Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2125/11.8PLSNT.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: PROCESSO PENAL
ADMISSIBILIDADE DE RESPOSTA COMPLEMENTAR
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS NA FASE DE RECURSO
RECURSO DE REVISÃO
AGRAVAMENTO DA PENA - ILEGITIMIDADE DO ASSISTENTE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DOLO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Inexiste dispositivo processual penal prevendo a possibilidade de resposta complementar. No entanto, no âmbito  do art. 413.º do CPP, é de admitir aos autos uma resposta complementar se o respetivo requerimento surgir no seguimento da resposta (inicial), aditando-a ou alterando-a, e for apresentado antes de precludir o prazo legal de resposta.

II - Se a primeira instância, com base em certificado de registo criminal que estava desatualizado, suspendeu a execução da pena de prisão aplicada, por, dessa prova documental, resultar que os crimes anteriormente praticados pelo arguido o foram há mais de 10 anos, não cometeu erro de julgamento. Não tendo havido recurso incidindo sobre essa questão, mesmo constatando a Relação que, por lapso, recente e anterior condenação em pena efetiva de prisão não está averbada no CRC e que o seu conhecimento poderia levar a outro resultado, está o tribunal superior impedido de apreciar tal questão bem como de a reenviar à primeira instância, restando a possibilidade de ulterior recurso extraordinário de revisão (art. 449.º e segs. do CPP). Solução inversa, evitando o recurso extraordinário de revisão, seria, no entanto, de acolher se logo se retirar que a junção e apreciação de documento em fase de recurso virá manifestamente a beneficiar o arguido, levando, por exemplo, à sua imediata libertação ou absolvição, assim se impedindo que este tenha de aceitar passivamente o trânsito em julgado de uma sentença injusta. A não ser assim violar-se-iam garantias de defesa constitucionalmente relevantes, designadamente o princípio da presunção de inocência, bem como princípios de economia e celeridade processual.

III - Conforme jurisprudência obrigatória do Supremo Tribunal de Justiça, carece de legitimidade para recorrer o assistente que, por essa via e desacompanhado do Ministério Público, sem alegar um concreto e próprio interesse em agir, apenas pretende um agravamento da pena do arguido.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No âmbito do NUIPC 2125/11.8PLSNT, o arguido AA (…), atualmente preso em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Caxias, foi submetido a julgamento, na então Comarca da Grande Lisboa Noroeste – Juízo de Média Instância Criminal – 1.ª Secção – Juiz 2 (atualmente Comarca de Lisboa Oeste - Sintra – Instância Local - Secção Criminal – J2), em processo comum, com intervenção de Tribunal Singular, vindo a ser condenado, por sentença proferida e depositada em 15 de julho de 2014, pela prática, como autor material e na forma continuada, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelos artºs 30.° e 152.°, n.ºs 1, al. b), 2, 4, 5 e 6, ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo, com a condição de entregar, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da sentença, a quantia de € 200 (duzentos euros) à APAV, comprovando-o em tal prazo nos autos, e a frequentar um curso de prevenção do crime de violência doméstica no local e horário a indicar pela DGRSSP, demonstrando-o nos autos no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença.

Mais foi o arguido, enquanto demandado em sede do pedido de indemnização civil,  condenado a pagar ao assistente/demandante BB, a título de danos patrimoniais a quantia global de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) e a título de danos não patrimoniais a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), a pagar 1/4 em cada um dos anos da suspensão da execução da pena supra aplicada (demonstrando-o anualmente nos autos), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde a notificação e até efetivo e integral pagamento.

2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso, em 11 de agosto de 2014 (cfr. fls. 1357 e segs.), extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

"1 – O arguido discorda da condenação que sobre ele recaíu e consequentemente da pena que lhe foi aplicada.

2 – A prova careada para a audiência de discussão e julgamento não foi suficiente, ou foi mesmo inexistente, para considerar provada a matéria de facto dos pontos 3, 4, 7, 10, 11, 12, 31, 32, 33, 36, 50 e 51 da douta sentença recorrida.

3 – Muitos dos factos dados como provados resultaram, para além das declarações do assistente (ficheiros áudio  20140410102202_744690_1495773, 20140410113514_744690_1495773 e  21040410143232_744690_1495773, todos de 10.04.2014 e por remissão a todos os minutos do seu depoimento) e  dos depoimentos das testemunhas ZG (ficheiro audio  20140430151305_744690_1495773 – minutos 2.58 e seguintes do seu depoimento de 30.04.2014);

CL (depoimento de 30.04.2014 – ficheiro áudio 20140430152934_744690_ 1495773 – minutos 2.00 e seguintes); RS (depoimento de 10.04.2014 – ficheiro áudio 20140410113514_744690_1495773 – minutos 12.00 e seguintes); e SL (depoimento de 10.04.2014 – ficheiro áudio 20140410113514_744690_1495773 – minutos 12.00 e seguintes) que não presenciaram os mesmos, referindo o que lhe foi contado pelo assistente.

4 - Nomeadamente os factos descritos nos pontos 11 e 12 – único alegadamente de violência física -, as testemunhas supra que  aos mesmos se referiram, contaram o que lhes foi dito pelo assistente.

5 - Resulta do depoimento das testemunhas LF (depoimento de 30.04.2014 – ficheiro áudio 20140430154125_744690_1495773, aos minutos 2.00 e seguintes e JA (depoimento de 30.04.2014 – ficheiro audio 20140430155201_744690_ 1495773, aos minutos 3.00 e seguintes) que o teor dos factos constantes dos pontos 31, 32, 33 e 36 da douta sentença, não correspondem à realidade do que se passou na Universidade VV, naquele dia 12.12.2011.

6 - Os pontos 50 e 51 dos factos resultaram provados só porque as testemunhas RS e SL referiram que o assistente lhes terá dito que deixou os seus pertences na residência comum do ex-casal, não tendo sequer este referido tal facto no seu depoimento.

7 - Tais factos não deveriam, por isso, ter sido dados como provados.

8 - O ponto 34 do factos provados, atenta o depoimento da testemunha AS (ficheiro áudio 20140430144647_744690_1495773, aos minutos 9.00 e seguintes do seu depoimento), não deveria igualmente ter sido dado como provado

9 - Muitos dos factos não foram sequer corroborados por qualquer das testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento.

10 - As declarações do arguido em toda a sua extensão, não mereceram qualquer credibilidade para o tribunal a quo, o qual, contrariamente ao que refere a douta sentença “… negando a prática de todos os factos que nestes autos lhe são imputados”, negou a prática de alguns factos.

11 - Os depoimentos das testemunhas de defesa do arguido, MF (ficheiros audio 20140520105251_744690_1495773 e 20140520110019_744690_1495773, ambos de 20.05.2014); DC (ficheiro audio 20140520110931_744690_1495773 e 20140520111315_744690 _1495773, ambos de 20.05.2104); VV (ficheiro áudio 20140620100331 _744690_1495773, de 20.06.2014); PB (depoimento de 20.06.2014 – ficheiro áudio 20140620101224_744690_1495773)  e MG (ficheiro audio 20140620102113_744690_1495773, de 20.06.2014) não foi de todo valorado pelo tribunal a quo.

12 - O tribunal a quo entendeu formar a sua convicção, no essencial, na versão apresentada pelo assistente, que lhe mereceu toda a credibilidade.

13 - Não foram tidas em conta pelo tribunal a quo as circunstâncias que levaram o arguido a praticar tais factos.

14 - Factos que relevantes para a decisão do tribunal a quo, ocorreram num período entre 17 de Agosto o único alegadamente dentro do “lar conjugal) e 12.12.2011, não tendo os últimos passado de meras tentativas de abordagem do arguido para chegar à fala com o assistente por forma a resolver o “problema dos bens” que, oportunamente tinha transferido para a propriedade deste.

15 - Foi manifestamente valorada a versão do assistente que em resumo fez crer ao tribunal que nunca terminou a relação (que durou 10 anos) por receio/medo de que o arguido fosse contar aos seus pais as suas tendências homossexuais.

16 - A matéria de facto dada como provada excedeu manifestamente aquilo que os depoimentos e a prova documental autorizavam que se permitisse concluir.

17 - Ocorrendo vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 410, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal.

18 - A insuficiência a que alude a al. a) do nº 2 do artº 410º do CPP decorre da circunstância de o tribunal não ter julgado provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da prova produzida em audiência

19 - Inexiste matéria suficiente para fundamentar, com observância dos normativos legais, a condenação do recorrente nos moldes vertidos.

20 - Violando o tribunal a quo, o principio in dúbio pro reo previsto no artº 32º da C.R.P., tendo a sua decisão ao abrigo da livre apreciação da prova, prevista no artº 127º do C.P.P., ultrapassado os limites que constitucionalmente lhe são impostos pelo principio supra enunciado.

21 - Violação da norma do artº 127º do C.P.P., no entender do recorrente, na medida em que a livre apreciação da prova pelo julgador não se pode confundir com a mera impressão gerada no espírito do mesmo, ao arrepio da restante prova, verificando-se uma valoração puramente subjectiva desta.

22 - O princípio da livre apreciação da prova não pode sobrepor-se ao princípio da legalidade, e na graduação da medida da pena o tribunal tem de considerar também as circunstâncias gerais e específicas do pedaço de vida do arguido que é colocado na esfera da sua análise.

23 - O que o tribunal a quo não fez  permitindo-lhe  concluir que estavam preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica p.e p. pelo artº 152º do C.P., pelo qual o ora recorrente foi condenado.

24 - No caso em apreço, fazendo apelo à factualidade apurada nos autos, bem como a todos aqueles factos supra referidos e que seriam relevantes para uma decisão da causa diferente daquela que se ora se recorre, resulta mais que inequívoco que a conduta do arguido não integra a prática de tal crime.

25 – Em termos subjectivos, a incriminação pressupõe a existência de uma actuação dolosa do agente, o que nos caso subjudice, não aconteceu.

26 - A não se entender que o arguido deva ser absolvido, o que apenas de admite por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a pena aplicada é por demais exagerada face a todo o circunstancionalismo que rodeou a prática dos factos.

27 - A pena de prisão de 4 anos, ainda que suspensa na sua execução, ultrapassa em larga medida a sua culpa, fundamento e limite da pena, violando, assim o tribunal a quo o disposto no artº 71º do Código Penal.

28 - As exigências de prevenção é outro elemento a ter em conta.

29 - A alínea c) do nº 2 do artº 71º do C.P. refere que devem depor a favor ou contra o agente “os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins que o determinaram”, sendo nosso entendimento que o tribunal tem de possuir sensibilidade para perceber que, no caso dos autos, esses sentimentos manifestados pelo arguido só podiam depor a seu favor aquando da determinação da medida concreta da pena.

30 - E ainda a alínea d) do nº 2 do artº 71º do C.P. (mais um elemento que a lei manda considerar na determinação da medida da pena), a saber, as condições pessoais do agente e a sua situação económica,  deveria ter sido levado em conta pelo tribunal a quo.

31 - Condições essas declaradas pelo arguido e que se traduziram em factos dados como provados, conforme resulta dos pontos 96 a 99 da douta sentença recorrida.

32 - O que deveria ter sido levado em conta pelo tribunal a quo na decisão de condenar o arguido a pagar ao assistente o valor de 25.500,00 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

33 - Ora, para além de ter entretanto passado por um período de incapacidade temporária, o arguido viu o seu contrato de trabalho caducado no passado dia 30.07.2014 e o mesmo não lhe vai ser renovado nem prorrogado (docs. 1 e 2).

34 - Tal facto a acrescer às condições económicas actuais do arguido e o facto de, como já supra referido, ter ficado sem nada, estando o assistente com a propriedade de todos os seus bens, a imposição ao arguido do pagamento de tal valor manifestamente exagerado e a forma como tem de o pagar é manifestamente exagerado.

Assim e nos demais termos de direito que V.Exas por certo suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, modificando-se a decisão proferida pela 1ª Instância e, em consequência:

a) Absolver o arguido, pelo menos, por aplicação do princípio “in dúbio pro reo”;

b) Se assim não se entender, ser reduzida a pena aplicada ao arguido ao mínimo legal;

c) Não ser o arguido e no que concerne ao pedido cível, condenado no pagamento do valor de  20.000,00 € a título de danos não patrimoniais, condição que nunca conseguirá cumprir atentas as suas condições económicas e a sua actual situação de desemprego;

d) Bem como “impor-se” ao arguido que entregue ao assistente todos os seus pertences pessoais, bem como livros e material escolar, caso este não pretenda, por sua livre iniciativa recolher os mesmos, por forma a evitar que o arguido ainda tenha que pagar àquele o valor de 5.500,00 € a título de danos não patrimoniais.

E SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA" (fim de transcrição).

3. Em 12 de agosto de 2014 foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 1380.

4. Respondeu o Ministério Público, em 14 de agosto de 2014 (cfr. fls. 1384 e segs.), extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

1.º  O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva motivação.

Assim, o objecto do presente recurso conforme configurado pelo arguido/recorrente cinge-se à análise das seguintes questões:

I – Pretensa impugnação da matéria de facto dada como provada – reconduzida, no essencial, ao facto de o tribunal formar a sua convicção, com base na versão apresentada pelo assistente; II – Insuficiência da decisão para a matéria de facto provada – por a prova se ter baseado nesse mesmo depoimento do assistente; III - Violação do princípio in dúbio pro reo – porquanto, foram tidas em conta as declarações do assistente em detrimento das prestadas pelo arguido; IV - Medida da pena: a qual deverá ser reduzida; IV – Pedido cível

3º  - Quanto à impugnação da matéria de facto,  sempre se dirá que, no essencial, o arguido/recorrente considera os factos incorrectamente julgados porquanto têm como base o depoimento do assistente descurando o do arguido.

5º - Ora, considerar um depoimento credível ou não credível, é uma questão de convicção. Fundamental é que a explicação do tribunal aventada quanto à credibilidade ou não de uma testemunha seja racional e tenha lógica.

6º - No caso dos autos o Tribunal justifica exaustivamente o porquê da credibilidade dado ao depoimento do assistente

7º - Perante os factos dados como provados e a clareza da fundamentação da douta sentença – e não olvidando a imediação e a livre convicção – não logramos verificar nenhum facto como incorrectamente julgado nem nenhuma prova que deva ser renovada.

8º - Efectivamente, o que o recorrente pretende atacar não é uma eventual divergência ou contradição existente entre a prova produzida e a factualidade dada como provada, mas sim a valoração que o juiz a quo fez relativamente aos diversos depoimentos diante si prestados.

9º - Porém,  uma vez que o tribunal a quo não usou de meios de prova proibidos a sua decisão quanto à matéria de facto não enferma de nenhum vício notório ou contradição, conforma-se com as regras da experiência comum e é suportada pelas provas invocadas na fundamentação do acórdão recorrido, forçoso é que se conclua que não merece, pois, qualquer juízo de censura a decisão recorrida no que à matéria de facto diz respeito.

10º - A insuficiência dos factos provados para corporizar a decisão não é sinónimo de insuficiência de prova – o que terá a ver com a bondade da própria decisão, assim não procede a alegação de existir insuficiência

12º- Não é manifestamente o caso, em que a matéria de facto provada se apresenta suficiente à decisão de direito proferida, como ocorre nos autos.

13º -  No que à medida da pena concretamente aplicada a mesma mostra-se justa e adequada.

15º O mesmo se diga quanto aá justeza da decisão no que ao pedido c´´ivel concerne.

Termos em que deverá ser negado provimento ao presente recurso, não merecendo a decisão ora recorrida qualquer censura.

Vossas Excelências não deixarão, porém, de fazer a habitual JUSTIÇA!" (fim de transcrição, sendo que nas conclusões ora transcritas inexistem as números 2º, 4º, 11º e 14º).

Respondeu também o assistente BB, em 18 de setembro de 2014 (cfr. fls. 1410 e segs.),  extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:

"1ª-O arguido negou todos os factos que lhe foram imputados, não sendo o seu depoimento credível.

-Os factos julgados provados nos n.°s 3,4,7,10,11 e 12 da douta sentença resultaram do conjunto das diligências probatórias realizadas em audiência de julgamento, analisadas conjunta e criticamente, nomeadamente dos depoimentos das Testemunhas RS (depoimento de 10.04-2014 ficheiro áudio, 20140410113514_744690_1495773), SL (depoimento de 10.04.2014 ficheiro áudio, 20140509103710_744690_1495773) e JR (gravado ficheiro áudio do Tribunal).

3ª-Quanto aos factos dados como provados nos pontos nºs 31, 32, 33 e 36 estes resultaram, nomeadamente dos testemunhos de RS (depoimento de 10.04-2014 ficheiro áudio 20140410113514_744690_1495773), AC e Agente FS este ultimo relativamente as factos 35 e 36.

4ª-Relativamente aos factos dados como provados nos pontos 31 e 36, ao contrário do que o recorrente refere, nada foi dito pelas testemunhas LV e JA tendo estes confirmado que entraram a mando do Arguido dentro das instalações da universidade conforme o facto dado como provado no ponto 33 da douta sentença.

-É falso que o assistente nunca tenha pretendido ir buscar os seus pertences, tendo sido o recorrente quem o impediu, trocando as fechaduras da residência e actuando como actuou após o assistente ter saído de casa, o que levou a que o assistente tivesse de comprar tudo o que deixou lá.

6ª-Ficou demonstrado que o Arguido mesmo quando esteve em cumprimento de pena mudou o seu registo/atitude para com o assistente a quem terá dito que estava a ser vitima de uma perseguição que era inocente e que o asistente não o podia abanadonar naquele momento. A Psicóloga do Centro de Saúde de YY acompanhou o Assistente e emitiu - a fls 262 a 264 - Relatório de Acompanhamento Psicológico para os Autos descrevendo « …sendo que, desde sempre, este (o Arguido) manifestou uma atitude agressiva e altamente manipuladora, alternando os maus tratos com a proteção de modo a fragilizar emocionalmente o jovem BB. » Aquando da prisão do Arguido é relatado  « … o agressor vitimizava-se dando a entender que seria vítima de uma perseguição policial,confundindo e distorcendo os factos na mente do jovem que na altura estava a entrar na fase adulta e de consolidação da sua personalidade. ».

7ª-É falsa a interpretação que o recorrente dá aos factos provados nos pontos 82,83,84 e 85 da douta sentença, porquanto, não é verdade que o Arguido tenha abordado o assistente no período compreendido entre Setembro de 2011 e 12 de Dezembro de 2011 com o objectivo de alterar ”situação dos bens”. A sua preocupação não foram os bens, foi perceber se era “uma birra bipolar ou se era uma coisa genuína, um fim de relação”, como resulta das suas declarações. O que confirma quando feita a sua perícia a fls 22 do relatório pericial do INML, o recorrente refereeu entendi que isto era uma birra uma ciumeira doida por causa do David…” “...abordei o Luís por telemóvel cheguei a ligar-lhe algumas vezes às 4h da manha...”.

8ª- Estranhamente o recorrente omite qualquer referencia à Prova documental e pericial,  a saber: -  Documentalmente  o  Tribunal  louvou-se  no  teor  dos  documentos juntos aos autos a fls. 38 a 43 – Auto de denúncia; 82 – Aditamento; 153 a 158 – Certificados de incapacidade temporária para o trabalho; 160 – Comunicação do ISS, IP; 161 – Atestado de  doença;  162  –  Informação  clínica;  165  –  Missiva;  186  e  seguinte  –  Ficha  biográfica  do arguido;  260  –  Relatório  médico;  61  –  Ficha  de  atendimento;  262  a  264  –  relatório  de acompanhamento psicológico; 378 e 379 – Cópia de certidões da CRAutomóvel; 382 a 401 – Cópia  de  escrituras  públicas  de  compra  e  venda  de  imóveis;  415  –  Relatório  psiquiátrico; 1258 – Certidão escolar; 1272 a 1280 – Documentos emitidos pelo ISS, IP e 1095 e seguintes – CRC, todos analisados  em sede de audiência  de  julgamento;  Pericialmente o Tribunal louvou-se no teor dos relatórios  periciais  juntos  aos  autos  a  fls.  1103 a 1161 e 1164 a 1208, ambos  examinados  em  sede de audiência de julgamento.

-Da Perícia realizada ao recorrente pelo INML ficou bem patente a sua personalidade e a forma como este considerava e tratava o assistente, nomeadamente vide  fls 7, 10, 22, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 44, 46, 48, 49, 50, 54, 55, 57.

