Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2274/17.9T8SXL.L1-7
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
OBJECTO DO CONTRATO
INDETERMINABILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Para que um contrato-promessa possa ser objeto de execução específica é necessário que, nele, o contrato prometido esteja descrito nos seus elementos essenciais; a declaração pela qual as partes se limitam a prometer partilhar os «restantes bens comuns», e a atribuir a sua propriedade a um dos cônjuges, sem identificação desses «bens comuns» nem do seu valor, não reúne as condições para ser executada, em ação de execução específica, por indeterminação e indeterminabilidade do seu objeto.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


I. RELATÓRIO

“FL”, autor nos autos identificados à margem, em que é ré AP”, notificado da decisão absolutória proferida no dia 13 de março de 2019 e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.

A compreensão e apreciação do litígio dependem sobremaneira do seguinte relato:

Em 26/09/2017, o autor intentou a presente ação contra a ré, alegando que:

- casou com a ré em 04/10/1975 e divorciou-se em 23/10/1990;

- na pendência da ação de divórcio, autor e ré outorgaram um contrato-promessa de partilha do qual consta que a propriedade de todos os bens comuns ali não expressamente mencionados seria transferida, após o divórcio, para o ora autor;

- entre esses bens encontrava-se um terreno sito em Verdizela, que hoje corresponde ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º xxx, e inscrito nas Finanças sob o art.º matricial yyy;

- em 27/09/2000, foi celebrada a escritura de partilha, sem que dela conste o bem correspondente “ao terreno sito em Verdizela”;

- em 2005, o autor intentou contra a ré ação inventário para partilha de bens comuns, que correu termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Seixal - Juízo de Família e Menores - Juiz 1, processo 6008/05.2TBSXL;

- no referido processo de inventário foi entendido que o imóvel já estaria registado unicamente em nome do autor e a instância foi declarada extinta por impossibilidade/ inutilidade superveniente;

- com esta decisão, o autor tentou registar o imóvel em seu nome, o que foi recusado, uma vez que o despacho no processo de inventário tinha partido do errado pressuposto de que o imóvel estaria registado apenas em nome do autor;

- o autor interpôs recurso hierárquico, sem sucesso;

- na sequência, o autor requereu nos autos de inventário a retificação do despacho, tendo em conta do desfecho do pedido de registo;

- em resposta, foi proferido despacho no sentido de que o que estaria ali em causa não era o facto de o registo não se encontrar apenas em nome do aqui autor mas antes o facto de existir um contrato-promessa e que seria por essa via que o assunto teria de ser resolvido;

- o autor tentou extrajudicialmente que a ré celebrasse o contrato definitivo relativo ao bem ora em causa.

Termina pedindo que a ação seja julgada procedente por provada, que seja reconhecido que os restantes bens referido no contrato-promessa de partilha integravam o terreno situado na Verdizela correspondente à ficha xxx/19871215, e que a ré seja condenada a celebrar a escritura a favor do autor, em que a totalidade do prédio referido passe para a titularidade deste por consequência do contrato-promessa de partilha celebrado.

Citada, a ré contestou, alegando que:

- o contrato-promessa é nulo por falta de reconhecimento das assinaturas;

- mas a ré não se opõe à divisão da coisa;

- nunca se efetivou a partilha do bem comum porque as partes não estão de acordo quanto ao seu conteúdo  (para o autor, apenas metade do terreno seria comum, para a ré o bem comum reconduz-se ao prédio urbano, com as respetivas edificações);

- a quota da autora corresponde a 25% da totalidade do bem (que tinha sido adquirido a meias pelo casal e pelos pais do autor, entretanto falecidos), que tem o valor global de € 395.000.

Termina pedindo que:

a) O tribunal se declare incompetente por se tratar de uma ação de divisão de coisa comum em processo de inventário;
b) Se indefira liminarmente a p.i. por incongruência entre pedido e causa de pedir;

Se assim não for entendido,

c)  Se altere o valor da causa;
d)  Se adjudique o imóvel ao autor, condenando-o a pagar à ré a título de tornas 25% do valor do bem.

O autor replicou, pugnando pela improcedência das exceções e da reconvenção.

O valor da causa foi fixado em € 247.080 e, em consequência, o processo transitou para o Juízo Central.

