Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10905/19.0T8SNT.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO FUTURO
DANO INDEMNIZÁVEL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
AFECTAÇÃO DA CAPACIDADE LABORAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado, ou seja, nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
2. Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis: o dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência; no caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível, desconsiderando-se o juízo do timorato; o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente, o que significa que o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
3. Os danos previsíveis podem dividir-se entre os certos e os eventuais: dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível; dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
4. O caráter eventual do dano pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor: desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio; naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável; naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência).
5. O dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável: determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante; indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação; nesta classificação está causa apenas e só a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
6. Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável, residindo a diferença no seguinte: no momento de julgar, deve fixar-se a indemnização do dano determinável, ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença (art.ºs 564º, nº 2 CC e 609.º, n.º 2 CPC).
7. O seguinte facto complementar «é previsível que ocorra degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e trauma sofrido», não alegado pelo autor, aportou ao processo trazido por um meio de prova, no caso um relatório de perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, resultando, portanto, da instrução da causa, podendo ser considerado pelo tribunal a quo em sede de fundamentação de facto da sentença.
8. Apesar de não ter sido dada às partes a possibilidade de sobre ele se pronunciarem, como impõe o art.º 5.º, n.º 2, al. b), esse facto, configurando um dano futuro indemnizável, deve considerar-se definitivamente assente, se, uma vez incorporado no processo e incluído no elenco dos factos provados, nenhuma das partes, nomeadamente a ré, prejudicada com a sua incorporação, em ocasião alguma impugnou a decisão que o considerou provado ou arguiu qualquer nulidade por não lhe ter sido dada a possibilidade de sobre ele se pronunciar.
9. Constitui inadequada técnica processual, desde logo face ao disposto no art.º 635.º, n.º 2, aquela que consiste em, no mesmo item da parte dispositiva da sentença, condenar a ré a pagar ao autor uma determinada quantia em dinheiro a título de indemnização, indistintamente «por danos patrimoniais fixados equitativamente» e «por danos não patrimoniais», pois isso dificulta a tarefa, quer do recorrente na delimitação objetiva do recurso, quer do tribunal ad quem na sindicância da sentença impugnada, na parte em que o for.
10. Por decorrência imperativa da dimensão conceitual da equidade, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não encontra a sua finalidade específica senão através da razoabilidade, dos comandos ditados pelo bom senso como expressão natural da razão, pelo que, na fixação do seu quantum há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa, de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos embora sem a pretensão de «anular» tais prejuízos como se de um «preço de dor» se tratasse.
11. O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, no caso, de 4 pontos, é presentemente qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psicofísica», e vem sendo entendido como um dano-evento ou dano real, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.
12. A incapacidade parcial permanente, afetando ou não a atividade laboral habitual do lesado, representa em si mesmo um dano patrimonial futuro, sendo a respeito da ponderação dos efeitos negativos de ordem patrimonial, resultantes da afetação da capacidade laboral genérica ou geral dos lesados, que se vem consolidando o recurso ao «dano biológico».
13. Provando-se que em consequência do acidente, o autor, nascido em 1982, data em que a esperança média de vida à nascença de um cidadão do sexo masculino era, em Portugal, de 69 anos, com 34 anos de idade à data do acidente, com um vencimento anual de €21.656,12, apresenta sequelas de lesões meniscais e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, situação que o obriga a levantar-se de duas em duas horas, por virtude do que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 pontos, é inequívoco que tem direito a ser ressarcido pela perda de capacidade laboral genérica ou geral decorrente desse défice funcional, ou seja, tem direito a ser indemnizado pelo dano biológico sofrido, enquanto dano patrimonial futuro, no montante de €18.000,00.
14. Isto, apesar de ter ficado igualmente provado que as sequelas de que o autor ficou a padecer em virtude das lesões sofridas por causa do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional habitual, não lhe exigindo esforços acrescidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório:
ML intentou a presente ação declarativa de condenação emergente de acidente de acidente de viação, contra L – Companhia de Seguros, S.A., alegando, em síntese, que no dia 01-09-2016, pelas 20 horas, no cruzamento entre a Avenida das ____ e a Calçada da ____, Sintra, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes:
- o veículo ligeiro de passageiros com matrícula QV, na altura conduzido SO, por conta, ordem e direção da proprietária Sociedade QP, Ld.ª.; e,
- o motociclo com a matrícula MI, pertença do autor e por ele conduzido no momento do acidente.
À data do acidente, a responsabilidade civil decorrente da circulação do QV encontrava-se transferida para a ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____.
O sinistro ocorreu devido a conduta culposa da condutora do QV, situação que a ré assumiu.
Em consequência do acidente, o autor sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial pelos quais pretende ser ressarcido pela ré.
No entanto, conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa certamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência:
a) Ser a R. condenada a pagar ao A. a quantia de 67.527,25€ (Sessenta e Sete Mil Quinhentos e Vinte e Sete Euros e Vinte e Cinco Cêntimos), a título de Danos Patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna, juros desde a citação até efetivo e integral pagamento e custas;
b) Ser a R, condenada no que se vier a remeter para liquidação em consequência de danos futuros e não contemplados em a).»
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A ré contestou, assumindo a responsabilidade da condutora do QV na produção do acidente.
Considera, no entanto, que a ação deve ser julgada «improcedente, porquanto as quantias pedidas não são devidas» e que «os pedidos formulados são exorbitantes e não estão de acordo com regras processuais nem com regras legais imperativas, nem mesmo com recente Jurisprudência.»
Conclui assim a contestação:
«Por falência de razões deve a Acção ser julgada improcedente e a Ré Absolvida dos Pedidos.»
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O autor respondeu à alegada matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
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Foi proferido despacho saneador que, dispensando a audiência prévia, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
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Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal, julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condenar a Ré:
- no pagamento ao Autor, de indemnização, por danos patrimoniais no valor de 7.527,25 euros; acrescida de juros de mora sobre esta quantia, a contar da data da citação, nos termos sobreditos;
- no pagamento ao Autor, de indemnização por danos patrimoniais fixados equitativamente e por danos não patrimoniais, que se fixa no montante total de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros); acrescida de juros de mora sobre esta quantia, a contar da data da presente sentença; nos termos sobreditos; e, bem assim,
- no pagamento, ao Autor, do montante a liquidar (art. 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo;
- absolvendo-se a Ré do demais peticionado pelo Autor.»
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Inconformada, a ré recorreu, concluindo assim as respetivas alegações:
«1 – O presente recurso vem da Decisão proferida nos Autos que julgou a presente Acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré/Apelante no pagamento ao Autor/Apelado de indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais no montante total global de 35.000,00€, acrescida de juros de mora sobre esta quantia, a contar da data da Sentença, e, bem assim, no pagamento do montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor/Apelado terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.
2 - A Recorrente impugna a Fundamentação de Direito.
3 - Houve erro de Julgamento.
4 - A Decisão violou os art.ºs 483º, 494º, 496º nº 4, 562º, 563º, 564º e 566º nºs 2 e 3 do Cód. Civil.
5 - A Decisão enferma da nulidade prevista no art.º 615º nº 1 alínea c) do CPC, porque os fundamentos estão em oposição com a Decisão.
6 - De todos os factos considerados provados, os factos nºs 22, 23, 26, 27, 31 a 40 e 42 da Matéria de Facto, deviam ter sido qualificados de forma diferente.
7 - Conforme consta dos nºs 22, 23, 26, 27 e 42 da Matéria de Facto, estamos perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho e as indemnizações desta natureza não são cumuláveis, mas sim complementares.
8 - A perda de capacidade de ganho já foi apurada na Acção emergente de Acidente de Trabalho, em que figurou como responsável a congénere LT, S.A., estando comprovado nestes Autos pelo ofício junto em 05/08/2020, que o Recorrido já recebeu 7.705,89€ a título de capital de remição.
9 – O Tribunal a quo devia ter feito uma melhor avaliação dos seguintes aspectos, respeitantes à condição de saúde do Recorrido:
9.1 - Excluindo o período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial, o Dano Biológico não implicou perda de rendimentos;
9.2 - O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica estava consolidado na data do Julgamento (26/01/2022), porque a data de referência é 20/11/2017;
9.3 - As sequelas de que o Recorrido padece são compatíveis com exercício da actividade habitual e não implicam esforços suplementares;
9.4 - As sequelas não são incapacitantes;
9.5 - Em termos remuneratórios não sofreu qualquer perda e até progrediu na carreira;
9.6 - O Dano Biológico na vertente patrimonial está compensado.
10 - Nos casos como o dos Autos, em função da idade do sinistrado, da inexistência de perdas salariais e da possibilidade de progredir na carreira, como progrediu, a múltipla indemnização nestas diferentes categorias leva à multiplicação de pagamentos pelas mesmas razões.
11 – O quantitativo de 10.000,00€ compensatório do Dano Biológico é excessivo e ultrapassa o limite justo, que pode ser reconhecido e atribuído ao Recorrido.
12 - Por violar o disposto nos art.ºs 562º, 563º, 564º e 566º nºs 1, 2 e 3 do Cód. Civil e porque houve erro de julgamento, vai impugnada a condenação no pagamento da identificada quantia.
13 - Deve ser REVOGADA a quantia arbitrada a título de Dano Biológico porque os pressupostos usados na Decisão a quo estão errados e substituída por outra fixando o montante de 5.000,00 €, que se apresenta mais adequado, justo, respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito.
14 - O montante arbitrado a título de Danos Não Patrimoniais é, por si só, exorbitante e merece veemente contestação.
15 - Ao contrário do sentido atribuído a esta indemnização, o montante de 25.000,00€ não é adequado, não é proporcional, não é justo, não respeita a previsibilidade, não assegura a ideia de segurança, mas sim a ideia de que o sinistrado será premiado com quantias que não seguem outras Decisões e haverá sempre a tendência para inflacionar o valor final.
16 - A tendência das Instâncias Judiciais para usar raciocínios desta natureza, têm culminado na produção de Decisões desligadas da realidade económica e financeira. O sector segurador tem sido fustigado com opções judiciais, que contribuem para o agravamento dos efeitos da crise financeira que se fez sentir no nosso país e que foi a pior de que a nossa geração tem memória.
17 - Decisões desta natureza causam desigualdades sociais.
18 - Por violar o disposto nos art.ºs 483º, 494º, 496º nºs 1 e 4 do C.C. e porque houve erro de julgamento, vai impugnada a condenação no pagamento da identificada quantia atribuída a título de Danos Não Patrimoniais.
19 - Deve ser REVOGADA a quantia arbitrada a título de Danos Não Patrimoniais porque os pressupostos usados na Decisão a quo estão errados e substituída por outra fixando o montante de 12.500,00€, que se apresenta mais adequado, justo, respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito.
20 - Não foram alegados nem estão provados quaisquer encargos que possam decorrer da hipotética gonartrose precoce do joelho esquerdo.
21 - Não estão definidos tratamentos nem medicamentos, relacionados com esta patologia, e, no Relatório Pericial, não está prevista nenhuma dependência permanente de ajudas técnicas, sejam elas de cariz médico ou medicamentoso.
22 - Nesta medida, o Dano Futuro, tal como foi preconizado no aludido Relatório Pericial, tem que ser consumido na indemnização arbitrada a título de Danos Não Patrimoniais.
23 - A Decisão em crise enferma da nulidade prevista no art.º 615º nº 1 al. c) do C.P.C., porque o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar quantia ilíquida que não está prevista na Matéria de Facto apurada. Mas surge em oposição com a Decisão.
24 - Na sequência, deve ser REVOGADO o segmento da Decisão, que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido o montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Apelado terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.
25 - Para determinar a data a partir da qual serão calculados juros, o Tribunal ad quem terá que aplicar a Jurisprudência fixada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002 de 09/05/2002.
26 - Os juros deverão ser contados a partir da data da prolação do Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, porque só nessa ocasião haverá lugar a cálculo actualizado destes montantes.
*
O autor não contra-alegou, mas recorreu subordinadamente, concluindo assim as respetivas alegações:
«I. O âmago da divergência face à decisão recorrida reside na fixação da compensação arbitrada de 10.000,00€ a título de dano biológico tendo o A. peticionado a quantia de 30.000,00€ que crê ser mais equitativa face aos factos provados e decisões superiores de casos análogos.
II. Por conseguinte e com o devido respeito, entende o A. que andou mal o tribunal a quo ao determinar o valor de 10.000,00€ a título de dano biológico, fazendo uma incorreta aplicação do Direito aos factos provados e violando o disposto nos artigos 8º n.º 3, 483º e 562º, todos do Código Civil, o que a não acontecer teria conduzido a uma solução conforme preconizada pelo recorrente, a fixação de 30.000,00€ naquele segmento indemnizatório.
III. Dos factos provados resulta que, com 34 anos o A. sofreu um acidente de viação violento enquanto conduzia o seu motociclo sendo projetado 10 metros, do qual resultou trauma do joelho esquerdo, cervical, pé direito e escoriações. Ficou para sempre com fenómenos dolorosos nos joelhos e punho esquerdo; e edema, ao final do dia, no membro inferior esquerdo; correção, com faceta, do traumatismo dentário sofrido no incisivo central esquerdo; cicatriz hipercrómica no maléolo interno; cicatriz hipercrómica no dorso do pé; nódulo palpável no terço médio na face interna da coxa esquerda com 1 cm de diâmetro; dor à mobilização do joelho esquerdo. Tais sequelas conferem-lhe um défice funcional permanente de integridade físico psíquica de 4 pontos e é de prever gonartrose precoce. É administrativo de farmácia e auferia uma retribuição mensal base de 1.428,58€ acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de 138,00€, o que perfazia um salário anual de 21.518,12€.