10ª-Na perícia realizada ao Assistente não se encontra qualquer indicação ou característica de personalidade que possa ser compatível ou de algum modo corroborar a tese do Arguido. Muito pelo contrário, o que os relatórios revelam é a confirmação da sentença ao descrever o Arguido como intolerante e manipulador, mantendo relações interpessoais, que acabam por ser manipulativas para satisfação das suas necessidades pessoais. Apresenta um risco de violência associado à agressividade moderado a  alto e  um  risco de  violência sexual elevado.

11ª-E o Assistente é completamente o oposto, pois, como foi descrito deixa-se conduzir pelos sentimentos e emoções, ausência  de  psicopatia  (fls 40) - Risco  de  Violência considerado baixo. -Risco de Violência sexual  baixo  tendo  uma  personalidade frágil  e  vulnerável  referindo ainda que personalidade acima descrita revela um autoconceito frágil, sugestionável. Estas vulnerabilidades e  características  de personalidade são em grande parte  consequência da convivência em adolescência do assistente com o Arguido que tentou moldar a personalidade daquele, o que só começou a deixar de suceder quando o assistente entrou para a Faculdade e começou a trabalhar na sequência da prisão do arguido. E tal pode ser alcançado pelo confronto das características da personalidade do Arguido com as do Assistente. (Cfr. fls 262 a 264 - Relatório de Acompanhamento Psicológico- Nas conclusões deste relatório refere-se que « o acompanhamento desta situação clínica permite afirmar que manifestamente se trata de uma situação de violência doméstica, tendo em conta os sentimentos associados aos factos, nomeadamente  a  constatação   de   estarmos   perante   uma relação afectiva pautada pelo medo»).

12ª- Conjugando o art. 340º, nº 1 do C. Processo Penal -princípio da investigação, também designado por princípio da verdade material- com o principio regra do Art. 128º, nº 1, do C. Processo Penal e por sua vez com o que dispõe o art. 129º, nº 1, do C. Processo Penal, resulta que a regra é a do testemunho directo. Todavia, a lei não proíbe de forma absoluta a produção de depoimentos indirectos. O que o código proíbe é a valoração de tais depoimentos, se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha (no caso o assistente) como fonte do conhecimento que transmitiu ao tribunal. Assim, chamando o juiz a fonte a depor (como se fez no caso), o depoimento indirecto pode ser valorado, mesmo nos casos em que aquela se   recusa, lícita ou ilicitamente, a prestar depoimento ou, por exemplo, diz  de   nada   se recordar   já  (cfr. Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, proc. nº 0714613, in http://www.dgsi.pt).

13ª-A lei não fixa as regras de valoração do depoimento indirecto, quando tal valoração é admissível, devendo entender-se, face ao princípio geral da livre apreciação da prova estabelecido no art. 127º, do C. Processo Penal, que o depoimento deve ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida, o que se verificou neste caso (cfr. neste sentido, Ac. do STJ de 20/11/2002, CJ, X, III, 232, Ac. da R. do Porto de 07/11/2007, já citado e Ac. da R. de Évora de 30/01/2007, proc. nº 2457/06-1 in http://www.dgsi.pt.

14ª-O Arguido invoca os vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, que não se confundem com a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, efectuada no âmbito do art. 412º, nº 3 e  nº 4 do CPP. Neste caso concreto, o recorrente não impugnou amplamente a decisão proferida sobre a matéria de facto (nos termos do art. 412º, nº 3 e nº 4 do CPP),  pelo que,  como bem sabe, não pode socorrer-se de elementos estranhos ao texto da decisão sob recurso.

15ª-Ao contrário do que invoca o recorrente, foram produzidas provas bastantes, suficientes e relevantes que convenceram o Tribunal “a quo”,  pelos motivos indicados na fundamentação de facto, permitindo-lhe formar a sua convicção segura no sentido dos factos que deu como provados. A avaliação foi isenta e imparcial.

16ª-Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados,  como igualmente  se  verifica do texto da  respectiva fundamentação da decisão recorrida (não havendo sequer motivo para recorrer a esse princípio). Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal.

17ª- Considerando o modo de actuação do arguido revelador de elevado grau de ilicitude, perdurando os  maus  tratos infligidos ao assistente ao longo de cerca de dez anos, evidenciando o arguido indiferença face às consequências nefastas do crime para a saúde do jovem ofendido, bem como o dolo directo, tendo em conta as prementes exigências de prevenção geral que se fazem sentir neste tipo de crime, dada a frequência com que ocorre e as consequências tão negativas no seio familiar para a saúde física e psíquica do lesado, atingindo, por vezes, a própria vida, assim como as exigências de prevenção especial, evidenciadas na personalidade revelada pelo arguido, marcada pela ausência de autocrítica,  de  arrependimento  ou interiorização do mal do crime, assim como os seus relevantes antecedentes criminais, face à personalidade revelada pelo arguido expressa nos factos, o  elevado grau de ilicitude dos mesmos, não tendo o arguido admitido a prática dos factos nem revelado qualquer arrependimento, revelando por isso não ter interiorizado o mal do crime, foram considerados, ainda, os seus antecedentes criminais, apesar de tudo, o Arguido ainda mereceu do Tribunal um juízo de prognose social favorável ao suspender-lhe a execução da pena de prisão aplicada.

18ª-Verificam-se todos os pressupostos objectivos e  subjectivos  do tipo de crime pelo qual foi o arguido condenado. Tudo ponderado, considerando a gravidade dos factos  apurados e tendo em atenção o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, atentos os princípios político-criminais da necessidade e da  proporcionalidade,  consideram-se  adequadas  e ajustadas as penas aplicadas pela 1ª  instância,  não   se tendo ultrapassado o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido. Assim,  atendendo   aos  respectivos factos e à sua personalidade, bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, quer as exigências de prevenção geral e especial, quer as condições de vida do arguido (à data dos factos aqui em apreço, e mesmo antes e depois), a sua idade e efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, considera-se ajustada e adequada a pena em que foi condenado o arguido.

19ª-Mostram-se preenchidos todos os pressupostos   de  responsabilidade civil por facto ilícito, que sustentam a condenação relativamente à parte do   pedido cível, não merecendo censura as considerações feitas pelo Tribunal a quo quando arbitrou as quantias a indemnizar e compensar pelos danos sofridos pelo demandante civil, uma vez que  se mostram de acordo com os critérios da jurisprudência em casos semelhantes, tendo sido determinada em conformidade com o disposto no art. 496º, nº 3, do CC, por recurso a critérios de equidade, considerando igualmente a remissão feita para o artigo 494º do mesmo código, mostrando-se adequada à gravidade do dano, grau de culpa do agente e à situação económica do lesante e do lesado,   tudo conforme a matéria de facto dada como provada. Deve, por isso, improceder, pois, a argumentação conclusiva do recorrente quanto a esta questão, até porque o mesmo   referiu durante a audiência de julgamento ser proprietário de bens imóveis e móveis (veículos automóveis), não sendo o “coitadinho” que agora pretende fazer crer.

20ª-Improcede na sua totalidade o recurso interposto pelo arguido,  tendo a douta decisão recorrida feito a melhor interpretação e aplicação do Direito aos factos, considerando todos os meios de prova produzidos em  sede de audiência de julgamento, não merecendo qualquer reparo, ao contrário do que o recorrente pretende fazer crer.

Nestes termos e nos mais que mui doutamente Vossas Excelências suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Arguido, mantendo-se a douta decisão recorrida nos seus precisos termos, com o que se fará a costumada Justiça!" (fim de transcrição).

5. Embora os autos tenham natureza urgente, seguidamente, o processo não é movimentado durante três meses, até que, em 16 de dezembro de 2014, o assistente BB vem apresentar "Resposta complementar nos termos do Art. 413º nº 1 CPP" e pedir a "correcção da sentença" "nos termos do Art. 380º n. 1 al. a) e b) do CPP " (cfr. fls. 1441 e segs.), o que faz nos seguintes termos:

"BB, assistente nos autos supra referenciados, tendo tido na presente data conhecimento de factos (novos) supervenientes do qual desconhecia no momento em que podia lançar mão de recurso e resposta da Sentença proferida nos autos do qual só o Arguido veio interpor recurso por não se conformar com a condenação pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelos art°s 30° e 152°, nº 1, alínea b); 2: 4; 5 e 6, ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sujeita à condição de o arguido entregar, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da presente sentença, a quantia de 200€ (duzentos euros) à APAV comprovando-o, em tal prazo, nos autos e frequentar um curso de prevenção do crime de violência doméstica no local e horário a indicar pela DGRSSP, demonstrando-o nos autos no prazo de três meses após o trânsito em julgado da sentença, vem apresentar resposta complementar nos termos do Art. 413.° CPP e pedir correcção da sentença nos termos do Art. 380.° n° 1 e 2 CPP, o que faz com os seguintes fundamento:

1. O Assistente teve nesta data conhecimento que o Arguido foi condenado por Sentença proferida em 6 de Maio de 2013, transitada em julgado em 9 de Junho de 2014, a uma pena de 3 Anos de prisão efectiva por conta do processo n.º
1419/09.7.TACBR da ora Secção Criminal da Instância Central de Coimbra.

2. Com o trânsito em julgado ocorrido em 9 de Junho de 2014, o condenado cumpre já, em Estabelecimento Prisional, a pena de prisão efectiva de 3 anos," estando a execução da pena a correr no Juiz 2 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa com o nº de Processo único de recluso 1683/14.0TXLSB.  

3. Em 15 de Julho de 2014 foi proferida a douta Sentença de condenação, nos termos que supra se transcreveram.

4.Certamente por mero lapso, o Tribunal a quo ignorou o facto de o Arguido ter sido condenado, em momento anterior, em pena de prisão efectiva com sentença transitada em julgado em momento, também ele, anterior à condenação de 15 de Julho de 2014.

5.O Tribunal a quo refere na sua decisão a quando da ponderação da aplicação de prisão efectiva ou por uma pena não detentiva que opta por suspender a execução da pena de prisão por igual período de tempo, nomeadamente, " ... por força do lapso temporal decorrido desde a data da prática dos crimes pelos quais foi já condenado ... " inferindo que os crimes foram " ... praticados
há mais de 10 anos ... ". Na escolha pela suspensão da execução da pena este lapso temporal é em grande medida utilizado para fundar os alicerces de um juízo de prognose positivo de
limiar mínimo, " ... realiza o limiar mínimo de defesa da ordem jurídica ... ".

6.O comportamento criminal do arguido, anterior e posterior à factualidade imputada, circunscreve-se no objecto do processo, por ser um elemento relevante na determinação da medida concreta da pena, face a eventual condenação. -v. art° 71° nº 1 e 2 al.s e) e f) do Código Penal.

7.Verificam-se vícios relacionados com matéria relevante para a escolha da espécie da pena e isso decorre do texto da sentença, pontos 5.2 e 5.3 e dos factos dados como provados, onde ficou a constar o seguinte:

-(A fls 45) "No caso objecto dos presentes, sem prejuízo de o arguido possuir já antecedentes criminais registados, por força do lapso temporal decorrido desde a data da prática dos crimes pelos quais foi já condenado, acredita o Tribunal que a aplicação desta pena de substituição mais grave realiza o limiar mínimo de defesa da ordem jurídica a que supra se fez referência, ou sej a, não posterga as exigências de prevenção geral."

-(A fls 46) "Também do ponto de vista da prevenção especial inexiste óbice à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido sem prejuízo dos antecedentes criminais registados que o mesmo já possui sopesado, sobretudo, o facto de os mesmos dizerem respeito a crimes praticados há mais de 10 anos (sem prejuízo da gravidade dos mesmos e de, quanto a um deles, ter até cumprido pena de prisão efectiva)."

-Nada consta nos factos dados como provados relativamente à condenação trânsitada em julgado em 9 de Junho de 2014.

8.Este facto causa uma injustiça superveniente subjectiva da condenação ou vício na formação da decisão judicial, que são de conhecimento oficioso.

9.Com efeito, em primeiro lugar, a sentença, pela própria natureza de acto processual de particular importância, deve constituir uma peça ou acto processual "auto-suficiente" e compreensível por si mesmo. De outro modo, sempre faltariam elementos necessários para a perfeita compreensão da decisão a quem a consultasse fora do processo, designadamente em qualquer notificação,
comunicação a entidades oficiais ou pelo livro de registos da secretaria judicial. Mas bem mais importante consiste aqui em realçar que, pela via da remissão para um elemento externo como o teor do certificado do registo criminal, o tribunal não cumpre o dever de fundamentação próprio da sentença em procedimento criminal, o que verificamos parcialmente no presente Acórdão ao
se ter ignorado facto de conhecimento oficioso (condenação com transitada em julgado).

10.A junção do certificado de registo criminal do arguido, pode ser efectuada posteriormente ao encerramento da discussão da causa, como se depreende do disposto no artigo 369° n° 1 do CPP. O que se compreende pelo facto de o Tribunal dever oficiosamente diligenciar pela actualidade das informações que
tem relativamente aos antecedentes criminais do Arguido no momento em que produz, os juízos e prognoses, - a Sentença - . Não podendo o Tribunal bastar-se com a junção inicial do certificado de registo criminal porque em não poucos casos, muitos meses distam entre a data da emissão deste certificado e a data da
prolação da Sentença. É neste "momento final" que se requer a atualidade dos juízos e prognoses. Redobrado ficou este dever/cuidado quando o Arguido deixou de ser obrigado a responder sobre os seus antecedentes criminais.

11.O certificado de registo criminal não se encontra submetido ao princípio do contraditório, porque documenta decisões já proferidas, assentes em factos resultantes de provas produzidas e examinadas em audiência de julgamento, de harmonia com o exercício do contraditório pelo que já não podem ser objecto de prova. Tendo ocorrido a junção do certificado de registo criminal do arguido, posteriormente ao encerramento da decisão da causa, não se justificavam alegações finais sobre toda a prova, por tal não se revelar indispensável, não sendo assim caso de aplicação do disposto no art° 360° n° 4 do C.P.P conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo 07P4374
datado de 06-02-2008
.

12.Com efeito, como é sabido, impõe o artigo 374° n° 2 do Código de Processo Penal que na sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados. Ora, "enumerar" ou "especificar" significa "indicar unitariamente", ou seja, distinguir os factos uns dos outros. Por isso se torna indispensável uma descrição individualizada dos eventos ou factos materiais. Assim, quanto aos chamados antecedentes criminais, torna-se necessário indicar em relação a cada processo ou condenação, os elementos distintivos do crime, data de cometimento, pena aplicada, data da respectiva condenação e a data do trânsito em julgado da sentença, o que o Tribunal a quo fez em relação aos demais crimes exceptuando o que pelo lapso temporal poria, estamos convictos, em causa os alicerces do juízo de prognose positivo de limiar mínimo utilizado para a ponderação da aplicação de pena não detentiva.

13.Numa situação em que o tribunal tem de optar por uma pena de prisão efectiva ou por uma pena não detentiva, todos estes elementos são muitos importantes para saber, designadamente, da gravidade dos crimes cometidos, qual o espaço temporal em que ocorrem, se existe eventual concurso de infracções ou mera sucessão de crimes, se as penas se encontram extintas pelo cumprimento. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Abril de 2008, Relator Des. Telo Lucas, in http://www.pgdlisboa.pt/pgdl (...) Entre os requisitos a que deve obedecer a sentença penal assume especial relevância o que diz respeito à fundamentação, no âmbito do qual se inclui, para além do mais, a enumeração dos factos provados (art. 374.°, n.º 2 do CPP). Pelo menos nos casos em que as anteriores condenações sofridas pelo arguido constituem um factor deterrninante na aplicação de uma pena de prisão efectiva, exige-se que na enumeração dos factos provados se faça uma referência expressa a essas condenações, com inclusão, nomeadamente, das respectivas datas, espécie, "quantum" e eventual cumprimento da pena (ou penas), bem como do crime que esteve na origem de cada uma delas.

14. Ao ignorar a condenação trânsitada em julgado em 9 de Junho de 2014 e dela não fazer a devida ponderação a prolação da sentença ao suspender a execução da pena, salvo melhor entendimento, estará a postergar as exigências de prevenção geral bem como as exigências de prevenção especial que se refira já estavam alicerçadas em juízos de prognose positivos de limiar mínimo.

15. O Assistente não apresentou recurso da decisão porque estava convicto de que os juízos e prognoses estavam alicerçados em pressupostos e informações actuais, refira-se que o Assistente não pode obter e fazer juntar o Registo Criminal do Arguido e nem tem como confirmar a sua actualidade se não for o Tribunal a quo a oficiosamente ordenar e confirmar, nomeadamente, no momento da prolação da Sentença.

16.Requer-se junção aos autos de nova certidão de antecedentes criminais o que permitirá corrigir o lapso alegado nos termos do Art. 380.° n. 1 al. a) e b) do CPP com as legais consequências.

É, pois, nula, nos termos das disposições conjugadas dos artigos
379.°, n.º 1, alínea a), e 374.°, n.º 2 do CPP, por omissão de pronúncia, a sentença cuja fundamentação se limitou, no que diz respeito aos antecedentes criminais, a não apurar e concretizar todos os antecedentes criminais do Arguido. Essa nulidade, tal como todas as demais taxativamente previstas no art. 379.° do CPP, é
de conhecimento oficioso, todavia, e caso assim não se entenda, o que só por mera hipótese se admite, a Sentença ao não observar o disposto no Art. 374.° CPP e ao conter lapso deve ser corrigida nos termos do Art. 380.° n. 1 al. a) e b) do CPP com as legais consequências.

Nos termos da Resposta já apresentada e nestes termos supervenientes e nos demais que mui doutamente Vossas Excelências suprirão, deve ser dado provimento ao requerido, com o que se fara a costumada Justiça!"(fim de transcrição).

6. Após a apresentação do requerimento mencionado em 5., de novo os autos ficam parados na sua tramitação durante mais quase onze meses, até que, em 8 de outubro de 2015, a Srª Escrivã Adjunta, que "em regime de substituição" desempenhava as funções de Escrivão de Direito, consigna nos autos as suas razões para os atrasos registados (cfr. fls. 1445, ali relevando o seu "início de funções em 09/09/2014 (…), esta Unidade de Processos viveu dias conturbados com a Reforma Judiciária de Setembro de 2014 e a falta de funcionários", aparentemente três "para cerca de 2800 processos e 3 magistrados judiciais" sendo assim "impossível abarcar tanto serviço com tão poucos recursos humanos e ainda que nos esforcemos todos e o fizemos"), emite notas para pagamentos vários (cfr. fls. 1445/1446), notifica os diversos intervenientes processuais para as "respostas recebidas" (cfr. fls. 1448 a 1450) e abre conclusão ao Mmº Juiz que, na mesma data (8 de outubro de 2015), determina apenas e tão-só: "Fls. 1074: Dê pagamento da quantia peticionada. Subam os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa." (cfr. fls. 1451).

Tal despacho é integralmente cumprido, na mesmo dia (8 de outubro de 2015), juntando ainda aquela senhora funcionária judicial "certidão" que "se destina a ser junta Apenso de Aceleração Processual como o n.º 2125/11.8PLSNT-A cfr. ordenado no âmbito destes autos e para instrução dos mesmos." (cfr. fls. 1452 a 1457).

6. Subidos os autos a esta Relação, aqui são registados a 14 de outubro de 2015, distribuídos ao ora relator, autuados e lavrado "TERMO DE APRESENTAÇÃO E EXAME", tudo em 19 outubro de 2015, indo com vista, no dia seguinte, à Exma. Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação, que, no dia imediato (21 de outubro de 2015), apôs o seu visto e emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, consignando nada mais se lhe oferecer acrescentar à posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. fls. 1459).

7. Foi cumprido o preceituado no art. 417.º, n.º 2, do C.P.P., tendo havido apenas resposta por parte do assistente em que reiterou  posição já por si anteriormente assumida (cfr. fax de 4 novembro de 2015 com original junto aos autos no dia 9 do mesmo mês ano, cfr. fls. 1469 a 1475 e 1476 a 1482).