Por despacho de 06/04/2018, foi ordenada a notificação do autor para esclarecer se o contrato-promessa de partilha foi cumprido quanto a todo o acordado com exceção do prédio na Verdizela e, na afirmativa, juntar os títulos do respetivo cumprimento quanto à transmissão da propriedade da fração autónoma “T” e à transmissão da propriedade sobre o automóvel.

Na sequência, o autor juntou aos autos a escritura a fls. 151 e ss. e a certidão predial de fls. 148 e ss. que atestam a venda do apartamento de Rio de Mouro pelo autor e pela ré a um terceiro; bem como juntou as declarações de venda do veículo pelo autor à ré em 1994 e pela ré à Credifin em 1996 (fls. 157 a 159).

Em 13/03/2019, foi dispensada a audiência prévia e proferido o despacho saneador-sentença.

Neste, o pedido reconvencional não foi admitido por não ter conexão com o pedido de execução específica de contrato-promessa formulado pelo autor; a exceção de incompetência do tribunal e a arguida nulidade por ineptidão da petição inicial foram ambas julgadas improcedentes.

Em seguida, conheceu-se do mérito. Depois de considerações gerais sobre a conformidade dos contratos-promessa de partilha anteriores ao divórcio face à lei, afirmou-se a nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes, por violação da regra estabelecida pelo art. 1730, n.º 1, do Código Civil, segundo a qual os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido diverso. A fundamentação foi, no essencial, a seguinte:

«De sorte que a celebração de um tal acordo com vista à futura partilha de apenas alguns dos bens que integram o património comum do casal, do qual se mostram excluídos os demais bens, não poderá deixar de violar a regra estabelecida no n.º 1 do art.º 1730º do Código Civil. De tal forma que, a concluir-se pela mora no cumprimento do acordo em causa e a deferir a pretensão de execução específica do contrato-promessa tal conduziria a uma repartição do ativo e passivo suscetível de violar o disposto no citado art.º 1714º do Código Civil.
Em conclusão, a validade de um tal acordo teria de depender, inexoravelmente, da observância do preceituado nos comandos legais acabados de enunciar, pelo que, a não suceder assim, não resta senão declarar a nulidade do contrato-promessa de partilha por contrário à lei – art.º 280º/1 do Código Civil.».

Em consequência, decidiu-se julgar improcedente a ação, absolvendo a ré do pedido.

O autor não se conforma.

O recorrente termina as suas alegações de recurso, concluindo:

«1.ª – Os tribunais de primeira instância já foram chamados a resolver esta questão e proferido o seguinte aresto:

Conforme se verifica dos autos, em especial de fls. 184, o imóvel a partilhar não é já um terreno, mas sim um prédio urbano.

Tal terreno, ademais por acessão imobiliária, passou a constituir este último. O qual está, e bem, registado unicamente em nome do requerente/cabeça-de-casal, conforme aliás vertido em contrato-promessa de partilha.

Pelo que se mostra despicienda a inquirição das testemunhas arroladas.

Termos em que declaro extinta a instância, por impossibilidade/inutilidade superveniente, com custas  no mínimo, na proporção de metade a cargo do requerente e da requerida, sem prejuízo de eventual apoio judiciário.”

2.ª – Por outro lado, no processo 6008/05.TBSXL, Tribunal Judicial Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Lisboa, Juiz 1, a propósito de uma reclamação o M. Juiz diz: 

“…Ora a mencionada decisão, s.m.o., não padece de qualquer lapso, nomeadamente de escrita, cálculo ou manifesto. …

… Caberá, pois, s.m.o., apenas dar cumprimento ao vertido no mencionado contrato-promessa. … Termos em que, sem necessidade de mais considerandos, se indefere o requerido a fls.314.”

3.ª – Por via desta interpretação e no seguimento do despacho que declarou extinta a instância por ter havido uma acessão industrial imobiliária em que um prédio se funde no outro e este passaria todo para a esfera jurídica do aqui recorrente, mas o que é certo a conservatória não procedeu ao respetivo registo com base na sentença utilizada para o efeito.