IV. Multiplicando 21.518.12€ por 4% de incapacidade e por 47 anos (81 – 34) teríamos o valor de 40.454,06€ e se a estes deduzíssemos ¼ pela antecipação do capital teríamos 30.340,54€.
V. (...).
VI. Sem prescindir das necessárias fórmulas matemáticas como ponto de partida para a fixação da indemnização pelo dano biológico na vertente patrimonial, os casos análogos indicam que a compensação deve ser próxima daqueles valores (30.000,00€).
VII. (...).
VIII. (...).
IX. (...).
X. Na sentença ora     em crise não são utilizadas quaisquer fórmulas matemáticas/cálculos mesmo que como ponto meramente indiciário como vem entendendo a jurisprudência e são rematados vários arestos, na sua maioria com alguns anos, por um lado, e por outro, outros que justificam precisamente que a indemnização fixada nestes autos a título de dano biológico na vertente patrimonial seja superior aos 10.000,00€ arbitrados.
XI. Convém relembrar, que a atualização dos capitais mínimos obrigatórios de responsabilidade civil no seguro automóvel em Portugal, têm vindo a ocorrer desde 20.10.2007, sendo que atualmente e desde 01.06.2017, em virtude do disposto no artº 12º do Dec. Lei 291/2007 de 21 de agosto que estabelece a respetiva revisão de cinco em cinco anos a partir de 01.06.2012, sob proposta da Comissão Europeia, em função do índice europeu de preços no consumidor, é de 6.450.000,00€ para acidentes com Danos Corporais e 1.300.000€ para Danos Materiais. Sendo que a última atualização ocorreu precisamente no dia 01-06-2022 e os prémios que todos ajudamos a pagar vão correspondentemente aumentar;
XII. (...).
XIII. (...).
XIV. (...).
XV. (...).
XVI. (...).
XVII. Termos em que, atentos os factos provados e as decisões de casos análogos, impõe-se fixar a compensação a título de dano biológico em 30.000,00€ ao invés dos 10.000,00€ por isso significar Justiça!
Nestes termos (...), deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que arbitre uma compensação de 30.000,00€ ao A. a título de dano biológico na vertente patrimonial mantendo o demais, assim e fazendo a tão costumada e desejada JUSTIÇA!»
*
A ré respondeu ao recurso subordinado interposto pelo autor, pugnando pela sua improcedência.
***
III – ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal “ad quem” possa ou deva conhecer “ex officio”, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639.º, n.º 1), que se determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso.
Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art.º 635.º, n.º 3), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo art.º 635.º).
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso, ainda que, eventualmente, hajam sido suscitadas nas alegações propriamente ditas.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, “ius novarum”, i.e, a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal “a quo” (cfr. os arts. 627.º, n.º 1, 631.º, n.º 1 e 639.º).
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663.º, n.º 2).
À luz destes considerandos, neste recurso importa decidir:
I – Quanto ao recurso principal:
1.1 – Se a sentença recorrida padece da nulidade que lhe é imputada pela ré, apelante principal;
1.2 – Se há lugar à redução do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais;
1.3 – Se há lugar à revogação da sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar ao autor o montante a liquidar em sede de execução de sentença, correspondente aos gastos que este terá de suportar em consequência da degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.
II – Quanto a ambos os recursos, principal e subordinado:
Se há lugar à alteração do montante indemnizatório fixado pelo denominado dano biológico.
***
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
3.1.1 – A sentença recorrida considerou provado que:
«1. No dia __-__-2016, pelas __ horas, no cruzamento entre a Avenida das ____ e a Calçada da ____, Sintra, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos com matrícula QV e o MI.
2. O QV, um automóvel ligeiro de passageiros, era conduzido SO, por conta, ordem e direção da proprietária Sociedade QP, Ldª..
3. O MI, um motociclo, era conduzido pelo A. e propriedade deste.
4. A faixa de rodagem no local é constituída por duas vias, uma para cada sentido, sem separador central.
5. O A. circulava na Calçada da ____ no sentido Oeste-Este e no cruzamento pretendia seguir em frente.
6. O QV circulava na Av. das ____ com sentido Sul-Norte.
7. Antes do referido cruzamento, para quem circula no sentido do QV, existe um sinal de “STOP”.
8. Naquele circunstancialismo de modo e lugar, já após o A. entrar no referido cruzamento, é surpreendido à direita pelo QV não obstante ter um sinal STOP, invade a via por onde circulava o A. com a sua condutora a olhar para a direita.
9. O A. ainda tentou evitar o acidente travando mas deu-se a colisão entre os veículos, ocorrendo o embate entre a frente do MI e a frente lateral esquerda do QV.
10. Em ato contínuo o MI e o A. foram violentamente projetados ao solo numa distância de cerca de 10 metros do local de embate.
11. O A. ficou ferido pelo que foi assistido no local pelo INEM, imobilizado e transportado de emergência para o Hospital.
12. Posteriormente foi preenchida Declaração Amigável de Acidente Automóvel.
13. A R. assumiu a responsabilidade pelo sinistro, indemnizando o A. por alguns danos materiais.
14. A ora Ré não indemnizou o A. pelos danos corporais, patrimoniais futuros, perdas salariais e pelos danos morais.
15. A responsabilidade civil inerente à circulação do QV estava transferida para a R. através da apólice ____.
16. O acidente ocorreu exclusivamente por conduta culposa do condutor do QV que não adotou o comportamento que devia ter adotado: ceder a passagem a todos os veículos que circulassem no cruzamento a que pretendia aceder, o que originou o acidente.
17. E por isso a R. assumiu a responsabilidade pelo sinistro e indemnizou o A. por alguns danos.
18. O A. deu entrada no serviço de urgência do Hospital Amadora-Sintra, com prioridade Muito Urgente e por trauma do joelho esquerdo, cervical, pé direito e escoriações.
19. O A. ali deu entrada imobilizado em plano duro, com estabilizadores e aranha.
20. Ficou internado, tendo realizado vários exames de diagnóstico como Raio X e TAC, ao joelho, tórax, bacia e pé.
21.Fez limpeza e desinfeção das feridas com mobilização gessada do membro inferior esquerdo.
22. No dia seguinte teve alta clínica, com prescrição de medicamentos e com indicação para contactar seguradora dada a indicação de que, no momento do acidente, regressava do trabalho.
23. Passou a ser acompanhado medicamente no centro clínico da “LT Seguros” e fez tratamentos.
24. Em janeiro de 2017 foi submetido a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo.
25. Realizou tratamentos de fisioterapia, diariamente; e de hidroterapia; durante 6 meses.
26. Teve alta da seguradora “LT” em julho de 2017 mas mantinha incapacidade parcial e dores.
27. A data da consolidação médico-legal veio a ser fixada em sede de junta médica e processo laboral, em 21.11.2017 com uma IPP de 3%.
28. Não obstante, o Autor ficou com sequelas e dores.
29. O Autor trabalha na ILF, Ldª, como administrativo, na gestão de stocks e das encomendas das farmácias.
30. O Autor auferia na data do acidente uma retribuição mensal base de 1.428,58€ acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de 138,00€.
31. Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor apresenta: fenómenos dolorosos nos joelhos e punho esquerdo; e edema, ao final do dia, no membro inferior esquerdo; correção, com faceta, do traumatismo dentário sofrido no incisivo central esquerdo; cicatriz hipercrómica no maléolo interno; cicatriz hipercrómica no dorso do pé; nódulo palpável no terço médio na face interna da coxa esquerda com 1 cm de diâmetro; dor à mobilização do joelho esquerdo.
32. O período de Défice Funcional Temporário Parcial do Autor; e o Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional decorreu entre 1-9-2016 e 20-11-2017, num total de 446 dias.
33. O Autor sofreu dores fixadas no grau 3 numa escala de 7, tendo em conta as lesões que sofreu, os tratamentos a que foi submetido e o período de recuperação.
34. O Autor, nascido em 26-7-1982, ficou a padecer de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixado em 4 (quatro) pontos, devidos a sequelas de lesões meniscais e a sensação de pernas pesadas com edema vespertino; não conseguindo permanecer muito tempo sentado por dor nos joelhos e lombalgia, que o obriga a levantar da cadeira de duas em duas horas.
35. É previsível que o Autor venha a sofrer degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido.
36. A sequelas de que o Autor ficou a padecer em razão das lesões sofridas por causa do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional habitual, não exigindo esforços acrescidos.
37. O Autor sofreu um dano estético fixado em 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente tendo em conta as cicatrizes nos membros inferiores.
38. Nas suas Atividades Desportivas e de Lazer, o Autor sofreu uma Repecusão Permanente de 4 pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta que abandonou a prática de futebol (que praticava três vezes por semana) e a escalada (que praticava nos fins-de-semana de verão).
39. Nos dias seguintes ao acidente não conseguia dormir devido à posição na cama, optando por dormir no sofá.
40. O Autor necessitou da ajuda de terceiros durante cerca de uma semana para os atos da vida diária como tomar banho, vestir-se e alimentar-se e devido às dores e limitações.
41. Refletindo sobre os riscos da condução em motociclo e por causa do acidente dos autos, o Autor deixou de conseguir circular em motociclo, o que lhe dava prazer e agora o deixa triste.
42. Por referência ao período de incapacidade temporária para o trabalho, o Autor recebeu da Seguradora LT 70% do seu vencimento ilíquido.»
3.1.2 – (...) e não provado que:
«1. O Autor ficou internado para ser submetido a intervenção cirúrgica.»
*
3.2 – Mérito do recurso:
3.2.1 – A conclusões do recurso subordinado:
O ónus de formulação de conclusões recursórias que, nos termos do art.º 639.º, n.º 1, recai sobre o recorrente tem em vista, além do mais, uma clara delimitação do objeto do recurso mediante enunciação concisa das questões suscitadas e dos seus fundamentos, expurgadas da respetiva argumentação discursiva que deve constar do corpo das alegações, em ordem a melhor pautar o exercício do contraditório, por banda da parte recorrida, e a permitir ao tribunal de recurso uma adequada e enxuta enunciação das questões a resolver.
Tal como salienta Abrantes Geraldes, «a lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos por que pede a revogação, a modificação ou a anulação da decisão. Com as necessárias distâncias, tal como a motivação do recurso pode ser associada à causa de pedir, também as conclusões, como proposições sintéticas, encontram paralelo na formulação do pedido que deve integrar a petição inicial.
Rigorosamente, as conclusões devem (deveriam) corresponder a fundamentos que, com o objectivo de obter a revogação, alteração ao anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com argumentos de ordem jurisprudencial que não devem ultrapassar o sector da motivação.»[1].
São vários os pontos das conclusões da alegação do recurso subordinado em que o autor, confundindo o que são e para que servem as conclusões, se limita, de forma descontextualiza, a transcrever partes de acórdãos ou de sumários dos mesmos, e a tecer considerandos genéricos, vagos e abstratos sem qualquer relevo para a decisão do recurso.
Esses pontos das conclusões do recorrente subordinado foram agora considerados não escritos.
3.2.2 – A enunciação factológica:
Conforme exemplarmente afirma Tomé Gomes, «a enunciação da matéria de facto traduz-se na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente por efeito legal da admissão por acordo ou da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados ou não provados durante a instrução, devendo ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas e de excessos de adjetivação.
Os enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica. A adequação dos enunciados de facto deve pautar-se pela exigência de evitar que esses enunciados se apresentem obscuros (de sentido vago ou equívoco), contraditórios (integrados por termos ou proposições reciprocamente excludentes) e incompletos (de alcance truncado), vícios estes que figuram como fundamento de anulação da decisão de facto, em sede de recurso de apelação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC.
(...) as partes tendem a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo.
Cumprirá, por sua vez, ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística.
Os enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver. De resto, só uma adequada ordenação dos factos provados permite compatibilizar toda a matéria factual adquirida, como se determina no artigo 607.º, n.º 4, parte final, do CPC.
Por exemplo, numa ação emergente de responsabilidade contratual, devem enunciar-se, em primeiro plano, os factos respeitantes à formação do contrato, incluindo o respetivo clausulado, e só depois enunciar as vicissitudes da sua execução relacionadas com o incumprimento; numa ação emergente de responsabilidade civil por acidente de viação, deve consignar-se, em primeiro lugar, a factualidade concernente à infraestrutura do acidente (local, tempo, condições viárias, etc.), depois os factos respeitante aos comportamentos ilícitos ou aos factores de risco da manobra efectuada e só por fim os danos causados.
Além disso, como já foi dito, os enunciados dos juízos de prova devem nortear-se pela completude, clareza e coerência possíveis, em face dos resultados da prova, de forma a prevenir os vícios formais de deficiência, obscuridade e contradição, que constituem fundamento de anulação do julgamento nos termos do art.º 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC. 
(...)
Sob este tópico, importa atentar no critério prático a seguir na segmentação dos factos.