8. Aberta, a 12 de novembro de 2015, conclusão ao ora relator, para efeitos de exame preliminar, foi por este proferido no mesmo dia despacho considerando não haver razões para a rejeição do recurso. Entretanto, por determinação do relator havia já sido, oficiosamente, requisitado e junto aos autos novo certificado do registo criminal do arguido[1] (emitido em 29 de outubro de 2015 está junto fls. 1464 a 1468), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e pesquisada, em 11 de novembro de 2015, a situação do arguido, na base de dados do Direção-Geral dos Serviços Prisionais, verificou-se que o mesmo se encontra, atualmente e desde "9/29/2014", preso no Estabelecimento Prisional de Caxias em cumprimento da pena de 3 anos de prisão efetiva que lhe foi aplicada no processo n.º 1419/09.7TACBR da Secção Criminal da Instância Central de Coimbra (cfr. doc. junto a fls. 1484 e 1485), informação que foi na mesma data confirmada em contacto telefónico da Secção para aquele Estabelecimento Prisional (conforme consta da cota lavrada a fls. 1483).

9. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Questão prévia

Como se deixou acima consignado no ponto 5. do relatório, o assistente BB apresentou em 16 de dezembro de 2014 um requerimento a que chama de "Resposta complementar nos termos do Art. 413º nº 1 CPP".

Apreciando dir-se-á:

1.º - Tal figura jurídica ("Resposta complementar") não está prevista no CPP. Porém, sempre seria de a admitir, como tem sido entendido pela jurisprudência, se o respetivo requerimento surgisse no seguimento da resposta (inicial) já apresentada e (condição cumulativa) desde que fosse apresentado dentro do prazo legal para a resposta, ou seja que esse prazo ainda não se tivesse precludido.

Todavia, não é esse o caso dos autos.

Com efeito, a resposta (inicial) ao recurso havia sido apresentada pelo assistente em 18 de setembro de 2014 (cfr. fls. 1410 e segs.), isto é cerca de três meses antes, tendo-se, portanto, em 16 de dezembro de 2014 esgotado há muito o prazo para a junção daquela (complementar) peça processual que, se tempestiva, seria ainda prática integrante daquele ato (resposta ao recurso).

Assim sendo, não pode o requerimento apresentado pelo assistente em 16 de dezembro de 2014 ser considerado, só não tendo sido determinado o seu desentranhamento porque se afigura conveniente que o mesmo permaneça nos autos, para efeitos do que se dirá a seguir e determinará a final.

2.º - Mas mesmo que a dita "Resposta complementar" fosse tempestiva será que poderia ser atendido o pedido nela formulado? E que era, recordemo-lo aqui, que fosse agora considerada outra condenação do arguido, transitada em julgado em 9 de junho de 2014, que no momento em que foi prolatada a decisão ora sob recurso (15 de julho de 2014), por não constar no CRC junto aos autos, o não foi e cuja, segundo o assistente, devida ponderação dessoutra mais recente condenação em pena de prisão efetiva poderia levar à não suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido pela primeira instância, já que o principal argumento do Tribunal a quo para a suspensão foi que os crimes anteriormente praticados pelo arguido o foram há mais de 10 anos, o que afinal não era verdade.

Afirma o assistente naquele seu requerimento de 16 de dezembro de 2014 que:

"O Assistente teve nesta data conhecimento que o Arguido foi condenado por Sentença proferida em 6 de Maio de 2013, transitada em julgado em 9 de Junho de 2014, a uma pena de 3 Anos de prisão efectiva por conta do processo n.º
1419/09.7TACBR da ora Secção Criminal da Instância Central de Coimbra.

 Com o trânsito em julgado ocorrido em 9 de Junho de 2014, o condenado cumpre já, em Estabelecimento Prisional, a pena de prisão efectiva de 3 anos, estando a execução da pena a correr no Juiz 2 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa com o nº de Processo único de recluso 1683/14.0TXLSB."             

E tem inteira razão factual como se alcança do que acima deixámos consignado no relatório a pontos 1. e 8. (a partir de "Entretanto"). Importando ainda apurar junto da Secção Criminal da Instância Central de Coimbra e do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, qual a exata situação do arguido, o que deverá ser feito noutra sede e momento.

Contudo, afigura-se a este Tribunal ad quem, salvo melhor opinião, que ainda assim não pode ser atendido o pedido formulado na referida "Resposta complementar" .

Com efeito, tal ponderação já só pode vir a ter lugar em sede de ulterior recurso extraordinário de revisão, previsto e tramitado como regulado no art. 449.º e segs. do CPP.

No momento presente e no caso concreto, este tribunal superior só pode e deve apreciar o recurso à luz dos elementos relativos aos antecedentes criminais do arguido que eram conhecidos pela primeira instância no momento em que proferiu a sua sentença. Sendo certo que, nessa matéria (antecedentes criminais) o tribunal de primeira instância não incorreu em qualquer erro de julgamento, sendo que considerou os elementos que constavam e continuam a constar no CRC do arguido, e foi com eles, enquanto prova adequada ao efeito, que formou a sua convicção. O que se passa é que esses elementos não se mostravam completos e atualizados (como continuam ainda a, inexplicavelmente, não se mostrarem completos e atualizados), mas essa é questão diversa.

É certo que nos podemos questionar sobre se não seria possível desde já tornar desnecessário o mencionado recurso de revisão, evitando lançar-se mão de tal meio processual, com o que sempre se ganharia em celeridade e economia processual.

A resposta a esta questão seria quanto a nós positiva apenas e tão-só se com isso o arguido não visse prejudicado os seus direitos de defesa e inerente e imprescindível contraditório e saísse de imediato beneficiado, não vendo, por exemplo, adiada uma sua previsível libertação ou absolvição. Não é o caso dos autos, em que, com a consideração de novos antecedentes criminais, anteriormente desconhecidos, o arguido poderia ver agravada a sua situação ao passar de uma condenação em prisão suspensa na sua execução para uma situação de prisão efetiva.

Como, a este propósito, ensina Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código de Processo Penal, "É comum a afirmação da regra da inadmissibilidade da junção de documentos pelas partes após o encerramento da audiência no tribunal de primeira instância como
resultado da natureza do recurso penal ordinário no direito português (acórdão do STJ, de 30.11.1994, in CJ, Acs. do SIJ, 2, 3, 262, e acórdão do TRC, de 10.11.1999, in CJ, XXIV 5, 47, e, na doutrina, MAIA GONÇALVES, 2005: 376, anotação 2 ao artigo 165), mas esta regra deve ser restringida em conformidade com o direito constitucional ao recurso.
"

E mais adiante, defende aquele Professor ser inconstitucional o entendimento segundo o qual Tribunal da Relação "não pode conhecer de novos meios de prova que suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação (artigo 449.°, n.º 1, al.º d), quando aquelas certidões e estes meios de prova tenham sido conhecidos do arguido apenas em momento posterior ao julgamento no tribunal de primeira instância, mas ainda em tempo de serem invocados no recurso ordinário da sentença (…). Esta limitação viola as garantias de defesa, incluindo o direito de recurso do arguido, o princípio da presunção da inocência e o princípio da celeridade processual (artigos 32.°, n.ºs 1, 2 e 3, da CRP, e artigo 6.°, §§ 1.° e 2.°, da CEDH). Com efeito, esta limitação legal implica que o arguido tenha de aceitar passivamente o trânsito em julgado de uma sentença injusta, que lhe impõe o labéu de culpado contra a realidade de factos que suscitam "graves dúvidas" sobre a condenação recorrida. A obrigatória postergação para momento posterior ao trânsito em julgado de uma defesa que o arguido estava em condições de apresentar antes do trânsito constitui não só uma violação do princípio da presunção de inocência, como do princípio da celeridade processual. Dito de um modo simples, não é suficiente garantir o direito à revisão do processo, para quem já tem o labéu definitivo de culpado e entra logo a cumprir a pena aplicada (artigo 457.°, n.º 2), apesar de ele conhecer novos meios de prova que põem seriamente em causa a justiça da condenação. Impõe-se, portanto, nos casos de discussão dos referidos novos meios de prova uma audiência no tribunal de recurso logo na pendência do recurso ordinário (acórdãos do TEDH nos casos Helmers v. Suécia (plenário), Dondarini v. São Marino, Ekbatani v. Suécia (plenário), Pobornikoff v. Áustria, Kremzow v. Áustria, e Hermi v. Itália (GC)" (vd. anotações 10ª ao art. 165.º e 9ª ao art. 430.º in 4ª ed. obra citada, a páginas 461 e 1181 e seg.)

3.º - Finalmente, acresce que, resultando da dita "Resposta complementar" estar o assistente a pretender por essa via tão-só um agravamento da pena do arguido, sem sequer alegar um concreto e próprio interesse em agir, falecer-lhe-ia legitimidade para o efeito, seja em sede do presente recurso, de recurso que porventura tivesse interposto da sentença prolatada nos autos e até em futuro e autónomo recurso extraordinário de revisão, previsto e regulado no art. 449.º e segs. do CPP, cuja oportunidade em ser requerido o Ministério Público não deixará certamente de analisar após transito do presente acórdão.

É que o Supremo Tribunal de Justiça fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que "o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir." (Assento n.º 8/99, de 30 de outubro de 1997, CJ/STJ V.III.21, CJ/STJ VII.II.26, BMJ 470-47 e 486-21e DR I-A 10 de agosto de 1999).

A jurisprudência mais recente, de que é exemplo o acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2011, de 9 de fevereiro de 2011, proferido no proc.º n° 148/07, tratando de questão diversa, não infirma a jurisprudência fixada naquele acórdão, continuando a entender-se que o interesse em agir do assistente depende da invocação pelo mesmo de um interesse concreto e próprio.

Posição que já havia sido reafirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente no seu acórdão de 24 de outubro de 2002, proferido no processo 02P3183 e consultável in Jusnet ("O recurso é de rejeitar, na medida em que a assistente/recorrente não dispõe de [concreta] legitimidade para recorrer (pois que a decisão recorrida não a «afecta» nem foi «contra ela proferida» - art.s 69.2.c e 401.1.b do CPP) nem alegou - e, menos ainda, «demonstrou» - «um concreto e próprio interesse em agir»").

Sendo que sobre esta matéria também se pronunciou o Tribunal Constitucional, que, no seu acórdão 205/2001, de 9 de maio de 2001, proferido no processo 372/00, decidiu julgar conformes à Constituição, designadamente ao princípio do Estado de direito e direito de intervenção do ofendido no processo penal, as normas constantes dos artigos 69.1, 69.2.c, 401.1.b, e 401.2 do Código de Processo Penal, na interpretação fixada pelo Assento n.º 8/99, que restringe a legitimidade do assistente para impugnar a decisão condenatória no que concerne à escolha e medida concreta da pena imposta ao arguido, condicionando-a à prova de específico interesse em agir.

Como se afirma no CPP Comentado de António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2014, p. 1286, no tocante ao segmento da decisão respeitante à espécie e medida da pena, "parece impôr-se a conclusão de que o assistente, porque portador de interesses alheios àquelas "ideias e exigências transcendentes" que o Estado visa com a aplicação das penas, carece de legitimidade para atacar a sentença na parte em que esta fixa a espécie e medida da pena por não o afectar e não ser contra ele proferida".

2. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).

As questões suscitadas pelo recorrente, que deverão ser apreciadas por este Tribunal Superior, sem prejuízo do conhecimento de alguma ficar prejudicado pela solução dada àquela que a antecede, são, em síntese, as seguintes:

- O tribunal a quo excedeu-se manifestamente naquilo que os depoimentos e a prova documental autorizavam que se permitisse concluir, impugnando a matéria de facto provada na sentença recorrida sob os pontos 3, 4, 7, 10, 11, 12, 31, 32, 33, 34, 36, 50 e 51, entendendo que tais factos deveriam ter sido dados como não  provados;

- A sentença recorrida padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal –, pois não foram tidas em conta pelo tribunal a quo as circunstâncias que levaram o arguido a praticar os factos, inexistindo matéria suficiente para fundamentar, com observância dos normativos legais, a condenação do recorrente nos moldes vertidos;

- Violou o tribunal a quo os princípios da livre apreciação da prova, ínsito no art. 127.º do C.P.P., e do in dubio pro reo, previsto no art. 32.º da C.R.P;

 - Não se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica p.e p. pelo art. 152.º do C.P., mormente por não ter existido uma atuação dolosa do agente,  pelo que a conduta do arguido não integra a prática de tal crime, devendo ser absolvido;

- A pena aplicada é por demais exagerada face a todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, ultrapassando as exigências de prevenção e em larga medida a sua culpa, fundamento e limite da pena, violando, assim o tribunal a quo o disposto no art. 71º do Código Penal, entendendo que deve ser reduzida a pena ao mínimo legal;

- No que concerne ao pedido cível, a condenação do arguido a pagar ao assistente o valor de 25.500,00, € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, é manifestamente exagerado quer no quantum quer na forma do seu pagamento.

2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:

   

a) O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos (transcrição):

"1)    O assistente BB nasceu no dia xx.xx.1985 e o arguido nasceu em 13.03.1958;

2)      Em data não concretamente apurada mas que se situará entre os meses de Maio e Junho de 2001, o assistente conheceu o arguido, via internet, sendo que, à data, aquele residia em  KK , no WW;

3)      Em data não concretamente apurada do mês de Junho de 2001 o assistente, convencido que o arguido era pessoa da sua idade - porquanto tal lhe havia sido transmitido pelo arguido através de conversas mantidas via internet - acedeu a encontrar-se com este em Lisboa;

4)      Assim, ao chegar a Lisboa apercebeu-se, de imediato, que o arguido tinha uma idade muito superior à sua;

5)      Logo no mês de Junho de 2001 o arguido deu os primeiros sinais de agressividade para com o assistente, situação que se prolongou no tempo e ao longo do relacionamento amoroso mantido entre ambos exercendo o aquele pressão psicológica e manipulação sobre este último;

6)     Não obstante, o assistente e arguido iniciaram um relacionamento amoroso em data não concretamente apurada mas seguramente posterior a Junho de 2001 e, até data não concretamente do ano de 2006, os mesmos mantiveram um relacionamento de namoro, vivendo o assistente em casa de seus pais, em KK, no WW e o arguido em Lisboa;

7)      Durante o lapso temporal a que se alude em 6. o arguido, por um número indeterminado de vezes, pressionou o assistente a vir passar fins-de-semana a Lisboa, designadamente, quando este lhe dizia que não poderia, o arguido discutia com o mesmo ou dizia-lhe que caso não viesse passar o fim-de-semana a Lisboa se deslocaria ao WW e que daria conhecimento aos seus progenitores e conhecidos na sua terra natal da sua orientação sexual, conseguindo, desse modo, que o ofendido cedesse aos seus desígnios;

8)      Em data não concretamente apurada do ano de 2006, por acordo com o arguido, o assistente passou a coabitar com o mesmo, em comunhão de mesa, leito e habitação, primeiramente em ZZ;

9)      E, posteriormente, na UU, área desta Comarca da GLN - Sintra;

10) Desde a data a que se alude em 8. e até Agosto de 2011, por um número indeterminado de vezes e em datas que não se logrou apurar, o arguido - aproveitando-se do facto de o assistente ser mais vulnerável e não possuir qualquer apoio familiar em Lisboa - encetava discussões com o mesmo sem motivo aparente, exercendo sobre este pressão psicológica, visando isolá-lo e não permitindo que tivesse amigos, pelo menos, até este passar a frequentar o ensino universitário;

11) No dia 17.08.2011, no interior da residência a que se alude em 9, no decurso de uma discussão em que o assistente manifestava intenção de terminar o relacionamento que mantinha com o arguido este agarrou-o, deu-lhe uma dentada no braço direito e, seguidamente, nas costas;

12) Acto contínuo, visando impedir que o assistente abandonasse a aludida residência, o arguido retirou as chaves de casa àquele e trancou a porta que franqueia a entrada naquela, retirou-lhe o telemóvel e desligou a linha do telefone fixo de molde a evitar que aquele lograsse contactar as autoridades;

13) Em data não concretamente apurada do início de Setembro de 2011, na sequência de uma discussão que mantiveram telefonicamente, o assistente terminou a relação amorosa que mantinha com o arguido, abandonando a residência comum a que se alude em 9.;

14) Em data não concretamente apurada de Outubro de 2011 o arguido contactou telefonicamente o assistente solicitando-lhe que se encontrassem ao que este anuiu, tendo acedido a encontrar-se com o arguido junto às Picoas, em Lisboa;

15) Nessa ocasião, o arguido solicitou ao assistente que entrasse na sua viatura automóvel para conversarem, ao que o assistente acedeu;

16) No decurso da conversa que mantinham o arguido exaltou-se dando nota ao assistente que teria que lhe pagar uma quantia monetária correspondente ao valor que aquele tinha despendido consigo e dirigindo-lhe as seguintes expressões "quando vieste da terrinha nem óculos tinhas e fui eu que tos comprei, sabes?", "desde essa data até hoje já me custaste muito dinheiro. Sim, pois eu já fui ver os extractos da conta";

17) Bem como lhe disse "o único prejudicado não vou ser eu, porque tens um nome e não vais ficar muito bem visto, na tua faculdade, no teu trabalho e na tua família. Sim, porque a tua mãe tem que saber disto.";

18) Após, por um número indeterminado de vezes e em datas não concretamente apuradas, o arguido contactava telefonicamente o assistente, ora visando pressioná-lo a voltar a viver com ele na residência a que se alude em 9., ora pressionando-o a resolverem as questões monetárias que, em seu entender, se encontravam pendentes;

19) Uma vez que não lograva alcançar os seus objectivos o arguido, por um número indeterminado de vezes e em datas não concretamente apuradas, surgia de forma inesperada junto do local de trabalho do assistente ou na Universidade VV, estabelecimento de ensino superior frequentado por este;

20) Assim, em data não concretamente apurada, o arguido deslocou-se à Universidade VV, local onde o assistente se encontrava a realizar um exame e entrou numa sala identificando-se, para o efeito, com o nome daquele;

21) Nessa mesma ocasião, o arguido esperou que a prova que decorria terminasse e, quando o assistente se encontrava já no exterior da sala de aula, o arguido logrou alcançá-lo, agarrando-o por um braço e só o tendo libertado devido à intervenção de AS, auxiliar do aludido estabelecimento de ensino superior;

22) De igual modo, visando pressionar e intimidar o assistente, o arguido, por um número indeterminado de vezes, visando descobrir onde aquele se encontrava a residir, contactava os seus colegas mais próximos da faculdade, pressionando-os a fornecerem-lhe a morada e o número de telemóvel daquele;

23) Concretamente, no dia 25.11.2011, através do chat da aplicação da internet facebook, o arguido contactou AC, solicitando àquela ajuda para obter o paradeiro do assistente e dizendo-lhe que precisava localizá-lo por este estar a tentar usurpar bens da sua propriedade;

24) Porém, como não logrou alcançar os seus intentos, no dia 05.12.2011, o arguido contactou telefonicamente um colega de faculdade do assistente, a saber, GG, delegado de turma, através de um número de telemóvel anónimo e identificando-se como "Nuno", questionando-o acerca da assiduidade do assistente às aulas, data do próximo exame e solicitando lhe fosse fornecido o número de telemóvel do mesmo;

25) No dia 06.12.2011, o assistente deslocou-se ao Centro de Saúde de YY, área desta Comarca da GLN - Sintra, para uma consulta, quando deu nota que o arguido ali se encontrava;

26) De imediato, o arguido começou a gritar com o assistente e a agarrá-lo pelo braço, apenas tendo cessado tal conduta devido à intervenção de um vigilante do centro de saúde (cuja identidade não se logrou apurar) que o levou para uma área reservada do referido centro de saúde;

27) Logo após o mencionado vigilante se ter ausentado do local, o arguido entrou na área reservada em que o assistente se encontrava e tentou voltar a agarrá-lo por um braço, ao mesmo tempo que gritava com aquele;

28) Entretanto foi solicitada a comparência no local da PSP de YY que ali se deslocou e conduziu o arguido à Esquadra;

29) Nessa altura o assistente logrou abandonar o local, deslocando-se para o primeiro piso do centro de saúde, local onde solicitou ajuda de outro vigilante;

30) No dia 09.12.2011, o arguido deslocou -se às instalações da Universidade VV, entrou numa das salas de aula e abordou a colega do assistente, CS, dizendo-lhe que vinha do WW e que queria fazer uma surpresa ao assistente, solicitando-lhe que lhe fornecesse o contacto telefónico daquele mas que não lhe desse nota dos seus intentos pois que era uma surpresa;

