Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2618/20.6T8BRR.L1-4
Relator: FRANCISCA MENDES
Descritores: ARECT
PRESCRIÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: Tendo sido instaurada acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, o prazo previsto nº1 do art. 337º do CT conta-se a partir da decisão final transitada em julgado ( art. 186º-R do CPT).
(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I-Relatório :
AAA instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BBB, CCC e DDD pedindo que o Tribunal condene os RR. no pagamento à A. das seguintes quantias :
- 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de subsídio de férias, emergente do reconhecimento da existência de Contrato de Trabalho, acrescida de juros mora desde da data do seu vencimento até integral pagamento;
- 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de férias não gozadas, acrescida de juros mora desde da data do seu vencimento até integral pagamento;
- 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de subsídio de Natal,  acrescida de juros até integral pagamento;
- 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) correspondente a  remunerações de Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro, acrescida de juros de mora até integral pagamento;
 - 4.000,00€ (quatro mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, por violação dos direitos do trabalhador ao pagamento pontual de remunerações.
Mais peticionou a condenação dos RR.:
- Na regularização da sua situação contributiva junto à Segurança Social;
- No pagamento à A. do o valor de horas de formação que, à data da petição inicial, se cifram no montante de 276,80€ (duzentos e setenta e seis euros e oitenta  cêntimos);  
- No pagamento da quantia de 1000,00 (mil euros) por litigância de má fé.
Os RR. CCC e DDD contestaram, pugnando pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Em sede de excepção peremptória os RR. invocaram a prescrição.
*
Pela Exmª Juiz a quo foi proferida a seguinte decisão :
« Atento o cancelamento da matrícula da 1.ª Ré, os autos passam a seguir contra os liquidatários, que se presumem ser os respetivos sócios, nos termos do  disposto no art. 162.º e 163.º do CSC, a saber, o 2.º e 3.ª Ré. 
(...)
Da exceção perentória de prescrição dos créditos da Autora:
Veio a Ré invocar a exceção perentória de prescrição dos créditos invocados alegando, em síntese:
- Reportarem-se os créditos peticionados ao período entre outubro de 2019 e janeiro de 2020;
- A ação foi proposta a 14.12.2020 e os Réus foram citados a 02.06.2021, pelo que os créditos peticionados se encontram prescritos.
A Autora exerceu o contraditório pugnando pela improcedência da exceção invocada.
Cumpre apreciar e decidir, para o que se salienta a seguinte factualidade:
A.
Por decisão transitada em julgado a 02.03.2020, proferida em 10.02.2020 no âmbito do processo n.º 2969/19.2T8BRR que correu termos no Juízo de trabalho – Juiz 3 da Comarca de Lisboa – Barreiro e notificada às partes a 08.02.2020, foi reconhecida a existência de um Contrato de Trabalho entre a ora Ré Impar Prime Lda. e a Autora desde outubro de 2017.
B.
A Autora propôs a ação a 13.12.2020.
C.
Os Réus foram citados a 02.06.2021.
D.
O cancelamento da matrícula da 1.ª Ré ocorreu a 04.12.2019.
E.
No âmbito dos presentes autos a Autora peticiona a condenação dos Réus:
a) No pagamento de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de subsidio de férias, emergente do reconhecimento da existência de Contrato de Trabalho acrescidos de juros mora desde da data do seu vencimento até integral pagamento;
b) No pagamento do montante de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de férias não gozadas acrescido de juros mora desde da data do seu vencimento até integral pagamento;
c) No pagamento de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) a título de subsidio de natal, acrescidos de juros até integral pagamento;
d) No pagamento do correspondente a remuneração de Outubro, Novembro, Dezembro de Janeiro, no montante global de 2.400,00€ (dois mil e quatrocentos euros) acrescidos de juros de mora até integral pagamento;
e) No pagamento de uma quantia a titulo de Danos não patrimoniais por violação dos direitos do trabalhador ao pagamento pontual de remunerações que se deverá cifrar no montante de 4.000,00 (quatro mil euros).
f) Na regularização da sua situação contributiva junto à Segurança Social;
g) No pagamento do valor de horas de formação que se cifram à data da entrada da acção em juízo no montante de 276,80 € (duzentos e setenta e seis euros e oitenta cêntimos) referentes a 80 horas de trabalho, decorrentes dos art.132.º e 134.º do CT.
h) No pagamento da quantia de 1000,00 (mil euros) por litigância de má fé.
A prova dos referidos factos resulta da análise dos autos que correram termos sob o n.º 2969/19.2T8BRR que correu termos no Juízo de trabalho – Juiz 3 da Comarca de Lisboa –
Barreiro e dos vários atos processuais praticados no âmbito dos presentes.
Nos termos do disposto no art. 337.º do Código do Trabalho:
 “1 - O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.”
Importa, assim, aferir, em face da factualidade provada em que momento ocorreu a cessação do contrato de trabalho.