4.ª – Na esteira da decisão do Tribunal Judicial Comarca de Lisboa, Juízo de Família e Menores de Lisboa, Juiz 1, processo 6008/05.TBSXL, o aqui recorrente apresentou a PI objeto da presente demanda, conforme referido supra.

5.ª – Nesta petição o aqui recorrente pretende fazer cumprir o contrato promessa de partilhas, uma vez que os restantes bens constantes do mesmo passaram para a esfera jurídica da recorrida ou para pessoa por esta indicada.

6.ª – Tudo isto foi cumprido tendo ficado de fora os restantes bens do casal, a que alude o artigo 14 do contrato de promessa de partilhas, que diz:

A propriedade de todos os restantes bens comuns dos primeiro e segundo outorgantes será transferida, após o divórcio, para o segundo outorgante.”

7.ª – Foi isto que o recorrente veio pedir ao douto tribunal de primeira instância que era a transferência da parte do imóvel que alegadamente pertence à recorrida, sito na Verdizela, correspondente à ficha xxx/19871215, que aludem os presentes autos.

8.ª – A recorrida contestou com várias exceções e reconvenção, não tendo havido julgamento, porque, o M. Juiz, no saneador proferiu o seguinte aresto:

Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a ação que FL instaurou contra AP, absolvendo esta do pedido.”

9.ª – O douto Tribunal “a quo” não ouviu qualquer prova, optou pela nulidade do contrato de promessa de partilhas quando diz na última folha, penúltimo parágrafo, o seguinte:

Em conclusão, a validade de um tal acordo teria de depender, inexoravelmente da observância do preceituado nos comandos legais acabados de enunciar, pelo que, a não suceder assim, não resta senão declarar a nulidade do contrato-promessa de partilha por contrário à lei – art.º 280º/1 do Código Civil.”

10.ª – Ora este aresto olvidou o facto dos restantes bens a que alude o contrato promessa de partilhas, já tinham passado para a esfera jurídica da recorrida, coisa que apenas prejudicou os direitos do aqui recorrente.

11.ª – Este facto era essencial para se determinar em sede de audiência de julgamento, ouvindo a prova e depois decidir, o que não aconteceu por decisão do M. Juiz “a quo”.

12.ª – Por outro lado, no nosso ordenamento jurídico temos a figura do contrato promessa, que se aplica também ao contrato de promessas de partilhas, nos termos dos artigos 405.º, 410.º e 830.º do CC, podendo as partes celebrar contratos nos termos e condições que entenderem, como foi o caso dos presentes autos.

13.ª – Chegados aqui,  apesar de ter havido contrato promessa de partilha, o mesmo só produziu os seus efeitos após o divórcio, altura em que os bens aí referidos foram transferidos para a esfera jurídica da requerida não tendo havido por isso violação dos artigos 1688.º, 1689.º e 1714.º do CC.

14.ª – Não tendo sido violado nenhuma convenção antenupcial e o contrato promessa reportou-se convenientemente para produzir os seus efeitos pós divórcio, coisa que não é impeditivo, nos termos referidos.

15.ª – Deve ainda se acrescentar que o M. J. “a quo” ao ter declarado a nulidade do contrato promessa, apenas afetou os direitos do recorrente em termos de igualdade, porque, os bens da recorrida passaram para a sua esfera jurídica, cometendo assim, o M. Juiz “a quo”, a nulidade a que refere o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

16.ª – No presente caso o M. J. devia ter ouvido a prova, depois concluir que o contrato promessa era válido e ter condenado a recorrida a fazer escritura da sua pequeníssima percentagem que tem no prédio de Verdizela, objeto dos presentes autos.

17.ª – Não o tendo feito violou por errada aplicação e interpretação o disposto nos artigos 405.º, 410.º, 830.º, 1688.º, 1689.º, 1714.º todos do CC e o artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

Devendo pois a presente sentença ser revogada e substituída por outra que mantenha o contrato de promessa de partilhas válido e produza os seus efeitos para com o recorrente, uma vez que já produziu para a recorrida.»

Não foram apresentadas contra-alegações, como tal não se podendo considerar o requerimento em que a ré veio «oferecer o merecimento dos autos».

Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.