31) Igualmente no dia 12.12.2011, o assistente ao abandonar as instalações da Universidade VV, juntamente com os colegas AC e RS visualizou, nas imediações da universidade, o veículo no qual o arguido se costumava deslocar;

32) E, nesse momento, receando pela sua integridade fisica e dos seus colegas, decidiu o assistente retornar às instalações da Universidade pois que se apercebeu que se encontravam a ser seguidos por dois indivíduos que acompanhavam o arguido;

33) Acresce que, já no interior da Universidade, o assistente contactou o 112 solicitando ajuda, momento em que o arguido, na companhia de dois indivíduos, a saber, LV e JA, entrou no interior da universidade, visando localizar aquele;

34) Ao aperceber-se de tal situação, AS, funcionário do estabelecimento de ensino superior identificado, ordenou-lhes que abandonassem o local, pedido a que acederam;

35) Nessa sequência, o assistente contactou telefonicamente a esquadra da PSP de TT tendo-se deslocado ao local três agentes da PSP, que identificaram o arguido e os seus acompanhantes;

36) Logo após os agentes da PSP terem abandonado as instalações da Universidade o arguido, desta feita sozinho, voltou a colocar-se no encalço do assistente e dos colegas deste a que se alude em 31., pelo que, de imediato, decidiram regressar às instalações da Universidade VV e tendo abandonado o local transportados pela PSP;

37) Por um número indeterminado de vezes e em datas que não se logrou apurar, o arguido deslocou-se ao local de trabalho do assistente interpelando os colegas de trabalho daquele no sentido de lhe indicarem o paradeiro daquele, a sua actual residência e quando regressaria;

38) Em data não concretamente apurada do mês de Dezembro de 2012, o arguido deslocou-se, novamente, às instalações da Universidade VV, mais concretamente à secretaria e solicitou, mais uma vez, informações acerca do paradeiro do assistente não tendo, todavia, logrado obter tais dados;

39) Como consequência directa e necessária das condutas do arguido supra descritas o assistente passou a sofrer de síndrome depressiva e passou a sofrer de incapacidade temporária para o trabalho desde 24.09.2011;

40) Com as condutas supra descritas, o arguido quis e conseguiu atingir o corpo do assistente e, desse modo, causar-lhe dor e sofrimento, bem como, aproveitando-se da fragilidade do mesmo, decorrente da sua idade, do afastamento da sua terra natal e dos seus familiares e, bem assim, da sua dependência económica do mesmo, exercer sobre ele um ascendente por forma a pressioná-lo a manter o relacionamento amoroso que mantinham;

41) Com as condutas supra descritas ocorridas após o termo do relacionamento amoroso mantido entre o arguido e o assistente, o arguido visou e conseguiu constranger este último nas suas tarefas diárias, fazendo-o sentir medo e inquietação, perseguindo-o e abordando todas as pessoas que se encontravam mais próximas dele, na expectativa de vir a obter informações acerca da vida daquele;

42) Em toda a actuação supra descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de atingir a dignidade humana e a saúde mental e física do assistente, o que visou e conseguiu;

43) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com uma determinação unitária e a coberto de um sentimento de impunidade e bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei;

3.1.2. Do pedido de indemnização civil formulado pelo assistente:

44) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido o assistente sofre psicologicamente vivendo, desde então, com medo daquele e sentindo-se ansioso, angustiado e fisicamente abatido e extenuado;

45) Por força de algumas das condutas do arguido supra descritas terem ocorrido em locais públicos o assistente sentiu-se humilhado, vexado, incomodado e entristecido sabendo que tais factos eram comentados, nomeadamente, na universidade que frequentou e naquele que foi o seu local de trabalho;

46) Por força das atitudes do arguido supra descritas o assistente sentiu-se e sente-se até à actualidade desrespeitado e indignado esperando, no cerne da relação que manteve com aquele, lhe fosse dado um outro tratamento;

47) O assistente teme, até à actualidade, que o arguido o persiga e que vá até à residência dos seus pais, sita no WW, dar nota da sua orientação sexual;

48) O assistente viu alguns dos seus amigos e colegas de faculdade afastarem-se de si por força de atitudes mantidas pelo arguido levando-o a sentir-se isolado e fragilizado;

49) Por força da conduta do arguido supra descrita o assistente sente-se inseguro, intranquilo, em sofrimento e tem perturbações do sono;

50) O assistente, após abandonar, na data em que se alude em 13., a residência comum do casal, jamais ali regressou tendo ali deixado todos os seus pertences pessoais, mormente, vestuário, calçado e produtos de higiene pessoal;

51) Bem como livros e material escolar sendo certo que o assistente, à data, era aluno do curso de direito na Universidade VV;

52) Em Setembro de 2011 o assistente auferia a quantia mensal de € 650;

3.1.3. Mais se provou que:

53) O arguido, ao longo dos anos que manteve um relacionamento amoroso com o assistente visitou, por várias vezes, os pais daquele no WW sendo apresentado na qualidade de amigo daquele;

54) Na primeira vez que o assistente veio ter com o arguido a Lisboa, no Cais do Sodré, quando este se encontrava a adquirir bilhete para irem de comboio até ZZ mandou aquele ir ver ao placard a que horas seria o próximo comboio e, porque o mesmo não logrou fazê-lo (pois que não conseguiu interpretar o placard ali existente porque era apenas a segunda vez que vinha a Lisboa) o arguido passou todo o percurso a humilhá-lo em frente aos demais utilizadores do comboio;

55) Ao longo dos anos que o assistente manteve um relacionamento com o arguido (de namoro ou vivendo em condições análogas às dos cônjuges) o mesmo temia que este desse nota aos seus progenitores da sua orientação sexual e aquele não lhe permitia ter amigos o que o fazia sentir-se isolado;

56) O arguido, ao longo dos anos que manteve um relacionamento amoroso com o assistente, gritava frequentemente com o mesmo, de forma desproporcional à situação subjacente, fazendo com que este se sentisse inferior relativamente a si;

57) O assistente, ao longo dos anos em que viveu com o arguido e até ter começado a trabalhar, foi por este sustentado sendo que os seus pais lhe adquiriam o seu vestuário e calçado;

58) O assistente esteve matriculado numa escola na freguesia de KK entre os anos lectivos de 2002/03 até ao ano lectivo de 2005/06;

59) O assistente sofreu incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença entre 12.09.2011 a 23.09.2011; 24.09.2011 a 08.10.2011; 09.10.2011 a 07.11.2011; 08.11.2011 a 07.12.2011; 08.12.2011 a 06.01.2012; 06.02.2012 e 06.03.2012;

60) Em 04.11.2011 e 03.02.2012 foi, pela Comissão de Verificação, comunicado ao assistente subsistir a incapacidade temporária para o trabalho do mesmo;

61) Em 12.09.2011 o assistente recebeu da Segurança Social € 160,32 de subsídio de doença por internamento e € 200,4 de subsídio de doença;

62) Em 09.10.2011 o assistente recebeu da Segurança Social € 400,8 de subsídio de doença;

63) Em 08.11.2011 o assistente recebeu da Segurança Social € 400,8 de subsídio de doença;

64) Em 10.12.2011 o assistente recebeu da Segurança Social € 40,08 de subsídio de doença;

65) Em 11.12.2011 o assistente recebeu da Segurança Social € 40,08 de subsídio de doença;

66) Em 07.01.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

67) Em 06.03.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

68) Em 07.03.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

69) Em 06.04.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

70) Em 06.05.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

71) Em 05.06.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

72) Em 05.07.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

73) Em 11.09.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 339,24 de subsídio de doença;

74) Em 03.09.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 115,212 de subsídio de doença;

75) Em 02.09.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 431,7 de subsídio de doença;

76) Em 03.08.2012 o assistente recebeu da Segurança Social € 14,39 de subsídio de doença;

77) Em 30.01.2012 o assistente encontrava-se incapacitado para trabalhar por força de sofrer de síndrome depressivo e agudização de doença crónica (Bechet) sendo, à data, medicado com Elontri1 150 mg; Alprazolam 0,5 Mg e Victan 2 mg;

78) O assistente foi seguido na Consulta de Psicologia - ARSLVT, IP - YY para a adaptação a doença crónica (Bechet) e por sofrer de sintomatologia compatível com quadro de perturbação de ajustamento - ansioso e depressivo;

79) Em 29.11.2011 um Sr. Advogado, mandatado pelo arguido, enviou missiva ao assistente solicitando reunião com o mesmo para regularização da titularidade dos bens pertença daquele;

80) O arguido esteve em cumprimento de pena entre 14.09.2007 até 15.07.2010, data em que lhe foi concedida liberdade condicional tendo gozado de 23 saídas, seja por licença de motivo especial ou saídas precárias;

81) O assistente foi assistido em 18.08.2011 no Centro de Saúde de YY apresentando à observação edema, equimose e escoriação do braço direito, duas equimoses na região dorsal encontrando-se confuso. Mais foi assistido no dia 26.09.2011 encontrando-se ansioso e manifestando desânimo;

82) Em 13.11.2012 o assistente era proprietário da viatura automóvel de matrícula XX-XX-XX de marca XXX, modelo XXX tendo-lhe a propriedade da mesma sido transferida em 26.102.2005 sendo que tal viatura, em 2001 havia sido adquirida pelo arguido e, posteriormente, vendida pelo mesmo a JA;

83) Em 13.11.2012 o assistente era proprietário da viatura automóvel de matrícula XX-XX-XX de marca XXX, modelo XXX tendo-lhe a propriedade da mesma sido transferida em 11.01.2006 pelo arguido;

84) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 23.09.2005, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos, o arguido declarou vender ao assistente, pelo preço de € 60 000, que já recebeu, a fracção autónoma destinada a habitação, individualizada pela letra "Z" correspondente à XXX do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua XXX, freguesia do ZZ, descrita na CRP de CC sob o n° XXX;

85) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 31.05.2006, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos, MP e o assistente, este intervindo por si e na qualidade de procurador de PO de AG declararam vender ao assistente, pelo preço de € 98 761, que já receberam, a fracção autónoma destinada a habitação, individualizada pela letra "Q" que constitui o X° direito, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado na na CH, freguesia de YY, descrito na CRP de TR sob o n° 7579, com recurso de linha de crédito de habitação;

86) Em 01.08.2012 o assistente sofria de sintomas depressivos e ansiosos apesar das melhorias alcançadas pelo tratamento psicofarmacológico combinado com o apoio médico e psicoterapêutico;

87) Submetido a exame pericial, o qual se dá aqui por integralmente  reproduzido para os devidos e legais efeitos, concluiu-se que o assistente apresenta uma visão ingénua e irrealista do mundo, associada a mecanismos de defesa como a negação e repressão, com pouco insight sobre os seus conflitos emocionais e com um funcionamento psíquico rígido apresentando-se como imaturo, autocentrado, pessimista, insatisfeito, preocupado, manifestando sentimentos subjectivos de depressão e revelando-se emocionalmente instável, com um padrão relacional superficial, sugestionável e imaturo, na procura de obter afecto e apoio;

88) Mais denota o assistente uma acentuada ansiedade, tensão e preocupação apresentando dificuldades de expressão emocional, com a presença de diversos sintomas somáticos exacerbados devido à sua fraca capacidade de insight para elaborar os seus conflitos emocionais sendo que a estrutura da sua personalidade põe em relevo traços depressivos, impulsivos e histeriformes, associados a uma personalidade de tipo borderline (estado limite) encontrando-se actualmente com uma depressão grave. O assistente apresenta um risco de violência sexual baixo;

89) Submetido a exame pericial o arguido, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, concluiu-se que o mesmo tem um perfil válido, caracterizado pela defensividade na procura de transmitir uma imagem positiva de si mesmo, exagerando nas suas qualidades morais e nas suas capacidades positivas, de forma rígida e autocentrada; apresentando pensamento independente e menos convencional, envolvendo negatividade, pessimismo, inquietação, alteração de humor e eventuais formas de comportamento socialmente desviante associadas a uma baixa resistência e tolerância à frustração apresentando-se como imaturo, ansioso, emocionalmente instável e impulsivo com necessidade exagerada para se apresentar de forma favorável;

90) Mais se conclui que o arguido é egocêntrico, revelando uma importante carência de insight sobre si mesmo e sobre as suas relações interpessoais, que acabam por ser manipulativas para satisfação das suas necessidades pessoais apresentando dificuldades de planeamento social e em aprender com a sua própria experiência, sendo que quando as suas defesas são desafiadas tende a mostrar-se intolerante e manipulador;

91) Refere-se ainda no aludido exame pericial que o arguido embora se apresente aparentemente sem conflitos e ansiedades demonstra as suas características negativas em situações de maior dificuldade e em períodos de grande stress com extrema dificuldade para controlar os seus impulsos sendo que as suas relações são pautadas pelo egocentrismo e pelos comportamentos de passagem ao auto. O mesmo tem problemas em relação à autoridade sendo altamente susceptível e sensível a críticas culpando os outros pelas suas próprias dificuldades.

92) O arguido sofre de depressão grave tendo sido avaliado com um grau moderado de psicopatia apresentando o mesmo um risco de violência considerado moderado a alto (cotado em 25) e um risco de violência sexual também ele elevado;

93) Da avaliação psicológica realizada ao arguido sobressai uma organização de personalidade borderline e pautada pelos traços impulsivos e ansiosos; revelando a sua personalidade um padrão comportamental que manifesta imaturidade afectiva e dificuldades em lidar com estímulos emocionais e relacionais com este tipo de conteúdos a ser geridos essencialmente de uma forma narcísica e superficial para satisfação de necessidades imediatas, demonstrando um funcionamento psicológico rígido e pautado por um baixo limiar de tolerância face à mudança e a situações frustrantes revelando-se susceptível, algo manipulador e intolerante (o que acentua a componente emocionalmente instável da sua personalidade);

94) Mais apresenta o arguido dificuldades emocionais e relacionais ao nível da gestão de conflitos e no controlo dos seus impulsos bem como ao nível do estabelecimento e manutenção de relações afectivas estáveis e significativas;

95) O arguido revela, ainda, um autoconceito inflacionado mas simultaneamente frágil e vulnerável apresentando-se emocionalmente instável, com dificuldades na gestão dos seus impulsos e não conseguindo elaborar psiquicamente os seus conflitos emocionais, o que pode potenciar os comportamentos de passagem ao ato não sendo de excluir a possibilidade de vir a ocorrer uma desorganização em circunstâncias favoráveis ou potenciadoras de tensão e stress apontando os instrumentos de avaliação para um risco moderado a alto de violência e igualmente um risco elevado para os actos de violência de natureza sexual;

96) O arguido trabalha 42 horas semanais auferindo a quantia de € 2 à hora e trabalhando cinco dias por semana;

97) Como habilitações literárias tem o 2° ano do curso superior de XXX;

98) A Junta de Freguesia de YY assegura o pagamento ao arguido da água, luz e gás da casa em que habita e recebendo o mesmo da paróquia da sua residência uma refeição quente por dia;

99) O arguido despende a quantia mensal de € 89 em medicamentos;

100) Por Acórdão de 01.04.2004 proferido no âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo n° 1112/97.1 JDLSB que correu termos na Secção única do Tribunal Judicial da Comarca de XXX foi o arguido condenado pela prática, em 07.10.2003, de um crime de burla qualificada na pena de 3 anos e seis meses de prisão;

101) Por Acórdão de 14.11.2007 proferido no âmbito do processo comum, com intervenção do Tribunal colectivo n° 187/01.5 JFLSB que correu termos pelo 4° Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de XXX foi o arguido condenado pela prática, em Dezembro de 2000, de um crime de abuso sexual de criança e de um crime de usurpação na pena de 1 ano e 8 meses de prisão e na pena de 200 dias de multa, substituídos por igual período de multa, à razão diária de € 6;

102) Por sentença de 21.12.2012 proferida no âmbito do processo n° 1187/03.6 PCCSC que correu termos pelo 3° Juízo de Competência Especializada Criminal de Cascais foi o arguido condenado pela prática, em 20.09.2003, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pena de 18 meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por igual período de tempo sujeita à condição de o mesmo pagar € 10 000 ao assistente em tal prazo.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da presente causa." (fim de transcrição).

b) Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se no na sentença recorrida:

"Antes de mais, cumpre fazer uma nota prévia quanto a assinalar-se que o crime de violência doméstica imputado ao arguido se passa, as mais das vezes, no recato do Lar, entre o agressor e a vítima, sendo raros os casos em que há testemunhas dos mesmos, pelo que, necessariamente, a convicção a formar por banda do Tribunal será obtida por confronto e/ ou compatibilização das versões apresentadas por aqueles conjugadas com os depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento e demais prova junta aos autos.

No apuramento da factualidade julgada provada, o Tribunal formou a sua convicção no conjunto das diligências probatórias realizadas em audiência de julgamento, analisadas conjunta e criticamente.

Designadamente:

- As declarações do arguido AA o qual de forma, para nós, absolutamente surpreendente - na medida em que perpassou ao longo das suas declarações que o mesmo não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta e negando a prática de todos os factos que nestes autos lhe são imputados - afirmou que o assistente, esse sim, é um "alpinista social" (sic) tendo-se "desencaminhado e desvirtuado depois que entrou na faculdade" (sic).

Deu nota da forma como conheceu o assistente, via internet, no ano de 2002 e que a partir de Setembro de 2003 aquele passou a viver consigo em condições análogas às dos cônjuges primeiramente apenas aos fins de semana e, posteriormente, em contínuo e nas moradas a que se alude em 8.

Referiu que, de quando em vez, iam a casa dos pais do assistente no WW sendo apresentado aos familiares daquele na qualidade de amigo do mesmo.

Negou ter retirado liberdade ao assistente para ter amigos e dando nota que colocou os seus bens (móveis e imóveis) em nome do mesmo com vista a obstar ver bens de sua pertença penhorados para pagamento de indemnização que foi condenado a pagar apodando-o de "murcãozinho pacóvio" (sic).

No mais, negou ter desferido qualquer dentada no corpo do assistente ou sequer tê-lo agredido física ou psicologicamente ao longo dos anos que manteve um relacionamento amoroso com o mesmo dando nota que as nódoas negras que aquele teria haviam sido causadas por um irmão do assistente.

Deu ainda nota que o assistente terminou telefonicamente o relacionamento amoroso que tinha consigo no dia 02.09.2011 abandonado a habitação onde residiam e que, após, procurou-o activamente na universidade pois que queria saber se não seria uma "birra bipolar" (sic) e, bem assim, que o contactava telefonicamente pois que queria saber por que motivo o mesmo tinha terminado o aludido relacionamento e como poderia reaver os bens que outrora foram seus.

Mais confirmou que nas circunstâncias a que se alude em 16 se dirigiu ao assistente dizendo-lhe "quando vieste da terrinha nem óculos tinhas, fui eu que tos comprei" pois que desejava reatar o relacionamento amoroso com aquele. Referiu a factualidade vertida nos pontos 20 e 21 da factualidade considerada como provada pois que queria falar com o assistente tendo-o agarrado por um braço quando o encontrou para lhe dar nota que havia marcado escritura pública para tratarem das "questões dos bens" e confirmando que, por várias vezes, se dirigiu à universidade procurando activamente colegas do assistente de molde a solicitar-lhes que os mesmos lhe fornecessem a morada e/ou número de telefone daquele.

No mais, deu nota que quanto à factualidade vertida nos pontos 25 a 29 se cruzou de forma absolutamente fortuita com o assistente sendo que não gritou com o mesmo, nem lhe tocou por qualquer forma.

Referiu que, na companhia de vários colegas seus de faculdade, na data a que se alude em 31 da factualidade considerada como provada, procurou o assistente para tentar conversar com o mesmo sobre a "usurpaçâo de bens" de que havia sido alvo não se recordando de ter sido identificado por um funcionário da Universidade VV, nem de terem sido convidados a dali sair. Mais negou ter seguido o assistente após aquele ter saído das instalações da Universidade VV.

Por fim, concluiu que certamente o assistente não estará deprimido e muito menos por força de qualquer conduta que lhe seja a si assacável antes afirmando que deprimido esteve e está o mesmo por força da conduta daquele para consigo.

No que concerne à sua situação familiar, laboral e económica o Tribunal valorou as suas declarações, nas quais fez fé.

- As declarações do assistente BB, ex-companheiro do arguido, o qual de forma objectiva, clara e isenta, merecendo-nos toda a credibilidade, relatou ao Tribunal a factualidade tal como vertida na factualidade considerada como provada.