Ora, dos artigos 452.º, n.º 2 (prova por confissão), 475.º, n.º 2 (prova pericial) e 516.º, n.º 1 e 2 (prova testemunhal), todos do CPC, decorre que a actividade probatória, embora se inscreva nos delineados temas da prova, nos termos do art.º 596.º, n.º 1, deve incidir sobre os factos concretamente alegados ou licitamente emergentes da instrução. Por sua vez, do disposto no artigo 607.º, n.º 3 a 5, do CPC colhe-se que a convicção do julgador se forma e a sua enunciação se formaliza sobre a singularidade de cada facto. Ponto é saber como se deve proceder à segmentação ou fragmentação textual desses enunciados, atenta a exigência de tal singularidade factológica.
Segundo as regras gerais da sintaxe, o discurso descritivo-narrativo expressa-se mediante proposições verbais (ou orações) integradas em frases, por sua vez, organizadas em conjuntos, como são os períodos e os parágrafos, em harmonia com a maior ou menor proximidade das ideias ou do fio de pensamento ali veiculado, tendo em vista uma adequada compreensão da matéria exposta, por parte dos respetivos destinatários. Assim a sintaxe, mormente no campo literário, obedece a regras linguísticas, de estética e de comunicação.
Contudo, a narrativa factológica processual requer especificidades ditadas pelo seu próprio contexto e funcionalidade, em que predominam exigências de objetividade, clareza e, em suma, de suficiente compreensibilidade para os destinatários das decisões judiciais.
Nessa linha, a segmentação dos factos tem de ser ponderada não em função de arquétipos abstratos, porventura de pendor estético, nem de simplismos redutores, mas atentando no concreto contexto do litígio, em especial na intensidade impugnativa que tenha recaído sobre cada ponto de facto e na conjugação com os concretos meios de prova convocados para a sua demonstração e até mesmo em vista das exigências de operacionalidade na articulação do argumentário probatório com os enunciados fácticos nele reportados.
Assim, por exemplo, no âmbito do clausulado de um contrato, pode ocorrer uma particular intensidade impugnativa sobre algumas das cláusulas dele constantes e ter sido produzida prova de determinada espécie ou diferenciada por conjuntos de testemunhas, que imponham o destaque ou a atomização dessas cláusulas, de modo a melhor se poder articular o juízo probatório com os concretos meios de prova produzidos nesse âmbito. Também, quando estamos perante um factualismo complexo integrador de um conceito indeterminado ou de uma cláusula geral, pode suceder que algum dos elementos moleculares ou acessórios desse factualismo tenha sido objeto de impugnação intensa e de produção de prova de determinada espécie ou diferenciada, que torne necessária a sua fragmentação em relação ao conjunto em que se integra.
Se, porventura, se concentrarem num só enunciado factual vários segmentos que mereceram impugnação e produção de prova específica ou diferenciada, tal concentração dificultará, sem dúvida, o reporte a fazer em sede de argumentação probatória, bem como o exercício do ónus de impugnação exigido ao recorrente e ao recorrido pelo artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 3, do CPC, e, por fim, a identificação e reapreciação dos pontos impugnados por parte do tribunal de recurso.
Em suma, a segmentação dos enunciados de facto deve ter por base a natureza dos factos em causa, a sua estrutura morfológica empírico-normativa, o seu contexto impugnativo e probatório, e ainda as exigências de objetividade e clareza requeridas pela sua conjugação com a respetiva motivação em 1.ª instância e pela impugnação e reapreciação em sede de recurso.»[2].
No caso concreto:
a) Ponto 12. dos factos provados:
«12. Posteriormente foi preenchida Declaração Amigável de Acidente Automóvel.»
Trata-se de um enunciado que não tem qualquer relevo para a decisão da causa.
b) Pontos 13. e 14. dos factos provados:
«13. A R. assumiu a responsabilidade pelo sinistro, indemnizando o A. por alguns danos materiais.
14. A ora Ré não indemnizou o A. pelos danos corporais, patrimoniais futuros, perdas salariais e pelos danos morais.»
Factos, em processo civil, significa factos jurídico ou juridicamente relevantes, atinentes sobretudo, ainda que não em exclusivo, conforme afirma Antunes Varela[3], a ocorrências da vida real, assim como ao estado, à qualidade ou à situação real das pessoas ou das coisas.
Na exemplar definição de Rosenberg, factos jurídicos são os acontecimentos (e circunstâncias) concretos, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico[4].
Para Alberto dos Reis, juridicamente relevantes são os factos que constituem «ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos humanos (…) vistos à luz das normas e critérios do direito.»[5].
Os termos e condições em que tais factos assumem relevo no processo civil é decorrência da tipologia com que são delineados na fatispécie do quadro normativo que serve de fundamento à pretensão deduzida em juízo.
Os enunciados descritos sob os pontos 13 e 14 dos factos não constituem factos jurídicos.
c) Ponto 16. dos factos provados:
«16. O acidente ocorreu exclusivamente por conduta culposa do condutor do QV que não adotou o comportamento que devia ter adotado: ceder a passagem a todos os veículos que circulassem no cruzamento a que pretendia aceder, o que originou o acidente.»
Trata-se de um enunciado sem qualquer substrato factual, integrando apenas um puro conceito normativo, de direito, e juízos valorativo-conclusivos, insuscetível de integrar a fundamentação de facto de uma sentença, tanto em sede de factos provados como em sede de factos não provados.
d) Ponto 17. dos factos provados:
17. E por isso a R. assumiu a responsabilidade pelo sinistro e indemnizou o A. por alguns danos.
Trata-se, não de um facto jurídico, mas de um mero juízo conclusivo.
São as consequências da incorreta técnica, que continuamos a ver frequentemente adotada na prática judiciária, consistente no puro decalque acrítico, qual exercício de simples copy paste, sem qualquer filtro ou critério, de artigos dos articulados produzidos pelas partes, daí resultando, amiúde:
- umas vezes, enunciados com uma estrutura sintática incorreta e sem rigor gramatical, terminológico e semântico;
- outras vezes, enunciados que mais não são do que conceitos normativos ou de direito;
- outras vezes, ainda, enunciados que mais não são do que proposições vagas, genéricas, abstratas, sem qualquer substrato factual;
- outras vezes, finalmente, enunciados sem qualquer relevo para a decisão da causa.
Na situação sub judice:
- o ponto 12. dos factos é cópia do art.º 13.º da petição inicial;
- o ponto 13. dos factos é cópia dos art.ºs 14.º e 15.º da petição inicial;
- o ponto 14. dos factos provados é cópia do art.º 16.º da petição inicial;
- o ponto 16. dos factos provados é puro decalque do art.º 19.º da petição inicial, tendo sido expurgados apenas os dizeres «violando assim o disposto nos artigos 11º n.º 2 e 20º n.º 1 do Código da Estrada»;
- o ponto 17. dos factos provados é puro decalque do art.º 20.º da petição inicial, tendo sido expurgada apenas a palavra «até».
Dispunha o n.º 4 do art. 646.º do CPC/95-96, que «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Trata-se de uma disposição que o legislador processual civil de 2013 não manteve, pelo menos em termos de correspondência direta, na disciplina homóloga do CPC/2013.
Naquela disposição não estava contemplada a circunstância de se tratar de matéria de natureza vaga, genérica e conclusiva.
No entanto, foi-se consolidando na jurisprudência dos tribunais superiores, por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico, a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva, o entendimento de que apesar de o n.º 4 do art.º 646.º do CPC/95-96, não contemplar, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, o mesmo era aplicável, analogicamente, a situações em que estivesse em causa um facto de tal natureza, o qual, em retas contas, é reconduzível à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integrasse no thema decidendum[6].
Na afirmativa, a proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo, por isso, ser expurgada[7].
Ante a eliminação da norma contida no n.º 4 do art.º 646.º do CPC/1995-96, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o atual n.º 4 do art.º 607.º, do CPC/2013, segundo o qual, «na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (...)»[8].
Assim, consideram-se não escritos os enunciados vertidos nos pontos 12., 13., 14., 16. e 17. dos factos provados.
Por uma questão de clareza, passa a descrever-se, para efeitos de subsequente enquadramento jurídico, a matéria de facto considerada provada e não provada em 1.ª instância, numa linguagem simples, que se pretende natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeita cada um dos enunciados, e estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica.
Assim:
Está provado que:
«1. No dia __-__-2016, pelas __ horas, no cruzamento entre a Avenida das ____ e a Calçada da ____, Sintra, ocorreu um acidente de viação;
2. Foram intervenientes nesse acidente:
2.1 - O veículo de passageiros com a matrícula QV[9]; e,
2.2 – O motociclo com a matrícula MI[10];
3. No momento do acidente:
3.1 – O QV, pertença da Sociedade QP, Ldª., era conduzido por SO, por conta e sob as ordens e direção daquela sociedade;
3.2 – O MI era pertença do autor e por ele conduzido.
4. Naquela mesma data, a responsabilidade civil decorrente da circulação do QV estava transferida para a ré através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ____.
5. No local do acidente, a faixa de rodagem era constituída por duas vias, uma em cada sentido, sem separador central.
6. O MI circulava na Calçada da ____, no sentido Oeste-Este;
7. (...) e pretendia seguir em frente no cruzamento referido em 1.;
8. O QV circulava na Avenida das ____, no sentido Sul-Norte.
9. Antes do cruzamento referido em 1., existe um sinal de “STOP” para quem circula no sentido em que o fazia o QV;
10. Após entrar naquele cruzamento, o MI foi surpreendido, à sua direita, pelo QV;
11. (...) o qual, não obstante o sinal semafórico identificado em 9., que se lhe apresentava pela frente, invadiu a via por onde circulava o MI;
12. O QV efetuou a manobra descrita em 9. e 10, encontrando-se a sua condutora a olhar para a direita;
13. Ao aperceber-se da presença do QV à sua direita, o MI travou na tentativa de evitar ser por ele embatido;
14. (...) o que não logrou conseguir, pois o QV foi embater com a sua parte da frente do lado esquerdo, na parte da frente do MI;
15. Em consequência desse embate, o MI e o autor foram projetados ao solo a uma distância de cerca de 10 metros do local do acidente;
16. (...) o que causou ferimentos ao autor, que foi assistido no local pelo INEM, imobilizado, e de seguida transportado de emergência para o Hospital.
17. O A. deu entrada no serviço de urgência do Hospital Amadora-Sintra, com prioridade muito urgente, apresentando trauma do joelho esquerdo, na cervical, e no pé direito;
18. (...) e ainda escoriações.
19. O autor deu entrada no hospital referido em 17., imobilizado em plano duro, com estabilizadores e aranha;
20. (...) onde ficou internado, tendo realizado vários exames de diagnóstico como Raio X e TAC ao joelho, ao tórax, à bacia e ao pé direito;
21. Fez limpeza e desinfeção das feridas com mobilização gessada do membro inferior esquerdo.
22. Teve alta clínica no dia seguinte, com prescrição de medicamentos e indicação para contactar seguradora da sua entidade patronal, pois no momento do acidente o autor regressava do trabalho.
23. Em seguida, o autor passou a ser acompanhado medicamente e fez tratamentos no centro clínico da LT Seguros, seguradora para a qual a sua entidade patronal havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalhos sofridos pelos seus empregados;
24. Em janeiro de 2017 foi submetido a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo.
25. (...) após o que, diariamente e durante seis meses, realizou tratamentos de fisioterapia e de hidroterapia;
26. O autor teve alta dos serviços clínicos da “LT” em julho de 2017;
27. Nessa altura ainda mantinha incapacidade parcial e apresentava dores;
28. A data da consolidação médico-legal foi fixada em 21.11.2017, na sequência de uma junta médica realizada ao autor no âmbito do processo laboral em consequência do acidente, tendo-lhe sido fixada uma IPP de 3%.;
29. O Autor é trabalhador da ILF, Ldª., exercendo funções de administrativo, na gestão de stocks e das encomendas das farmácias.
30. À data do acidente o autor auferia uma retribuição mensal base de 1.428,58€, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de 138,00€.
31. Em consequência das lesões sofridas no acidente o autor apresenta fenómenos dolorosos nos joelhos e punho esquerdo;
32. (...) e edema, ao final do dia, no membro inferior esquerdo;
33. (...) e correção, com faceta, do traumatismo dentário sofrido no incisivo central esquerdo;
34. (...) e hipercrómica no maléolo interno;
35. (...) e cicatriz hipercrómica no dorso do pé;
36. (...) e nódulo palpável no terço médio na face interna da coxa esquerda com 1 cm de diâmetro;
37. (...) e dor à mobilização do joelho esquerdo.