OBJETO DO RECURSO

Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se a sentença é nula por ter apreciado questões de que não podia tomar conhecimento; e se estão reunidas as condições para que o tribunal profira decisão que produza os efeitos da declaração negocial da ré na transmissão para o autor da sua quota no imóvel da Verdizela.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que o recorrente não discute):

a) Em 2 de Novembro de 1989, autor e ré subscreveram o documento junto a fls. 10/13 intitulado ‘’Contrato Promessa de Partilha’’ no qual estipularam o seguinte:

«1. Primeira e segundo outorgante assinarão requerimento de divórcio por mútuo consentimento. …

5 – Os bens móveis que integram o recheio da residência dos outorgantes, sita na Verdizela, Seixal, passam a ser propriedade da primeira outorgante, com exceção de livros, quadros e estatuetas.

6 – A propriedade da fração autónoma designada pela letra T, oitavo andar do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Quinta da Serra dos Malapados, à Rinchoa, Bloco C-um, Lote C-três, freguesia de Rio de Mouro, concelho de Sintra, descrito na 2ª secção da Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n.º3525 a fls. 41-v do livro B40, será em exclusivo, da primeira outorgante, após o divórcio, comprometendo-se o segundo outorgante a amortizar ao Cofre de Previdência do Ministério das Finanças a quantia de 400.000$00 (quatrocentos mil escudos) até Abril de 1990….

10 – O veículo automóvel PH–07–27, marca Citroen, modelo AX RE,  BP ficará propriedade da primeira outorgante e os respetivos encargos serão da responsabilidade exclusiva do segundo outorgante. …

14 – A propriedade de todos os restantes bens comuns dos primeiro e segundo outorgantes será transferida, após o divórcio, para o segundo outorgante.

15 – Todas e quaisquer dívidas existentes nesta data de responsabilidade comum dos dois outorgantes e que não tenham sido expressamente referidas neste contrato consideram-se após o divórcio, da exclusiva responsabilidade do segundo outorgante

b) O direito de propriedade sobre o prédio composto por edifício de cave, rés-do-chão e 1º andar com garagem, sito no Pinhal da Verdizela, lote 104, inscrito na CRPredial de Amora, sob o n.º xxx/19871215, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º yyy, acha-se inscrito pela AP.5 de 1987/12/15, por aquisição, a favor de JL,  ML, FL e AP.

c) Pela AP. 54 de 1987/12/22, por dissolução conjugal e sucessão hereditária, acha-se inscrita a aquisição de ½ do direito de propriedade sobre o imóvel referido na antecedente alínea a favor  de JL, viúva, e de FL, por óbito de ML.

c)’ Por averb. AP. 487 de 2016/08/16, da AP. 54 de 1987/12/22, por sucessão hereditária, adquiriu FL a posição de JL, por óbito desta. [alínea que acrescentámos e que resulta do mesmo documento autêntico, certidão da CRP de Amora, freguesia de Amora, xxx/19871215]

d) Por escritura pública outorgada no 5º Cartório Notarial, no dia 27 de Setembro de 2000,  os autor e ré declararam que por sentença transitada em julgado no dia vinte e quatro de Outubro de 1990, na primeira secção do segundo Juízo do Tribunal Judicial do Seixal, foi decretado o divórcio por mútuo consentimento.

Que pela presente escritura vêm proceder à partilha dos bens que foram do dissolvido casal, com o valor que convieram e que são os seguintes: 
  
–  um meio indiviso de cada uma das seguintes frações:

Um) a fração autónoma designada pela letra A que corresponde a uma ocupação, com entrada pelos números cinquenta e três B da Rua Pereira e Sousa, com o valor patrimonial correspondente à fração de três milhões novecentos e cinquenta e nove mil cento e treze escudos e cinquenta centavos, que é o atribuído;

Dois) a fração autónoma designada pela letra B que corresponde a uma ocupação com entrada pelos números cinquenta e cinco e cinquenta e sete, da Rua Pereira e Sousa, tornejando para Rua Carlos da Maia números um, três, e três A, com valor patrimonial correspondente à fração de três milhões novecentos e cinquenta e oito mil duzentos e vinte e sete escudos, correspondendo àquele direito o valor de um milhão novecentos e setenta e nove mil cento e treze escudos e cinquenta centavos, que é o atribuído;