Assinale-se que o seu depoimento foi absolutamente gráfico e arrepiante quanto ao tratamento infligido pelo arguido à sua pessoa desde o início do relacionamento de ambos começando logo na primeira vez em que se encontraram explicitando que, nessa primeira vez, aquele o convidou a vir ter com ele a Lisboa e, concretizando, deu nota que, no Cais do Sodré, quando o arguido se encontrava a adquirir bilhete para irem de comboio até ZZ o mandou ir ver ao placard a que horas partiria o próximo comboio e, porque ele não logrou interpretar o placard ali existente pois que era apenas a sua segunda vez em Lisboa, desde logo, aquele passou todo o percurso a humilhá-lo em frente aos demais utilizadores do comboio.

Referiu que conheceu o arguido através da internet em Junho de 2001 - tendo ele à data 15 anos de idade - e tendo-lhe aquele dado nota que teria uma idade semelhante à sua.

Mais referiu que até ao ano de 2006 habitou com os seus pais no WW sendo o relacionamento de ambos, até aí, de namoro vindo ter com o arguido aos fins de semana, mesmo quando não tinha vontade para tal, pois que este ameaçava contar aos sue familiares a sua orientação sexual e, após aquela data, passou a residir com o arguido em condições análogas às dos cônjuges.

Deu nota que, embora desde cedo sentisse receio do arguido, não conseguiu terminar o relacionamento - de namoro ou em tudo semelhante ao dos cônjuges - pois que temia que aquele fosse dar nota da sua orientação sexual aos seus pais.

Referiu que ao longo dos anos que manteve o relacionamento amoroso com o arguido o mesmo gritava frequentemente com ele, de forma desproporcional por referencia à situação em causa, fazendo-o sentir-se inferior relativamente ao mesmo e dando como exemplo o dia em que, aos gritos consigo, lhe ensinou que o copo se coloca na mesa do lado direito do prato e referindo que, as mais das vezes, acabava a assentir no que o arguido desejava apenas e tão só porque não lhe conseguia fazer frente e de molde a que os ânimos serenassem.

Mais referiu que adquiriu ao arguido, por contrato de compra e venda, a habitação a que se alude em 82 e com recurso a empréstimo bancário a habitação a que se alude em 83 embora não tenha querido explicar se, efectivamente, quanto à primeira delas pagou o preço sopesado o facto de não trabalhar e ser proveniente de famílias humildes.

Relatou, ainda, que o arguido não lhe permitia ter amigos pois que era sua obrigação estar com ele, fazendo-o sentir-se isolado, e que foi o próprio arguido quem escolheu a escola secundária em que se inscreveu em Lisboa sendo que apenas quando o arguido ficou preso em cumprimento de uma pena de prisão logrou começar a fazer amigos pois que se sentia mais livre.

Mais deu nota que apenas quando o arguido foi preso conseguiu começar a libertar-se do jugo daquele tomando o seu destino nas suas mãos embora tenha sempre continuado a visitá-lo no EP XXX.

Referiu que, em tal período, começou a trabalhar como recepcionista auferindo a quantia mensal de € 650 e prosseguindo os seus estudos tendo entrado na Universidade VV.

Mais relatou os factos tal como vertidos em 11 e 12; 18 a 22 e 30 a 36 da factualidade considerada como provada dando nota que sentia pânico do arguido quando este o procurava na Universidade VV.

Deu ainda nota que terminou telefonicamente o relacionamento que mantivera com o arguido sendo que, de tal momento em diante, aquele lhe ligava constantemente solicitando que regressasse a casa e, após, relatou os factos vertidos em 14 a 17 da factualidade considerada como provada.

Mais relatou o episódio vertido em 25 a 27 tal como ali vertido.

Referiu que durante os anos em que viveu com o arguido e até ter começado a trabalhar o mesmo o sustentava embora o seu vestuário e calçado fosse adquirido pelos seus pais.

No mais esclareceu que, na sequência das atitudes do arguido, mesma se sentia humilhado e diminuído na qualidade de companheiro daquele e permanecendo, até à actualidade, "desfeito interiormente" ( sic).

- O depoimento das testemunhas AC e RS, ambos colegas de faculdade do assistente, os quais de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deram conta ao Tribunal, aquela, da factualidade tal como vertida em 23 e, ambos, da factualidade tal como vertida em 31 a 36.

- O depoimento da testemunha AS, contínuo na Universidade VV, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal da factualidade vertida em 21 e explicitando que o arguido ao agarrar o braço do assistente parecia estar a chamar-lhe a atenção para algo.

- O depoimento da testemunha CS, estudante e colega de faculdade do assistente, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal da factualidade vertida em 30 frisando que o arguido lhe deixou o seu número de telefone.

- O depoimento da testemunha ZL, médica, a qual de forma clara, objectiva e isenta merecendo-nos, pois, toda a credibilidade deu nota ao Tribunal que conheceu o assistente no Centro de Saúde de YY e que o mesmo era um jovem transtornado tendo-o medicado e encaminhado para uma psicóloga e recordando-se que o mesmo esteve de baixa médica por alguns meses.

- O depoimento da testemunha CL, psicóloga clínica, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que, há cerca de três anos, seguiu o assistente em consulta de psicologia apresentando o mesmo sintomas de depressão (insónias, perda de apetite, ansiedade generalizada) e transmitindo sofrimento.

- O depoimento das testemunhas LF e JA, estudantes e colega de faculdade do arguido, as quais de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deram conta ao Tribunal de que, a solicitação daquele, o acompanharam à universidade em data que não souberam precisar, mas dando ambos nota da factualidade vertida em 31 a 35 embora explicitando que estariam à procura do assistente mas na qualidade de filho do arguido pois que assim aquele lhes havia sido apresentado pelo arguido.

- O depoimento da testemunha JM, administrativo na Universidade VV, em nada relevou para a formação da convicção do

Tribunal na medida em que o mesmo nada sabia acerca da factualidade objecto dos presentes autos.

- O depoimento da testemunha AM, assistente de geriatria, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que enquanto trabalhou no mesmo local que o assistente aparecia frequentemente um indivíduo do sexo masculino (entre os quarenta e muitos e os cinquenta e muitos anos de idade) a perguntar por ele e que interpelava os colegas de trabalho daquele para tentar saber qual o contacto do mesmo.

- O depoimento da testemunha SL, comercial, colega de trabalho e amiga do assistente, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de quando aquele começou a trabalhar tinha toda a liberdade e que, após algum tempo, cerca de um ano, o mesmo parecia que deixara de ter poder de decisão sobre a sua vida tendo chegado a conhecer o arguido pois que este o quis sendo que o mesmo a tratava a si e ao assistente como se fossem crianças e actuando como verdadeiro marido ciumento.

Mais referiu que certa vez viu o corpo do assistente com a marca de uma mordedura no braço embora não saiba explicitar quem lhe fez tal marca.

Por fim, deu nota que o assistente quando terminou a relação com o arguido não trouxe consigo os seus pertences, a saber, vestuário, calçado, livros, produtos de higiene, etc.

O depoimento da testemunha RM, Agente da PSP, o qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que elaborou o Auto de Notícia de fls. 02 e seguintes tendo fixado a situação pois que era agente de autoridade há pouco tempo e tratar-se de uma situação invulgar porque ocorrida entre dois homens.

- O depoimento da testemunha NN, Agente da PSP, em nada relevou para a formação da convicção do Tribunal na medida em que o mesmo nada sabia acerca da factualidade objecto dos presentes autos.

- O depoimento da testemunha FS, Agente da PSP, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal da factualidade tal como vertida em 35 e 36.

- O depoimento da testemunha JR, estudante e amigo de infância do assistente, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal que aquele manteve um relacionamento de namoro com o ora arguido vindo passar fins de semana a Lisboa com o mesmo até que, posteriormente, passou a habitar com o mesmo e dando nota que, enquanto tal relacionamento perdurou, o assistente afastou-se de si e de outros amigos pois que sentia receio do arguido.

O depoimento da testemunha MC, amiga do arguido e do assistente, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal que um seu filho manteve um relacionamento amoroso com o ora arguido e que a relação entre o arguido e o assistente, com quem conviveu, lhe pareceu sempre normal sendo o arguido carinhoso com aquele em quem sempre investiu emocional e economicamente.

- O depoimento da testemunha DC, arquitecto de XXX e ex-namorado do arguido, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que o seu relacionamento com o arguido foi sempre pacato mantendo-se amigos até à actualidade embora referindo que aquele é "picuinhas" ( sic). Mais referiu que tanto quanto observou da relação do arguido e assistente os mesmos pareciam felizes.

- O depoimento das testemunhas AG e MA, pais do assistente, as quais de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deram conta ao Tribunal que o arguido por várias vezes foi a casa deles no WW assim como os mesmos vieram a casa dele aqui no distrito de Lisboa dando nota que o mesmo é amigo do seu filho.

- O depoimento da testemunha MR, doméstica, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo- nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal em nada relevou para a formação da convicção do Tribunal.

- O depoimento da testemunha MS, directora das residências assistidas XXX a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal que o assistente não foi despedido mas antes chegou a um acordo amigável com a entidade patronal para rescindir o seu contrato de trabalho.  

- O depoimento da testemunha MC, notária, em nada relevou para a formação da convicção do Tribunal na medida em que a mesma nada sabia acerca da factualidade objecto dos presentes autos guardando apenas uma vaga recolecção de ter atendido o arguido no âmbito das suas funções profissionais nada mais sabendo precisar.

- O depoimento da testemunha VV, reformado e vizinho do arguido e assistente na residência sita em YY, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que conheceu o arguido e o assistente como casal demonstrando os mesmos grande cumplicidade.

- O depoimento da testemunha PB, empregado de hotelaria (actualmente desempregado), a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que conheceu o arguido e o assistente como um casal quando ainda moravam em S. João do Estoril nunca sentindo o assistente triste ou constrangido nem tendo assistido a agressividade por banda do arguido.

- O depoimento da testemunha MG, auxiliar de limpezas e amiga do arguido há 11 anos, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal de que conheceu arguido e assistente como casal dando nota que aquele era muito protector do assistente e reputando a relação dos mesmos de pacífica.

- O depoimento da testemunha OM, advogado, a qual de forma clara, objectiva e serena merecendo-nos toda a credibilidade deu conta ao Tribunal deu nota que alguns bens de pertença do arguido passaram para o assistente atenta a relação de confiança vivida entre ambos.

- Documentalmente o Tribunal louvou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 38 a 43 - Auto de denúncia; 82 - Aditamento; 153 a 158 - Certificados de incapacidade temporária para o trabalho; 160 - Comunicação do ISS, IP; 161 - Atestado de doença; 162 - Informação clínica; 165 - Missiva; 186 e seguinte - Ficha biográfica do arguido; 260 - Relatório médico; 61 - Ficha de atendimento; 262 a 264 - relatório de acompanhamento psicológico; 378 e 379 - Cópia de certidões da CRAutomóvel; 382 a 401 - Cópia de escrituras públicas de compra e venda de imóveis; 415 - Relatório psiquiátrico; 1258 - Certidão escolar; 1272 a 1280 - Documentos emitidos pelo ISS, IP e 1095 e seguintes - CRC, todos analisados em sede de audiência de julgamento.

- Pericialmente o Tribunal louvou-se no teor dos relatórios periciais juntos aos autos a fls. 1103 a 1161 e 1164 a 1208, ambos examinados em sede de audiência de julgamento.

                                                        *

No que concerne à factualidade considerada como não provada foi a mesma assim considerada por um lado, porque a testemunha MS deu nota que o assistente acordou com a sua entidade patronal a sua saída e não que o mesmo tenha sido despedido e, por outro, quanto à factualidade vertida na alínea b) por força de não se ter produzido qualquer prova que a fundamente.

                                                        *

Antes de iniciarmos o cotejar da prova produzida em sede de audiência de julgamento estamos em crer que se mostra necessário frisar, por um lado, que nestes autos não se discute a titularidade dos bens que outrora foram pertença do arguido nem quaisquer eventuais vícios que tenham ferido os negócios jurídicos que estiveram subjacentes à venda de tais bens sendo certo que, foi o próprio arguido, quem deu nota que as mesmas foram efectuadas para que o mesmo não pudesse ver executados bens de sua pertença e, assim, eximir-se ao pagamento de uma indemnização em que havia sido condenado.

Por mais que o arguido tenha tentado, durante a audiência de julgamento, enxertar nos presentes autos tal questão, assinala-se aqui que não só tal não se mostra possível mas também que não sucederá porquanto nenhuma importància tem para o objecto dos presentes autos o qual se encontra delimitado pela acusação deduzida e, bem assim, pela factualidade nova apurada em sede de audiência de julgamento e oportunamente comunicada ao arguido.

Aqui chegados cumpre-nos dizer que, cotejada a prova produzida em sede de audiência de julgamento, dúvidas não nos restam que o arguido praticou os factos vertidos na factualidade considerada como provada pois que tal assim foi relatado pelo assistente de forma clara, objectiva, serena e absolutamente gráfica e que nos mereceu total credibilidade mostrando-se o mesmo, inequivocamente, marcado pelo relacionamento que vivenciou com o arguido (tanto como namorado, quanto como companheiro do mesmo).

De notar que o depoimento do mesmo, seu ex-companheiro foi, de per si, absolutamente esclarecedor e suficientemente gráfico quanto ao tratamento infligido pelo arguido à sua pessoa, por diversas vezes, ao longo de vários anos, por vezes no interior da residência do casal e mesmo após a separação dos mesmos.

Para nós é exemplificativo do tratamento redutor e humilhante que o arguido dava ao assistente o que sucedeu logo na primeira vez em que este veio ter com ele a Lisboa e que, por força de o mesmo não saber interpretar o placard dos horários dos comboios, o arguido foi a viagem de comboio a humilhá-lo com os demais utentes do mesmo a ouvi-lo ou o dizer-lhe, após o terminus da relação, "tu quando vieste da terrinha nem óculos tinhas e fui eu que tos comprei".

Mais se assinala que ao longo do relacionamento que manteve com o assistente o arguido - fazendo uso da sua experiência de adulto, por contraposição à daquele (o qual no início da mesma tinha apenas 15 anos de idade e cuja personalidade se encontrava ainda em formação) - isolou-o e exerceu sobre o mesmo um "poderio" que favoreceu que durante anos se perpetuasse tal estado de coisas.

Não olvidemos que do teor dos relatórios periciais juntos aos autos forçoso é que se conclua não só que o arguido é um indivíduo egocêntrico, susceptível e sensível a criticas, com dificuldades emocionais e relacionais na gestão de conflitos com dificuldade na gestão dos seus conflitos emocionais mas também que o assistente apresenta uma visão ingénua do mundo sendo imaturo, auto centrado e pessimista, emocionalmente instável.

Assim, a junção de tais personalidades tão diametralmente opostas favoreceu a que o arguido prolongasse por cerca de 10 anos o seu poderio sobre o assistente assistindo-se àquilo que na linguagem meteorológica se chama de "tempestade perfeita".

De notar que, apenas quando o arguido esteve em cumprimento de uma pena de prisão efectiva é que o assistente, paulatinamente, conseguiu começar a libertar-se do jugo em que vivia passando a trabalhar e estudar em simultâneo, criando amigos e iniciando um culto da sua liberdade de começar a pensar por si.

Embora se estranhe que o assistente, durante o período de reclusão do arguido não tenha terminado a relação com o mesmo, ainda assim, consegue-se compreender porquê pois que precisava de sedimentar o seu crescimento para conseguir libertar-se do mesmo o que demorou o seu tempo ...

Atentemos que o arguido apelidou tal atitude do assistente como o mesmo tendo-se "desencaminhado e desvirtuado a partir do momento em que foi envenenado" (sic) o que bem demonstra o seu grau de tolerância nulo ao crescimento do assistente e à liberdade de escolha e pensamento daquele. Exemplificativo de tal intolerância do arguido para com o assistente era o facto de, frequentemente, por qualquer coisa de pouca importância, gritar com o assistente impondo-lhe a sua visão das coisas acabando este por aceder a dar-lhe razão de molde a que os ânimos serenassem. É exemplo de tal atitude do arguido o gritar com o assistente a propósito do local onde se coloca um copo à mesa ...

A acrescer às declarações profundamente marcantes do assistente a factualidade ocorrida sem ser no recato do lar veio a ser confirmada pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento as quais deram nota que o arguido surgia nauniversidade à procura do assistente, abordava os amigos daquele com vista a tentar obter a morada e contacto do mesmo e, bem assim, surgia no seu local de trabalho com vista a tentar contactá-lo, obter o seu contacto e/ou residência.

Mais se refira que nenhuma estranheza nos causa que os amigos e pessoas das relações do arguido e assistente não se tenham apercebido que a relação dos mesmos era conflituosa pois que, as mais das vezes, tais factos sucedem no recato do lar entre agressor e vítima sem que terceiros assistam à prática dos mesmos.

Porém, sempre se dirá que não se conheceram amigos ao assistente até o arguido ser preso e, apenas após tal momento, o mesmo criou amigos sendo que, após o arguido ter sido restituído à liberdade, os seus amigos notaram que o seu comportamento se alterou tal como relatou a testemunha SL a qual referiu que o assistente, após tal momento, "começou a ter um comportamento diferente parecendo que não tinha poder de decisão sobre a sua vida" (sic).

Por fim, à liça de conclusão, mais se refira que as marcas causadas pelo comportamento do arguido na pessoa do assistente são, para nós, inequívocas e perpetuam-se até à actualidade.

Sem prejuízo de, por força das nossas atribuições profissionais, efectuarmos audiências de julgamento em que se imputa aos arguidos a prática de crimes de violência doméstica (de forma quase diária), ainda assim, este julgamento não deixou de nos marcar pela forma surpreendente como o arguido pautou as suas declarações negando, em absoluto, a prática de qualquer facto contra a assistente e bem se vendo que o move uma animosidade contra aquele que alimenta nestes autos e nos outros que correm termos em Tribunal colocando o acento tónico na titularidade dos bens que outrora forma seus como se tal questão fosse a pedra de toque dos presentes autos ...

Não deixou de nos causar estranheza que o arguido, volvidos vários anos sobre o terminus da sua relação com o assistente e encontrando-se separado do mesmo não consiga, ainda, admitir que praticou os factos objecto dos presentes autos assumindo a sua culpa o que, para nós, espelha de forma inequívoca que o mesmo ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta.

Assim, aqui chegados e em jeito de conclusão, resulta para nós de forma absolutamente transparente e não se nos suscitando qualquer dúvida, que o arguido, ao longo do relacionamento que manteve com o assistente agrediu, por diversas vezes, uma vez fisicamente e as demais verbalmente o, à data, seu companheiro fazendo-o, por vezes, no interior do lar em que residiam.

Face ao exposto, sendo esta a factualidade considerada como provada cumpre efectuar o enquadramento jurídico da mesma." (fim de transcrição).

3.1. Vejamos então se assiste razão ao recorrente

3.1. Impugna o recorrente a matéria de facto provada na sentença recorrida sob os pontos 3, 4, 7, 10, 11, 12, 31, 32, 33, 34, 36, 50 e 51, entendendo que tais factos deveriam ter sido dados como não  provados, pois excedeu-se manifestamente aquilo que os depoimentos e a prova documental autorizavam que se permitisse concluir.

Mais entende o recorrente padecer a sentença recorrida do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – art. 410.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal –, pois não foram tidas em conta pelo tribunal a quo as circunstâncias que levaram o arguido a praticar os factos, inexistindo matéria suficiente para fundamentar, com observância dos normativos legais, a condenação do recorrente nos moldes vertidos;

Considera ainda o recorrente que o tribunal a quo violou os princípios da livre apreciação da prova, ínsito no art. 127.º do CPP, e do in dubio pro reo, previsto no art. 32.º da CRP, porquanto, foram tidas em conta as declarações do assistente em detrimento das prestadas pelo arguido.

Apreciemos este primeiro conjunto de questões.

Recorde-se que a norma (art. 410.º, n.° 2, do C.P.P.), que aliás é de conhecimento oficioso, respeita aos vícios da decisão, verificáveis pelo mero exame do seu (dela, decisão) próprio texto, ou por esse exame conjugado com as regras da experiência comum. Por outras palavras, elementos estranhos à decisão não podem ser invocados ou chamados a fundamentar esses vícios que, repete-se, têm de resultar do próprio texto, e apenas deste.

a) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

Verifica-se este vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito. E só existe quando o tribunal deixar de investigar o que devia e podia, tornando a matéria de facto insuscetível de adequada subsunção jurídica, concluindo-se pela existência de factos não apurados que seriam relevantes para a decisão da causa.