38. O período de défice funcional temporário parcial do autor e o período de repercussão temporária na sua atividade profissional decorreu entre 01.09.2016 e 20.11.2017, num total de 446 dias;
39. O autor nasceu no dia 26.07.1982;
40. Em consequência do acidente, e devido às lesões sofridas, aos tratamentos a que foi submetido e o período de recuperação a que foi sujeito, o autor sofreu dores, fixadas no grau 3 numa escala de 7;
41. Ainda em consequência do acidente, o autor apresenta sequelas de lesões meniscais;
42. (...) e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, situação que o obriga a levantar-se de duas em duas horas;
43. Em consequência do descrito em 41. e 42. o autor ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 (quatro) pontos;
44. É previsível que o autor venha a sofrer degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido;
45. As sequelas de que o autor ficou a padecer em razão das lesões sofridas por causa do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional habitual;
46. (...) não lhe exigindo esforços acrescidos;
47. Ainda em consequência do acidente o autor ficou com cicatrizes nos membros inferiores;
48. (...) o que lhe determinou um dano estético fixado em 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente;
49. Antes do acidente o autor praticava futebol três vezes por semana;
50. (...) e escalada, aos fins de semana, durante os períodos de verão;
51. (...) atividades que, por causa do acidente, deixou de poder praticar;
52. (...) o que determinou, nas suas atividades desportivas e de lazer, uma repercussão permanente de 4 pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente;
53. Nos dias seguintes ao acidente o autor não conseguiu dormir devido “à posição na cama”, tendo optado por dormir no sofá;
54. Em consequência das dores e limitações que o afetaram, o autor necessitou da ajuda de terceiros durante cerca de uma semana após o acidente, para atos da sua vida diária, como tomar banho, vestir-se e alimentar-se;
55. Antes do acidente o autor sentia prazer em circular em motociclos;
56. (...) o que não mais conseguiu fazer após reflexão que, por causa do acidente dos autos, fez sobre os riscos da condução daquele tipo de veículos;
57. (...) situação que lhe causa tristeza;
58. Durante o período de incapacidade temporária para o trabalho, o Autor recebeu da Seguradora LT, 70% do seu vencimento ilíquido.
(...) e não provado que:
a) O Autor ficou internado para ser submetido a intervenção cirúrgica.
3.2.3 – A nulidade da sentença:
Considera a ré que a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Fundamenta tal asserção no seguinte:
«A Recorrente impugna a condenação no pagamento do montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Recorrido terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo - pág. 30 da Decisão e Dispositivo Final.
Este segmento da Decisão não corresponde ao pedido formulado, porque não foram alegados nem estão provados quaisquer encargos que possam decorrer da hipotética gonartrose precoce.
Não estão definidos tratamentos nem medicamentos, relacionados com esta patologia.
No Relatório Pericial não estão previstas quaisquer ajudas técnicas permanentes, sejam elas de cariz médico ou medicamentoso.
De qualquer forma, a existência desta patologia continua a ser compatível com o exercício da actividade profissional habitual do Recorrido.
Nesta medida, o Dano Futuro, tal como foi preconizado no aludido Relatório Pericial, tem que ser consumido na indemnização arbitrada a título de Danos Não Patrimoniais.
Este tema foi aprofundado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o nº 5370/17.9T8VIS.C1, de 21-01-2020, Relator Alberto Ruço, disponível em www.dgsi.pt.
Tal condenação apenas reproduziria o que consta das normas jurídicas, designadamente do disposto no art.º 483.º do Código Civil; ou seja, quem é responsável por um dano deve indemnizar o lesado se este mostrar que esse dano existe.
Porém, a condenação em relação a eventos danosos futuros e incertos implicaria uma condenação antes do tempo e frustraria, por exemplo, uma vez verificado o dano, a eventual invocação da prescrição do respetivo crédito (art.º 498.º do Código Civil) por parte do devedor, porquanto já existia antecipadamente uma decisão a condenar no pagamento, o que mostra que esta posição do Tribunal a quo não pode prevalecer.
Tratar-se-ia, com efeito, de uma Sentença condicional, não permitida pelo nosso sistema processual, no qual o conceito de Sentença pressupõe a resolução de um litígio de modo definido e definitivo, como resulta do disposto no art.º 10.º do CPC quanto à definição das acções e respetivas finalidades que hão de ser asseguradas pelo dispositivo da sentença e do art.º 610.º do mesmo Código relativamente ao julgamento de acções em que se verifica que a obrigação ainda não é exigível.
No caso, trata-se de Decisão condicional porque o direito declarado na Sentença é algo como «a Ré é condenada a pagar os prejuízos que o lesado porventura venha ainda a sofrer em virtude do acidente…», o que se traduz numa incerteza contida na própria decisão quanto ao direito que enuncia, pois este seria constituído por um estado de incerteza, dependente de factos futuros.
Não está comprovado que o Recorrido irá suportar quaisquer quantias, decorrentes desta circunstância.
O facto n.º 35 da Matéria Assente[11] é singelo e está perfeitamente delimitado: é previsível que o Autor venha a sofrer degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido.
Todavia, deste facto não consta que o lesado terá que suportar despesas de diferente natureza em função da previsível degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido.
Por tudo isto, defendemos que é forçoso concluir que a Decisão em crise enferma da nulidade prevista no art.º 615º nº 1 al. c) do C.P.C., porque o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar quantia ilíquida que não está prevista na Matéria de Facto apurada, mas surge em oposição com a Decisão.
Na sequência, deve ser REVOGADO o segmento da Decisão, que condena a Recorrente a pagar ao Recorrido o montante a liquidar (art. 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Apelado terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.»
E em sede de conclusões remata assim: «A Decisão em crise enferma da nulidade prevista no art.º 615º nº 1 al. c) do C.P.C., porque o Tribunal a quo condenou a Recorrente a pagar quantia ilíquida que não está prevista na Matéria de Facto apurada. Mas surge em oposição com a Decisão.»
Nos termos da 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º, «é nula a sentença quando (...) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...).»
Nada do alegado pela ré configura uma situação de nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Para que a decisão proferida se encontre em contradição com a fundamentação acolhida, necessário se torna que os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada[12].
Tal, consubstancia um vício formal, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, e uma vez mais, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
Em suma, pois, a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente; de outra forma dizendo, esta nulidade radica numa desarmonia lógica entre a motivação fático-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferido outro de sentido oposto ou, pelo menos, diverso.
O tribunal a quo considerou provado que «é previsível que o autor venha a sofrer degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido» e, com base neste facto, condenou a ré «no pagamento, ao Autor, do montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.»
Se, com base naquele enunciado, existe fundamento para a condenação da ré no segmento acabado de descrever, é uma questão com se prende apenas e só com o acerto ou o erro de julgamento de direito, e que nada tem a ver, como parece evidente, com uma qualquer (inexistente) situação de oposição entre os fundamentos e a decisão.
Em conclusão: a sentença recorrida não padece do vício a que se reporta a 1.ª parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º.
Improcede, por isso, a arguição de nulidade da sentença recorrida.
3.2.4 – Os danos sofridos pelo autor em consequência do acidente e o dever de a ré proceder ao seu ressarcimento:
A ré assumiu a responsabilidade civil emergente do acidente de viação a que se reportam os presentes autos.
Por isso, importa apenas aquilatar, face aos danos sofridos pelo autor, da extensão da obrigação de indemnizar por parte da ré.
Como se sabe, o dano é condição essencial da responsabilidade civil.
A noção de dano é um elemento indispensável para se perceber a função da responsabilidade civil no âmbito de um determinado sistema jurídico.
No sistema jurídico português e nos demais sistemas jurídicos europeus que lhe estão próximos, pelo menos desde Friedrich Mommsen, as grandes questões do regime indemnizatório têm sido discutidas como questões atinentes a uma correta apreensão e definição do conceito de dano.
No direito português, temos à cabeça, no que à obrigação de indemnizar diz respeito, o art.º 562.º CC, o qual dispõe que «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação», acrescentando o art.º 563º CC que «a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.»
É ao lesado, naturalmente, que incumbe provar, não apenas o evento lesivo, mas que dele decorreram danos (ou seja, cabe-lhe provar a causalidade entre a lesão e os prejuízos), pois que a existência de um dano é condição essencial e limite da obrigação de indemnização.
A lei portuguesa não define o que deve entender-se por dano.
Assim, o trabalho de definição de um tal conceito deve ser desenvolvido pela doutrina e pela jurisprudência, em sede de interpretação dos textos legais.
A doutrina portuguesa vem fornecendo uma noção geral de dano[13]-[14]-[15]-[16], referindo-se depois especificamente, no que ao dano patrimonial concretamente diz respeito, à «fórmula ou hipótese da diferença», prevista no art.º 566º, nº 2 CC, onde se dispõe que «(…) que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.»
Não dando o legislador, como já se afirmou, a definição de dano, pode entender-se que, a propósito da obrigação de indemnização, o legislador civil português, nas normas contidas nos art.ºs 562.º e 566.º, nº 2 CC, que delimitam o objetivo da indemnização e a medida da indemnização em dinheiro, pressupõe ou remete indiretamente para uma noção de dano ressarcível, afinal de contas, o objeto da obrigação de indemnização.
Na esteira de Almeida Costa[17], podem fazer-se as seguintes distinções quanto à espécie e à natureza do dano:
- danos patrimoniais e não patrimoniais, consoante sejam ou não suscetíveis de avaliação pecuniária. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica e refletem-se no património do lesado; os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. O mesmo facto pode provocar danos das duas espécies, como frequentemente acontece nos acidentes de viação.
- danos pessoais e danos não pessoais. Os primeiros produzem-se sobre as pessoas; os segundos sobre coisas;
- dano real e dano de cálculo. O primeiro consiste no prejuízo que o lesado sofreu em sentido natural e pode analisar-se nas mais diversas possibilidades de ofensa de interesses ou bens alheios juridicamente protegidos, de ordem patrimonial ou não patrimonial; o segundo consiste na expressão pecuniária do prejuízo, cabendo neste domínio uma avaliação abstrata (objetiva) ou concreta (subjetiva, apurando-se a diferença para menos produzida no património do lesado.
Uma outra classificação a considerar dentro dos danos patrimoniais é a que distingue danos emergentes e lucros cessantes. Aqueles compreendem a perda ou diminuição de valores já existentes no património do lesado; estes referem-se aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, reportam-se ao acréscimo patrimonial frustrado, tal como decorre do art. 564.º, n.º 1 CC, ao dispor que «o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.»
Uma outra classificação, é que a distingue entre danos presentes e danos futuros, conforme já se tenham verificado ou não no momento considerado.
Ainda uma outra classificação é a que distingue entre danos diretos e indiretos. Os primeiros são os que resultam diretamente do facto; os segundos são os demais danos.
Conforme decorre do que conjugadamente dispõe os art.ºs 562.º a 564.º CC, o dano, para ser ressarcível, tem de ser certo, e não apenas eventual.
A propósito da problemática do dano futuro, continuamos a considerar lapidar o que se encontra escrito no Ac. do S.T.J. de 11.10.1994, B.M.J. 440º, 437.
Afirma-se naquele aresto que por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado. Nesse tempo já existe um ofendido, mas não existe um lesado.
Os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro é previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível (desconsidera-se o juízo do timorato).
De harmonia com o disposto naquele preceito, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente; o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
Quanto aos danos previsíveis, podemos subdividi-los entre os certos e os eventuais.
Dano futuro certo é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como infalível.
Dano futuro eventual é aquele cuja produção se apresenta, no momento de acerca dele formar juízo, como meramente possível, incerto, hipotético.
Este caráter eventual pode conhecer vários graus, como se fossem diferentes tonalidades da mesma cor.
Desde um grau de menor eventualidade, de menor incerteza, em que não se sabe se o dano se verificará imediatamente, mas se pode prognosticar que ele acontecerá num futuro mediato mais ou menos longínquo, até um grau em que nem sequer se pode prognosticar que o prejuízo venha a acontecer num futuro mediato, em que mais não há que um receio.
Naquele grau de menor incerteza, o dano futuro deve considerar-se como previsível e equiparado ao dano certo, sendo indemnizável.
Naquele grau de maior incerteza, o dano eventual, esse que mais não seja que um receio, deve equiparar-se ao dano imprevisível, não indemnizável antecipadamente (isto é, só indemnizável na hipótese da sua efetiva ocorrência) - o que se escreve não exclui a hipótese de o dano de maior incerteza, o receio, em um outro momento temporal, se converter em dano certo e, portanto, antecipadamente indemnizável. Avaliação é sempre feita com referência a um dado momento temporal e só é válida para esse momento.
Não é possível, nem conveniente, avançar mais neste caminho: só perante cada caso concreto é que será possível fazer a avaliação do grau de previsibilidade em ordem a determinar se o dano é ou não indemnizável antecipadamente.
Há sempre um determinado espaço, uma terra de ninguém, onde só mediante o julgamento é possível estabelecer a certeza que o direito tem que realizar.
Por sua vez, o dano certo pode subdividir-se em determinável e indeterminável.
Determinável é aquele que pode ser fixado com precisão no seu montante.
Indeterminável é aquele cujo valor não é possível de ser fixado antecipadamente à sua verificação.
Nesta classificação o respetivo critério já é diverso, em sua natureza, do que presidiu às classificações anteriores; agora, o que está em causa é tão somente a extensão do prejuízo e a sua expressão monetária, e não mais a realidade do evento.
Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável.
A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável; ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no art.º 564º, nº 2 CC, e no art.º 609.º, n.º 2 CPC.