Três) a fração autónoma designada apela letra C que corresponde ao primeiro andar direito, com o valor patrimonial correspondente ao primeiro andar direito, com o valor patrimonial correspondente à fração de duzentos e noventa mil oitocentos e sessenta e dois escudos, correspondendo àquele direito o valor de cento e quarenta e cinco mil quatrocentos e trinta e um escudos que é o atribuído; 

Quatro) a fração autónoma designada pela letra E que corresponde ao segundo andar direito, com o valor patrimonial correspondente à fração de cento e noventa e quatro mil cento e oitenta e um escudos, correspondendo àquele direito o valor de noventa e sete mil escudos e cinquenta centavos, que é o atribuído.  

Todas pertencentes ao prédio urbano números cinquenta e três e cinquenta e três B, cinquenta e cinco e cinquenta e sete; tornejando para a Rua Carlos da Maia, números um, três e três A, em Lisboa, freguesia de Santa Isabel, descrito na sétima Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o n.º dois mil e vinte e nove, da dita freguesia, afeto ao regime de propriedade horizontal, nos termos da inscrição F-um, registado aquele direito a favor deles, FL e AP, no estado de casado um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos, pela inscrição trinta e quatro mil duzentos e quarenta e sete; inscrito na matriz da freguesia de Santo Condestável, sob o artigo mil duzentos e cinquenta e sete.

Que assim, o valor dos bens a partilhar é de quatro milhões duzentos mil setecentos e quarenta e oito escudos e cinquenta centavos, correspondendo a cada um, metade, no valor de dois milhões cem mil trezentos e setenta e quatro escudos e vinte cinco centavos.

Que à partilha procedem do seguinte modo: 

– ao representado da primeira outorgante, dito FL são adjudicados e ficam a pertencer os identificados bens, naquele valor total de quatro milhões duzentos mil setecentos e quarenta e oito escudos e cinquenta centavos, pelo que a mais leva dois milhões cem mil trezentos e setenta quatro escudos e vinte e cinco centavos, que de tornas ele já deu dinheiro à segunda outorgante AP, e que esta declara já ter recebido.

Mais declararam que assim dão a partilha por efetuada.

e) Em 2005 o autor intentou contra a ré, por apenso à ação que decretou o divórcio, inventário para partilha dos bens comuns que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Seixal, sob o n.º 6008/05.2TBSXL, no qual foi proferida a seguinte decisão:

’Conforme se verifica dos autos, em especial de fls. 184, o imóvel a partilhar não é já um terreno, mas sim um prédio urbano.

Tal terreno, ademais por acessão imobiliária, passou a constituir este último. O qual está e bem registado unicamente em nome do requerente/cabeça-de-casal, conforme, aliás, vertido em contrato-promessa de partilha.

Pelo que se mostra despicienda a inquirição das testemunhas arroladas.

Termos em que declaro extinta instância por impossibilidade/inutilidade superveniente (…).’’

III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

A sentença recorrida, na fundamentação de direito, afirmou «não resta senão declarar a nulidade do contrato-promessa de partilha por contrário à lei». Porém, na parte dispositiva, não declarou a dita nulidade, limitando-se a julgar improcedente a ação.

No recurso, o autor invocou a nulidade da sentença por causa da invocada nulidade do contrato-promessa de partilha, uma vez que o contrato-promessa está cumprido quanto aos bens nele descritos, não sendo objeto de litígio as partilhas já efetuadas, pelo que a sentença se teria pronunciado sobre questões de que não podia tomar conhecimento (art. 615, n.º 1, al. d), do CPC).

Como afirmámos, na parte decisória da sentença não foi declarada a nulidade do contrato-promessa de partilha. Se o tivesse sido, tal declaração (de nulidade do contrato-promessa) seria ineficaz em relação a todos os bens que já foram efetivamente partilhados por contratos definitivos que deram execução àquele contrato preliminar. Como acima escrevemos no relatório, há nos autos documentos, particulares e autênticos, que atestam a venda do apartamento de Rio de Mouro pelo autor e pela ré a um terceiro (escritura a fls. 151 e ss. e certidão predial de fls. 148 e ss.) e a venda do veículo pelo autor à ré em 1994 e pela ré à Credifin em 1996 (declarações de fls. 157 a 159).