É por demais evidente que todos os factos à boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal, sendo os demonstrados, objetiva e subjetivamente típicos, suficientes para a conclusão de direito.

b) Da contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão

Como é sabido, a melhor impugnação do julgado, nomeadamente, no plano da valoração da prova produzida e sequente estruturação da factualidade apurada, não se basta com juízos meramente opinativos ou de mera discordância, devendo assentar, isso sim, na avaliação de todo o material probatório recolhido, não deixando de recorrer aos critérios de experiência comum a de lógica do homem médio erguido pela ordem jurídica. Para além disso, tal exercício arredará arbitrariedade a afastará as conclusões sobrevindas a meras impressões geradas no espírito do julgador.

Sob tal contexto referencial cumprir-se-á, na sua melhor dimensão, o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127° do Código de Processo Penal.

O facto de a convicção do recorrente/arguido, perante a prova produzida, ser diferente da do Tribunal, não permite, sem mais, que ponha em crise a decisão.

Estando o recurso constitucionalmente assegurado, como garantia de defesa, não foi intenção do legislador que aquele fosse exercido sem regras, designadamente, por a convicção de quem recorre ser diversa da do julgador.

Não existe contradição insanável da matéria de facto dada como provada e a decisão proferida.

Da leitura da sentença recorrida ressalta a enorme clareza do texto e do sentido da decisão, não existindo a mais ténue obscuridade ou contradição. Trata-se de um texto integralmente lógico, bem estruturado e devidamente fundamentado.

c) Erro notório na apreciação da prova

Erro notório na apreciação da prova é aquele de que o homem médio facilmente dá conta.

O “erro notório na apreciação da prova” “é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta» (Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal ”, vol. III, p. 341).

Por isso – por se tratar de requisito comum a todos os vícios previstos nas diversas alíneas do cit. art. 410º-2 do CPP -, «só existe erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta com toda a evidência a conclusão contrária à que chegou o tribunal» [Ac. do STJ de 15/4/1998 (in BMJ n.º 476, p. 82)], isto é, «quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos» [Ac. do STJ de 10/3/1999 proferido no Proc. n.º 162/99 (apud MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 11ª ed., 1999, pp. 744-745)], ou seja, «quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum» [Ac. do STJ de 11/10/1995 (in BMJ nº 450, p. 110)].

O erro notório na apreciação da prova não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do recorrente.

A decisão do tribunal “a quo”, quanto à matéria de facto que deu como assente, está fundamentada, lógica e racionalmente, e a convicção alcançada não ultrapassou os limites impostos pelo art. 127º do CPP, pois a decisão, no tocante a tal aspecto, não se mostra arbitrária, antes perfeitamente aceitável à luz das regras gerais da experiência.
A livre apreciação da prova implica uma valoração racional e crítica e de acordo com as regras da experiência comum, tendo em conta o homem médio suposto pela ordem jurídica.
Sem necessidade de maiores considerações, não ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova uma vez que os factos descritos se apresentam internamente coerentes e articulados entre si de acordo com as regras da lógica, sendo plausíveis de acordo com as regras da experiência comum.

Como atrás se disse o julgador decide segundo a sua livre convicção.
A discordância do arguido perante a prova produzida mais não é do que a discordância da convicção do Tribunal a quo, que enquanto tal não pode ser sindicada.
Percorrendo a prova produzida em julgamento, que se dá definitivamente como assente, não padece a mesma da existência de algum dos vícios a que se reporta o art. 410.°, n.° 2 , do CPP.

Como é evidente pretende apenas o recorrente, no recurso, fazer valer a sua visão pessoal da prova – claramente a que melhor se adequa à sua posição o que é absolutamente humano e normal, assim como vulgar neste tipo de situações.

É lógico que alguém absolutamente interessado na questão não consiga ver com o distanciamento exigível a prova produzida. Ainda mais se somos os condenados e pretendemos ser absolvidos ou ver a nossa pena atenuada.

Como já foi aqui referido a forma como o Tribunal a quo apurou a prova encontra-se devidamente demonstrada e explicada.

Não há dúvidas quanto ao raciocínio e análises feitos. O Tribunal a quo, apreciou criticamente todas as provas produzidas, conjugadas entre si e com as regras de experiência comum, conforme consta da respectiva fundamentação de facto, convenceu-se e convenceu-nos, sem margem para dúvidas, de determinados factos que constam da decisão ora em crise.

Concluímos, assim, não existir no acórdão recorrido erro na fixação da factualidade dada por assente.

Improcede, pois, também nesta parte, a pretensão do recorrente.

Como dissemos, de acordo com o disposto no art. 127.º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

A livre apreciação não significa, porém, livre arbítrio ou valoração puramente subjetiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável.

A valoração da prova há-de ser uma liberdade de acordo com um dever de tal forma que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e, portanto, em geral suscetível de motivação e controlo.
Na fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo explicita as razões que o levam a dar como provados e não provados os factos.

Razões essas, que de forma alguma contradizem as regras da lógica e da experiência, antes assentam na perceção que o julgador teve de toda a prova recolhida em audiência de julgamento.

Não foi, pois, violado o princípio consagrado no art. 127.º do CPP

Finalmente, alega o recorrente que na sentença recorrida não foi respeitado o princípio "in dubio pro reo".

Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Outubro de 2008, relatado pelo Exmº Cons. Arménio Sottomayor (publicado in JusNet 5547/2008): “A violação deste princípio, segundo uma vez mais se afirmou-se no ac de 22-03-2007 - proc 4/2007-5, em que o aqui relator foi adjunto, "dizendo respeito à matéria de facto e sendo um princípio fundamental em matéria de apreciação e valoração da prova, só pode ser sindicado pelo STJ dentro dos seus limites de cognição, devendo por isso resultar do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção" Ora, da análise da decisão não resulta que, quer na 1ª instância, quer na Relação, tenha perpassado pelo tribunal dúvida alguma quanto aos factos praticados pelo recorrente, assentando os factos provados nas provas produzidas e nas ilações que delas tiraram as instâncias, o que é legalmente consentido. Também, por conseguinte, o princípio in dubio pro reo não se mostra violado.” (fim de transcrição).

Ora, na sentença recorrida não se impôs lançar mão do princípio jurídico-processual penal do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória) constitucionalmente consagrada no artigo 32° nº 2 da C.R.P., pois, no caso concreto, não subsistiu no espírito do tribunal a quo, e o mesmo se pode afirmar para este tribunal ad quem, uma dúvida relevante e invencível sobre a prática de factos integradores, como autor material e na forma continuada, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelos artºs 30.° e 152.°, n.ºs 1, al. b), 2, 4, 5 e 6, ambos do Código Penal, por parte do recorrente AA, e que são os descritos na matéria de facto dada por provada.

O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997). Impõe este princípio que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.

Tal não aconteceu no tocante aos factos que integram o crime de violência doméstica da autoria do recorrente.

Destarte, improcede igualmente nesta parte a pretensão do recorrente, reafirmando-se, assim, por fixada a matéria de facto.

3.2. Defende o recorrente que não se mostram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do crime de violência doméstica p.e p. pelo art. 152.º do C.P., porquanto, relativamente a este últimos, a incriminação pressupõe a existência de uma atuação dolosa do agente, o que no caso sub judice, entende não ter acontecido.

Vejamos.

Quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos expendeu-se no sentença recorrida:

"Ao arguido é imputada a prática, como autor material, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artº 152°, nºs 1, al. b); 2; 4 e 5 do C. Penal.

No que ora releva, dispõe o artº 152°, n° 1, als. a) do C. Penal "Quem, de modo reiterado ou não, inflingir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais:

a) Ao cônjuge (...);

b ) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges (...);

c ) A progenitor de descendente comum em 1º grau;

(...)

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal" acrescentando o seu n° 2 " No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos" (negritos nossos).

O artº 152° do C. Penal, na redacção resultante da alteração operada pelo Dec-Lei n° 48/95, de 15.03 - entretanto modificada pelas Leis nºs 65/98, de 02.09; 7/2000, de 27.05 e 59/2007, de 04.09 - integra-se no âmbito da legislação que tem em vista prevenir o fenómeno da violência doméstica ( conjugal ), da violência familiar e dos maus tratos familiares.

A propósito do tipo objectivo escreve Paulo Pinto de Albuquerque " ... inclui as condutas de "violência" fisica, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. O novo elenco legal de maus tratos é exemplificativo, concretizando o conceito legal de maus tratos, mas não o esgotando. A Lei n.º 59/2007 apenas visou esclarecer que as "privações da liberdade" e as "ofensas sexuais" se incluem entre os maus tratos e os maus tratos não têm de ser reiterados, podendo tratar-se de um acto isolado" - cfr. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, pág. 405.

O crime em causa preenche-se, pois, com comportamentos, tais como ofensas à integridade fisica, humilhações, provocações, injúrias, que de forma, reiterada ou não, afectam a dignidade pessoal do cônjuge, sendo que os bens jurídicos protegidos pela incriminação são "a integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual e até a honra" - cfr. autor e ob. cit, pág. 404.

Segundo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 132), a ratio do artº 1520 do C. Penal não está" na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana " indo muito mais além " dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc. ), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas", acrescentando que "o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental ".

Para Augusto Silva Dias ( Materiais para o estudo da Parte Especial do Direito Penal, Crimes contra a vida e a integridade fisica, 2.a edição, AAFDL, 2007, pág. 110) os bens jurídicos protegidos pelo tipo incriminador do artº 1520 do C. Penal são a integridade corporal, saúde fisica e psíquica e dignidade da pessoa humana ( no caso das als. b) e c) do n° 1 ) em contextos de subordinação existencial ( n° I ), coabitação conjugal ou análoga ( n° 2 ), estreita relação de vida ( n° 3 ) e relação laboral ( n° 4).

Segundo Maria Manuela Valadão e Silveira (Sobre o crime de maus tratos conjugais, Revista de Direito Penal, vol. I, n. ° 2, ano 2002, ed. da UAL, págs. 32-33 e 42 ), "o n° 2 do art° 152.° do CP protege em primeira linha a integridade, a saúde, nas suas  dimensões física e psíquica. Contribui, desta forma e em uníssono, com os outros tipos incriminadores do capítulo, para densificar o valor constitucional da integridade, que se analisa no n.º 1 do art. 25.º da Constituição, em integridade moral e física". E adianta que "a "mais valia" que o tipo incriminado trouxe à sociedade portuguesa, a partir de 1982, foi o reconhecimento ou, até, o aviso expresso de que o bem jurídico integridade pessoal é tutelado penalmente, mesmo quando as denegações desse bem jurídico ocorram intra muros de uma sociedade conjugal. Ou seja, a integridade pessoal mantém o seu valor, apesar da família".

No mesmo sentido pronunciaram-se diversos arrestos do Supremo Tribunal de que é exemplo o Acórdão de 30.10.2003 proferido no âmbito do Proc. nº 3252/03 -5.ª (in CJSTJ, ano 2003, Tomo III, págs. 208 e segs.) no qual se considerou que "O bem jurídico protegido pela incriminação é, em geral, o da dignidade humana, e, em particular, o da saúde, que abrange o bem estar físico, psíquico e mental, podendo este bem jurídico ser lesado, no âmbito que agora importa considerar, por qualquer espécie de comportamento que afecte a dignidade pessoal do cônjuge e, nessa medida, seja susceptível de põr em causa o supra referido bem estar".

Afirma Plácido Conde Fernandes (Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, n.° 8, pág. 305) não se vê "razão para alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral. A dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos".

O ilícito em referência pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo: " quem (…) infligir maus tratos físicos ou psíquicos (…) a pessoa particularmente indefesa em razão da idade (…)", ou seja, trata-se de um crime específico, isto é, um delito que só pode ser levado a cabo por certas e determinadas categorias de pessoas.

De notar que a questão da violência intrafamiliar foi abordada no Conselho da Europa o qual, na Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família ( Anexo II ), elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, aprovada na 33.a Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (Abril de 1984), especificou o conceito de violência física no seio da família, excluindo a violência sexual, como "Qualquer acto ou omíssão cometido no ãmbito da família por um dos seus membros, que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade de um outro membro da mesma família ou que comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade" - cf. BMJ 335.°/5-22.

No plano do direito interno, a evolução no tratamento destas matérias conduziu às modificações resultantes da 23ª alteração do C. Penal operada pela Lei n° 59/2007, de 04.09, a qual, com a nova redacção conferida ao artº 152.° em que a nova formulação vem consagrar a inserção de forma autónoma do conjugicídio e de situações paralelas, para além de outras, o que se justificará atendendo à evolução legislativa, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), da violência familiar e dos maus tratos familiares, como ocorre com a Lei n° 61/91, de 13.08 (protecção às mulheres vítimas de violência ), a Resolução da AR n.º 31/99, de 14.04, o Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (RCM n.º 55/99, de 15-06, DR n.º 137/99, I Série B), a alteração ao C. Penal, com a nova redacção do art. 152.° e dos arts. 281.° e 282.° do CPP - Lei 7/2000, de 27.05; a Resolução da AR n° 17/2007 ( DR I Série A, de 26-04-2007 ), sobre a iniciativa "Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres" e a Lei n° 51/2007, de 31.08, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei n° 17/2006, de 23.05 que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal, com referência, nomeadamente, aos arts. 3.°, al. a), e 4.°, al. a), e respectivo Anexo.

Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência debatiam abundantemente se seria de exigir, ou não, a reiteração como elemento integrador do crime de maus tratos.

Porém, atenta a actual redacção do artº 152°, n° 1 do C. Penal, da simples análise da letra da Lei, resulta claro que a necessidade de uma acção reiterada para o preenchimento do elemento objectivo integrador do tipo legal foi afastada.

A solução legislativa veio assim a afirmar-se em sentido divergente do propugnado no Anteprojecto de Revisão do C. Penal apresentado pela Unidade de Missão para a Reforma Penal, harmonizando-se com a exposta corrente jurisprudencial que, face a anterior redacção do preceito, o interpretava no sentido de não ser exigida a reiteração, desde que a conduta maltratante fosse especialmente grave.

Os maus tratos constituem ofensa do corpo ou da saúde de outrem.

Contudo, nem toda aquela ofensa representa maus tratos pois estes pressupõem que o agente ofenda a integridade fisica ou psíquica de um modo especialmente desvalioso e, por isso, particularmente censurável - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02.07.2008, Processo n.º 07P3861, relatado pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, referindo que «a conduta rnaltratante» deve ser «especialmente grave», do Tribunal da Relação de Coimbra de 22.09.2010, Processo n.º 179/09.6TAMLD.C1, que faz referência ao «acto ofensivo de tal intensidade, ao nível do desvalor, da acção e do resultado, que seja apto e bastante a lesar o bem jurídico protegido - mediante ofensa da saúde psíquica, emocional ou moral, de modo incompatível com a dignidade da pessoa humana», e 17.11.2010, Processo n.º 638/09.0PBFIG.C1, apelando «à intensidade, ao nível do desvalor, da acção e do resultado» para qualificar a violência doméstica, do Tribunal da Relação de Évora de 25.03.2010, Processo n.º 345/07.9PAENT.E1, que integra nos maus tratos tão-só as condutas que «revistam uma certa gravidade, traduzindo, nomeadamente, actos de crueldade, insensibilidade ou vingança da parte do agente e que, relativamente à vítima, se traduzam em sofrimento e humilhação», do Tribunal da Relação de Guimarães de 17.05.2010, Processo n.º 1379/07.9PBGMR.G1, que faz uso das expressões "especial desvalor da acção" ou "particular danosidade social do facto" para fundamenta a especificidade do crime de violência doméstica, do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.03.2011, Processo n." 938j08.7PCCSS.Ll-3, que defende que o crime de violência doméstica pressupõe, além do mais, "a prática de qualquer acto de violência que afecte a saúde, física, psíquica ou emocional, do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida naquela realidade conjugal", e do Tribunal da Relação do Porto de 26.05.2010, Processo n.º 179/08.3GDSTS.P1, no qual se consigna que no crime em causa estão actos " reveladores de um tratamento insensível ou degradante da condição humana da sua vítima".

Assim, para que se verifique a ocorrência do sobredito ilícito criminal necessário se torna que estejamos perante agressão capaz de afectar a dignidade pessoal do ofendido. A não se entender assim, o crime de violência doméstica não passaria de um crime de ofensas à integridade física qualificada e confundir-se-ia a ofensa ao corpo ou saúde de outrem com o conceito de maus tratos. Ora, tal não foi, de todo em todo, o desejado pelo legislador, conforme decorre da autonomia sistemática do crime de violência doméstica e do emprego nesta do conceito de maus tratos, respectivamente, ou seja, " Entre o crime de maus tratos físicos ou psíquicos (. .. ) e o crime de ofensas corporais simples existe uma relação de especialidade, só se aplicando, portanto, a pena estabelecida para aquele" - cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, página 336.

                                                        *

Regressados ao caso ora em apreço cumpre assinalar que se apurou que o arguido, por diversas vezes e ao longo dos anos, amesquinhou o assistente seu namorado e, posteriormente, seu companheiro manipulando-o e exercendo pressão psicológica sobre o mesmo no interior da residência comum do casal e, por uma única vez, mordeu-o num braço.

Com efeito, constata-se uma reiteração de condutas por banda do arguido levadas a cabo no interior da residência onde o casal habitava idóneas, sobretudo se sopesadas no seu conjunto, a produzir um apoucamento da dignidade que a qualquer ser humano é devida traduzindo, assim, um comportamento maltratante espelhado em actos de violência que degradaram (física e psiquicamente) a condição humana do, à data, seu companheiro, pelo que, resulta para nós inequívoco ser de concluir no sentido de que se mostram preenchidos os elementos objectivos do tipo, bem como o elemento subjectivo, o qual se basta com o dolo do agente em qualquer das suas modalidades.

O carácter sucessivo e sistemático como que foram perpetrados os factos contra o assistente numa atitude de acentuada baixeza moral e ofensa à dignidade humana daquele, seu companheiro levam-nos, pois, a concluir que in casu nos encontramos perante ofensa grave à dignidade pessoal da vítima e, em consequência, especialmente censurável a conduta daquele sopesada até a diferença de idades entre ambos e o facto de quando o assistente iniciou o relacionamento amoroso consigo ser ainda menor de idade e a sua personalidade encontrar-se em formação.

Ora, não podemos olvidar que lhe é imputado o sobredito ilícito criminal na sua forma agravada porquanto, por vezes, praticado no interior da residência comum do casal.

No que ora interessa, a agravação do crime de violência doméstica decorrente do n.º 2 do referido artº 152.º do Código Penal depende do cometimento do mesmo no lugar da coabitação do agente e da vítima (e apenas enquanto esta se mantém) ou tão-só desta.

"O propósito do legislador foi o de censurar mais gravemente os casos de violência doméstica (...) ocorridos diante de menores, por se considerar que os menores são vítimas "indirectas" dos maus tratos contra terceiros quando eles têm lugar diante de menores.

Por outro lado, o legislador quis também censurar mais gravemente os casos de violência doméstica velada, em que a acção do agressor é favorecida pelo confinamento da vítima ao espaço do domicílio e pela inexistência de testemunhas " cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, edição de 2008, página 406.

Ora, revertendo ao caso em apreço forçoso é que se conclua que, efectivamente, é de fazer operar tal agravante pois que alguns dos factos objecto dos

presentes autos ocorreram no interior das diversas casas de morada de família que arguido e assistente foram tendo.

                                                        *

Por fim uma nota, ainda que necessariamente breve, para se consignar que o crime praticado pelo arguido o foi na forma continuada.

Assim, no que ora releva, dispõe o artigo 30°, n° 2 do CPenal "Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente».

Aqui "Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções», diz o li. Cons. Maia Gonçalves, adiantando que, mos casos de crime continuado existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários legais de crime, a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular" (M.L.MAIA GONÇALVES, CP Port., Anot. e Coment., 15.a ed., 2002, Almedina, pág. 142 e 143.)

Como escreveu o Prof. Eduardo Correia "pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito".

Ora, para a unificação de vários actos num só crime continuado é necessária uma certa conexão temporal e espacial, além de uma certa uniformidade - homogeneidade no processo de actuação e de unidade do bem jurídico.