A este propósito, afirma Júlio Vieira Gomes, que «tradicionalmente exige-se, para que o dano seja ressarcível, que o mesmo seja certo. Importa no entanto, não confundir a certeza do dano, isto é, o ter-se verificado ou a existência de circunstâncias que o tornam inevitável ou simplesmente provável, com o seu carácter imediato; consequentemente, devem distinguir-se os danos certos no futuro, dos danos simplesmente eventuais. O dano meramente eventual não é ressarcível, porque falta o requisito da certeza. E é evidente que esta certeza é uma certeza apenas relativa e não absoluta; o lucro cessante nunca existiu, e não chegará a existir. O critério é inevitavelmente influenciado pela capacidade imperfeita de prever os eventos em razão dos limites do conhecimento humano, sempre que se entra no campo do hipotético.
A propósito da demonstração da existência de um lucro cessante, a referência tradicional de que o dano deve ser certo, não nos deve, pois, induzir em erro. O lucro cessante não chegou a verificar-se e se situa no domínio das probabilidades. Assim, a certeza da existência de um lucro cessante não pode nunca ser uma certeza matemática, mas será apenas uma certeza relativa (…).
Por outro lado, a demonstração da extensão do lucro cessante é uma área em que, por excelência, se pode recorrer ao n.º 3 do art.º 566.º CC e, portanto, à sua fixação segundo juízos de equidade. Destaque-se, contudo, que, para a doutrina dominante, tal não dispensa a demonstração, pelo lesado, da existência de um lucro cessante. (…). A avaliação equitativa do dano exige a prova da existência de um dano, já que a incerteza deve ser limitada à determinação da sua grandeza.»[18].
3.2.4.1 - A pretendida revogação da sentença recorrida na parte em que condenou a ré no pagamento ao autor do montante a liquidar em sede de execução de sentença, correspondente aos gastos que este terá de suportar em consequência da degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo:
Por vir em ordem sequencial com o decidido em 3.2.3, a propósito da arguida nulidade da sentença recorrida, vejamos se há lugar à condenação da ré «no pagamento, ao Autor, do montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.»
Na petição inicial com que introduziu em juízo a presente ação, o autor pede, como se viu, que a ré seja condenada:
a) a pagar-lhe «(...) a quantia de 67.527,25€ (Sessenta e Sete Mil Quinhentos e Vinte e Sete Euros e Vinte e Cinco Cêntimos), a título de Danos Patrimoniais, acrescida do pagamento de procuradoria condigna, juros desde a citação até efetivo e integral pagamento e custas.»
b) «(...) no que se vier a remeter para liquidação em consequência de danos futuros e não contemplados em a).»
E o que é que o autor alega para fundamentar este pedido de condenação em danos futuros?
Diz o autor que «(...) atendendo à idade do A. na data do acidente, de 35 anos, à esperança média de vida ate aos 81 anos, à média de idade ativa até aos 71 anos, às sequelas de que padece em razão do descrito acidente, designadamente com dores e limitações na coluna, anca e joelhos, com esforços acrescidos para a profissão de delegado de informação médica, sendo de prever que esta incapacidade se agrave com decurso do tempo e com afetação acentuada da sua vida social, familiar e profissional, sendo ainda de prever dano futuro, julga-se equitativa indemnização não inferior a 30.000,00€ e considerando os casos análogos, art.º 8º n.º 3 C.C» (art.º 40.º da petição inicial).
«Atentas as sequelas descritas é de perspetivar a existência de dano futuro, pelo que se remete para liquidação os danos que se vierem a verificar, art.º 569º C.C.» (41.º).
«O A. apresenta repercussão na atividade profissional devido à necessidade de esforços acrescidos» (59.º).
«Sendo que na sua atividade o A, tem de permanecer longos períodos sentado e no computador que implicam, ao fim de um curto espaço de tempo, dores na bacia e nos pulsos, obrigando-o a mudar de posição e interromper a atividade» (60.º).
«Perspetiva-se a existência de dano futuro» (61.º).
«Portanto, a dor sentida naquele período é efetiva, e o resultado irremovível, pelo que devem ser valorizados nessa sede» (62.º).
Não se vê que danos futuros são os alegados pelo autor, justificativos do pedido formulado em b), e que não se encontrem já abrangidos na al. a), ambas da parte conclusiva da petição inicial.
Em momento algum da petição inicial o autor alega sequer a previsibilidade de vir a sofrer degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e ao trauma sofrido.
Trata-se de um facto que foi introduzido no processo por via de um meio de prova, o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil, incorporado nos autos a 3 de agosto de 2021, onde se afirma:
«Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico). Neste caso é previsível que ocorra degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido[19] à meniscectomia e trauma sofrido.»
O facto provado na sentença recorrida sob o ponto 35. (atual ponto 44. dos factos provados) é, assim, um facto complementar que aportou ao processo através daquele meio de prova, resultante, portanto, da instrução da causa, e que a senhora juíza considerou em sede de fundamentação de facto da sentença.
O art.º 5.º, n.º 2, al. b), estatui que «além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz (...) os factos que sejam complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes tenham a possibilidade de se pronunciar.»
Não consta que a senhora juíza a quo tenha concedido às partes a possibilidade de sobre ele se pronunciarem.
O certo, no entanto, é que, incorporado no processo nos termos descritos, a senhora juíza a quo incluiu-o no elenco dos factos provados, não tendo as partes, nomeadamente a ré, prejudicada com tal incorporação:
- impugnado a decisão que o considerou provado;
- arguido qualquer nulidade decorrente de a senhora juíza a quo o ter considerado aquele facto sem que lhe tenha dado a possibilidade de sobre ele se pronunciar (art.ºs 3º, n.º 3, 195.º, n.º 1, 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte).
Em suma:
- no decurso da instrução da causa entrou nos autos o seguinte facto: «É previsível que ocorra degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e trauma sofrido.»;
- a senhora juíza a quo considerou tal facto, dando-o como provado, apesar de não ter concedido às partes a possibilidade de sobre ele se pronunciarem, situação contra a qual nenhuma delas reagiu, nomeadamente a ré, a parte prejudicada com a sua incorporação no processo e a com a decisão de o considerar provado.
Está, assim, definitivamente assente que «é previsível que ocorra degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo devido à meniscectomia e trauma sofrido.»
Foi com base nesse facto que a sentença recorrida condenou a ré «no pagamento, ao Autor, do montante a liquidar (art.º 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) correspondente aos gastos que o Autor terá com fundamento na degeneração acelerada (gonartrose precoce) do joelho esquerdo.»
Parece evidente, à luz do antecedente excurso, que se trata de um dano futuro indemnizável.
Termos em que, nesta parte, há que julgar improcedente a apelação.
3.2.4.2 – Os danos não patrimoniais:
Ainda por uma questão de simplificação, até por a última questão a tratar é comum ao recurso principal e ao recurso subordinado, vamos agora tratar a questão dos danos não patrimoniais.
No segundo ponto da sua parte dispositiva, a sentença recorrida condenou a ré «no pagamento ao Autor, de indemnização por danos patrimoniais fixados equitativamente e por danos não patrimoniais, que se fixa no montante total de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros); acrescida de juros de mora sobre esta quantia, a contar da data da presente sentença; nos termos sobreditos.»
Trata-se de uma inadequada técnica processual, esta que foi adotada pelo tribunal a quo, de no mesmo item da parte dispositiva da sentença, condenar a ré a pagar ao autor uma determinada quantia em dinheiro a título de indemnização, indistintamente «por danos patrimoniais fixados equitativamente» e «por danos não patrimoniais.»
Dispõe o art.º 635.º, n.º 2, que «se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre.»
Por isso, de modo:
- a permitir ao recorrente, sempre que disso for o caso, uma correta e adequada delimitação objetiva do recurso;
- a permitir ao tribunal de recurso uma correta e adequada sindicância da sentença impugnada, na parte em que o for,
deve o julgador, na parte dispositiva, “distinguir as decisões que são distintas”.
Vejamos, então os danos não patrimoniais!
Não se discute aqui o direito do apelado a ser indemnizado a título de danos não patrimoniais, posto que a apelante não discute sequer a existência de tais danos.
Por conseguinte, o que está aqui em causa é apenas a fixação do quantum indemnizatório a pagar pela apelante ao apelado pelos danos de natureza não patrimonial por este sofridos em consequência do acidente.
Afirma-se na sentença recorrida: «Estas circunstâncias ponderadas à luz do critério de equidade e conforme art.ºs 496º e 494º, do C. Civil, fazem com que se julgue equitativa a título de indemnização por danos não patrimoniais – 25.000,00 euros - que, assim, se fixa nesse montante.»
Considera a apelante, nas conclusões do recurso, que «deve ser REVOGADA a quantia arbitrada a título de Danos Não Patrimoniais porque os pressupostos usados na Decisão a quo estão errados e substituída por outra fixando o montante de 12.500,00€, que se apresenta mais adequado, justo, respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito.»
Quis juris?
Dispõe o art.º 496º, nº 1, do C.C., que «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.»
Segundo Menezes Cordeiro[20], quando estejam em causa valores morais – portanto, atinentes à pessoa, à família, à dignidade, à saúde e ao bom nome – a responsabilidade civil deve assumir uma postura mais avançada, retribuindo o mal e prevenindo ofensas. Há, por isso, que facilitar a imputação aquiliana, no tocante a danos morais, quer aligeirando – quanto a correta interpretação da lei o permita – os seus pressupostos, quer reforçando as indemnizações.
A terminologia utilizada no art.º 496º, nº 1, «danos não patrimoniais», não se mostra indiferente a esse possível alargamento da intensidade da proteção dos danos não patrimoniais.
Este preceito erigiu a gravidade do dano como única condição de ressarcibilidade.
A gravidade do dano não patrimonial mede-se, conforme é hoje unanimemente entendido, por um padrão objetivo, embora tendo em conta as circunstâncias de cada caso concreto, afastando-se fatores suscetíveis de sensibilidade exacerbada ou requintada e aprecia-se em função da tutela do direito[21].
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).»[22].
Antunes Varela afirma ainda que a gravidade do dano «apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.»[23].
Assim, não relevam para efeitos de indemnização por danos de natureza não patrimonial os simples incómodos ou contrariedades[24].
Segundo Maria Manuel Veloso, «o recurso à gravidade do dano como critério delimitador franqueia a porta a uma ponderação baseada na dignidade, no valor intrínseco, do bem ou interesse jurídicos.
Danos consequentes a lesões de bens da personalidade podem ser rotulados, em regra, como graves, mas já não meros atentados à propriedade. Não existe, no entanto, um absoluto paralelismo entre a gravidade do dano e a dignidade do bem jurídico, porquanto outros factores podem conferir esse carácter ao dano (ainda que o interesse a proteger não figure como um interesse supremo). Assim ocorre, de facto, com a intensidade da lesão (quer em termos temporais, quer em termos de afectação do bem ou interesse em causa); lesões mais intensas provocam danos (mais) graves. Também não é despicienda a censurabilidade da conduta do agente, apta a justificar a qualificação como grave de um dano que pelos outros critérios (dignidade e intensidade) poderia quedar sem protecção.
Cabe também indagar se existe uma componente subjectiva no apuramento da gravidade dos danos. A jurisprudência cita amiúde, como se de um refrão se tratasse, as seguintes palavras de Antunes Varela: "a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)". O critério é (e, na nossa opinião, não pode deixar de ser), no entanto, alvo de certa contemporização. A casuística relativa a danos causados por lesão dos direitos de personalidade e no âmbito das relações de vizinhança revela, pelo menos aqui, uma forte tendência para valorar o dano não patrimonial à luz de factores atinentes à especial sensibilidade do lesado. A doença, a idade, a maior vulnerabilidade ou fragilidade emocionais são tidas em conta, sem que paralelamente se forneça qualquer explicação para um tratamento de favor destes lesados. Poder-se-ia ser tentado a pensar que tal tratamento decorreria da "centralidade" do dano decorrente de lesões corporais e de lesões de direitos da personalidade. A prioridade concedida aos direitos de personalidade parece, no entanto deixar à margem, alguns desses direitos, precisamente o direito à integridade física. Ainda que, a título exemplificativo, exista um quadro subjectivo de dor mais intensa do que se poderia esperar face às lesões verificados, factor que é geralmente sublinhado na elaboração de um relatório pericial, onde é indicado qual o grau de dor a que corresponderiam grosso modo essas lesões, não é descabido pensar que o julgador se aterá a este último, preterindo o estado subjectivo relatado.
Inclinamo-nos a pensar que a mencionada diferença reflecte apenas o facto de ao existir uma maior margem de apreciação, por impossibilidade de recurso a factores objectivos (por exemplo, critérios médico-legais), o julgador sentir de uma forma mais premente a necessidade de chamar à colação todos os factores que compõem a imagem da lesão. Ora, nestes casos, não choca atender a especiais características do lesado. Parece-nos, aliás, que elas devem ser tidas em consideração, como regra geral. O que se pretende é afastar pretensões que converteriam meros incómodos, pequenas contrariedades, em danos juridicamente relevantes. Não pode a mera perspectiva do lesado, que compreensivelmente em muitos casos sobrevalorizará a sua lesão, prevalecer face a uma dose de objectividade (quiçá, mero bom senso), ainda que ao julgador se exija uma análise sobre as razões que podem ter levado o lesado a afastar-se do “atte­giamento” tido como o sócio-culturalmente aceitável, em dado circuns­tancialismo sócio-temporal.
O dano não patrimonial grave “et pour cause” ressarcível mostra, cotejando com a outra categoria de dano, uma maior permeabilidade a factores subjectivos (perspectiva do lesado). Permeabilidade também, e mais visível, aos factores tempo e espaço, que interferem na definição da gravidade do dano.