Se a sentença tivesse declarado nulo o contrato-promessa de partilha (como afirmou na fundamentação jurídica que seria de declarar), e se tal declaração não fosse ineficaz (como entendemos que seria, relativamente aos bens já efetivamente partilhados por contratos definitivos ulteriores), ela conduziria à nulidade da sentença, uma vez que o tribunal se teria pronunciado sobre questões de que não podia tomar conhecimento, pois não eram objeto do litígio (o que o autor bem invocou nas suas alegações de recurso).

Porém, na parte decisória, não foi declarada a referida nulidade, pelo que não se verifica o fundamento de anulação da sentença previsto no art. 615, n.º 1, al. d), do CPC.

**

Todavia, no que respeita ao imóvel da Verdizela em discussão nestes autos, aquele contrato-promessa não é suscetível de execução específica, desde logo porque o dito imóvel não está nele descrito. Por esta razão, e não pela que consta da sentença, a ação é improcedente e, consequentemente, também o recurso.

Vejamos em pormenor.

No contrato-promessa de partilha foram identificados os seguintes bens:

- móveis que compõem o recheio da casa da Verdizela;

- veículo automóvel marca Citroen, matrícula PH-07-27;

- 8.º andar em Rio de Mouro, Sintra.

Foi acordado que esses identificados bens ficariam para a ré (com exceção de livros, quadros e estatuetas do recheio da casa da Verdizela que ficariam para o autor); e que as despesas relativas a esses bens seriam suportadas pelo autor.

Na cláusula 14 ficou a constar que «A propriedade de todos os restantes bens comuns dos primeiro e segundo outorgantes será transferida, após o divórcio, para o segundo outorgante».

O contrato-promessa de partilha foi executado no que respeita aos bens nele concretamente identificados. Pelo menos no que respeita ao carro e ao apartamento de Rio de Mouro, podemos afirmar que foram celebrados os respetivos contratos definitivos uma vez que há documentos nos autos que atestam a venda do apartamento de Rio de Mouro por autor e ré a um terceiro (registada a favor do terceiro em 13/07/2000 – certidão da CRP de Sintra a fls. 149 vs. e escritura a fls. 151 e ss. dos autos) e a venda do veículo pelo autor à ré em 1994 e a venda por esta à Credifin em 1996 (fls. 157 a 159).

No que respeita aos «restantes bens comuns» referidos na cláusula 14 do contrato-promessa, este não é exequível, uma vez que não podemos identificar os bens em causa. Uma coisa podemos afirmar com segurança: a expressão «restantes bens comuns» não se reportava apenas ao imóvel da Verdizela (ao contrário do pretendido pelo autor), uma vez que consta dos autos uma escritura de partilha, celebrada no ano 2000, de quatro outros imóveis em Lisboa, a que foi atribuído valor global de cerca de 4 milhões de escudos, que ficaram para o autor contra o pagamento das respetivas tornas à ré.

O contrato-promessa é a convenção pela qual ambas as partes, ou apenas uma delas, se obrigam, dentro de certo prazo ou verificados certos pressupostos, a celebrar determinado contrato (prometido). Cria para o promitente uma obrigação de contratar cujo objeto é uma prestação de facto (facere jurídico consistente na emissão da declaração negocial prometida), gozando, em princípio, de eficácia meramente obrigacional (arts. 412 e 413 do Código Civil).

Trata-se de um contrato preliminar ao qual se aplicam as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa (art. 410, n.º 1, do Código Civil); é a regra que positiva o chamado princípio da equiparação.

O contrato prometido tem de ser identificável no contrato-promessa, tem de ficar aí descrito nos seus elementos essenciais; nomeadamente, têm de ficar descritas as prestações de cada uma das partes no futuro contrato que se promete realizar, a sua natureza gratuita ou onerosa, o objeto mediato do contrato prometido. Tratando-se de um imóvel, tem de estar identificado, com descrição física – terreno, casa, fração, etc. –, localização, inscrição na matriz, número de registo, ou referência justificada à sua omissão, o estado em que será transacionado (eventuais encargos). Não há contrato sem conteúdo, sem objeto imediato e mediato.

