece impor-se a conclusão de que o assistente, porque portador de interesses alheios àquelas "ideias e exigências transcendentes" que o Estado visa com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida".

Assim, nestes termos decide-se rejeitar parcialmente o recurso apresentado pela assistente, mormente, no tocante á pena única de ulta que foi aplicada à arguida, face ao que atrás se exarou, o que se declara.

Improcede assim este segmento do recurso.

Considerando-se obviamente agora no demais, o recurso interposto pela assistente, inexistem quaisquer outras questões prévias a decidir.

2-PEDIDO CÍVEL

Nos artigos 71º e 72º, do Código de Processo Penal encontra-se consagrado o princípio da adesão obrigatória da acção civil ao processo penal, segundo o qual, o direito à indemnização por perdas e danos sofridos com o ilícito criminal deve ser exercido no próprio processo penal, enxertando-se o procedimento civil a tal destinado na estrutura do procedimento criminal em curso.

      Ora, de acordo com o artigo 129º, do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime será regulada pela lei civil, encontrando-se o regime da responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de actos ilícitos estabelecido no artigo 483º, número 1, do Código Civil, nos termos do qual, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.

     Como é sabido, consagra-se nesta disposição legal o princípio básico da responsabilidade civil por factos ilícitos, à luz do qual a imposição ao lesante da obrigação de indemnizar depende da verificação dos seguintes pressupostos: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante - culpa; d) o dano; e) nexo de causalidade entre o facto e o dano (vd. ALMEIDA COSTA, “Direito das Obrigações”, 4a edição, p. 364; ANTUNES VARELA, “Das Obrigações em geral”, 8a edição, vol. I, p. 533; PIRES DE LIMA, ANTUNES VARELA, “Código Civil Anotado”, anotação ao artigo 483º, p. 416).

      Nestes termos, o nascimento da obrigação de indemnizar assenta, antes de mais, sobre um facto do lesante, dominável ou controlável pela vontade, quer esse facto se traduza numa acção (violação de um dever geral de abstenção), quer consista numa omissão ou abstenção (violação de um dever jurídico especial de praticar o acto que teria impedido a consumação do dano).

       Do segundo elemento constitutivo da obrigação de indemnizar – ilicitude – decorre que só será gerador de responsabilidade o facto que seja ilícito ou antijurídico, ou seja, que esteja em oposição com a ordem jurídica, podendo esta ilicitude consistir na lesão de direitos de outrem ou na violação de norma destinada a proteger interesses alheios (RUI DE ALARCÃO, “Direito das Obrigações”, polic., 1983, p. 240).

      Pressuposto ou condição da obrigação de indemnizar é ainda a imputação desse facto ao lesante a título de culpa (“dolo ou mera culpa”), entendendo-se por comportamento culposo aquele que merece a censura ou reprovação do direito. A culpa exprime, assim, um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, dadas as suas capacidades pessoais e em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia ter agido de outro modo, sendo justamente neste juízo de censura que reside a causa ou fundamento da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para a do lesante (RUI DE ALARCÃO, op. cit., p. 224).

      Ao nascimento desta obrigação de indemnizar é ainda essencial a existência de um dano, ou seja, que o facto ilícito praticado tenha causado um prejuízo a alguém, sendo certo que a obrigação de indemnização que emerge da responsabilidade civil tem precisamente em vista tornar indemne (sem dano) o lesado, colocando-o na situação em que estaria sem a ocorrência do facto danoso (vd. MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, Coimbra, 1992, p. 114).

      Como acima se deixou dito, o último elemento constitutivo da responsabilidade civil por facto ilícitos consiste no nexo de causalidade entre o facto e o dano, que se traduz no juízo de imputação objectiva do dano ao facto que lhe deu causa, ou seja, no estabelecimento de um elo de ligação entre a conduta do agente e o embate que se lhe seguiu e os danos nesse seguimento provocados, uma vez que, nos termos do artigo 563º, do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

-Pretende a recorrente, antes de mais que se liquide em execução de sentença, os danos patrimoniais que esta sofreu em virtude da conduta criminosa da arguida e que elencou no seu pedido cível, os quais peticionou em sede própria, e que se cifram em €6 280,00 (seis mil duzentos e oitenta euros).

A este respeito diremos que pese embora a bondade desta pretensão, o certo é que decorre à saciedade que, os factos tendentes (e alegados pela recorrente no recurso) ao sucesso de tal pretensão, foram todos eles, dados como não provados.

Ora partindo de tal “ status quo”, a recorrente só poderia impugnar tal decisão e neste particular segmento, através da impugnação da matéria de facto.

1) com invocação dos vícios elencados no artº 410º, nº 2 do CPP, naquilo que se vem catalogando como “revista alargada”; ou

2) através da impugnação ampla, nos termos prescritos nos nºs 3 e 4 do artº 412º do CPP.

 Na primeira situação, o vício há-de resultar, como expressamente se exige no artº 410º, nº 2 do CPP do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, por isso, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos, sendo o vício da decisão em si propriamente dita e não do julgamento.

No segundo, a apreciação alarga-se à análise da prova produzida em audiência, mas com os limites impostos pelos nºs 3 e 4 do citado artº 412º do CPP.

No entanto, e com já se enfatizou, da leitura da peça recursória, esta omite tal impugnação, a qual como é evidente só pode ser impugnada por duas formas diversas, que são as atrás referidas.

Considerando-se o que incluso está, quer na motivação quer nas conclusões, podemos concluir que a recorrente, não impugnou devidamente e de acordo com os comandos legais, a matéria de facto contida na sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, e neste segmento.

Sumariamente, e de forma clara, não indicou, com a devida e exigida precisão legal, os pontos concretos de facto que considera “mal julgados”, as provas que impunham decisão diversa, e as provas que devem ser renovadas.

Ou seja a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tem de ser feita através da especificação dos «concretos» pontos de facto incorrectamente julgados e das «concretas» provas que impõem decisão diversa (art. 412 n° 3 als. a) e b) do CPP), sendo ainda que, no n° 4 do mesmo artigo foi ainda aditado o segmento de norma segundo o qual «deve o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação».

Dispõe assim este normativo legal ( artº 412º do CPP):

 Motivação do recurso e conclusões

1-A motivação  enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

(…)

3-Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõe decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4-Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta nos termos do nº 2 do artº 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.(…)

A nenhum destes comandos de forma escorreita a ora recorrente deu cumprimento, pelo que daqui decorre, dizemos desde já a falência deste segmento do recurso apresentado.

Neste sentido a Jurisprudência tem sido unânime, vejamos e a mero título exemplificativo:

Ac. STJ de 31-05-2007 : 7. Como vem entendendo, sem discrepância, este Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorrectamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.

8. Na verdade, se a reapreciação da matéria de facto, não impõe uma avaliação global, também não se basta com meras declarações gerais quanto à razoabilidade do decidido no acórdão recorrido, requerendo sempre, nos limites traçados pelo objecto do recurso, a reponderação especificada, em juízo autónomo, da força e da compatibilidade probatória entre os factos impugnados e as provas que serviram de suporte à convicção.

Ac. TRC de 9-01-2012 : Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4, do artigo 412.º do C. Proc. Penal, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, nos termos do n.º 3, do art.º 417º, do mesmo Código, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do referido convite.

Ac. TRL de 29-03-2011 : I. A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º, nº2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de «revista alargada»; ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nºs3, 4 e 6, do mesmo diploma;

II. No primeiro caso, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº2 do referido artigo 410º, cuja indagação, como resulta do preceito, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento. No segundo caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do art. 412º do C.P. Penal;III. A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º];

Ac. TRC de 24-04-2012 : 1.- O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e se este incidir sobre a reapreciação da prova gravada.

A ausência de imediação determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º];

3.- Para haver lugar à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e consequente reapreciação da prova gravada, tem o recorrente que observar integralmente o disposto no art. 412 nº 3 e 4 do CPP;

4- Aquelas imposições ou condicionamentos não constituem restrição do direito ao recurso mas mera regulação do mesmo e têm em vista uma precisa e expedita atividade decisória do tribunal superior, para além de concretizarem o dever de colaboração do recorrente e a sua responsabilização por forma a que as impugnações judiciais não constituam mais uma forma de entorpecimento e de protelamento da administração da justiça;

5 - Não indicando o recorrente os pontos de facto que considera incorretamente julgados, só há que concluir estarmos perante uma clara inexistência de recurso da matéria de facto; 6- A entender-se de outra forma, de que apenas não se tomava conhecimento de questões atinentes à matéria de facto, era admitir a possibilidade de recurso sobre matéria de direito no prazo alargado de 30 dias.

Ac. TRE de 26-02-2013 : I. Cabe ao recorrente definir os termos do seu recurso em matéria de facto e delimitar o respetivo objeto, não lhe bastando enunciar a sua pretensão quanto a um determinado resultado final em termos de facto ou de direito (v.g. da prova produzida não resultam provados os factos do tipo legal ou não se provou o crime, pelo que deve ser absolvido), de tal modo que fosse o tribunal oficiosamente a retirar conclusões sobre quais os factos e provas concretas que se ajustariam à pretensão final do recorrente e dentro destas, quais as passagens relevantes, depois de ouvir a prova gravada na íntegra (uma vez que a arguida não indica quaisquer passagens, para além das demais omissões).

Ac. TRC de 28-01-2015 : I. O julgamento da matéria de facto é feito pelo tribunal de 1ª instância. É na audiência de julgamento que o facto é revelado, de forma e em circunstâncias que não mais poderão ser repetidas, e é este tribunal o único que beneficia plenamente da imediação e oralidade da prova. II. O recurso da matéria de facto é sempre um remédio para sarar o que é tido por excepcional naquele julgamento, o cometimento de erro na definição do facto, não podendo nem devendo ser perspectivado como um novo julgamento, tudo se passando como se o realizado na 1.ª instância pura e simplesmente não tivesse existido.