É incontestável que o elemento tradicional do dano é um elemento em transformação podendo dar origem a um direito da responsabilidade muito diferente do direito com a configuração tradicional. Em Portugal, três factores relacionados com os danos não patrimoniais contribuíram para uma das vertentes dessa transformação que se traduziu na extensão progressiva da responsabilidade civil. Menezes Cordeiro refere a este propósito expressamente o afastamento da reparação simbólica e o aumento progressivo dos montantes de indemnização. (…).
O fenómeno da extensão não pode ser evocado para justificar o reconhecimento de qualquer dano, nem para manter, “ad perpetuam”, a ressarcibilidade de danos não patrimoniais que de acordo com a evolução sócio-cultural se apresentam desajustados. (…).
(…) não pode o reconhecimento da gravidade de um dano escudar-se na ideia de que a expansão da área dos danos não patrimoniais determina um aligeiramento dos critérios e, por conseguinte, um quase imediato reconhecimento. A tentação da ligeireza na apreciação desses pressupostos deve, outrossim, ser contrariada. Esta tarefa encontra-se, de todo o modo, hoje amplamente facilitada. O julgador, atendendo ao caso concreto, não deixará de recorrer a tipologias (mais ou menos consolidadas em termos doutrinais e jurisprudenciais) de danos não patrimoniais.
(…).
De entre os tipos mais salientes, destaque-se o dano moral em sentido próprio ou subjectivo, ou seja, a humilhação, a angústia, a vergonha, a ansiedade. Nele se inclui a própria dor, dor essa que no direito português abrange as duas componentes insertas no termo anglo-saxónico “pain anrl sufféring”. A dor física e o sofrimento moral são meras componentes do dano da dor e apesar de não existir regime diferente correspondente a essas duas componentes, propendemos para considerar que deve o julgador descrever a causa (dor, mera ansiedade, etc.) ou as formas de manifestação do dano moral.
(…).
Diferente do dano moral em sentido estrito se apresenta o dano não patrimonial derivado da lesão da dignidade humana, ainda que possa perfeitamente verificar-se aquele numa situação que atinja o bem em causa. Qual o sentido da autonomização? Poder-se-ia dizer-se que actos atentatórias da dignidade humana “tout court” provocam angústia, amargura, desespero. Advogam os defensores desta autonomização, baseada na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que tem vindo a considerar que a violação de um dos direitos protegidos deve, como mínimo, ser protegida com a imposição de danos não patrimoniais pela violação em si.»[25].
Derivando o ressarcimento dos danos não patrimoniais da violação de direitos fundamentais, deve, em definitivo, numa visão moderna e atualista, abandonar-se um critério miserabilista no que respeita à fixação dos respetivos montantes.
Retornando ao caso concreto, com relevo para a fixação do quantum indemnizatório a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais, está provado que:
a) Em consequência do embate do QV no MI e o autor foram projetados ao solo a distância de cerca de 10 metros do local do acidente;
b) (...) o que causou ferimentos ao autor, que foi assistido no local pelo INEM, imobilizado e de seguida transportado de emergência para o Hospital;
c) O autor deu entrada no serviço de urgência do Hospital Amadora-Sintra, com prioridade muito urgente, apresentando trauma do joelho esquerdo, na cervical, no pé direito;
d) (...) e ainda escoriações;
e) O autor deu entrada no hospital Amadora-Sintra imobilizado em plano duro, com estabilizadores e aranha;
f) (...) onde ficou internado, tendo realizado vários exames de diagnóstico como Raio X e TAC ao joelho, ao tórax, à bacia e ao pé direito;
g) Fez limpeza e desinfeção das feridas com mobilização gessada do membro inferior esquerdo;
h) Teve alta clínica no dia seguinte, com prescrição de medicamentos e indicação para contactar seguradora da sua entidade patronal, pois no momento do acidente o autor regressava do trabalho;
i) Em seguida, o autor passou a ser acompanhado medicamente e fez tratamentos no centro clínico da LT Seguros, seguradora para a qual a sua entidade patronal havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalhos sofridos pelos seus empregados;
j) Em janeiro de 2017 foi submetido a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo;
k) (...) após o que, diariamente e durante seis meses, realizou tratamentos de fisioterapia e de hidroterapia;
l) O autor teve alta dos serviços clínicos da “LT” em julho de 2017;
m) Nessa altura ainda mantinha incapacidade parcial e apresentava dores;
n) Em consequência das lesões sofridas no acidente o autor apresenta fenómenos dolorosos nos joelhos e punho esquerdo;
o) (...) e edema, ao final do dia, no membro inferior esquerdo;
p) (...) e correção, com faceta, do traumatismo dentário sofrido no incisivo central esquerdo;
q) (...) e hipercrómica no maléolo interno;
r) (...) e cicatriz hipercrómica no dorso do pé;
s) (...) e nódulo palpável no terço médio na face interna da coxa esquerda com 1 cm de diâmetro;
t) (...) e dor à mobilização do joelho esquerdo.
u) o autor, nascido a 26 de julho de 1982, tinha, à data do acidente, 34 anos de idade;
v) Em consequência do acidente, e devido às lesões sofridas, aos tratamentos a que foi submetido e o período de recuperação a que foi sujeito, o autor sofreu dores fixadas no grau 3 numa escala de 7;
w) Ainda em consequência do acidente, o autor apresenta sequelas de lesões meniscais;
x) (...) e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, situação que o obriga a levantar-se de duas em duas horas;
y) Ainda em consequência do acidente o autor ficou com cicatrizes nos membros inferiores;
z) (...) o que lhe determinou um dano estético fixado em 2 numa escala de sete graus de gravidade crescente;
aa) Antes do acidente o autor praticava futebol três vezes por semana;
ab) (...) e escalada, aos fins de semana, durante os períodos de verão;
ac) (...) atividades que, por causa do acidente, deixou de poder praticar;
ad) (...) o que determinou, nas suas atividades desportivas e de lazer, uma repercussão permanente de 4 pontos numa escala de sete graus de gravidade crescente;
ae) Nos dias seguintes ao acidente o autor não conseguiu dormir devido “à posição na cama”, tendo optado por dormir no sofá;
af) Em consequência das dores e limitações que o afetaram, o autor necessitou da ajuda de terceiros durante cerca de uma semana após o acidente, para atos da sua vida diária, como tomar banho, vestir-se e alimentar-se;
ag) Antes do acidente o autor sentia prazer em circular em motociclos;
ah) (...) o que não mais conseguiu fazer após reflexão que, por causa do acidente dos autos, fez sobre os riscos da condução daquele tipo de veículos;
ai) (...) situação que lhe causa tristeza.
Perante isto, tudo ponderado o acervo factual acabado de descrever, considerando, nomeadamente:
- a idade do autor à data do acidente;
- que o autor não teve qualquer culpa na produção do sinistro;
- que a atuação da condutora do QV foi meramente culposa;
- a descrita gravidade dos danos sofridos;
- as descritas sequelas com que ficou na sequência do acidente;
- a esperança média de vida em Portugal de um homem nascido em 1982 (69 anos de idade),
não podemos deixar de concluir, ao contrário do que entende a recorrente, que o montante arbitrado ao autor na sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais, não é desmedido e merecedor de veemente contestação, não é despropositado, nem se encontra inflacionado.
Como sustenta Vaz Serra, «a satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão; trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este sendo apenas moral, não é susceptível de avaliação»[26].
Justamente por imperativo da dimensão conceitual da equidade, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais não encontra a sua finalidade específica senão através da razoabilidade, isto é, dentro daqueles comandos ditados pelo bom senso como expressão natural da razão.
Na tradução quantitativa dos danos de natureza não patrimonial há que ter em conta que a indemnização deve ser significativa de modo a representar uma efetiva compensação pelos prejuízos sofridos embora sem a pretensão de «anular» tais prejuízos como se de um «preço de dor» se tratasse.
A dificuldade de «quantificar» os danos não patrimoniais não pode servir de entrave à fixação de uma indemnização que procurará ser justa, correndo o risco, embora, de ser aleatória, tanto mais que, neste campo, repete-se, assume particular relevância a vertente da equidade.
No caso concreto, face a tudo quanto antecede, à luz dos parâmetros traçados, nomeadamente quanto à sua inspiração no ditame da equidade, entende-se que a quantia fixada em 1.ª instância, de €25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a pagar pela ré ao autor, pelos danos não patrimoniais por este sofridos em consequência do acidente, é justa, adequada e proporcional, mostrando-se, de acordo com as especificidades do caso concreto,  perfeitamente consentânea, com os valores atribuídos e os critérios seguidos pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores em casos que com este têm alguma similitude[27].
3.2.4.3 – O dano biológico:
Resta a questão da indemnização pelo dano biológico, que:
- a sentença recorrida fixou no montante de €10.000,00;
- a recorrente principal entende dever ser fixado em €5.000,00;
- o recorrente subordinado entende dever ser fixado em €30.000,00.
Alega a apelante que «para fixar a indemnização a este título, o Tribunal a quo usou, conforme seria de esperar, critérios de equidade. Mas não respeitou o sentido e o limite razoável imposto pelo art.º 566º nº 3 do CC, que foi violado para apurar exorbitante compensação de 10.000,00€.
Conforme consta dos nºs 22, 23, 26, 27 e 42 da Matéria de Facto, estamos perante um acidente simultaneamente de viação e de trabalho.
Sabido é que as indemnizações eventualmente devidas a título de acidente de trabalho e de viação não são cumuláveis, mas sim complementares.
O Recorrido já recebeu quantias liquidadas pela congénere LT Seguros, S.A., que foram pagas no âmbito da cobertura conferida pela Apólice relativa a acidentes de trabalho.
A perda de capacidade de ganho já foi apurada nos respectivos Autos que correram termos no Tribunal do Trabalho, estando comprovado pelo ofício junto em 05/08/2020 que o Recorrido já recebeu 7.705,89€ a título de capital de remição.
Ressalvando o devido respeito, a Recorrente continua a entender que o Tribunal a quo devia ter feito uma melhor avaliação dos seguintes aspectos, respeitantes à condição de saúde do Recorrido:
- Excluindo o período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial, o Dano Biológico não implicou perda de rendimentos;
- O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica estava consolidado na data do Julgamento (26/01/2022), porque a data de referência é 20/11/2017;
- As sequelas de que o Recorrido padece são compatíveis com exercício da actividade habitual e não implicam esforços suplementares;
- As sequelas não são incapacitantes;
- Em termos remuneratórios não sofreu qualquer perda e até progrediu na carreira;
- O Dano Biológico na vertente patrimonial está compensado.
Nos casos como o dos Autos, em função da idade do sinistrado, da inexistência de perdas salariais e da possibilidade de progredir na carreira, como progrediu, a múltipla indemnização nestas diferentes categorias leva à multiplicação de pagamentos pelas mesmas razões.
Na Decisão em crise foram arbitradas diferentes compensações sob diferentes epígrafes, mas todas elas mais não são do que variantes do mesmo dano, que provocam a duplicação da mesma indemnização.
Felizmente que os factos apurados não traduzem danos corporais de especial gravidade. Exemplos disso:
- fenómenos dolorosos nos joelhos e punho esquerdo;
- edema ao final do dia, no membro inferior esquerdo; - cicatriz no maléolo interno;
- cicatriz no dorso do pé.
Não sofreu sequelas na mão direita nem na perna direita.
O que está verdadeiramente em apreço é o resultado do somatório dos valores das indemnizações pelo Dano Biológico e pelos Danos Não Patrimoniais, atribuídos na Decisão a quo, que foram fixados muito acima do que seria expectável.
(...) não está em causa uma indemnização correspondente aos valores que o Recorrido deixou de auferir em razão da sua actividade profissional, porque não houve rebate profissional.
A indemnização compensatória do Dano Biológico é excessiva e ultrapassa o limite justo, que pode ser reconhecida e atribuída ao Recorrido.
Por violar o disposto nos art.ºs 562º, 563º, 564º e 566º nºs 2 e 3 do Cód. Civil e porque houve erro de julgamento, vai impugnada a condenação no pagamento desta quantia.
Pelo exposto, deve ser REVOGADA a quantia arbitrada a título de Dano Biológico porque os pressupostos usados na Decisão a quo estão errados e substituída por outra fixando o montante de 5.000,00€, que se apresenta mais adequado, justo, respeita a equidade e os danos que devem ser tutelados pelo Direito.»
O mínimo que se pode afirmar é que o assim alegado pela apelante ignora, surpreendentemente, tratando-se ela de uma seguradora, o que tem sido, desde há alguns anos a esta parte, o labor da doutrina e da jurisprudência no tocante ao aperfeiçoamento e estabilização dos critérios a atender na fixação equitativa dos danos biológicos enquanto danos patrimoniais futuros, tendo em conta a afetação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica ou geral das vítimas de acidentes de viação, também ela suscetível de determinar perdas de rendimentos e, por conseguinte, danos daquela natureza.
Está provado que em consequência do acidente, o autor apresenta sequelas de lesões meniscais e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, situação que o obriga a levantar-se de duas em duas horas, em virtude do que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 (quatro) pontos.
Mais resultou provado que as sequelas de que o autor ficou a padecer em razão das lesões sofridas por causa do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional habitual, não lhe exigindo esforços acrescidos.