Nos termos do disposto no art. 346.º n.º 2 do Código do Trabalho:
“A extinção de pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho.”
Daqui resulta que o contrato de trabalho entre a Autora e a 1.ª Ré cessou na data do cancelamento da matrícula, a saber, a 04.12.2019.
No entanto, como decorre das normas ínsitas nos números 1 e 2 do art. 306.º do Código Civil:
“1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição.
2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer.”
O que importa aferir é do momento em que o direito da ora Autora poderia ser exercido:
se apenas com o trânsito em julgado da sentença que reconheceu a existência de um contrato de trabalho com a Ré se em momento anterior.
A referida sentença foi proferida no âmbito de uma ação de reconhecimento de existência de contrato de trabalho, cujo processo está regulado nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Trabalho.
Nos termos do disposto no art. 186.º-Lei n.º 4 do Código de Processo do Trabalho:
“4 - Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.”
Neste momento, o trabalhador tem conhecimento da existência de uma ação com a
finalidade de lhe ser reconhecido um vínculo de natureza laboral e pode, nessa circunstância, peticionar os créditos a que se arrogue o direito (cfr. conjugação deste preceito com o disposto no art. 186.º-Q n.º 4 do Código de Processo do Trabalho).
Do exposto resulta que o direito pode ser exercido em momento anterior ao do trânsito em julgado da sentença. Efetivamente, uma coisa é a declaração do direito outra a sua procedência. Naturalmente que a definição do direito apenas se estabiliza no ordenamento jurídico com a sentença transitada em julgado, o que não significa que este direito não possa ser exercido previamente.
É, afinal, este o objetivo último do processo: o exercício de um direito, sendo que nestas ações especiais o trabalhador não está arredado da sua tramitação ou desfecho, podendo exercer o direito a peticionar os créditos de que se ache titular.
Resulta do exposto que previamente à extinção da entidade empregadora os direitos que a Autora vem peticionar por via da presente ação já poderiam ser exercidos, pelo que o prazo prescricional de um ano se iniciou a 04.12.2019.
A prescrição apenas se interrompe “pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.” – art- 323.º n.º 1 do Código Civil.
A citação dos Réus ocorreu a 02.06.2021.
No entanto, entre 04.12.2019 e 02.06.2021 os prazos processuais – e, assim, a possibilidade de a Autora expressar a sua vontade em exercer o direito a que se arroga - foram
por diversas vezes suspensos, como segue:
- Entre 20.03.2020 e 30.05.2020 (Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 e Lei n.º 16/2020, de
29.05;
-  Entre 01.02.2021 e 06.04.2021 (cfr. Lei n.º 4-B/2021, de 01.02 e Lei n.º 13-B/2021, de 05.04).
Considerando o regime da suspensão (que não inutiliza o decurso do tempo, apenas o suspende – ao contrário da interrupção dos prazos), constata-se que o termo do prazo de um ano previsto no art. 337.º do Código do Trabalho ocorreu a 14.01.2021.
Não obstante a ação ter sido proposta dentro do prazo de um ano, por vicissitudes
processuais, nomeadamente por motivos atinentes à falta de resposta da Segurança Social relativamente à decisão que recaiu sobre o requerimento de proteção jurídica formulado pela
Autora, os Réus apenas foram citados para a ação em momento muito posterior ao do referido
termo.
(…)
Decisão:
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos o tribunal julga procedente a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e decide absolver os Réus do pedido.
Custas a cargo da Autora.
Valor da ação: € 14.876,8 (art. 297.º do Código de Processo Civil)»
*
 A A. recorreu e formulou as seguintes conclusões :
I. O presente Recurso é interposto pela ora Recorrente não aceitar a decisão do tribunal a quo, em conceder provimento a execução invocada pelos Recorridos de prescrição dos créditos laborais peticionados pela ora Recorrente.
II. Acontece que, quando iniciou a sua atividade laboral para Recorridos a Recorrente, juridicamente, tinha um contrato de prestação de serviços.
III. Após uma inspeção da ACT, verificou-se que as condições em que a Recorrente laborava seria de facto um verdadeiro Contrato de trabalho e não de prestação e serviços.
IV. Tendo sido comunicado o relatório da ACT nesse sentido, ao ministério público e este ter instaurado acção para reconhecimento de contrato de trabalho, que deu origem ao processo n.º 2969/19.2T8BRR que correu termos no Juízo de trabalho – Juiz 3 da Comarca de Lisboa – Barreiro, foi reconhecida a existência de um Contrato de Trabalho entre a ora Ré Impar Prime Lda. e a Autora desde Outubro de 2017.
V. A 04.12.2019 a Recorrida BBB., é dissolvida administrativamente.
VI. A 14.12.2020 a Recorrente interpõe a presente acção para reconhecimento de créditos laborais, nomeadamente, remuneração de Outubro, Novembro e Dezembro, subsídios de natal, subsídios de férias, pagamento de férias não gozadas e a regularização da situação contributiva junto da Segurança Social.