Extracto do Ac. TRL de 21-05-2015 : Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.».

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artº 410º, nº 2, do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artº 430º, do CPP).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (nºs 4 e 6 do artº 412º, do CPP).

Como realçou o STJ, no acórdão de 12-06-2008, Proc. nº 07P4375, acessível em www.dgsi.pt, a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e ás concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o «contacto» com as provas ao que consta das gravações; - a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita á indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo á sua correcção se for caso disso;

- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b), do nº 3, do citado artº 412º).

Assim, deste modo, impõe-se realçar que a impugnação da matéria de facto pode realizar-se através de dois meios: pelos vícios a que alude o art.410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ou através do disposto nas várias alíneas do art.431.º do mesmo Código.

Ora, os vícios do art.410.º n.º 2 do Código de Processo Penal têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem que seja possível a consulta de outros elementos constantes do processo.

O n.º 4 do art. 412.º, acrescenta que, «Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do art.364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.»

O recorrente deverá indicar a sessão de julgamento em que as declarações ou depoimentos constam e localizar a passagem em causa na gravação, de modo a deixar claro qual a parte da declaração ou depoimento que se quer que o Tribunal de recurso ouça ou aprecie. Nos termos do n.º 6 do art.412.º do C.P.P., o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e, ainda, de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

A documentação da prova em 1ª instância tem por fim primeiro garantir o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, mas o recurso de facto para o Tribunal da Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada como se o julgamento ali realizado não existisse. O recurso é um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto exige uma articulação entre o Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal de recurso relativamente ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127.º do Código de Processo Penal, que estabelece que “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.”.

(vide também e neste sentido o Ac do TRL, acessível in www.dgsi.pt , de  8.10.2015)

Ora de tudo isto se alheou a recorrente, a qual parece tão só discordar da convicção do Tribunal “a quo” que deu aqueles factos como não provados, querendo sobrepor-lhe a sua própria e muito pessoal convicção, como ainda os pretende catapultar para uma liquidação em execução de sentença (quanto aos danos patrimoniais que alegou em sede própria / que resultaram não provados, e não sendo tal possível, como se aduziu) considerando a globalidade da prova produzida em julgamento.

A este propósito, importa notar que a recorrente, como já se disse não especificou, nas conclusões da motivação (nem nesta propriamente dita), os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, para além do mais, já atrás referido.

Ora, é manifestamente errado pensar que basta ao recorrente formular discordância, sem mais, como o fez efectivamente, quanto ao julgamento da matéria de facto para o Tribunal de recurso fazer «um segundo julgamento», com base na gravação da prova.

O poder de cognição está confinado aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com as especificações estatuídas no artº 412º, nºs 3 e 4, do CPP.

No caso em apreço, voltamos a dizer, a recorrente não cumpriu assertivamente o ónus de especificação dos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem quanto á indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois tanto da leitura das motivações como das conclusões resulta cristalinamente, que nem sequer está gizado uma verdadeira impugnação da matéria de facto, pois tem como ponto de partida e “assente” que tais factos deveriam estar provados e assim deverão os danos concretos resultantes dos mesmos, ser relegados para execução em liquidação da sentença.

Ora tal equação é legalmente inadmissível, e está vedado seu conhecimento pelo Tribunal de recurso.

 Nestes termos outra conclusão não resta, a não ser de se considerar inoperante a pretensão neste segmento do recurso apresentado pela recorrente, por estar tecnicamente mal equacionada, e considerando-se aquela definitivamente fixada, nos termos em que o foi (nos factos não provados e sob as alíneas i) , j), k), l), m), e n) ), na sentença recorrida.

-Também quanto ao pedido cível, agora na vertente dos danos não patrimoniais sofridos pela recorrente, aos quais o Tribunal “ a quo” decidiu atribuir uma indemnização no valor de €2 500,00, insurge-se a recorrente pretendendo por via recursal ver ser aumentado tal quantitativo para uma quantia não inferir a €5000,00 (cinco mil euros), tendo “ ab initio” peticionado a quantia de €7 500,00 ( sete mil e quinhentos euros).

Vejamos então:

- Relativamente à obrigação de indemnizar, dispõe o artigo 562º, do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à indemnização, adiantando o artigo 563º, do mesmo diploma, que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Englobam-se nesses danos quer o concreto prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

      Estabelece, ainda, o artigo 566º, do Código Civil, que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo a indemnização em dinheiro como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.

      No que respeita aos danos não patrimoniais, o artigo 496º, número 1, do Código Civil, prescreve que só serão atendidos aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

      A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, reparando-se apenas os danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral (ANTUNES VARELA, op. cit., p. 628).

     Na avaliação de tais danos, não pode o Tribunal deixar de ter presente que, como acima se deixou dito, a obrigação de indemnização tem aqui uma natureza mais compensatória do que indemnizatória, não se podendo deixar de ter presente a sua vertente sancionatória (ANTUNES VARELA, op. cit., p. 630).

   Neste particular, impõe-se referir que não é fácil o cálculo de um montante indemnizatório sempre que se trata de compensar prejuízos de ordem moral, bem como de sequelas anímicas, seguindo-se, normalmente, o critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer ou alegria bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade das sequelas efectivamente sofridas pela lesada.

A única condição de ressarcibilidade do dano não patrimonial é a sua gravidade (artº 496 nº 1 do Código Civil).

Na impossibilidade de concretizar um critério geral, porque nesta matéria o casuísmo é infindável, apenas importa acentuar que danos consequentes a lesões a direitos de personalidade, do artigo 70º do Código Civil resulta o reconhecimento da personalidade humana, enquanto complexa unidade físico-psico-ambiental na relação do homem “quo tale” consigo mesmo e na sua relação «eu» -mundo, como objecto jurídico directo, autónomo geral e unitário de uma tutela civilística, abarcando responsabilidade civil e outras providências jurisdicionais : essa valoração normativa só é traduzível através da ideia de um direito geral de personalidade, segundo alguma doutrina(…) como também, “Presentemente, a indemnizabilidade dos danos não patrimoniais emergentes da violação de direitos da personalidade resulta claramente do artigo 496º, nº1, artigo 759º ( «Satisfação do dano não patrimonial» )  e do artigo 476º do CC,  e é pacifica na jurisprudência e na doutrina, a qual alude à função compensatória e punitivo-dissuasora da indemnização por danos não patrimoniais[6]. Contudo, é limitada a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais àqueles que «pela sua gravidade, mereçam tutela do direito», devendo o montante da indemnização por danos não patrimoniais ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção o grau de culpabilidade do responsável, a situação económica do lesante e do lesado e demais circunstâncias do caso.

De resto, como limitativo do alcance indemnizatório está o pensamento fundamental da doutrina da causalidade adequada: não são indemnizáveis, todos os danos sobrevindos ao facto violador da personalidade alheia, mas apenas aqueles que, nos termos do artigo 563º do CC, «o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão; ou seja, o autor da violação da personalidade alheia só está obrigado a reparar aqueles aqueles danos que se não teriam verificado sem essa violação e que, se se abstraísse dela, ao tempo da violação e face às circunstâncias então conhecidas ou reconhecíveis pelo lesado, que não se tivessem produzido,  vide , Prof. Doutor Manuel Pita-O direito geral da personalidade e os direitos especiais- Teoria Geral do Direito civil/ Faculdade de Direito-Universidade Nova de Lisboa, in, ww.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mp_ma_2783.doc (6),  devem ser considerados mais graves do que os resultantes de violação de direitos referidos a coisas.

    De resto, tratando-se de lesão de bens e direitos de personalidade, essa gravidade deve ter-se, por regra, como consubstanciada: deve exigir-se para bens pessoais um tratamento diferente do reservado para as coisas.

Tal indemnização não deverá confinar-se a uma dimensão puramente simbólica, mas assumir uma expressão significativa com relevo no quadro de vida do lesado e com repercussão sancionatória para o lesante.

 Todavia, no critério a adoptar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando, até por uma questão de justiça relativa, uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como impõe o nº 3 do artigo 8º do C.C., de forma a evitar exacerbações subjectivas.

               Assim temos que as pretensões da recorrente, assentam tão só na discordância do montante indemnizatório que foi fixado pelo Tribunal “ a quo”, pretendendo o seu aumento para o valor que indica.

  A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido que a indemnização não deve seguir critérios miserabilistas e deve corresponder a um montante pecuniário que proporcione prazeres e distracções capazes de neutralizar, tanto quanto possível, os danos não patrimoniais suportados pelo lesado.

Na verdade a norma do artº 496º/3 do CC, aliás citado na sentença recorrida, e o disposto no artº 566º/3 CC remetem-nos, segundo doutrina firmada, para um critério objectivo que decorre do próprio preceito.

Assim, neste caso, para calcular a compensação a atribuir por danos não patrimoniais, nos termos do n.º 1 do art. 496.º do CC, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” [como a gravidade do dano], o que, desde logo, revela a natureza também sancionatória da obrigação de indemnizar”.

Acresce que, como também tem sido repetido na Jurisprudência, na perspectiva de uma salutar afinação de critérios para evitar discrepâncias que conduzem a injustiças relativas, é decisiva a ponderação da jurisprudência em casos do mesmo tipo.

Assim e sob este tema exarou.se no Ac do STJ, de 04-06-2015: “A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade. A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso”.

Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” (acórdão de 25 de Junho de 2002, www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321).