O dano em questão (défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos) é presentemente qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psicofísica», e vem sendo entendido como um dano-evento ou dano real, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais.
A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art.º 25.º, n.º 1 CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art.º 70.º, n.º 1 CC, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os atos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infeções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afetações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os atos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem.
Donde, o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objeto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se não prove uma efetiva redução do vencimento do lesado como causa e efeito de um tal dano.
O que releva, num caso como o presente, ante a comprovação de um tal dano, é a repercussão negativa desse défice, centrado na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de realizar esforços por parte da apelante, o que, necessariamente, se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desempenho das atividades pessoais em geral e numa consequente e, obviamente, de igual modo previsível, maior penosidade na execução das suas diversas tarefas, tudo significando um maior dispêndio de energias, um maior desgaste físico na execução das mesmas, comparativamente com o que sucedia antes do acidente.
É precisamente neste agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais do respetivo múnus que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.
Por danos patrimoniais futuros, dizemos, pois que, na querela que se instalou acerca do enquadramento do dano biológico (dano patrimonial, dano não patrimonial ou tertuim genus), estamos com aqueles que o consideram um dano de natureza patrimonial.
Não podendo o dano biológico deixar de ser considerado um dano corporal, de acordo com Álvaro Dias[28], ele consiste na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão.
À luz deste entendimento, mesmo naqueles casos em que não está demonstrada a incapacidade do lesado para o exercício da concreta atividade profissional por si desempenhada à data do acidente, ou seja, não estando demonstrada uma repercussão negativa direta no salário auferido pela vítima ou na sua atividade profissional, sempre ocorrerá, como se referiu, uma perda ou limitação das suas capacidades, sempre para si advirá uma limitação funcional geral com implicações atrás mencionadas[29].
A incapacidade parcial permanente, afetando ou não a atividade laboral do lesado, representa em si mesmo um dano patrimonial futuro.
Conforme refere Maria da Graça Trigo, é «a respeito da ponderação dos efeitos negativos de ordem patrimonial, resultantes da afetação da capacidade laboral genérica dos lesados, que se vem consolidando no Supremo Tribunal de Justiça o recurso ao dano biológico.»[30].
Segundo a mesma Autora, «se, ao longo da segunda metade do século XX, bem como dos primeiros anos do século XXI, a jurisprudência nacional veio aperfeiçoando os critérios a ponderar na fixação equitativa da indemnização por danos patrimoniais futuros (traduzidos na perda de rendimentos) causados pela incapacidade laboral específica, isto é, causa pela afetação da capacidade do lesado para o exercício da sua actividade profissional à data da ocorrência da lesão física, os procedimentos utilizados não tinham em conta – ao menos de forma sistemática – a circunstância de que afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral genérica das vítimas é, também ela, suscetível de determinar perdas de rendimentos e, portanto, danos patrimoniais futuros. Esta omissão mostrava-se especialmente evidente nas seguintes situações:
a) Situação de lesado menor de idade que, em razão da idade, não exerce qualquer profissão no momento do evento danoso;
b) Situação do lesado que, não sendo afectado na sua capacidade laboral específica, é, porém afectado na sua capacidade laboral genérica;
c) Situação do lesado que, em razão de circunstâncias várias de idade, saúde, dedicação à família, etc., não exerce profissão à data de ocorrência da lesão, sendo, contudo, afetado na sua capacidade laboral genérica.
Na peculiar evolução que a utilização do conceito de dano biológico tem tido na jurisprudência nacional, pode, com segurança, afirmar-se que, com tal utilização, se pretendeu precisamente dar resposta a este tipo de situações.»[31].
No Ac. do S.T.J. de 20.05.2010, Proc. nº 103/2002 (Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, um dos primeiros arestos daquele Alto Tribunal, a pronunciar-se sobre a questão da «ressarcibilidade da incapacidade genérica permanente», utilizando para o efeito a expressão, «dano biológico», considerado pela Autora antes citada como leading case no tocante à relevância a atribui para efeitos indemnizatórios, a situações em que o lesado não é afetado na sua capacidade laboral específica, ou seja, não fica a padecer de incapacidade para o exercício da sua profissão habitual, mas é afetado na sua capacidade laboral genérica, pode ler-se:
«(...) na verdade, embora tais sequelas incapacitantes não tenham um imediato reflexo no nível de remuneração auferida na concreta actividade profissional (de gerente da sua própria micro-empresa) da lesada, elas poderão revelar-se plenamente se, porventura, esta, no decurso da vida profissional que lhe resta, quiser ou tiver de mudar de actividade.
Ou seja: pelo menos nos casos em que a não previsível e imediata diminuição de rendimentos profissionais, potencialmente associada às sequelas das lesões, ocorre por o lesado ainda não exercer uma actividade profissional ou exercer, no momento, actividade concreta que não é substancialmente afectada pelas sequelas físicas ou psíquicas que restringem as suas capacidades pessoais, é indiscutível que o lesado vê diminuída a amplitude de escolha, o leque das actividades laborais que pode perspectivar exercer ainda no futuro, ficando necessariamente condicionado e «acantonado» no exercício de actividades menos exigentes – o que naturalmente limita de forma relevante as suas potencialidade potencialidades no mercado do trabalho (facto particularmente
atendível numa organização económica que crescentemente apela à precaridade e à necessidade de mudança e reconversão na profissão exercida, a todo o momento susceptível de mutação ao longo da vida do trabalhador).
Em suma: pelo menos para quem não está irremediavelmente afastado do ciclo laboral, a perda relevante de capacidades funcionais – embora não imediatamente reflectida nos rendimentos salariais auferidos na profissão exercida – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» do lesado num mercado laboral em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, deste modo, fonte actual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar como verdadeiros danos patrimoniais.»
Na senda deste aresto, escreveu-se no Ac. do S.T.J. de 28.01.2016, Proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1 (Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt:
«A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.).».
Mais recentemente vejam-se, por todos:
- o Ac. do S.T.J. de 24.02.2022, Proc. nº 1082/19.7T8SNT.L1.S1 (Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt:
«I. No caso dos autos, verifica-se que a acepção em que a Relação utilizou a expressão “dano biológico” corresponde essencialmente àquela que se afigura ser predominante na jurisprudência do STJ: “dano biológico” enquanto consequências patrimoniais da incapacidade geral ou funcional do lesado.
II. O aumento da penosidade e esforço do lesado para desenvolver as mesmas tarefas profissionais ou quaisquer outras é atendível no domínio das consequências patrimoniais da lesão corporal, e não apenas no domínio das consequências não patrimoniais, na medida em que se entenda provado que tal aumento de penosidade e esforço tem como consequência provável a redução da sua capacidade genérica de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
III. A indemnização pela afectação da capacidade geral ou funcional, sendo indeterminável, deve ser fixada com recurso à equidade (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CC), em função dos seguintes factores: (i) a idade do lesado (a partir da qual se pode determinar a sua esperança média de vida à data do acidente); (ii) o seu grau de incapacidade geral permanente; (iii) as suas potencialidades de ganho e de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências; (iv) a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (também aqui, tendo em conta as suas qualificações e competências).»
- o Ac. da R.G. de 26.05.2022, Proc. nº 5746/20.4T8GMR.G1 (Alcides Rodrigues), in www.dgsi.pt:
«I - A limitação funcional ou dano biológico, em que se traduz uma incapacidade, é apta a provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial.
II - Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais.
III - Ao lesado que não exerça ainda atividade remunerada (estudante), ao que dela esteja privado (desempregado), ao que já não se encontra no período de vida ativa (reformado e pensionista) e aquele que, apesar da incapacidade, mantenha a mesma profissão e/ou logre uma reconversão que lhe assegure idêntico rendimento, assistirá o direito ao ressarcimento pelo dano biológico na vertente patrimonial, apesar de não haver perda da capacidade de ganho.»
- o Ac. da R.G. de 27.05.2021, Proc. nº 5911/18.4T8BRG.G1 (Margarida Almeida Fernandes), in www.dgsi.pt:
«I - O dano biológico pode ser definido como sendo aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afetação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal.»
Aplicando os antecedentes considerandos ao caso concreto, estando provado, como se viu, que em consequência do acidente, o autor apresenta sequelas de lesões meniscais e sensação de pernas pesadas com edema vespertino, o que não lhe permite permanecer muito tempo sentado, por sentir dores nos joelhos e lombalgia, situação que o obriga a levantar-se de duas em duas horas, por virtude do que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 4 (quatro) pontos, é inequívoco que tem direito a ser ressarcido pela perda de capacidade laboral genérica ou geral decorrente desse défice funcional; se se quiser, tem direito a ser indemnizado pelo dano biológico sofrido, enquanto dano patrimonial futuro.
Isto, reitera-se, apesar de ter ficado igualmente provado que as sequelas de que o autor ficou a padecer em virtude das lesões sofridas por causa do acidente, são compatíveis com a sua atividade profissional habitual, não lhe exigindo esforços acrescidos.
E como é que se quantifica tal dano?
Consideramos que mesmo naqueles casos em que não está demonstrado que o acidente deu causa à perda ou diminuição de proventos laborais auferidos pelo lesado, atuais ou futuros, ainda assim, para a determinação do quantum indemnizatório, há que seguir semelhantes ao adotados para o cálculo da indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho.
Tanto num caso como noutro, com argumentos que radicam na redução da margem de arbítrio e de subjetivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua quantificação.
Devem, em regra, ser tidos em conta os seguintes fatores essenciais:
a) a idade do lesado à data do acidente.
b) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma. Como refere Maria da Graça Trigo, «entende-se não oferecer dúvidas que se deve atender à esperança média de vida do lesado e não à sua previsível data da reforma, uma vez que a afetação da capacidade geral tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado, tanto directas como indirectas. Directas pelo reflexo que, mesmo após a reforma do lesado, tal incapacidade terá no exercício de outras actividades de valor económico; indirectas pelas consequências que a afectação da capacidade tem na carreira contributiva do lesado, com reflexos sobre o montante das prestações sociais a auferir no período posterior à reforma.»[32].
c) o fator esperança média de vida do lesado à data do acidente deve aferir-se pela esperança média de vida têm os nascidos no ano de nascimento do lesado e não, como por vezes se afirma, pela esperança média de vida (geralmente superior) dos nascidos no ano que teve lugar o acidente.
d) o índice de incapacidade geral permanente fixado segundo as tabelas de incapacidade geral permanente em direito civil.
e) as potencialidades de ganho e de aumento de ganho do lesado, anteriores à lesão, tanto na profissão habitual, como em profissão ou atividades económicas alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações e competências.
f) a conexão entre as lesões psicofísicas sofridas e as exigências próprias de atividades profissionais ou económicas do lesado, compatíveis com as sua habilitações e/ou formação.
g) no cálculo do capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável.
h) os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade.
i) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida, consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado, o que, felizmente, não ocorre «in casu»;
j) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infrator ou da sua seguradora.
Tal como referido no Ac. do S.T.J. de 12.04.2007, Proc. n.º 07A3836 (Mário Cruz), in www.dgsi.pt, o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objetivos (através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), por forma a que seja possível determinar qual o capital necessário, produtor do rendimento, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida ativa do lesado, proporcione à vítima o mesmo rendimento que antes auferiria se não tivesse ocorrido a lesão ou a compense pelo maior grau de esforço desenvolvido, sendo, no entanto, necessário ter em conta que o valor resultante das fórmulas matemáticas ou tabelas financeiras nos fornece tão só um valor estático, porque parte do pressuposto que o lesado não mais evoluiria na sua situação profissional; não conta com o aumento de produtividade; não inclui no cálculo um fator que contemple a tendência, pelo menos a médio e longo prazo, quanto à melhoria das condições de vida do país e da sociedade; não tem em consideração a tendência para o aumento da vida ativa para se atingir a reforma; não conta com a inflação; nem tem em conta o aumento da própria longevidade. Daí que a utilização das fórmulas matemáticas, ou tabelas financeiras só possa servir para determinar o «minus» indemnizatório, o qual, terá posteriormente de ser corrigido com vários outros elementos, quer objetivos quer subjetivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.
As fórmulas ou tabelas a que se recorre para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes devem, pois, ser encaradas como meras referências ou índices, só relevando como simples instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.
Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros que sejam o prolongamento necessário e direto do estado de coisas criado pelo acidente, abrangendo um longo período de previsão, devendo atender-se apenas aos ganhos fortemente prováveis e verosímeis, não meramente possíveis, a solução mais correta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.
Retornando ao caso concreto, está provado que «o período de défice funcional temporário parcial do autor e o período de repercussão temporária na sua atividade profissional decorreu entre 01.09.2016 e 20.11.2017, num total de 446 dias.»
Será, portanto, com referência ao 447.º dia após o sinistro, ou seja, a 21 de novembro de 2017, que importa considerar a idade do lesado e projetar a previsível duração de vida, o tempo provável da sua vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida ativa, para além do tempo da reforma.
Em 1982, ano do nascimento do autor, o fator esperança média de vida do lesado à data do acidente deve aferir-se pela esperança média de vida têm os nascidos no ano de nascimento do lesado e não, como por vezes se afirma, pela esperança média de vida (geralmente superior) dos nascidos no ano que teve lugar o acidente.