Como é ainda necessária, no plano subjectivo, a existência de uma pluralidade de resoluções e deve considerar-se haver uma pluralidade de resoluções «sempre que se não verifique entre as actividades do agente uma conexão o tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem renovar o respectivo processo de motivação".

A unidade de acção típica não é excluída pela realização repetida de actos parciais quer estes actos integrem, ou não, em si mesmos, outros tipos de crime.

Assim, o tipo legal inclui na descrição da acção uma pluralidade indeterminada de actos parciais, ou seja, trata-se do que, na doutrina, é designado por realização repetida do tipo - cfr., designadamente, Hans-Heinrich, Tratado de Derecho Penal, Parte Geral, Volume II, Bosch, Casa Editorial, S.A., págs. 998-999 e Cavaleiro Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, Editorial Verbo, 1992, págs. 546/547, citados no Acórdão da Relação do Porto de 5/11/2003, in CJ, Ano XXVIII, Tomo III, pág. 219.

Ora, embora se trate de um crime único - de execução reiterada - a consumação do crime de violência doméstica ocorre com a prática do último acto de execução. Esta compreensão, patente à luz do tipo de maus tratos no Código Penal de 1995 é a que resulta também da nova redacção conferida ao artº 152.º pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro posto que, tanto no regime anterior como no actual, é o estado de agressão reiterado que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio de poder, proporcionada pelo ãmbito familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante.

Com efeito, constituem pressupostos da continuação criminosa:

- A realização plúrima de um mesmo tipo de crime ou de vários outros tipos, desde que protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico;

- A homogeneidade de condutas do agente;

- A lesão do mesmo bem jurídico;

- A unidade de dolo, ou seja, a existência de uma linha psicológica continuada;

- A existência de uma situação exterior ao agente que facilite a execução dos ilícitos, assim diminuindo a sua culpa.

Também a sua execução foi levada a cabo pelo arguido de uma forma homogénea - leia-se, idêntica. Da mesma forma, ao longo de todo o lapso temporal os bens jurídicos violados foram sempre os mesmos.

Acresce que dúvidas não se nos suscitam quanto à existência de dolo directo em toda a sua actuação.

                                                        *

Face ao exposto, inexistindo nos autos a ocorrência de qualquer causa de exclusão da ilicitude da conduta do arguido ou da sua culpa e mostrando-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime ora em apreço importa proceder à determinação da sanção penal a aplicar-lhe." (fim de transcrição).

Atento o supra transcrito resulta que a decisão recorrida não se eximiu a tratar da questão relativa ao elemento subjetivo do tipo legal do crime de violência doméstica p.e p. pelo art. 152.º do C.P., afirmando, e bem, que aquele se basta, no seu preenchimento, com o dolo do agente em qualquer das suas modalidades.

Com efeito, o elemento subjetivo deste tipo de ilícito restringe-se ao conhecimento dos elementos objetivos típicos e à vontade de agir por forma a preenchê-los, isto é, dolo genérico – artigos 13.º e 14.º do Código Penal.

Este deve abranger o próprio resultado danoso da integridade física ou da honra e consideração, ou ainda da liberdade e autodeterminação da vítima.

Sendo que a decisão recorrida, viria noutra passo, a considerar que o dolo que presidiu a cada uma das suas resoluções "foi sempre directo".

Conclusão que não podia, aliás, deixar o Tribunal a quo de retirar depois de ter dado como provado que:

"40) Com as condutas supra descritas, o arguido quis e conseguiu atingir o corpo do assistente e, desse modo, causar-lhe dor e sofrimento, bem como, aproveitando-se da fragilidade do mesmo, decorrente da sua idade, do afastamento da sua terra natal e dos seus familiares e, bem assim, da sua dependência económica do mesmo, exercer sobre ele um ascendente por forma a pressioná-lo a manter o relacionamento amoroso que mantinham;

41) Com as condutas supra descritas ocorridas após o termo do relacionamento amoroso mantido entre o arguido e o assistente, o arguido visou e conseguiu constranger este último nas suas tarefas diárias, fazendo-o sentir medo e inquietação, perseguindo-o e abordando todas as pessoas que se encontravam mais próximas dele, na expectativa de vir a obter informações acerca da vida daquele;

42) Em toda a actuação supra descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de atingir a dignidade humana e a saúde mental e física do assistente, o que visou e conseguiu;

43) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com uma determinação unitária e a coberto de um sentimento de impunidade e bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei" (fim de transcrição).

No que respeita à convicção quanto à atitude interior do arguido, o tribunal a quo teve de socorrer-se das máximas da experiência comum, como não podia deixar de ser, uma vez que a atitude interior do arguido não é revelada – nem tinha que o ser – através da análise de relatórios periciais.

Os factos psicológicos que traduzem o elemento subjetivo da infração são, em regra, objeto de prova indireta, isto é, só são suscetíveis de serem provados com base em inferências a partir dos factos materiais e objetivos, analisados à luz das regras da experiência comum.

E essa avaliação só pode ser feita pelo julgador e nunca pelo perito, dado que a mesma resulta da conjugação de vários elementos a ponderar, que vão para além dos aspetos técnicos a que uma perícia se confina.

Como bem se refere no Ac. da Relação do Porto de 25/3/2010 (proferido no âmbito do Proc. 1052/05.2GALSD.P1, disponível in www.dgsi.pt), num caso similar, a propósito da verificação do elemento subjetivo da infração, “A este respeito importa, antes de mais, referir que nem sempre a prova em que o tribunal se baseia é prova directa. Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude. E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões.

Outrossim, não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos, sendo a este propósito que faz todo o sentido apelar às regras da experiência comum pois são elas o necessário elemento aglutinador da avaliação feita a partir dos meios de prova para fazer assentar em factos provados e adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem ao juízo de um cidadão de medianas capacidades e conhecimentos de vida.”

E, ainda, o Ac. da Relação de Évora de 28/2/2012 (proferido no âmbito do Proc. 468/06.1GFSTB.E1, disponível in www.dgsi.pt) “Os factos integrantes do tipo subjectivo – que se desdobra, muito sinteticamente, nas componentes cognoscitiva ou intelectual e volitiva ou intencional do dolo, correspondentes ao conhecer ou saber e ao querer o desvalor do facto – raramente se provam directamente.

Na ausência de confissão/admissão destes factos – e dificilmente se concebendo outra prova que incida directamente sobre eles – resta ao julgador a apreciação de prova indirecta, aquela que lhe permite, sempre com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto ao facto probando. E são muito frequentes os casos em que a prova é indirecta, precisamente no que respeita ao elemento subjectivo do crime. Daí a grande importância dessa prova no processo penal.

Terá aqui o julgador de retirar dos factos externos as necessárias ilações, de forma a poder ou não concluir que o agente se comportou internamente da forma como o revelou externamente. A convicção obter-se-á através de conclusões baseadas em raciocínios e não directamente verificadas, ou seja, num juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando.”

No caso dos autos, face à materialidade apurada e aos factos provados, não se nos suscitam quaisquer dúvidas de que o arguido atuou de forma dolosa e até com dolo direto, tendo pois plena consciência de todos os elementos objetivos do tipo em análise e vontade de impor à vitima (primeiro como seu namorado, depois companheiro, com quem viveu em condições análogas às dos cônjuges e finalmente ex-companheiro), a humilhação reiterada a que a sujeitou, envergonhando-a, causando-lhe permanente estado de humilhação, inquietação e ansiedade.

Termos em que, também neste particular, o recurso não pode lograr provimento.

                      

3.3. Alega o recorrente que pena que lhe foi aplicada é por demais exagerada face a todo o circunstancialismo que rodeou a prática dos factos, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica, ultrapassando as exigências de prevenção e em larga medida a sua culpa, fundamento e limite da pena, violando, assim o tribunal a quo o disposto no art. 71.º do Código Penal, entendendo que deve ser reduzida a pena ao mínimo legal;

Quanto à escolha e medida da pena expendeu-se na sentença recorrida:

"DETERMINAÇÃO DA PENA

A moldura penal abstracta resulta da subsunção supra operada do comportamento do arguido ao tipo legal mencionado e sopesando que o mesmo se mostra acusado da prática de um crime de violência doméstica agravado.

A determinação da medida concreta da pena (ou determinação da medida da pena) obedece, assim, ao critério global que se encontra plasmado no artº 71º, n° 1 do Código Penal.

Do normativo em apreço se extrai que aquela determinação será feita em função das categorias da culpa e da prevenção (especial e geral), sendo nomeadamente as circunstâncias enunciadas no citado artº 71º, n° 2 relevantes quer para a culpa, quer para a prevenção.

Desde logo, a culpa constitui o factor limitativo máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequada à culpa não pode, jamais, ser ultrapassado.

Semelhante limitação resulta do princípio da culpa que impregna a legislação penal, segundo o qual não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa - cfr. artº 1° da Constituição da República Portuguesa. É de salientar que a culpa deve referenciar-se ao concreto tipo de ilícito praticado que constitui o seu objecto, quer dizer, a culpa jurídico penal não é uma culpa em si mas antes uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa plasmada em certo facto - artº 40º, n° 2 do C. Penal.

Por outro lado, a medida da pena há-de ser dada pela necessidade de tutela de bens jurídicos face ao caso concreto, ou seja, o seu limite mínimo decorrerá de considerações ligadas à prevenção geral positiva, de integração, através da qual se pretende alcançar o reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.

Por fim, atenta a moldura penal "concreta" desta forma encontrada, a exacta medida da pena será fruto das exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na de advertência individual do delinquente.

Aqui chegados e no caso que ora nos ocupa milita em desfavor do arguido o concreto modo de actuação do mesmo; a reiteração da sua conduta; o lapso temporal pelo qual os facto se prolongaram, o que nos revela, acima de tudo, uma certa crueldade, desrespeito e desconsideração por aquele que em tempos escolheu para seu companheiro abstendo-se de praticar os actos ignóbeis que praticou contra aquele e que deixaram marcas inequívocas no mesmo.

Assim, a ilicitude como desvalor da acção, aferida pelo tipo de conduta apurada - violência sobretudo psicológica e, por uma única vez, física, - e pelo resultado desta tem-se por elevada pois que enquanto companheiro do assistente sobre ele impendiam deveres jurídicos e morais, mormente o de se abster de praticar os concretos actos ignóbeis que praticou contra o homem que em tempos escolheu para partilhar vida sopesada até a diferença de idades existente entre ambos.

Quanto à motivação da conduta típica do arguido nada se apurou que, de algum modo, explique a sua conduta.

Destarte, reflectidos e ponderados estes factores, a culpa do arguido tem-se por elevada.

Acresce que, a juntar ao seu grau de culpa, surge ainda o elevado grau de indiferença manifestado pelo mesmo relativamente aos valores comunitários em causa espelhado em toda a sua actuação ao longo da audiência de julgamento negando a prática dos factos objecto dos presentes autos o que nos permite concluir que o mesmo não interiorizou, ainda, o desvalor da sua conduta e reduzindo os presentes autos apenas e tão só, na sua perspectiva, a um litígio quanto à titularidade de bens que outrora forma de sua pertença.

Atendendo às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas se situam já num grau médio/elevado sopesado até o facto de a violência domestica ter sido erigida em prioridade nacional com a Lei n° 112/09, de 16 de Setembro, na medida em que estas condutas, constituindo crimes contra as pessoas - a sua integridade física ou psíquica e a sua liberdade pessoal - perturbam os princípios fundamentais de vivência em sociedade causando insegurança na comunidade.

Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, a qual temos por média/alta, teremos que atender ao modo como o crime ora em apreço foi perpetrado, ao lapso temporal pelo qual perdurou a sua conduta e à intensidade do dolo - que foi sempre directo - que presidiu à sua resolução bem como ao facto de o arguido ter já antecedentes criminais registados.

A favor do arguido apenas se apurou o mostra-se social, laboral e familiarmente inserido.

Face ao exposto, da ponderação de todos os factores supra expostos e, bem assim, das elevadas exigências de prevenção e censura que lhe estão associadas, oscilando a pena abstractamente aplicável ao arguido entre 2 e 5 anos de prisão, o Tribunal julga adequada a aplicação ao mesmo da pena de 4 anos de prisão.

 No que ora releva, dispõe o artº 50°, n° 1 do C. Penal" O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

É hoje líquido que a suspensão da execução da pena de prisão constitui, ela própria, uma verdadeira pena (de substituição); não é uma modificação da pena de prisão mas uma pena autónoma.

As penas de substituição ganham particular importância por força do da orientação político-criminal de restrição de aplicação da pena de prisão, orientação esta que o C. Penal inequivocamente seguiu no que concerne à pequena e média criminalidade.

A suspensão da execução da execução da pena de prisão assenta, pois, num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, efectivado no momento da decisão. O juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e que já valoradas em sede de medida concreta da pena).

Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que o mesmo, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao Direito e aos valores socialmente erigidos.

A finalidade do instituto é, pois, a de afastar o delinquente da criminalidade. Todavia, ainda que em tal sentido apontem as considerações retiradas da prevenção especial de socialização, a suspensão não deverá ser decretada se com ela se postergarem as necessidades de reprovação e de prevenção do crime: encontram-se aqui em causa não quaisquer considerações de culpa mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da ordem jurídica.

Do exposto se retira que a culpa não é o critério de escolha de uma pena de substituição, sendo que a mesma apenas pode e deve ser ponderada no momento da determinação da pena concreta de prisão. Ressalta da lei - cfr. artº 71º do C. Penal - que esta se orienta por critérios de prevenção especial que só não determinarão, sendo caso disso, a escolha de uma pena de substituição quando colidam, irremediavelmente, com as exigências de prevenção geral. O juízo de culpa é, pois, totalmente irrelevante para decidir da escolha da pena.

No caso objecto dos presentes, sem prejuízo de o arguido possuir já antecedentes criminais registados, por força do lapso temporal decorrido desde a data da prática dos crimes pelos quais foi já condenado, acredita o Tribunal que a aplicação desta pena de substituição mais grave realiza o limiar mínimo de defesa da ordem jurídica a que supra se fez referência, ou seja, não posterga as exigências de prevenção geral.

De notar que, qualquer pena de substituição, aliás, minimamente envolve um "mal" e acarreta consequências mais ou menos gravosas para o condenado. Por outras palavras, o castigo e reprovação públicas que se exprimem através da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução - e suspensa, portanto, sob a condição de o arguido manter um comportamento social adequado - satisfaz in casu as necessárias exigências de justiça que o sentimento jurídico da comunidade requer e, por outro lado, propicia a função reintegradora que às penas deve assistir, como sua lídima e primacial finalidade.

Também do ponto de vista da prevenção especial inexiste óbice à suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido sem prejuízo dos antecedentes criminais registados que o mesmo já possui sopesado, sobretudo, o facto de os mesmos dizerem respeito a crimes praticados há mais de 10 anos (sem prejuízo da gravidade dos mesmos e de, quanto a um deles, ter até cumprido pena de prisão efectiva).

Desta sorte, o Tribunal opta por suspender a execução da aludida pena de prisão por igual período de tempo esperando que esta pena de substituição constitua, simultaneamente, suficiente advertência e, porque não dizê-lo, castigo para a conduta desviante, mas também verdadeiro incentivo para que o mesmo, reflectindo sobre a censura penal que ora lhe é dirigida e sobre a respectiva razão de ser, se mantenha firme no propósito de manter uma vida conforme ao Direito respeitando aquele que outrora escolheu como seu companheiro, sob a condição de o mesmo entregar, no prazo de 30 (trinta) dias após o trânsito em julgado da presente sentença a quantia de € 200 à APAV e frequentar um curso de prevenção de violência doméstica, demonstrando-o no prazo de três meses após o trânsito em julgado da presente sentença, nos presentes autos." (fim de transcrição).

Segundo o n.º 1 do art. 71.º do Cód. Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção». Por sua vez, dispõem os nºs 1 e 2 do art. 40.º do Cód. Penal que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - já que o processo de determinação da pena é (e só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas. Na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção.

Os fins das penas têm sido equacionados a partir de um objetivo essencial: a redução ou prevenção da criminalidade. Na concretização deste objetivo identificamos a prevenção geral e a prevenção especial. A primeira na perspetiva da intimidação coletiva, a segunda na perspetiva da intimidação individual, isto é, de prevenção da reincidência.

Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos. E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 4-7-1996, Col. de Jur.- Acs. do S.T.J., ano IV, tomo 2, pág. 225).

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência coletiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstrata, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (Ac. do S.T.J. de 15-10-1997, Proc.º n.º 589/97, 3ª secção). É também esta, em síntese, a lição do Prof. Figueiredo Dias (“O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Fasc. 2-4, Dezembro de 1993, págs. 186-187).

"A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica" (Anabela Miranda Rodrigues, in "A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade", Coimbra Editora, pág. 570-571)

Modernamente, da prevenção especial decorre ainda aquilo que se pode designar de reforma e que consiste na ressocialização do delinquente.

Este fim de ressocialização do delinquente vai para além da prevenção da reincidência, tal como esta tem sido classicamente entendida. Pretende-se que o delinquente não reincida não por recear sofrer numa reação criminal, mas porque não tem necessidade de cometer o crime, uma vez que pode levar uma vida ética e socialmente não reprovável. E é deste quid que emerge o conceito de reinserção social (Relatório do Provedor de Justiça apresentado à Assembleia da República, 2007, pp.20).

Com efeito, tendo em vista o assinalável desajustamento que se verificava entre as finalidades político-criminais subjacentes ao Código Penal de 1982 e a experiência resultante da sua aplicação prática, o legislador, com a revisão operada em 1995 quis afirmar, expressamente, no artigo 40º, então introduzido, como proposições basilares do programa político-criminal: que o direito penal é um direito vinculado à tutela de bens jurídicos; que a culpa é tão-só limite da pena; que a intervenção penal tem como finalidade a "proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade".

Foi reafirmado, igualmente, o princípio da ultima ratio da pena de prisão, valorizando-se o papel da multa como pena principal e alargando-se o âmbito de aplicação das penas de substituição.

Na exposição de motivos da proposta de Lei 98/X (que está na origem da revisão de 2007) podemos ler que a revisão procura "fortalecer a defesa dos bens jurídicos, sem nunca esquecer que o direito penal constitui a ultima ratio da política criminal do Estado", indicando-se, entre as principais orientações da revisão, "a diversificação das sanções não privativas da liberdade, para adequar as penas aos crimes, promover a reintegração social dos condenados e evitar a reincidência".
Versando sobre este tema, Adelino Robalo Cordeiro disse nas Jornadas de Direito Criminal, (Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1998, pág. 48):
“O critério geral que preside à escolha da pena (artigo 70º) e bem assim os critérios particulares a que obedece a aplicação (escolha) das penas de substituição, assentam no pressuposto comum, clara e repetidamente explicitado na redacção introduzida pela Revisão, de que a pena escolhida há-de realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tal como agora definidas no artigo 40.º, n.º 1: a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, vale dizer, as exigências de prevenção geral positiva e de prevenção especial de socialização.
São, portanto, puras razões ou exigências de prevenção que dominam a operação de escolha da pena, portanto a aplicação das penas de substituição: a culpa esgotou as suas virtualidades na determinação da pena principal.”.

Dentro dos limites estabelecidos no tipo legal, a determinação da medida da pena faz-se em função da culpa do arguido e as exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1, e 40.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CP), havendo que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido considerando, nomeadamente, os fatores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do art. 71.º do Código Penal.

A determinação da medida concreta da pena há-de efectuar-se em função da culpa do agente (relevando o ilícito típico, através desta) e das exigências de prevenção, quer a prevenção geral positiva ou de integração (proteção de bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade) - art. 40.º, n.º 1, do CP -, funcionando a culpa como limite máximo que aquela pena não pode ultrapassar (n.º 2 deste art. 40.º). As circunstâncias referidas no n.º 2 do art. 71.º do CP constituem os itens a que deve atender-se para a fixação concreta da pena e atuam dentro dos limites da moldura penal abstrata, sem se partir de qualquer ponto determinado dessa moldura. São essas circunstâncias e outras que tenham igual relevância do ponto de vista da culpa e da prevenção, porque a enumeração legal é exemplificativa, que vão determinar a medida concreta da pena, a qual há-de satisfazer as necessidades de tutela jurídica do bem jurídico violado e as exigências de reinserção social do agente. A medida da tutela dos bens jurídicos, correspondente à finalidade de prevenção geral positiva ou de integração, é referenciada por um ponto ótimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime, entre esses limites se devendo satisfazer, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, às quais cabe, em última análise, a função de determinação da medida da pena dentro dos limites assinalados - cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 227 e ss.