Debrucemo-nos sob o caso concreto sem mais demoras, e para tal retroagimos ao que na sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”, a este propósito, refere primeiro, e no elenco dos factos provados e depois na aplicação destes ao direito:
  (…)”Em consequência da descrita conduta da arguida, nomeadamente em face dos incumprimentos que, por vezes, se verificaram, a “Cetelem” comunicou tal facto ao Banco de Portugal – Centralização das Responsabilidades de Crédito, indicando como incumpridora a ora assistente, que figurava como titular no aludido contrato.
Em consequência desse facto, a assistente viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.
Em consequência directa e necessária da conduta da arguida, e ao tomar conhecimento da mesma, em particular por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal, a assistente MQ... andou stressada e com insónias.
Em consequência da conduta da arguida, a assistente ficou angustiada e enervada.
Tendo tido necessidade de recorrer a ajuda médica e medicamentosa, em face dessa ansiedade.
Situação que se manteve ao longo do tempo, diminuindo apenas com a aproximação da data de julgamento.”
(…)

Já se enfatizaram os factos/danos/consequências que a recorrente sofreu, com relevância que resultaram provados nesta sede e supra descritos e que estes indubitavelmente preenchem o conceito de dano não patrimonial, o qual emergiu, directa e necessariamente, da acção criminosa da arguida.

Como se refere na sentença recorrida:

(…)”No que respeita aos invocados danos não patrimoniais, sendo hoje indiscutível que a obrigação de indemnizar igualmente os inclui – como resulta expressamente enunciado no artigo 496.º do Código Civil –, constata-se que a arguida com a sua conduta, constitui-se na obrigação de indemnizar a demandante, nos termos dos artigos 483.º e 487.º do Código Civil, verificados que estejam os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

In casu, apurou-se que após MQ... ter tomado conhecimento da conduta da arguida, ficou angustiada, enervada, stressada e com insónias, tendo mesmo tido necessidade de recorrer a auxílio médico e medicamentoso para debelar esse estado de ansiedade, o que se afigura perfeitamente lógico perante as consequências ocasionadas pela conduta da arguida e subsequente incumprimento das prestações do contrato, que levou a que a assistente e demandante passasse a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, chegando a ver recusado um crédito bancário por idêntica razão. Acresce que tal estado de ansiedade se perpetuou no tempo, apenas tendo diminuído com a aproximação da data de julgamento, o que também se mostra perfeitamente plausível, em face do aproximar do desfecho do processo.

Tais factos abalaram a vivência diária da demandante, sendo que os danos apurados assumem gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito.

Assim sendo, cumpre determinar o valor da indemnização a atribuir.

   Inexistindo um “preço” para os danos não patrimoniais, atenta a sua natureza infungível, é contudo necessário conceder ao lesado uma compensação que proporcione certas satisfações decorrentes da utilização do dinheiro para, de certa forma, reparar as lesões dos direitos de personalidade emergentes do evento danoso, impondo-se lançar mão a critérios de equidade enquanto critério de fixação do quantum indemnizatório. Na fixação deste importa atender à gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado, bem como às demais circunstâncias previstas nos artigos 494.º e 496.º, n.º 3 do Código Civil.

Nestes termos, ponderando todos os elementos trazidos aos autos e supra apreciados, tendo ainda presente o enquadramento legal exposto, e o lapso temporal em que se perpetuaram parte desses danos, julga-se adequado condenar a arguida a pagar à assistente a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos, absolvendo a demandada do demais peticionado.(…)

Ora tendo em conta que o pedido feito pela assistente se cifrava em, € 7 500,00, entendemos um pouco aquém o valor encontrado pelo Tribunal “ a quo”, para ressarcir estes danos de natureza não patrimonial sofridos pela arguida.

De facto e fazendo apelo ao que atrás se relatou, a que acresce a conduta criminosa da arguida e que resultou provada sob os números 1 até 33, resulta que, em parte foi praticado por esta um crime de furto do cartão de cidadão da assistente, a falsificação de uma factura de gás e os demais documentos, falsificação pelo seu próprio punho da assinatura da recorrente pelo menos em duas ocasiões, a abertura de uma conta em instituição bancária em nome da assistente, e por fim o pedido e aprovação de concessão de um crédito no valor de €24,000,00 junto da Cetelem, tendo igualmente nesta ocasião, assumido a identidade da assistente, por via dos documentos que furtou e falsificou, o que até se pode catalogar em linguagem comum, como de um verdadeiro ”roubo de identidade”, sendo que despiciendo não será de considerar que a arguida detinha “créditos pessoais” junto da assistente /vitima, pessoa da sua confiança, sendo que era a sua contabilista, tendo assim e acesso ao local onde esta guardava os seus documentos, em virtude da sua profissão, por trabalhar prestando serviços para a demandante e para o seu pai há vários anos (vide números 1, 2 e 3 dos factos provados) e sendo que tais factos causaram na recorrente os danos não patrimoniais seguintes: Quando tomou conhecimento da conduta da arguida, ficou angustiada, enervada, stressada e com insónias, tendo mesmo tido necessidade de recorrer a auxílio médico e medicamentoso para debelar esse estado de ansiedade, o que se afigura perfeitamente lógico perante as consequências ocasionadas pela conduta da arguida, e subsequente incumprimento das prestações do contrato, que levou a que a assistente e demandante passasse a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, chegando a ver recusado um crédito bancário por idêntica razão. Acresce que tal estado de ansiedade se perpetuou no tempo, apenas tendo diminuído com a aproximação da data de julgamento, o que também se mostra perfeitamente plausível, em face do aproximar do desfecho do processo (note-se que os factos ocorreram em data não concretamente apurada do ano de 2014 mas antes de 10 de Janeiro do mesmo ano e que o julgamento ocorreu cerca de 3 anos depois).

Com tais preposições parece-nos, e enfatizando que no que respeita aos danos não patrimoniais, o artigo 496º, número 1, do Código Civil, prescreve que só serão atendidos aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, e que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo e não à luz de factores subjectivos, reparando-se apenas os danos que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral, parece-nos indubitavelmente que a assistente ficou profundamente abalada por via da actuação da arguida, tendo mesmo de recorrer a medicação para combater a ansiedade, a qual só diminuiu face á proximidade do julgamento, ao que acresce o facto também de este abalo anímico se ter certamente exacerbado ao ver negada a concessão de um crédito para a aquisição de um automóvel em virtude de ter passado a figurar junto do Banco de Portugal como incumpridora, face ao não pagamento integral pela arguida do contrato (com base em elementos/ identidade falsa/nulo) que firmou com a Cetelem, utilizando a identidade da demandante e para além do mais ter falsificado a sua assinatura (junto do banco para abertura de conta/ e depois no contrato para a concessão de crédito junto da Cetelem).

Assim tais danos não patrimoniais merecem a tutela do direito, e entende-se adequado e proporcional, atendendo a critérios de equidade fixar tal quantum indemnizatório no valor de € 5 000,00 (cinco mil euros), o que se declara, revogando-se neste segmento a sentença proferida pelo tribunal “  a quo”.

3- Do crime de burla agravada

A arguida MS..., foi absolvida, através da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” da prática do crime de burla qualificada pelo qual vinha acusada, p.p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º, nº 2 alínea a), com referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal.

Contra tal entendimento, veio a assistente recorrer, concluindo existirem todos os elementos objectivos e subjectivos da prática de tal crime pela arguida, pelo que deverá ser condenada pela sua prática.

Igualmente a Digna Procuradora Geral Adjunta, em douto parecer, perfilha o mesmo entendimento do que a assistente (e discordando assim frontalmente e de forma óbvia com a resposta apresentada pelo MºPº junto da 1ª instância, pugnando pela condenação da arguida pela pratica deste crime).

Posto isto, diremos antes de mais que estatuem os artigos, e todos do C.P., relativos a este crime, o seguinte:

TÍTULO II

Dos crimes contra o património

CAPÍTULO I

Disposição preliminar

  Artigo 202.º

Definições legais

Para efeito do disposto nos artigos seguintes considera-se:

a) Valor elevado: aquele que exceder 50 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;

b) Valor consideravelmente elevado: aquele que exceder 200 unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto;

c) Valor diminuto: aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto;

d) Arrombamento: o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa ou de lugar fechado dela dependente;

e) Escalamento: a introdução em casa ou em lugar fechado dela dependente, por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem;

f) Chaves falsas:

I) As imitadas, contrafeitas ou alteradas;

II) As verdadeiras quando, fortuita ou subrepticiamente, estiverem fora do poder de quem tiver o direito de as usar; e

III) As gazuas ou quaisquer instrumentos que possam servir para abrir fechaduras ou outros dispositivos de segurança;

g) Marco: qualquer construção, plantação, valado, tapume ou outro sinal destinado a estabelecer os limites entre diferentes propriedades, postos por decisão judicial ou com o acordo de quem esteja legitimamente autorizado para o dar.

(…)

CAPÍTULO III

Dos crimes contra o património em geral

  Artigo 217.º

Burla

1 - Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

2 - A tentativa é punível.

3 - O procedimento criminal depende de queixa.

4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 59/2007, de 04/09

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 48/95, de 15/03

Artigo 218.º

Burla qualificada

1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:

a) O prejuízo patrimonial for de valor consideravelmente elevado;

b) O agente fizer da burla modo de vida;

c) O agente se aproveitar de situação de especial vulnerabilidade da vítima, em razão de idade, deficiência ou doença; ou

d) A pessoa prejudicada ficar em difícil situação económica.

3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 206.º

4 - O n.º 1 do artigo 206.º aplica-se nos casos do n.º 1 e das alíneas a) e c) do n.º 2.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 59/2007, de 04/09

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 48/95, de 15/03

 Antes de mais diremos o seguinte:

Para suportar tal decisão de absolvição, entre o mais, o tribunal “a quo” deu como provados e não provados os seguintes factos:

1.  A arguida MS... exerce desde 1998 a actividade profissional de contabilista e encontra‑se inscrita na Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas.