A esperança média de vida à nascença de um cidadão do sexo masculino, nascido em Portugal em 1982, ano do nascimento do autor, era de 69 anos.
Há que atender à remuneração auferida pelo lesado à data do acidente e ao valor do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, de que ficou a padecer, e que no caso concreto é de 4 pontos.
No conceito de retribuição auferida pelo lesado à data do sinistro, devem integrar-se todas as quantias que constituíam prestações por ele recebidas com caráter de regularidade e que, por isso, devem entrar no cálculo da indemnização; ou seja, todas as prestações destinada a compensar o sinistrado por custos aleatórios.
A retribuição contempla, assim, além do vencimento base, as gratificações, as comissões, os subsídios, as senhas de presença, as remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não.
A não se entender assim, estaríamos desfasados da realidade da vida, ignorando a situação de cidadãos que auferem salários base de reduzidos montantes, compensados por outro tipo de prestações, com denominações diversas.
No caso concreto, há a considerar:
a) o autor nasceu em 26 de julho de 1982;
b) exerce funções de administrativo enquanto trabalhador de uma empresa farmacêutica, na gestão de stocks e das encomendas das farmácias.
c) a idade do autor no 447.º dia após o sinistro, ou seja, a 21 de novembro de 2017;
d) que em consequência do sinistro:
- o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica foi de 4 pontos;
- as sequelas de que o autor ficou a padecer em razão das lesões sofridas por causa do acidente são compatíveis com a sua atividade profissional habitual, não lhe exigindo esforços acrescidos;
e) à data do acidente o autor auferia uma retribuição mensal base de 1.428,58€, acrescida de subsídio de alimentação no valor mensal de 138,00€.
Perante isto, na avaliação concreta do dano biológico sofrido pelo autor, como ponto de partida, de forma a alcançar, como se referiu supra, uma base mínima de trabalho, de modo a conseguir uma referência, uma plataforma inicial a partir da qual se façam operar elementos variáveis que têm a ver com introdução do juízo de equidade, procurando demonstrar/explicar como é alcançado o mínimo denominador e evitar soluções de pendor subjetivista, poderemos lançar mão da fórmula utilizada no supra mencionado Acórdão do S.T.J. de 12.04.2007, tal como o têm feito, após a sua publicação, vários outros arestos, quer do Supremo, quer das Relações.
Trata-se, como se diz naquele acórdão, de uma tabela acessível a qualquer jurista ou cidadão, que permite através de operações aritméticas simples, chegar a resultados muito semelhantes na determinação do dano patrimonial futuro, tendo apenas como suporte a aplicação do programa informático Excell à fórmula utilizada pelo S.T.J. no Acórdão de 05.05.1994, C.J.S.T.J., II, 2º, 86, e que foi construída tendo como referência a atribuição de 3% ao fator aí indicado como taxa de juro previsível no médio e longo e prazo.
Apesar de estar já publicada em vários acórdãos e noutros locais, transcrever-se-á a referida tabela, resultado dessa aplicação informática, indicando-se, num lado, a idade que ainda falta para ser atingido o ano limite da esperança média de vida, e do outro o fator índice.
Pegando, pois no fator índice correspondente, deve ser ele multiplicado, no caso concreto, e com referência a 21 de novembro de 2017, pelo último rendimento anual conhecido, auferido pelo autor antes daquela data, e novamente multiplicado pelo valor do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixado em 4 (quatro) pontos.
A)----------------------------------------------------------------------------B)
(anos)-----------------------------------------------------------------------(fator)
1-----------------------------------------------------------------------------0,97087
2-----------------------------------------------------------------------------1,91347
3-----------------------------------------------------------------------------2,82861
4-----------------------------------------------------------------------------3,71710
5-----------------------------------------------------------------------------4,57971
6-----------------------------------------------------------------------------5,41719
7-----------------------------------------------------------------------------6,23028
8-----------------------------------------------------------------------------7,01969
9-----------------------------------------------------------------------------7,78611
10---------------------------------------------------------------------------8,53020
11---------------------------------------------------------------------------9,25262
12---------------------------------------------------------------------------9,95400
13-------------------------------------------------------------------------10,63496
14-------------------------------------------------------------------------11,29607
15-------------------------------------------------------------------------11,93794
16-------------------------------------------------------------------------12,56110
17-------------------------------------------------------------------------13,16612
18-------------------------------------------------------------------------13,75351
19-------------------------------------------------------------------------14,32380
20-------------------------------------------------------------------------14,87747
21-------------------------------------------------------------------------15,41502
22-------------------------------------------------------------------------15,93692
23-------------------------------------------------------------------------16,44361
24-------------------------------------------------------------------------16,93554
25-------------------------------------------------------------------------17,41315
26-------------------------------------------------------------------------17,87684
27-------------------------------------------------------------------------18,32703
28-------------------------------------------------------------------------18,76411
29-------------------------------------------------------------------------19,18845
30-------------------------------------------------------------------------19,60044
31-------------------------------------------------------------------------20,00043
32-------------------------------------------------------------------------20,38877
33-------------------------------------------------------------------------20,76579
34-------------------------------------------------------------------------21,13184
35-------------------------------------------------------------------------21,48722
36-------------------------------------------------------------------------21,83225
37-------------------------------------------------------------------------22,16724
38-------------------------------------------------------------------------22,49246
39-------------------------------------------------------------------------22,80822
40-------------------------------------------------------------------------23,11477
41-------------------------------------------------------------------------23,41240
42-------------------------------------------------------------------------23,70136
43-------------------------------------------------------------------------23,98190
44-------------------------------------------------------------------------24,25427
45-------------------------------------------------------------------------24,51871
46-------------------------------------------------------------------------24,77545
47-------------------------------------------------------------------------25,02471
48-------------------------------------------------------------------------25,26671
49-------------------------------------------------------------------------25,50166
50-------------------------------------------------------------------------25,72976

Em 21 de novembro de 2017 o autor, nascido a 26 de julho de 1982, tinha 35 anos de idade.
À nascença, a sua esperança média de vida era de 69 anos.
Há, assim, a considerar um parâmetro temporal de 34 anos.
A remuneração média mensal a considerar é de €1.566,58 - €1.428,50 (retribuição mensal base auferida pelo autor à data do acidente) + €138,00 (valor mensal do subsídio de alimentação).
Há, assim, a considerar uma remuneração anual de €21.656,12 (€1.488,58 x 14 meses = €20.000,12 + €138,00 x 12 = € 1.656,00 [€20.000,12 + €1.656,00 = €21.656,12]).
Aplicando o fator de 21,13184, correspondente a 34 anos de idade e os 4 pontos do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do acidente, sem qualquer concorrência de culpa na produção do acidente, temos o seguinte: €21.656,12 x €21,13184 x 4% = €18.305,34.
A partir daqui há que fazer funcionar a equidade como critério primordial e sempre corretor de outros critérios.
Assim, há que atender a todos os outros fatores que nem esta, nem as demais fórmulas matemáticas contemplam, e que se repercutirão, previsivelmente, em termos de perdas patrimoniais da autora, e que são extremamente relevantes, indicando-se, além dos fatores atrás indicados, a título exemplificativo:
- a inflação e os seus reflexos negativos no poder de compra;
- os impostos incidentes sobre os rendimentos do trabalho em Portugal.
Além disso, há a considerar o recebimento antecipado da totalidade do capital que, assim, poderá ser objeto de rentabilização, sem que, no entanto, se olvide, quais exíguos são, presentemente, os fatores de rentabilização das poupanças particulares.
Vistos e ponderados todos os fatores referidos, efetuados os ajustamentos que se impõem, nomeadamente em termos de antecipação do recebimento da totalidade do capital, tem-se por justo, adequado e proporcionado, fixar, a título de indemnização pelo dano biológico sofrido pelo autor em consequência do acidente, se se quiser, por danos patrimoniais futuros derivados da perda de capacidade laboral genérica ou geral decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer, a quantia de €18.000,00 (dezoito mil euros).
***
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram a 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
4.1 – Em julgar totalmente improcedente o recurso principal interposto pela ré, L – Companhia de Seguros, S.A.;
4.2 – Em julgar parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pelo autor, ML, em consequência do alteram a sentença recorrida quanto ao segundo item da sua parte dispositiva, nos seguintes termos:
«”No pagamento ao autor, da quantia de €43.000,00 (quarenta e três mil euros), sendo:
- €25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
- €18.000,00 (dezoito mil euros), a título de dano biológico, correspondente à perda de capacidade laboral genérica ou geral decorrente do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer em consequência do acidente”,
mantendo-se, quanto à quantia global assim apurada, os critérios fixados na sentença quanto à condenação da ré nos juros de mora, por se tratar de questão que não foi objeto de impugnação.»
4.3 – Em manter, no mais, o decidido na sentença recorrida.
Responsabilidade pelas custas dos recursos, na vertente de custas de parte, nos termos dos art.ºs 527.º, nºs 1 e 2, 607.º, nº 6 e 663.º, nº 2:
4.3.1 - do recurso principal, a cargo da ré, L – Companhia de Seguros, S.A.;
4.3.2 - do recurso subordinado:
- a cargo do autor, na proporção de 4/7;
- a cargo da ré, na proporção de 3/7.

Lisboa, 22 de novembro de 2022
José Capacete
Carlos Oliveira
Diogo Ravara
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[1] Recursos em Processo Civil, 7.ª Ed., Almedina, 2022, pp. 187-188.
[2] Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, janeiro de 2014, pp. 18-24.
[3] Cfr. Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 406-407, e RLJ, Ano 122º, nº 3784, p. 219, a quem pertencem os exemplos indicados nas notas seguintes.
[4] Tratado de Derecho Procesal Civil, tomo II, tradução espanhola de Angela Romera Vera, 1995, apud Montalvão Machado, O Dispositivo e os Poderes do Tribunal À Luz do Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2001, p. 113, nota 210.
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Ed., 1985, p. 209.
[6] Cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 23.09.2008, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1 (Bravo Serra), in www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. do S.T.J. de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1 (Fernandes da Silva), in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. o Aresto do S.T.J. citado na nota anterior.
[9] Doravante identificado apenas por QV.
[10] Doravante identificado apenas por MI.
[11] Atual ponto 44. dos factos considerados provados.
[12] José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 3ª Ed., 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141.
[13] Para Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Ed., Almedina, 2003, p. 598, «o dano é a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea.
(…).
Ao lado do dano assim definido, há o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.».
[14] Para Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 11ª Ed., Almedina, 2008, pp. 591-599, dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica.
[15] Para Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Vol. II, AAFDL, 1980, pp. 283 e 300, dano é a «diminuição de uma qualquer vantagem tutelada pelo direito, ou de um bem, em sentido amplo, que seja protegido.»
[16] Sobre as diversas noções de «dano», cfr. Paulo Mota Pinto, in Interesse Contratual Positivo e Interesse Contratual Negativo, Vol. I, Coimbra Editora, 2009, p. 528.
[17] Direito das Obrigações cit., pp. 591-599.
[18] Sobre o Dano da Perda de Chance, in Direito e Justiça, Universidade Católica Portuguesa, Vol. XIX, 2005, Tomo II, pp. 11-13.
[19] Por lapso escreveu-se «devo».
[20] Da Responsabilidade dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, Lisboa, 1997, pp. 482, ss.
[21] Cfr. Manuel Pereira Augusto de Matos, Dano patrimonial e não patrimonial. Avaliação dos danos no tribunal em grandes traumatizados, crianças e idosos, in Revista Portuguesa do Dano Corporal, Edição APADAC – Associação Portuguesa de Avaliação do Dano Corporal, Instituto de Medicina Legal de Coimbra, Novembro 2000 – Ano IX – N.º 10, pág. 32); no mesmo sentido, Ac. do S.T.J. de 26.06.1991, B.M.J. 408º, 538.
[22] Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª Ed., Coimbra Editora, 1987, p. 499, nota 1.
[23] Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, pág. 606.
[24] Cfr. Acs. do S.T.J., de 12.10. 1973 e de 18.11.1975, B.M.J. 230, 107 e 251º, 148.
[25] Danos Não Patrimoniais, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, FDUC, Vol. III, Direito das Obrigações, 2007, págs. 505 a 512.
[26] B.M.J., 83º, 85.
[27] Vejam-se, além dos arestos citados na sentença recorrida, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 25.09.2018, Proc. nº 2172/14 (Roque Nogueira), de 05.02.2020, Proc. nº 10529/17 (Oliveira Abreu), de 07.12.2017, Proc. nº 559/2010 (Graça Trigo).
[28] Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, Almedina, 2001, p. 272.
[29] Neste sentido, Cfr. Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, Coimbra, Almedina, 1983, p. 248; na jurisprudência, veja-se o Ac. da R.L. de 12/13/2012, Proc. nº 5505/05.4TVLSB.L1-2 (Ondina Alves), in www.dgsi.pt.
[30] O Conceito de Dano Biológico como Concretização Jurisprudencial do Princípio da Reparação Integral dos Danos – Breve Contributo, in Revista Julgar nº 46 – Retorno aos Acidentes de Viação: Antigas e Novas Questões –, Edição da ASJP, Almedina, janeiro-abril de 2022, p. 260 (o destacado a negrito é da nossa autoria).
[31] O Conceito cit., pp. 262-263.
[32] O Conceito cit., p. 267.