VII. Na Contestação os Recorridos alegaram em suma a existência de uma excepção perentória : Prescrição dos créditos laborais.
VIII. O tribunal a quo dá provimento a presente excepção invocando para tal que o início da prescrição dá-se em 04.12.2019, altura do encerramento da empresa, segundo o art.346.º n.º 2 do CT” A extinção de pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho.”
IX. E que o final do prazo, após os períodos de suspensão devido a pandemia covid 19, dá-se a 14.01.2021.
X. E que apesar da ação ter sido interposta dentro do prazo, a excepção dá-se na mesma, porquanto, a mesma só se interrompe segundo o n.º 1 do art.323.º do CC com a citação dos Recorridos e estes apenas foram citados a 02.06.2021.
XI. “Não obstante a ação ter sido proposta dentro do prazo de um ano, por vicissitudes processuais, nomeadamente por motivos atinentes à falta de resposta da Segurança Social relativamente à decisão que recaiu sobre o pedido de proteção jurídica formulado pela Autora, os Réus apenas foram citados para acção em momento muito posterior ao do referido termo.”
XII. Assim, primeiramente acredita a ora Recorrente que o prazo de início da prescrição não poderia ser a 04.12.2019, pois a dissolução da Recorrida, não lhe foi comunicada, nem teria de o ser, e segundo o art. .º1 do art.306.º do CC “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição”.
XIII. Logo, não podendo exercer o direito, até porque em termos legais o que existia até a data seria um contrato de prestação de serviços, deveria considerar-se como início do prazo de prescrição a notificação do MP à ora Recorrente, no âmbito do processo supra mencionado de reconhecimento de contrato de trabalho.
XIV. Mas , mesmo que assim não se considere, e se considere o prazo dado pelo tribunal a quo, a excepção também nunca deveria ser procedente, pois como próprio tribunal refere a ação foi proposta dentro do prazo, e a citação dos Recorridos atrasou-se, por contada Segurança Social, e da secretaria judicial.
XV. Assim, caímos no âmbito do n.º 2 do art.323.º do CC “ Se a citação ou notificação se não fizer dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição interrompida logo que decorram os cinco dias.”
XVI. Devendo os Recorridos ser considerados notificados após os cinco dias, interrompendo-se a prescrição.
XVII. Estes cinco dias também eles encontram-se dentro do período em que a Recorrente poderia exercer o seu direito.
XVIII. Por esse, motivo entende a Recorrente, salvo douta e melhor opinião, que nunca o tribunal a quo poderia ter considerado procedente a excepção de prescrição.
XIX. Devendo a ação seguir os seus ulteriores termos.
Terminou, pugnando pela procedência do recurso e pela revogação da decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
O recorrido AAA respondeu ao parecer do Ministério Público, pugnando pela improcedência do recurso.
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II- Importa solucionar no âmbito do presente recurso se procede a excepção peremptória de prescrição.
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III- Apreciação
Estatui o art. 337º, nº1 do CT : « O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho.»
De acordo com o disposto no art. 186-R do CPT, o prazo previsto nº1 do art. 337º do CT conta-se a partir da decisão final transitada em julgado.
O Tribunal a quo considerou provado :
-« Por decisão transitada em julgado a 02.03.2020, proferida em 10.02.2020 no âmbito do processo n.º 2969/19.2T8BRR que correu termos no Juízo de trabalho – Juiz 3 da Comarca de Lisboa – Barreiro e notificada às partes a 08.02.2020, foi reconhecida a existência de um Contrato de Trabalho entre a ora Ré BBB. e a Autora desde outubro de 2017;
-A Autora propôs a ação a 13.12.2020.»
Do documento de fls. 13v resulta que foi encerrada a liquidação da entidade empregadora.
Conforme resulta do documento de fls. 11v e 12, a decisão final da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho foi proferida em 03.02.2020.
Assim e atento o disposto no referido art. 186-R do CPT, à data da instauração da presente acção, ainda não decorrera o prazo previsto no nº1 do art. 337º do CT.
Em todo o caso sempre se dirá que face ao disposto no art. 323º, nº2 do CC, se a citação se não fizer dentro de cinco dias depois de requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. No caso concreto, o prazo de prescrição esteve suspenso entre  09.03.2020 e 02.06.2020,  por força do disposto no art. 7º, nº 3 da Lei nº1-A/2020, de 19/03.
Em suma : Atento o disposto no art. 186ºR do CPT, ainda não decorrera o prazo de prescrição.
Procede, desta forma, o recurso de apelação.
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IV- Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência:
- Revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a excepção de prescrição;
- Determinar a continuação da tramitação da acção ( caso a tal nada obste).
Custas do presente recurso pelos recorridos.
Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Abril de 2022
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus de Nóbrega   
Paula de Jesus Jorge dos Santos