2. Desde 2008 e até Janeiro de 2014, a arguida prestou serviços na área de contabilidade à assistente MQ..., que é agente de execução, e já prestava idênticos serviços de contabilista ao pai da assistente, AQ..., desde pelo menos o ano de 2003.

3.  Desempenhando ambas a respectiva actividade profissional no mesmo prédio, sito na Avenida (…) em Lisboa, do qual AQ... é inquilino, tendo igualmente escritório como advogado na mesma morada.

4. No decurso do ano de 2011, a arguida contraiu um empréstimo junto do Banco Popular tendo em vista a construção de uma habitação.

5. Sucede que a arguida viu‑se impossibilitada de cumprir as suas obrigações junto daquela instituição bancária, incorrendo em incumprimento contratual e ficando endividada.

6. Perante este quadro, e por saber que não lograria obter junto da banca novo crédito em seu nome, em data não concretamente apurada do ano de 2014, mas certamente anterior a 10 de Janeiro de 2014, a arguida decidiu apresentar um pedido de concessão de crédito pessoal em nome da assistente, que sabia reunir as condições económicas para o efeito, sem o seu conhecimento nem autorização, fazendo sua a quantia que dessa forma fosse obtida.
7.  Valendo‑se da circunstância de ter fácil acesso aos seus documentos pessoais em razão das funções por si desempenhadas, em data não concretamente apurada, mas certamente anterior a 10 de Janeiro de 2014, a arguida dirigiu‑se ao escritório de MQ... e retirou do interior da carteira desta que aí se encontrava o cartão de cidadão da assistente, cujo valor em concreto não foi possível determinar, fazendo‑o seu.
8. Em seguida, para obter um comprovativo de residência, a arguida socorreu‑se de uma factura do gás do mês de Outubro de 2013, emitida em nome da assistente e que lhe havia sido entregue por esta, digitalizou‑a e alterou informaticamente os campos respeitantes à morada da cliente.
9. Fazendo constar como morada a Av. (…)  Lisboa.
10. Apesar de saber que a assistente não reside e nunca residiu no aludido endereço, antes sendo uma antiga morada da arguida.
11. Na posse do cartão de cidadão da assistente, do suposto comprovativo de morada e ainda de uma declaração de rendimentos da assistente do ano de 2012, a que teve acesso por ser sua contabilista, no dia 10 de Janeiro de 2014, a arguida dirigiu‑se ao balcão do banco BPI, sito na Avenida de Roma, em Lisboa, e diligenciou pela abertura de uma conta bancária em nome da assistente.
12. Para tanto, entregou à funcionária C… os ditos documentos.
13. Após, no respectivo contrato de abertura de conta, no local destinado à assinatura do cliente, a arguida apôs pelo seu próprio punho o nome manuscrito “MQ...”, como se da própria se tratasse, produzindo assinatura semelhante à verdadeira e susceptível de ser tida como tal.
14. Nessa sequência, foi aberta no “Banco BPI” a conta n.º  (…), em nome da assistente.
15. Prosseguindo com os seus desígnios, através da internet, a arguida entrou em contacto com a instituição financeira “Cetelem” e solicitou a concessão de um crédito no valor de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), em nome da assistente, sem o conhecimento nem autorização desta.
16. Para o efeito, enviou cópia do cartão de cidadão da assistente, da mencionada declaração de rendimentos e do suposto comprovativo de morada.
17. E indicou ainda o NIB da conta n.º(…) , que abrira em nome da assistente no “Banco BPI”, como sendo a conta onde deveria ser creditada a quantia emprestada.
18. Na sequência desses contactos, a arguida recepcionou os exemplares do contrato de crédito e, no dia 27 de Janeiro de 2014, apôs no documento, pelo seu próprio punho, o nome “MQ...”, produzindo assinatura em tudo idêntica à da assistente e susceptível de ser tida como tal, no contrato de crédito da “Cetelem” n.º(…) , na respectiva apólice de seguro e autorização de débito directo, no local destinado ao 1.º titular.
19. Previamente, em 15 de Janeiro de 2014, a arguida já havia colocado o nome manuscrito “MQ...” num outro contrato celebrado com a “Cetelem”, que todavia ficou suspenso após ter sido concretizado o sobredito contrato datado de 27 de Janeiro de 2014.
20. Tendo a arguida enviado os aludidos documentos à mencionada instituição financeira.
21. Por terem ficado convencidos que toda a documentação apresentada se encontrava em ordem e que estavam a contratar com a assistente, que reunia condições económicas para o efeito, e assim determinados pela actuação da arguida, os responsáveis da “Cetelem” aprovaram o crédito solicitado, no montante de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).
22. Assim, no dia 4 de Fevereiro de 2014, foi creditado na conta bancária supra referida o montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta curos), após ter sido descontada a quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta euros) referentes ao imposto de selo de utilização de crédito.
23. E sobre a qual passou a vigorar uma autorização de débito em conta para liquidação das respectivas prestações (noventa e seis mensalidades no valor de € 386,76 ­cada uma).
24. A arguida fez sua tal quantia, efectuando diversos levantamentos e procedendo a transferências bancárias para uma outra conta por si titulada.
25. A arguida agiu com o propósito concretizado de se apoderar do cartão de cidadão de MQ..., bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização da sua legítima proprietária.
26. A arguida quis ainda alterar por via informática a factura do gás supra mencionada, no local destinado à morada da cliente, e fazer constar dos sobreditos contratos assinaturas que não eram verdadeiras mas eram susceptíveis de serem consideradas como tal por terceiros, nomeadamente pelos funcionários do “BPI” e da “Cetelem”.
27. O que fez com o propósito de obter um empréstimo, a que sabia que não teria acesso com as suas condições económicas e financeiras.
28. Bem sabendo a arguida que com a sua actuação abalava a credibilidade que tanto as facturas como os contratos de abertura de conta e de concessão de crédito merecem no meio comercial em que se inserem, e desse modo, podia vir a prejudicar a assistente.
29. A instituição financeira “Cetelemapenas concedeu o financiamento no montante acima indicado uma vez que a arguida, com toda a sua actuação, fez crer aos responsáveis daquela instituição que estavam a contratar com a assistente, pessoa cujo nome figurava em toda a documentação que instruiu o pedido de concessão de crédito, e que reunia as condições económicas necessárias para lhe ser autorizado o financiamento.
30. Não obstante a arguida estar ciente que tal não correspondia à verdade.
31. Logrando, dessa forma, obter um financiamento que sabia ser indevido, em virtude de ser obtido com recurso a documentação alheia e assinaturas forjadas.
32. Estando a arguida ciente de que não dispunha das condições para obter crédito em nome pessoal.
33. A arguida actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas de puníveis por lei penal.
Provou-se ainda que:
34. Após a subscrição do referido contrato de crédito, a arguida efectuou o pagamento de mensalidades, registando, contudo, situações de atraso no pagamento, e em alguns meses de incumprimento, em face das dificuldades financeiras com que se debatia.
35. Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava-se em dívida apenas o montante de € 12.592,25.
36. Em consequência da descrita conduta da arguida, nomeadamente em face dos incumprimentos que, por vezes, se verificaram, a “Cetelem” comunicou tal facto ao Banco de Portugal – Centralização das Responsabilidades de Crédito, indicando como incumpridora a ora assistente, que figurava como titular no aludido contrato.
37. Em consequência desse facto, a assistente viu recusado um pedido de empréstimo bancário para aquisição de um veículo automóvel que formulou junto de duas instituições bancárias, tendo tido necessidade de recorrer a empréstimo contraído junto de seus pais.
38. Em consequência directa e necessária da conduta da arguida, e ao tomar conhecimento da mesma, em particular por figurar, sem razão, numa lista de Responsabilidades Financeiras do Banco de Portugal, a assistente MQ... andou stressada e com insónias.

(…)

E como não provados:

a) Quando a arguida apresentou o pedido de concessão de crédito pessoal em nome da assistente não tinha qualquer intenção de restituir a quantia mutuada.

b) A arguida nunca teve intenção de pagar o empréstimo concedido.

c) Como, aliás, não o fez.

d) Em função da conduta da arguida, a instituição financeira “Cetelem sofreu um prejuízo patrimonial no montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros).
e) A arguida causou à “Cetelem” um prejuízo patrimonial de igual valor ao do capital financiado.
f) Com a sua conduta a arguida causou um prejuízo ao Estado e à “Cetelem”.
g) A arguida não tinha forma de proceder ao pagamento das respectivas prestações do referido contrato de concessão de crédito como, aliás, não o fez.
h) Causando à empresa financeira um prejuízo patrimonial de igual valor, correspondente ao capital financiado.

E na fundamentação de direito disse:

(…)

   Relativamente ao crime de burla, dispõe o artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal que “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.

   Já da interpretação conjugada dos artigos 218.º, n.º 2, alínea a) e 202.º, alínea b) resulta que se o prejuízo patrimonial for consideravelmente elevado, a conduta será punível com pena de prisão de 2 a 8 anos, sendo o valor consideravelmente elevado aquele que exceder as 200 unidades de conta.