Uma declaração genérica em que se promete partilhar os «restantes bens comuns», atribuindo-se a sua propriedade a um dos cônjuges, sem identificação desses «bens comuns» não reúne as condições para ser executada, em ação de execução específica, por indeterminação e indeterminabilidade do seu objeto.

O contrato prometido, «objeto mediato do contrato-promessa, deve ficar logo negociado, isto é, determinado e/ou determinável no seu conteúdo, nos seus elementos, sob pena de nulidade do pactum de contrahendo (arts. 294 e280 do Código Civil). É o que resulta do grande princípio-regra do regime do contrato-promessa, o chamado princípio da equiparação, por força do qual são aplicáveis ao contrato-promessa as disposições legais relativas ao contrato prometido – excetuadas (…) – e, portanto, também as exigências legais referentes ao objeto negocial (art. 280 e ss. do Código Civil).» - João Calvão da Silva, «Negociação e formação de contratos», in Estudos de Direito Civil e Processo Civil (Pareceres), Almedina, 1996, pp. 29-75 (p. 53).

No caso dos autos, ainda que por interpretação, com recurso a elementos externos ao contrato-promessa de partilha, pudéssemos concluir que entre os «restantes bens comuns» se encontrava o imóvel da Verdizela, não teríamos como saber que tornas o autor deveria dar à ré, o que por si só impossibilitaria a execução específica. A execução específica de um contrato-promessa consiste na obtenção de uma sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso (art. 830 do CC); para que o tribunal possa produzir essa sentença, é necessário que a declaração negocial em falta esteja suficientemente explicitada no contrato-promessa o que, como vimos, não é o caso.

Pelo exposto, a ação intentada não podia proceder e, consequentemente, a decisão da 1.ª instância que a julgou improcedente e absolveu a ré do pedido tem de ser confirmada.

Não se olvida que o autor propôs processo de inventário para partilha subsequente ao divórcio que que nele foi implicitamente recusada a partilha do bem da Verdizela com dois despachos diferentes e contraditórios (como o autor alega na petição e que se mostram juntos com a dita peça processual).

Por um lado, em 15/01/2016, foi dito naquele processo que o imóvel da Verdizela já estava «registado unicamente em nome do requerente/ cabeça-de-casal, conforme aliás vertido em contrato-promessa de partilha», sendo em consequência declarada «extinta a instância, por impossibilidade/inutilidade superveniente» (despacho proferido no proc. 6008/05.2TBSXL, com cópia junta a fls. 44 dos autos, doc. 6 com a p.i.).

Com este despacho, o autor tentou registar o bem em seu nome, o que foi recusado pela Conservatória (em decisão mantida pelo IRN) porque, como bem aí se refere, aquele despacho «não constitui título para registo de aquisição causado por partilha, é para lá disso manifesto que a decisão assentou na existência de uma situação registal diversa da que realmente existia, já que, contrariamente ao que é afirmado - «O qual está, e bem, registado unicamente em nome do requerente/ cabeça de casal, conforme aliás vertido em contrato promessa de partilha» - a metade indivisa que se pretendia ver partilhada se encontra inscrita como bem comum do casal» (v. fls. 51 e 47, doc. 8 com a p.i.).

Munido desta decisão do IRN, tentou o recorrente, no processo de inventário, a reforma daquele despacho, sem sucesso. Foi, então, em 30/06/2017, proferido no processo de inventário despacho onde se afirma que o autor teria de «dar cumprimento ao vertido no mencionado contrato-promessa» (fls. despacho proferido no proc. 6008/05.2TBSXL, com cópia junta a fls. 53-4 destes autos, doc. 9 com a p.i.).

Porquanto dissemos, o contrato-promessa não pode ser objeto da presente execução específica em relação ao imóvel da Verdizela, pois o contrato definitivo a celebrar a respeito desse imóvel não está ali descrito nos seus elementos mínimos essenciais.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão de improcedência da ação (de execução específica do contrato-promessa no que respeita ao imóvel sito em Verdizela, descrito na Conservatória do Registo Predial da Amora sob o n.º xxx, e inscrito nas Finanças sob o art.º matricial yyy).
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 10/09/2019


Higina Castelo
José Capacete
Carlos Oliveira