Tendo presente todo o circunstancialismo dado como provado na decisão recorrida, o elevado grau de culpa do arguido, "a reiteração da sua conduta; o lapso temporal pelo qual os factos se prolongaram, o que nos revela, acima de tudo, uma certa crueldade, desrespeito e desconsideração por aquele que escolheu para seu companheiro abstendo-se de praticar os actos ignóbeis que praticou contra aquele e que deixaram marcas inequívocas no mesmo", " sopesada até a diferença de idades existente entre ambos", a também elevada ilicitude, enquanto "desvalor da acção, aferida pelo tipo de conduta apurada", o dolo do arguido que é direto e muito intenso, as elevadas necessidades de prevenção geral, face ao flagelo social da violência doméstica, a necessidade de prevenção especial que é in casu muito alta, quer perante os seus antecedentes criminais, em que salientamos a prática de um crime de abuso sexual de criança, no âmbito do processo n° 187/01.5 JFLSB, e de um crime de ofensa à integridade física qualificada, no âmbito do processo n° 1187/03.6PCCSC, quer à sua apurada personalidade, que se releva, como provado em 91) e 95), ser um indivíduo "emocionalmente instável, com dificuldades na gestão dos seus impulsos e não conseguindo elaborar psiquicamente os seus conflitos emocionais, o que pode potenciar os comportamentos de passagem ao ato não sendo de excluir a possibilidade de vir a ocorrer uma desorganização em circunstâncias favoráveis ou potenciadoras de tensão e stress apontando os instrumentos de avaliação para um risco moderado a alto de violência e igualmente um risco elevado para os actos de violência de natureza sexual", quer ainda por nunca ter admitido que praticou os factos objeto dos presentes autos, assumindo a sua culpa, o que revela que o mesmo ainda não interiorizou o desvalor da sua conduta, e, finalmente, face à moldura abstrata prevista para o crime em que o arguido incorreu (prisão de dois a cinco anos), parece-nos como perfeitamente adequada, por justa e proporcional, a medida da pena fixada ao arguido em quatro anos de prisão.

Já quanto à suspensão, na sua execução, daquela pena de quatro anos de prisão, não nos pronunciamos por não ser matéria que faça parte do thema decidendum do recurso, a não ser de forma algo lateral enquanto questão conexa com o ter sido determinado na sentença que a quantia global em que o arguido foi condenado, a título de indemnização civil por danos não patrimoniais e patrimoniais, deverá ser pagar ao assistente à razão de 1/4 em cada um dos anos da suspensão da execução da pena, decisão que o recorrente contesta e se tratará de seguida.

Destarte, igualmente improcede o recurso neste segmento.

3.4. Finalmente, pugna o recorrente que, no que concerne ao pedido cível, a condenação do arguido a pagar ao assistente o valor de € 25.500,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, é manifestamente exagerado quer no quantum quer na forma do seu pagamento.

No que concerne ao pedido de indemnização civil, expendeu-se no sentença recorrida:

 "RESPONSABILIDADE CIVIL

Cumpre agora proceder à apreciação do pedido de indemnização civil formulado nos presentes autos pelo assistente/demandante o qual, atento o disposto no artº 129º do Código Penal, será analisado de acordo com o preceituado na lei civil.

O princípio geral, em matéria de responsabilidade civil extracontratual é o consignado no artº 483º do Código Civil, o qual dispõe " Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei".

Face ao exposto, nos termos da lei substantiva a responsabilidade civil extracontratual pressupõe um acto, ou seja, um facto positivo, que importa violação de um dever geral de abstenção, de não ingerência na esfera de acção do titular do direito. Acresce que, para que tal responsabilidade exista, é necessário que o acto seja ilícito porquanto a lesão dos interesses alheios apenas obriga à reparação do dano quando consubstancia a violação do direito de outrem ou a violação da lei que protege esses interesses alheios.

Resulta do disposto no citado preceito legal que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil delitual, a saber: o facto ilícito, o dano, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano e a culpa.

O facto ilícito é o facto voluntário - acção ou omissão - que viola o direito de outrem (V.g. direitos reais e direitos de personalidade - cfr. artº 70º, n° 2 do Código Civil) ou deveres impostos por lei que vise a defesa dos interesses particulares, sem contudo conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.

O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica ou, noutra formulação, na supressão ou diminuição de uma situação favorável tutelada pelo Direito.

O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e nessa medida indemnizáveis.

Por fim, a culpa representa a imputação subjectiva do facto ao agente e traduz uma determinada posição ou situação censurável deste perante o facto ilícito, podendo assumir uma de duas formas, a negligência, que corresponde a simples desleixo, imprudência ou inaptidão ou o dolo, no qual o agente representa o resultado danoso e pratica o facto ilícito com a intenção de o produzir ou aceitando reflexamente o seu efeito.

Na responsabilidade aquiliana, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, excepto se existir presunção legal de culpa, a qual é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito - artº 496º, n° 1 do Código Civil.

O dano não patrimonial caracteriza-se por atingir bens de natureza espiritual, ideal ou moral. O critério de distinção desta espécie de danos relativamente aos patrimoniais resido, portanto, na natureza da vantagem afectada e não no tipo de direito ou norma lesado pela ocorrência danosa.

O Código Civil português optou, decididamente, por uma resposta afirmativa à questão da indemnização dos danos morais, sem deixar de exigir um certo rigor nesta matéria.

Com efeito, apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do Direito, devendo a gravidade medir-se por critérios objectivos" e o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado".

Serão, por exemplo, irrelevantes os pequenos incómodos ou contrariedades, bem como o sofrimento ou desgosto que resultem de uma sensibilidade anómala. Por seu turno, já serão atendíveis, por exemplo, os danos resultantes de invalidez ou incapacidade para o trabalho; dores e sofrimento fisico; perda da capacidade de descanso ou de fruição dos prazeres da vida; afectação da integridade fisiológica, anatómica ou estética e perda de expectativas de duração de vida.

No que concerne à fixação do montante da indemnização, a lei socorre-se aqui, como em outros casos em que existe manifesta dificuldade de quantificação abstracta das obrigações de juízos de equidade, entregando aos Tribunais a solução do caso concreto mas fixando os critérios dentro dos quais a equidade vai operar - artº 496º, n° 3, 1ª parte infine do Código Civil.

Estes critérios a atender são, em primeiro lugar a gravidade dos danos, não podendo a decisão desconsiderar essa gravidade, proporcionando a indemnização a essa extensão; depois, manda a lei atender, mesmo no caso de haver dolo ao " grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstàncias do caso" - artº 494º do C. Civil, aplicável ex vi do n° 3 do artº 496º do mesmo diploma legal.

De notar que, a indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio por não ser equivalente do dano um qualquer valor que reponha as coisas no status quo ante. Trata-se, tão somente, de uma satisfação ou compensação do dano sofrido que, em bom rigor, não é avaliável em dinheiro.

Como expõe o Prof. A. Varela a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista; por um lado, visa reparar, de algum modo, os danos sofridos pelo lesado; por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

Assim, como primeira operação a realizar na determinação da obrigação de indemnização impõe-se a consideração do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o qual desempenha a dupla função de pressuposto de responsabilidade e de medida da obrigação de indemnizar.

O dano patrimonial é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado. Noutro sentido, complementar deste, o dano patrimonial é o prejuízo passível de avaliação pecuniária e que pode ser indemnizado, senão directamente (restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão ), pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou de indemnização pecuniária) - cfr. artºs 562° e 566°, ambos do Código Civil.

Dentro do círculo dos danos patrimoniais abrangidos pelo dever de indemnizar compreendem-se quer os prejuízos causados, quer os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida. Está aqui em causa a distinção entre o dano emergente e o lucro cessante: o primeiro abrange o prejuízo causado em bens ou direitos já existentes na esfera patrimonial do lesado à data do facto ilícito; o segundo abrange os benefícios que aquele deixou de obter por causa do facto lesivo mas que ainda não tinha direito à data da lesão ou, por outras palavras, o dano emergente é o que resulta da frustração da vantagem já existente, enquanto o lucro cessante advém da não concretização de uma vantagem que de outra forma operaria.

Isto posto, analisando o caso ora em apreço, no que concerne ao pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante nestes autos constata-se, por um lado, que o arguido/demandado deve ser responsabilizado por danos patrimoniais e não patrimoniais causados àquele e decorrentes da sua conduta.

Assim, no que aos danos patrimoniais diz respeito apurou-se que o assistente se viu privado dos seus pertences (vestuário, calçado, produtos de higiene pessoal, livros e material escolar) quando abandonou a residência comum do casal bem como, por força dos períodos de incapacidade para o exercício da sua actividade profissional se viu privado de parte do seu rendimento respeitante a incapacidade para o exercício da sua actividade profissional ocorrida entre 12.09.2011 e 06.03.2012 e sendo certo que, durante tal período, o arguido deveria ter recebido 7 meses de rendimento (6 meses de trabalho + subsídio de natal) no montante de € 4 550 (7 X € 650) tendo recebido da segurança social, a título de subsídio de doença, a quantia global de € 5 347.382, pelo que, haveria o arguido/demandado ser condenado a pagar-lhe o remanescente até perfazer aquilo que o mesmo deveria auferir caso não tivesse estado doente por força de factos praticados pelo arguido/demandado contra a sua pessoa. Porém, sopesado o facto de apenas se ter apurado e comprovado em sede de audiência de julgamento que o assistente/ demandante esteve apenas e tão só entre 12.09.2011 e 06.03.2012 de baixa médica nada há a ressarcir pois que, sopesados os montantes concretamente por si recebidos da segurança social e vertidos em 61 a 76 da factualidade considerada como provada, num total de € 5 931,402, o mesmo excede já o vencimento relativo a tais meses, pelo que, inexistem, nesta parte, danos a ressarcir.

Lançando mão de critérios de equidade a título de vestuário e calçado arbitra-se ao assistente/demandante a quantia de € 3 000 e a título de material escolar e livros a quantia de € 2 500.

No mais, tendo-se apurado que o arguido não foi despedido e não se tendo apurado que o mesmo não tenha logrado obter emprego por força de conduta do arguido / demandado nada mais há a indemnizar a título de danos patrimoniais.

Acresce que, no que concerne aos danos não patrimoniais, à luz do pertinente critério de equidade e de todas as circunstâncias apuradas, mormente o lapso temporal pelo qual perdurou a conduta do arguido/demandado, o facto de o mesmo procurar o assistente/demandante em locais públicos, causando-lhe vergonha e vexame, as consequências fisicas no corpo daquele, as quais se perpetuam até aos dias de hoje (mantendo-se deprimido e ansioso) o Tribunal reputa adequada e suficiente a fixação ao mesmo de uma indemnização no montante de € 20 000 (vinte mil euros)." (fim de transcrição).

No que respeita ao montante da indemnização, importa reter que, de acordo com o disposto no art. 129.º do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

O art. 483.º do Código Civil, doravante CC, preceitua que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”

Também os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, deverão ser atendidos na fixação da indemnização – art. 496.º do CC.
Os danos não patrimoniais sofridos, pela sua gravidade, justificam uma compensação, com recurso à equidade e tendo em atenção o preceituado nos artigos 494.º e 496.º n.ºs 1 e 3, do Código Civil.
É evidente que quando se recorre a critérios de equidade, como é o caso, há sempre uma certa margem de discricionariedade e subjetividade.
No entanto, não poderá esquecer-se, como tem sido defendido pela jurisprudência e doutrina dominantes, e a sentença recorrida também chamou a atenção, que a indemnização reveste, no caso de danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, não visa repor a situação anterior à lesão, mas compensar de alguma forma os danos sofridos pela pessoa lesada, e, por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 7.ª ed., p. 602).

Na fixação da indemnização deverá observar-se o disposto nos arts. 562.º, 563.º, 564.º e 566.º, todos do CC.
Na fixação do quantum indemnizatório manda a nossa lei atender, através da remissão para o disposto no art. 494.º do CC, ao grau de culpa do lesante, situação económica de lesante e lesado, flutuações do valor da moeda, etc., devendo ser proporcionada à gravidade do dano e tomando em conta, na sua fixação, "todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida" (vd. Antunes Varela e Pires de Lima, CC anotado, 4ª Ed., pág. 501).
Nesta conformidade, a situação económica do agente não é o único vetor em que assentam os critérios de indemnização por danos não patrimoniais, como parece transcorrer da fundamentação recursiva aqui em apreço.
Mais decisivo que esse fator é a globalidade da ilicitude revelada pelo ato ou atos que infrinjam os direitos, no caso direitos humanos da vítima, que passaram a carecer de tutela e as consequências de natureza não patrimonial provocadas por essa conduta ilícita.
A conduta do arguido é fortemente culposa, violando os direitos de personalidade do assistente numa das suas vertentes nucleares mais intimas, que é a sua liberdade de autodeterminação e o direito à sua integridade física e sobretudo psíquica, mormente a não sofrer medos e temores, por via de ameaça e coação, perdurando essa ilicitude durante vários anos, numa fase em que aquele ainda era jovem adulto.

Conforme resulta dos factos provados, em consequência das condutas do arguido/demandado o demandante civil sofreu, durante mais de uma década (pelo menos de junho de 2001 e até dezembro de 2011), cenas de ciúmes por parte do arguido/demandado, eivadas de prepotência, chantagem emocional, manipulação e agressão física (sendo significativas as dentadas no braço direito e nas costas, provocando edema, escoriação e equimoses, que lhe deu em 17 de agosto de 2011, no interior da residência e no decurso de uma discussão em que o assistente manifestava intenção de terminar o relacionamento que mantinha com o arguido, tendo ato contínuo, visando impedir que o assistente abandonasse a aludida residência, retirado as chaves de casa ao BB e trancado a porta que franqueia a entrada naquela, e retirando-lhe também o telemóvel e desligado a linha do telefone fixo de molde a evitar que aquele lograsse contactar as autoridades) e agressão psicológica, mormente humilhando-o em frente de terceiros, fazendo com que este se sentisse inferior relativamente a si, ameaçando-o de revelar a sua orientação sexual aos progenitores e conhecidos na sua terra natal, bem como procurando-o por diversas vezes e inesperadamente, inclusive em locais públicos (caso do Centro de Saúde de YY), no local de trabalho do assistente e na universidade onde este estudava, agarrando-o, gritando com ele e causando-lhe vergonha e vexame, e consequências psicopatológicas no corpo daquele, as quais se perpetuam até aos dias de hoje, mantendo-se deprimido e ansioso, passando a sofrer de síndrome depressiva e tendo tido incapacidade temporária para o trabalho, ininterruptamente, durante quase 6 meses (de 12 de setembro de 2011 a 6 de março de 2012).

A tudo acrescendo constantes discussões, iniciadas pelo arguido, que é egocêntrico, intolerante e tem baixa resiliência à frustração, com o assistente, sem motivo aparente, em que AA mostrando-se exaltado, impulsivo e agressivo de forma desproporcional à situação subjacente, exercendo este sobre aquele pressão psicológica, visando isolá-lo e não permitindo que tivesse amigos, pelo menos, até BB passar a frequentar o ensino universitário, situação que também se prolongou no tempo e ao longo do relacionamento entre ambos, dentro e fora de um contexto de coabitação. Tudo fazendo o arguido, que era bem mais velho (separam-nos na idade 27 anos de diferença), sabendo-o ser mais vulnerável afetiva e economicamente, quer em função da sua menor idade (recorde-se que quando se conheceram e começaram a relacionar amorosamente tinha o assistente apenas 15 anos de idade, encontrando-se a sua  personalidade ainda em formação), quer da sua bem menor capacidade financeira, quer ainda por não possuir BB qualquer apoio familiar em Lisboa, encontrando-se muito distante da sua terra de origem, onde pais e amigos permaneciam (atente-se que o triângulo geográfico ZZ - CH/Sintra - Lisboa está a quase 300 km de  KK, no concelho do WW).

Como também dado por provado agora sob n.ºs 40 a 42 e 44 a 49:

"40) Com as condutas supra descritas, o arguido quis e conseguiu atingir o corpo do assistente e, desse modo, causar-lhe dor e sofrimento, bem como, aproveitando-se da fragilidade do mesmo, decorrente da sua idade, do afastamento da sua terra natal e dos seus familiares e, bem assim, da sua dependência económica do mesmo, exercer sobre ele um ascendente por forma a pressioná-lo a manter o relacionamento amoroso que mantinham;

41) Com as condutas supra descritas ocorridas após o termo do relacionamento amoroso mantido entre o arguido e o assistente, o arguido visou e conseguiu constranger este último nas suas tarefas diárias, fazendo-o sentir medo e inquietação, perseguindo-o e abordando todas as pessoas que se encontravam mais próximas dele, na expectativa de vir a obter informações acerca da vida daquele;

42) Em toda a actuação supra descrita o arguido agiu com o propósito concretizado de atingir a dignidade humana e a saúde mental e física do assistente, o que visou e conseguiu;

44) Como consequência directa e necessária da conduta do arguido o assistente sofre psicologicamente vivendo, desde então, com medo daquele e sentindo-se ansioso, angustiado e fisicamente abatido e extenuado;

45) Por força de algumas das condutas do arguido supra descritas terem ocorrido em locais públicos o assistente sentiu-se humilhado, vexado, incomodado e entristecido sabendo que tais factos eram comentados, nomeadamente, na universidade que frequentou e naquele que foi o seu local de trabalho;

46) Por força das atitudes do arguido supra descritas o assistente sentiu-se e sente-se até à actualidade desrespeitado e indignado esperando, no cerne da relação que manteve com aquele, lhe fosse dado um outro tratamento;

47) O assistente teme, até à actualidade, que o arguido o persiga e que vá até à residência dos seus pais, sita no WW, dar nota da sua orientação sexual;

48) O assistente viu alguns dos seus amigos e colegas de faculdade afastarem-se de si por força de atitudes mantidas pelo arguido levando-o a sentir-se isolado e fragilizado;

49) Por força da conduta do arguido supra descrita o assistente sente-se inseguro, intranquilo, em sofrimento e tem perturbações do sono." (fim de transcrição).

Tais danos de natureza não patrimonial merecem, sem dúvida e como vimos, a tutela do direito.

Igualmente, conforme resulta dos factos provados, em consequência da conduta do arguido/demandado o assistente/ demandante civil BB viu-se privado dos seus pertences, referentes a vestuário, calçado, produtos de higiene pessoal, livros e material escolar, quando abandonou a residência comum do casal.

Tais danos de natureza patrimonial também merecem, sem dúvida, a tutela do direito.

Cremos que os montantes de € 20.000,00 (vinte mil euros) e € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros) fixados na decisão recorrida, com base em critérios de equidade, para ressarcimento, respetivamente, dos danos de natureza não patrimonial e patrimonial se mostram ajustados à situação dos autos, como resulta dos factos provados, bem como se nos afigura adequada a forma faseada e fracionada determinada para o seu pagamento.

Improcede, assim, o recurso quanto à pretensão do recorrente em ver reduzido o valor das indemnizações por danos morais e patrimoniais fixadas pela 1.ª instância e que totalizam € 25.500,00 (vinte cinco mil e quinhentos euros).

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC’s.

Notifique nos termos legais.

Comunique, com cópia, ao Juiz 2 do Tribunal de Execução de Penas de Lisboa, com referência ao processo n.º 1683/14.0 TXLSB, e à Secção Criminal da Instância Central de Coimbra, com referência ao processo n.º 1419/09.7TACBR, sugerindo-se que seja providenciado pelo suprimento da assinalada omissão no CRC do arguido.

 (o presente acórdão, integrado por setenta páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 19 de novembro de 2015

Calheiros da Gama

Antero Luís

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[1] Recorde-se que a prova documental pode ser junta oficiosamente ou a requerimento. Sendo que, como ensina Paulo Pinto de Albuquerque (vd. anotações 1ª e 2ª in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, pág. 459) "o artigo 164.º do CPP não fixa diretamente o critério de admissibilidade dos documentos. Esse critério é o da regra geral fixada nos artigos 267.º e 340.º, n.º 1. É admissível o documento cuja junção seja "necessária" para a descoberta da verdade ou para a boa decisão da causa."