   Enquanto crime material ou de resultado, o crime de burla pressupõe a saída dos bens da esfera de disponibilidade fáctica da vítima implicando, deste modo, um duplo nexo de imputação objectiva: por um lado, entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo sujeito passivo, de actos atinentes a uma diminuição patrimonial do próprio ou de outrem, e por outro, entre tais actos e a verificação efectiva do prejuízo patrimonial.[7]

Está-se em presença de um crime de execução vinculada, na medida em que a lesão do bem jurídico tem de ocorrer como consequência da forma particular em que se traduz o comportamento do agente, isto é, o enriquecimento ilegítimo não pode, pois, ser causado por qualquer modo, mas apenas através de erro ou engano sobre factos por parte do agente. Em suma, pode dizer-se que para a verificação de um crime de burla, importa considerar, num primeiro momento, a verificação de uma conduta astuciosa que induza directamente ou mantenha em erro ou engano o lesado e num segundo momento, deverá verificar-se um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro. Por outro lado, deverá existir uma sucessiva relação de causa-efeito entre os meios empregues e o erro ou engano e entre esses e os actos que vão directamente defraudar o património do terceiro ou do lesado.[8]

   Assim, o crime de burla compreende os seguintes elementos do tipo de ilícito:

   a) Que o agente tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo;

   b) Com tal propósito e de forma ardilosa, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos;

   c) Assim determinando o ofendido à prática de actos que causem a este ou a outra pessoa um prejuízo patrimonial.

No que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, o crime de burla exige uma conduta dolosa, podendo assumir qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal. Porém, exige-se um dolo específico por parte do agente, ou seja, não basta o dolo de causar um prejuízo patrimonial ao defraudado ou a terceiro, impondo-se ainda, por parte do agente, uma especial intenção de atingir, pela sua conduta, um enriquecimento ilegítimo.

É, todavia, necessário que o erro – enquanto falsa representação da realidade concreta e que funcione como vício do consentimento da vítima – ou o engano tenham sido astuciosamente provocados pelo agente da infracção, isto é, recorrendo a um meio engenhoso para enganar ou induzir em erro[9], e que o enganado, em consequência do erro, realize uma disposição patrimonial, por exemplo, a entrega de uma coisa ou a prestação de um serviço.

Ora, no caso em apreço, apurou-se que com recurso a documentação forjada, na qual se apresentava como sendo a assistente, a arguida logrou convencer os responsáveis da “Cetelem” a aprovarem a concessão de um crédito no montante de € 24.000,00, quantia monetária que foi disponibilizada à arguida em conta aberta de forma ilícita em nome da assistente, à qual apenas a arguida tinha acesso.

Com tal conduta, dúvidas não se colocam que a arguida actuou com a intenção de obter para si determinada quantia monetária através de uma conduta ilícita – forjando documentos, pois que sabia não dispor de condições para em nome próprio beneficiar de tal concessão de crédito – o que fez induzindo em erro os funcionários da “Cetelem”, ao apresentar-lhes documentação da assistente MQ..., criando nestes a convicção que estavam a contratar com esta, o que não correspondia à verdade.

Sucede, porém, que não ficou demonstrado o últimos dos elementos típicos do crime de burla: que em consequência de tal conduta tivesse ocorrido um efectivo prejuízo patrimonial.

Com efeito, pese embora essa conduta ilícita da arguida, o certo é que ao longo dos anos esta foi pagando as prestações acordadas com a “Cetelem” – ainda que com atrasos e em alguns meses incorrendo em efectivo incumprimento – mas na realidade não poderá falar-se de um prejuízo patrimonial para a “Cetelem”, que vem recebendo da arguida as contrapartidas acordadas e subjacentes à concessão de tal crédito.  Por outro lado, apesar dos danos morais causados à assistente – que adiante se analisarão – não poderá afirmar-se que esta tenha sofrido um concreto e efectivo prejuízo patrimonial por via da aprovação daquele crédito, pois que a assistente nunca pagou qualquer prestação por conta desse contrato forjado, nem sofreu um qualquer prejuízo patrimonial directamente decorrente de tal conduta da arguida.

Mas ainda que assim não fosse, a actuação da arguida – ao realizar o pagamento das prestações acordadas, apesar de alguns incumprimentos verificados ao longo do tempo – não permite concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não se tendo demonstrado que com essa sua actuação tivesse em mente locupletar-se com tal quantia monetária, jamais tendo a intenção de proceder ao seu pagamento.

Perante o que se deixa exposto, por entender que não ficaram demonstrados em toda a sua extensão os elementos típicos do imputado crime de burla qualificada, importa concluir pela absolvição da arguida quanto à autoria material de tal ilícito, o que se decide.

Parece assim inferir-se que o Tribunal “ a quo “ entendeu não estar preenchido o elemento do tipo “ prejuízo patrimonial”, porque basicamente e encurtando aqui os argumentos, “ a arguida foi pagando à Cetelem ao longo dos anos as prestações, ainda que com atrasos e incumprimentos, ( …) mas não pode falar-se em prejuízo patrimonial para a Cetelem, porque esta tem vindo a receber algumas contrapartidas, atinentes a tal concessão de crédito”, (..) e ainda mais acrescenta:Mas ainda que assim não fosse, a actuação da arguida – ao realizar o pagamento das prestações acordadas, apesar de alguns incumprimentos verificados ao longo do tempo – não permite concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não se tendo demonstrado que com essa sua actuação tivesse em mente locupletar-se com tal quantia monetária, jamais tendo a intenção de proceder ao seu pagamento.”

Que conclusões ou consequências juridicas extrair?

Ora face a tal quadro factual, aduz-se antes de mais, o seguinte:

Estatui o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo tais vícios também de conhecimento oficioso:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.     

                                                   

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença/ acórdão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.          

       A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.

 Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.

Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada».

Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. 

   Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.      

O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “legis artis” (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).

 Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                          

Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.

Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.

Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”.

 É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339 (no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).

De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”, do mesmo modo o fazendo no Acórdão do. STJ de 2-02-2011 : I. O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.”

E é exactamente o que acontece neste caso.

Não é consentâneo com as regras da experiência comum que alguém que furta, falsifica documentos e assinaturas da assistente, com vista a abrir uma conta numa instituição bancária em nome da ofendida e que depois e mais uma vez, assumindo a sua identidade desta, venha solicitar, junto de uma instituição financeira, e ver assim ser-lhe concedido um empréstimo pela CETELEM, no valor de €24 000,00, cujo valor, (depois de deduzidas as despesas de contrato e imposto de selo no valor de €240,00,) foi transferido pela entidade financiadora para a “sua”conta que abriu e em nome da assistente (assumindo a sua identidade), e dispondo dela a seu contento, actue sem intenção de lhe causar prejuízo económico (à Cetelem) e tal  só porque pagou algumas prestações ao longo dos anos, ou ainda porque tinha intenção de o fazer, entenda-se pagar a quantia mutuada? E mesmo dando-se como provado  no nº 35 que, “Em 25.11.2016, por conta do aludido contrato, encontrava-se em divida apenas o montante de €12 595,25”(…)?

Como é tal possível?

Tal raciocínio choca com as mais elementares regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem médio que proceda á sua leitura, e contraria também e de forma exuberante as evidências plasmadas nos factos provados e não provados, bem como com o que consta depois na fundamentação de direito.

Senão atente-se.

A convicção formada pelo Tribunal “ a quo”, de absolvição da arguida pela prática de um crime de burla agravada, não é compaginável com os factos dados como provados, ou seja, que a Cetelem tenha feito transferir pelo modo que resultou provado, a quantia mutuada para a inteira disponibilidade da arguida.

Será legitimo será perguntar, se é consentâneo com as regras da experiência comum, que alguém não tenha causado prejuízo patrimonial, quando:

- induziu em erro a entidade financiadora, nomeadamente usando uma identidade falsa, que propiciou que aquela tenha transferido € 23 760,00 para uma conta aberta em nome da assistente, por via também da actuação ilícita da arguida, e assim ver tal quantia na sua inteira disponibilidade usando-a, e que tenha actuado sem intenção de causar  um prejuízo patrimonial à Cetelem? (tanto mais que o enriquecimento ilegítimo obtido, o foi por meio de erro e engano sobre factos que astuciosamente provocou… e que condicionou e determinou a actuação comercial da Cetelem na concessão da quantia mutuada) e tal porque a arguida tem vindo a pagar ao longo dos anos algumas prestações à Cetelem, se bem com atrasos?

Parece-nos que não.

E aqui e citando o douto parecer da Digna Procuradora Geral adjunta que foi proferido no âmbito destes autos: (…)”Na verdade a decisão considerou a inexistência de prejuízo patrimonial e concluiu que a falta de tal elemento típico conduziria, inevitavelmente, à absolvição da arguida da pratica do crime de burla pelo qual vinha acusada, quando a transferência do valor do crédito operou efectivamente, saindo do domínio da instituição de credito para  a conta forjada da arguida.

Se a arguida fazia intenção de pagar, se pagou, ou se tem pago, é na nossa opinião irrelevante para a descaracterização da infracção, uma vez que a quantia passou a estar em momento anterior integralmente e ilegitimamente, na sua disponibilidade.

Quanto muito a intenção de pagar poderia fundamentar uma atenuação da pena, mas nunca a sua absolvição.

De resto a arguida ainda deve metade da quantia, não podendo continuar o contrato falsificado, pergunta-se como vai agora a arguida pagar, uma vez que não tem crédito na banca?

É que, ao forjar o contrato para obter o dinheiro que precisava, a arguida teve intenção de enriquecer e prejudicar património alheio, sendo, nesse momento, irrelevante a intenção de pagar, uma vez que nem a arguida, nem ninguém controlam o futuro…havendo sérias possibilidades de não conseguir satisfazer o crédito que, de resto, se desconhece em que estado se encontra.

Como é referido na decisão do TRL de 3-09-2013;” O momento da consumação do crime de burla é aquele em que o lesado abra mão da coisa ou do valor sem que a partir dai se possa controlar o seu destino, então já sem disponibilidade sobre esse património.II-Assim o crime de burla ficou consumado com a imediata transferência da quantia para outra conta que qualquer agência , em qualquer localidade, e bastando que, ao nível do tipo objectivo se observe o empobrecimento.”

In casu inexiste qualquer facto que exclua a culpa ou a ilicitude da arguida.

Não é plausível admitir, mesmo com a maior das boas vontades, que a arguida não soubesse que com a sua conduta prejudicava patrimonialmente a instituição que lhe concedeu o crédito e a enriquecia ilegitimamente.

Pelo exposto, mais consideramos que se encontra preenchido o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

De facto existe erro notório na apreciação da prova, pois dando como não provado o seguinte:-Em função da conduta da arguida, a instituição financeira “Cetelem” sofreu um prejuízo patrimonial no montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros).

A arguida causou à “Cetelem” um prejuízo patrimonial de igual valor ao do capital financiado.

Com a sua conduta a arguida causou um prejuízo ao Estado e à “Cetelem”. Causando à empresa financeira um prejuízo patrimonial de igual valor, correspondente ao capital financiado.(…) não tenha praticado um crime de burla pelo qual vinha acusada, porque não causou um prejuízo patrimonial à ofendida ( Cetelem) de valor igual ao capital financiado, e tal porque no que consta da sentença revidenda, cita-se outra vez ; …” mas não pode falar-se em prejuízo patrimonial para a Cetelem, porque esta tem vindo a receber algumas contrapartidas, atinentes a tal concessão de crédito, (..) e ainda mais acrescenta: “Mas ainda que assim não fosse, a actuação da arguida – ao realizar o pagamento das prestações acordadas, apesar de alguns incumprimentos verificados ao longo do tempo – não permite concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de ilícito, não se tendo demonstrado que com essa sua actuação tivesse em mente locupletar-se com tal quantia monetária, jamais tendo a intenção de proceder ao seu pagamento”,(…)

E dando como provado os factos sob os números 13 a 24, 26, 27 a 33, supra referido, mas enfatiza-se: “Por terem ficado convencidos que toda a documentação apresentada se encontrava em ordem e que estavam a contratar com a assistente, que reunia condições económicas para o efeito, e assim determinados pela actuação da arguida, os responsáveis da “Cetelem” aprovaram o crédito solicitado, no montante de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros).

Assim, no dia 4 de Fevereiro de 2014, foi creditado na conta bancária supra referida o montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta curos), após ter sido descontada a quantia de € 240,00 (duzentos e quarenta euros) referentes ao imposto de selo de utilização de crédito.

E sobre a qual passou a vigorar uma autorização de débito em conta para liquidação das respectivas prestações (noventa e seis mensalidades no valor de € 386,76 ­cada uma).

A arguida fez sua tal quantia, efectuando diversos levantamentos e procedendo a transferências bancárias para uma outra conta por si titulada.

O que fez com o propósito de obter um empréstimo, a que sabia que não teria acesso com as suas condições económicas e financeiras.

A instituição financeira “Cetelemapenas concedeu o financiamento no montante acima indicado uma vez que a arguida, com toda a sua actuação, fez crer aos responsáveis daquela instituição que estavam a contratar com a assistente, pessoa cujo nome figurava em toda a documentação que instruiu o pedido de concessão de crédito, e que reunia as condições económicas necessárias para lhe ser autorizado o financiamento.

Não obstante a arguida estar ciente que tal não correspondia à verdade.

Logrando, dessa forma, obter um financiamento que sabia ser indevido, em virtude de ser obtido com recurso a documentação alheia e assinaturas forjadas.

Estando a arguida ciente de que não dispunha das condições para obter crédito em nome pessoal.

A arguida actuou sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas de puníveis por lei penal.

Contraria de forma patente a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, para além de erradamente fazer a subsunção dos factos ao direito, pois como se sabe o crime de burla tem como elementos para a sua verificação os seguintes, que decorrem claramente do seu enunciado legal:- Que o agente tenha a intenção de obter para si ou para terceiro um enriquecimento ilegítimo, que com tal propósito e de forma ardilosa, induza em erro ou engano o ofendido sobre os factos e por fim, assim determinando o ofendido à prática de actos que causem a este ou a outra pessoa um prejuízo patrimonial.

É certo que aqui o prejuízo patrimonial não pode ser visto, invertendo-se a situação para o campo da futurologia ( bem como pondo tal elemento na disponibilidade futura da vontade da arguida de pagar ou não), logo do advir das consequências da pratica do crime pela arguida/ e pelo seu querer/ se pagou parte e se tinha intenção de o fazer etc., pois aquele estratifica-se logo no momento em que o lesado que foi ardilosamente enganado, e induzido em erro,  e assim abriu mão da quantia monetária, entrando esta na esfera da total disponibilidade da arguida, obtendo desta forma um enriquecimento ilegítimo instantâneo a que sabia não ter direito,  e que  a dissipou a seu bel prazer.

Parece que tal claramente resulta de uma aprimorada leitura do disposto no nº 1 do artº 217º do CP.

O Tribunal “a quo” absolveu a arguida concluindo que não resultou provado um elemento essencial do crime de burla que, consubstancia na sua óptica não ter existido prejuízo patrimonial, mas mal.

Contra tal asserção se insurgiu a assistente com a interposição do presente recurso, bem como a Digna Procuradora Geral Adjunta, junto deste Tribunal em douto parecer que fez exarar nos autos, através do qual entre o mais aderiu ao recurso apresentado pela assistente.

No entanto, perante a factualidade provada não conseguimos perceber repete-se, como já se disse supra, o raciocínio do Tribunal ao concluir pela falta de prova, no que respeita à especial intenção de a actuação da arguida, não ter provocado um prejuízo patrimonial no lesado, que, neste caso deixe-se bem claro é a CETELEM, uma vez que este prejuízo patrimonial decorre claramente dos factos que se deram como provados, e logo aquando da transferência da quantia de €23 760,00, para a disponibilidade da arguida.

Os factos que constam do elenco probatório, no segmento dos factos provados, mesmo na altura conjugados com os não provados, não autorizam a ilação jurídica retirada de absolvição da arguida, pelo que se verifica o vício do erro notório da apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. c), do CPP., que consta da sua fundamentação de direito para explicar, que tendo a arguida intenção de pagar o empréstimo ou tendo-o pago parcialmente aquele prejuízo patrimonial, não se verifica… Tal raciocínio até vertido na arrumação dos factos provados e não provados é irrazoável e vai contra a mais elementar regra do bom senso aliada às regras básicas de experiência comum tão necessárias na aplicação do direito, que neste caso foi beliscado.

"A arguida foi absolvida porquanto o tribunal entendeu dar como não provado que a Cetelem (ofendida) não teve qualquer prejuízo patrimonial, e tal em virtude e segundo consta da sentença, por via da arguida não ter intenção de não pagar aquele empréstimo, conseguido pela forma trás referida e tendo sido dado como provado que a Cetelem transferiu o valor mutuado para a disponibilidade da arguida que dele se apoderou e dissipou.

Ou seja, logo aqui existe um prejuízo patrimonial, como já se disse, exactamente na altura em que a Cetelem transfere o dinheiro para a disponibilidade da arguida, pelo que desapossada de tal quantia logo ficou, não interessando nada, mas mesmo nada, se a arguida tinha ou não intenção de pagar, se pagou, ou se ia pagando ou se o deixou de o fazer.

Não se obtempere com tal dedução, fazendo com que os elementos do tipo não sejam considerados preenchidos, e neste caso o “ prejuízo patrimonial”, neste caso.

Passemos agora a apreciar do alegado vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – art. 410.º, nº 2, al. b) do CPP.

Como já supra avançamos, a contradição insanável de fundamentação é apenas aquela que se apresenta como insanável, irredutível, que não pode ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida no seu todo e com recurso às regras da experiência.

Como referem Simas Santos e Leal Henriques (in Código de Processo Penal Anotado, pág. 739) “por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade.”

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão pode também respeitar à contradição entre os factos dados como provados e os não provados (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 341/342).

Este vício ocorre quando um mesmo facto, com interesse para a decisão da causa, seja julgado como provado e não provado.

É o que sucede, para além do que supra se referiu e infra se referirá, também na sentença recorrida.

Se o objectivo do tribunal “ a quo” era dar como não provado a especial intenção que o crime de burla exige, ou seja causar um prejuízo patrimonial, este não foi nem podia ser alcançado.

 O tribunal “ a quo” ao limitar-se a compor os factos da acusação e do pedido cível, em provados e não provados, sem os redigir de novo, e extraindo uma indevida subsunção daqueles ao direito, incorreu em contradição insanável.

Não pode ainda a sentença dar como provado que a arguida conseguiu ver ser aprovado um contrato de mútuo por “roubo de identidade”, ardilosamente induzindo em erro a Cetelem, e assim conseguir em nome de outrem um empréstimo a que sabia não ter direito, de ter almejado que a CETELEM lhe tivesse transferido cerca de €23 760,00 (vide nº 22 dos factos provados), e dar como não provado que não tenha causado um prejuízo patrimonial á CETELEM, para extrair a conclusão de que a arguida não praticou o crime de burla pelo qual vinha acusada, não é curial.

Tais afirmações são contraditórias, pois logo no momento em que a Cetelem “disponibilizou” tal quantia o prejuízo patrimonial na esfera da ofendida, neste caso entidade financiadora, estratificou-se, e sendo elemento do tipo, perfectibilizaram-se quer os elementos objectivos quer subjectivos que ao mesmo cabe.

Acresce que foi o erro, mantido e querido pela arguida que levou a Cetelem a celebrar o contrato com esta e a entregar-lhe tal quantia por via da celebração de tal contrato, através do qual obteve um enriquecimento ilegítimo e causando um prejuízo patrimonial à Cetelem.

De outra forma estava achada a “Via Verde”, para o crime de burla deixar de se verificar….para tal bastando que o arguido viesse no futuro a pagar parte ou tivesse a intenção de pagar a quantia através da qual enriqueceu ilegitimamente ás custas da ofendida, que ardilosamente foi enganada e que teve o inerente prejuízo patrimonial quando abriu mão da quantia que transferiu para a arguida. Nesta altura deixou a ofendida de ter o “ domínio sobre tal quantia”, e assim neste momento se perfectibiliza, conjugando-se com os outros elementos, incluindo o dolo, o crime de burla agravado pela qual a arguida estava acusada.

Resulta, assim e ao invés da preposição errada achada pelo tribunal “a quo”, que se mostram verificados os elementos típicos do crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217.º e 218.º, n.º 2, al. a), com referência ao art. 202.º, al. b), todos do CP, cometido por acção (e não por omissão): um prejuízo patrimonial de valor consideravelmente elevado (logo superior a 200 unidades de conta à data da pratica dos factos/2014) motivado por erro astuciosamente provocado (por meio de actos concludentes) pelo agente, a ora arguida, que agiu com dolo directo em todas as condutas que adoptou, tanto mais que, e vide AC do TRL de 3-09-2013, in www.dgsi.pt  : I. O momento da consumação do crime de burla é aquele em que o lesado abra mão da coisa ou do valor sem que a partir daí se possa controlar o seu destino, então já sem disponibilidade sobre esse património. Assim, o crime de burla ficou consumado com a imediata transferência da quantia para outra conta de qualquer agência, em qualquer localidade, e bastando que, ao nível do tipo objectivo, se observe o empobrecimento (= dano) da vítima; como também se refere no, Ac. do TRG de 05.04.2017 I. Para o preenchimento do tipo objectivo do crime de burla é necessária «a prática de actos» pela vítima em consequência do erro ou engano em que foi induzida, «que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial.

As referidas anomalias, preenchem o vício previstos no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.

Destarte, de acordo com as regras da experiência comum, conjugadas com a prova produzida, julgamos que o Tribunal a quo deveria ter decidido pela condenação da arguida pelo crime de burla p.p. pelos artigos 217º nº 1, 218º nº 2 a), com referência ao artigo 202º al. b), todos do Código Penal. 

Nestes termos, procede neste segmento o recurso, impondo-se revogar a decisão revidenda, que se considera inquinada pela verificação dos vícios a que aludem as alíneas,  b) e c) do artigo 410.º, n.º 1, do CPP, os quais, pese embora não terem sido expressamente invocados, são ambos de conhecimento oficioso.

A decisão recorrida só é de alterar quando as evidências (as quais à saciedade se deixaram supra excursas) não conduzam àquela factualidade em que previamente “assentou”, neste caso, o Tribunal “ a quo”, violando as mais elementares regras da experiência comum, em que se traduz exactamente o caso dos autos.

Deste modo e ao abrigo do disposto no artº 410 nº 2 al. b) e c) do CPP, julgam-se verificados os vícios de contradição insanável da fundamentação e erro notório na apreciação da prova, e não sendo caso de se proceder ao reenvio do processo para novo julgamento nos termos do disposto no artº 426º nº 1 do CPP, procede-se á modificação da matéria de facto de acordo com o disposto no artº 431 al. a) do CPP, pela seguinte forma, alterando-se a decisão da matéria de facto, transitando para os factos considerados provados os seguintes:

   Factos PROVADOS

 -Em função da conduta da arguida, a instituição financeira “Cetelem” sofreu um prejuízo patrimonial no montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros).

- Com a sua conduta a arguida causou um prejuízo ao Estado e à “Cetelem”.

  Estes factos, NÃO PROVADOS que constavam nas alíneas d) e f), sendo que inalterados ficam os factos não provados sob as alíneas e) e h), pois na verdade, a quantia transferida para a conta “forjada” pela arguida, pela Cetelem foi no valor acima referido e que consta nos nºs 14 e 22 dos factos provados, pois esta não procedeu à transferência do total do financiamento, tendo deduzido o valor de €240,00 relativo a despesas do contrato.

Assim sem necessidade de maiores aprimoramentos argumentativos, face ao supra referido, conclui-se que, de facto, a arguida, praticou o crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217º nº 1 , 218º  nº 2 al. a) , com referência ao artº 202º, al. b), todos do Código Penal, o qual é punido em abstracto com pena de prisão de  dois a oito anos, pelo que terá de ser condenada pela sua pratica.

Agora haverá que considerar o Acórdão de fixação de Jurisprudência, nº4/2016, o qual veio estabelecer o seguinte:

-“Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal. Isabel Pais Martins (Relatora), in DR-36 SÉRIE I de 2016-02-22 ( texto integral)”, o que passará sem mais delongas  a proceder de seguida, em virtude de o processo conter todos os elementos necessários nos termos do artº 70º e 71º do CPP para a determinação concreta da pena, bem como, para posteriormente se efectuar o necessário cúmulo jurídico.

               

             DA MEDIDA CONCRETA DA PENA

             Diz-nos o artº 40º do Código Penal que a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (nº 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).

Sempre se dirá profilacticamente que a medida da pena será encontrada em função da necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva ou de integração) e de advertência individual.

Como bem referem Leal-Henriques e Simas Santos, no “Código Penal anotado”, 3ª ed., 564, o nosso direito penal acolheu as seguintes proposições conclusivas, formuladas por Figueiredo Dias:

“- a finalidade primária da pena é o «restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime» (prevenção geral positiva de integração – artºs 18º, nº 2 da CRP e 40º, nº 1 do CP);

O art. 40.º, do Código Penal, refere, nos seus n.º 1 e 2, que a aplicação de penas e de medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

"...com a inserção deste dispositivo estiveram no pensamento legislativo somente razões pragmáticas. Tratou-se tão só de dar ao intérprete e ao aplicador do direito criminal critérios de escolha e de medidas das penas e das medidas de segurança, em vista de serem atingidos os fins últimos para os quais todos os outros convergem, que são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do delinquente na sociedade." (Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado, 15.ª ed., fls. 172)

- Esta finalidade primária não posterga o efeito, meramente lateral, causado pela pena em termos de prevenção geral negativa ou de intimidação geral;

- Dentro dos «limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração» a medida concreta ou inocuização (prevenção especial negativa);

- A culpa não é fundamento da pena, mas tão-somente o seu limite inultrapassável (vd. artº 40º, nº 2 do CP) ”.

Este preceito não poderá deixar de ser conjugado com o que dispõe o art.º 71.º, n.º 1,do Código Penal, quando prescreve que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”.

Na operação de determinação da medida concreta da pena deve conferir-se supremacia à culpa do agente e às exigências de prevenção especial, as quais, no caso concreto, revestem contida preponderância pelos fundamentos que ficaram antecedentemente expressos.

Termos em que, visando a conciliação das finalidades da punição com a exigência de medir a pena em função da culpa, se deverá fixar, em princípio, a pena no ponto da escala correspondente à culpa que melhor sirva as exigências de prevenção especial.

Assim, a pena deverá ser estabelecida entre um limite mínimo já adequado à culpa e um limite máximo ainda adequado à mesma, funcionando entre ambos os fins de prevenção geral e especial.

A determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos nos art.ºs 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção –, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º,n.º 2, alíneas a) a f), do Código Penal).

Ora quanto à medida da pena, e como ensinava Beleza dos Santos, «a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente» (R.LJ., 78, 26).

               De acordo com o direito vigente, o Tribunal deve partir da teoria da união, a qual exige se chegue a uma relação equilibrada dos diferentes fins de pena.

 A pena deve determinar-se de modo a que garanta a função retributiva, esta equacionada com o ilícito em si e a culpabilidade, sem pressuposto, limite último, e seja possível, pelo menos, o cumprimento também da revisão ressocializadora da própria pena com respeito ao próprio arguido, a exemplo, deste modo, o fim da prevenção especial.

            Além disso, a defesa do Ordenamento Jurídico exige, por último, que a pena se determine de tal modo que possa alcançar um efeito sociopedagógico na comunidade, que sirva ela de exemplo, de contra-motivo à prática de idênticos ilícitos pelos demais indivíduos.

Foi para fazer ou atingir a possível concordância dos fins das penas no caso concreto, que se desenvolveu na Jurisprudência a teoria da margem da liberdade, teoria segundo a qual a pena adequada à culpabilidade não é uma medida exacta.

A pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa) determinada em função da culpa, intervindo os outros fins das penas - prevenção geral e prevenção especial - dentro daqueles limites (cfr. Claus Roxin, in Culpabilidad Y Prevencion en Derecho Penal, pág. 4-113).

Assim, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, no caso concreto (art. 71º, n.º 1, do C. P.), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2), designadamente: o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; a conduta anterior e posterior ao facto; a falta de preparação para manter conduta lícita, manifestada no facto; as condições pessoais do agente e a sua situação económica.

A medida da pena não é pura matemática, antes uma operação complexa desenrolada em três fases:

             - escolhem-se os fins das penas, pois só a partir deles se podem ajuizar os factos do caso concreto relevantes para a determinação da pena e a valoração que lhes deve ser dada (o n.º 1 indica a culpa do agente em primeiro lugar, mas no mesmo nível situa as exigências de prevenção), lembrando que agora dispõe o art. 40. °, n.º 1 sobre as finalidades da punição - protecção dos bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade;

                - fixam-se os factores que influem no doseamento da pena, as circunstâncias concorrentes no caso concreto que, em relação com os fins das penas, têm importância para a determinação do tipo e gravidade da pena (indicados, exemplificativamente, no n.º 2);

     - tecem-se os considerandos que fundamentam a determinação efectuada (de acordo com o n.º 3).

(vide neste sentido, Ac Tribunal da Relação de Lisboa, in recurso nº 76/07.0TAVC.L1 da 9ª secção criminal)

                Haverá ainda que atender a questões de prevenção especial e geral.

Relativamente à arguida, temos de considerar como agravantes, o facto de ter agido com dolo directo, logo na sua forma mais intensa (artº 14º nº 1 do C.P.), as consequências do crime pois o facto de, com o incumprimento do contrato de financiamento por parte da arguida, a Cetelem ter comunicado tal ao Banco de Portugal, indicando como incumpridora a ora assistente, pois era esta que figurava como titular do contrato, esta viu ser recusado um empréstimo que pediu para aquisição de um carro.

O natural sobressalto anímico que causou à assistente com a sua conduta, levando-a a um estado de ansiedade que implicou a tomada de medicação.

Igualmente haverá que considerar o grau de planeamento, e elaboração dos actos que precederam e perfectibilizaram este crime perpetrado pela arguida, o qual envolve uma persistência incomum, quer de meios utilizados, quer pela duração natural no tempo na realização do mesmo, e na vontade persistente, que manteve na sua concretização, tanto mais que esta trabalhava para a assistente há vários anos, ao que acresce também o facto de esta ser contabilista, e ter como habilitações literárias o curso de organização e gestão de empresas, estando bem ciente dos seus deveres profissionais e na confiança que em si depositavam os seus clientes, coisa que deveria ter obviado à pratica do ilícito em apreço, pois bem “consciente” estava até pelo exercício das suas funções, dos procedimentos a observar neste tipo de operação financeira e das eventuais consequências  que, dos seus actos poderiam advir, como efectivamente veio a suceder, nomeadamente para o bom nome da assistente junto do Banco de Portugal, face ao incumprimento e para o empobrecimento da ofendida/Cetelem.

Há igualmente que atender a exigências de prevenção geral, pois há que garantir o sossego social e a segurança no comércio jurídico, bem como o prejuízo patrimonial que causou á Cetelem se bem de valor apurado, mas reportado á data de 25.11.2016 que se cifrava em €12 592,25.

Como atenuantes consideramos o facto de a arguida ser primária, de trabalhar como contabilista por conta própria, e ter actualmente 45 anos de idade e viver sozinha, e de ter pago algumas prestações do contrato falso (assumindo a identidade da assistente) que celebrou com a Cetelem.

Tudo ponderado e não encontrando qualquer circunstância especialmente relevante que se tivesse apurado, que levasse a que fosse atenuada a pena à arguida, nos termos do disposto no artigo 72º do Código Penal, e tendo em conta a moldura legal supra referida (pena de prisão de 2 a 8 anos), afigura-se-nos adequada, justa e proporcional, condenar a arguida, MS..., numa pena de dois anos e seis meses de prisão.

SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO

Todos sabemos que a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50º do Código Penal, tem como pressuposto material de aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, ou seja, que conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.

Passamos a considerar que, o novo ordenamento jurídico-penal estatuído com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 400/82, de 3 de Setembro consagrou, de forma dogmaticamente iniludível, a suspensão da execução da pena de prisão como pena de substituição. Do ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.

 A pena de suspensão assume a categoria de pena autónoma, apartando-se da ideia de que se possa constituir como “[…] um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, mas uma pena autónoma e, portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição” – (Cfr. Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas – Editorial Noticias, 1993,90).

No  caso em apreço, e nos termos do artigo 50º nº 1 e 5 do CP, decide-se suspender a execução da pena de dois anos e seis meses de prisão, em que a arguida foi  condenada, por igual período, uma vez que a arguida trabalha, tem 45 anos de idade e não tem antecedentes criminais, pelo que se poderá concluir e fazendo um juízo de prognose favorável, de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pondo obstáculos assim que a arguida volte a delinquir.

No entanto tal suspensão fica subordinada (artº 50º nº 2 do C.P.) ao dever de a arguida pagar a indemnização devida á assistente e na qual foi condenada, no valor de € 5 000,00 (cinco mil euros), tendo por fito reparar o mal do crime (artº 51º nº 1 al. a) do C.P.) e tal, no mesmo período da suspensão da pena, ou seja dois anos e seis meses, não sendo desproporcionado tal dever, considerando-se que a mesma trabalha como contabilista, vive sozinha e assim dividindo o valor da indemnização por 30 meses, chega-se a um valor mensal de cerca de € 166, 70, e pese embora a arguida ter outros encargos económicos com a aquisição de bens materiais, este dever, deverá primar pela primazia e ser devidamente hierarquizado, pois de facto destina-se a reparar os danos causados pela arguida, com a pratica deste crime pela qual foi condenada numa pena de prisão, a qual foi suspensa na sua execução, ficando no entanto sujeita a este dever, entenda-se perfeitamente razoável.

CÚMULO JURIDICO / artº 77º do Código Penal

Estabelece o artigo 77.º do Código Penal o seguinte:

Regras da punição do concurso

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.

4 - As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

No caso em apreço, há lugar á realização de cúmulo material de uma pena de prisão e de pena de multa, neste caso duas, as quais foram, em analepse objecto de cúmulo juridico pelo Tribunal “ a quo”.

Nestes termos, a pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas – não podendo, no caso da pena de multa, ultrapassar os 900 dias –, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 

                 A arguida MS..., foi condenada nestes, autos e pelo tribunal “ a quo” pela autoria material de 1 (um) crime de furto, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros) e pela autoria material de 1 (um) crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas b) e c), com referência ao artigo 255.º, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros).

                Em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, decide-se agora condenar a arguida, numa pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros).

Mesmo assim, e não descurando os comandos legais e ponderando todos os factos que foram dados como provados nos autos, o circunstancialismo temporal em que os crimes foram perpetrados e a personalidade da arguida, ter agido como dolo directo, tal como surge revelada nos factos apurados, a sua idade (45 anos), de estar laboralmente inserida, ser primária e de viver sozinha, considera-se adequado condenar a arguida numa pena única de:

- 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros) e de dois anos e seis meses de prisão, cuja execução fica suspensa por igual período, sujeita ao dever de pagar à assistente no mesmo prazo a quantia de cinco mil euros.

 DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

-Concedendo-se parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente, decide-se revogar parcialmente a sentença recorrida, pelos motivos supra expostos e consequentemente:

1- Decide-se alterar a decisão da matéria de facto, transitando para os factos considerados provados os seguintes factos:

-Em função da conduta da arguida, a instituição financeira “Cetelem” sofreu um prejuízo patrimonial no montante de € 23.760,00 (vinte e três mil setecentos e sessenta euros);

- Com a sua conduta a arguida causou um prejuízo ao Estado e à “Cetelem”.

2- Julgar neste segmento provido o recurso interposto pela assistente, e consequentemente revoga-se a sentença recorrida quanto à absolvição da arguida quanto ao crime de burla qualificada, e decide-se condenar a arguida MS…, pela pratica como autora material e na forma consumada, de um crime de burla qualificada, p.p. pelos artigos 217º nº 1 e 218º nº 2 al. a), com referência ao artigo 202º al. b), todos do Código Penal, numa pena de dois anos e seis meses de prisão, a qual fica suspensa na sua execução pelo mesmo período nos termos do disposto no artº 50º nº 1 e 5 do C.P., a contar do trânsito em julgado da presente decisão, ficando porém, tal suspensão sujeita ao dever de a arguida pagar à assistente no mesmo prazo, a quantia de cinco mil euros devida a titulo de indemnização civil, nos termos do artº 51º nº 1 al a) do C. P.

No devido e legal cúmulo jurídico, (artº 77º do C.P.) a arguida vai condenada numa pena única de multa de 380 (trezentos e oitenta) dias, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia global de € 2.280,00 (dois mil duzentos e oitenta euros), e numa pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita ao dever de pagar no mesmo prazo a quantia de cinco mil euros à assistente devida a título da indemnização civil, em que foi condenada;  

3- Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela assistente na vertente do pedido de indemnização civil, e consequentemente condena-se a arguida a pagar à assistente, a quantia de cinco mil euros a titulo de danos não patrimoniais sofridos por aquela.

Não foram peticionados juros.

4. Custas e legais acréscimos a cargo da assistente recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.

 5. Custas a cargo da assistente/ recorrente e da arguida, na parte cível, na proporção do respectivo decaimento.

   - Notifique, sendo que a arguida deverá ser pessoalmente notificada da presente decisão e D.N.

   Lisboa,  27 de  Outubro de 2017

 (Processado integralmente em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal)

      Filipa Costa Lourenço

      Margarida Vieira de Almeida

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[1] Neste sentido, A. M. ALMEIDA E COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p.293.
[2] Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, “O crime de Burla no Código Penal de 1982-95”, RFDUL, XXXVI, pp. 322.

[3] Neste sentido, vide Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, Almedina, 2004, pp. 732.
[4] Cfr. ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Vol.I,10ª Ed., Almedina, 2003, pp.906-908.

[5] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 9/2015, de 14.05.2015, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros”.

[6] MC: «A indemnização (…) pode ter uma função compensatória: ainda que se saiba ser impossível, suprimir determinado dano, é preferível arbitrar uma indemnização que, decerto modo, compense o mal feito, do que nada fazer. Alem disso, sabe-se hoje que a responsabilidade civil tem um papel punitivo: visa ressarcir o mal feito e desincentivar, quer junto do agente, quer junto de outros elementos da comunidade, a repetição das práticas prevaricadoras.»
[7] Neste sentido, A. M. ALMEIDA E COSTA, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p.293.
[8] Maria Fernanda Palma e Rui Carlos Pereira, “O crime de Burla no Código Penal de 1982-95”, RFDUL, XXXVI, pp. 322.

[9] Neste sentido, vide Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, Almedina, 2004, pp. 732.