Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
324/14.0TELSB-BZ.L1-5
Relator: ALDA TOMÉ CASIMIRO
Descritores: ARRESTO
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: – O facto de o recorrente ter sido constituído arguido, e submetido a interrogatório judicial e não judicial, em momento anterior à invocação da nulidade do arresto, não sana a nulidade.

– Sendo verdade que, é a constituição formal como arguido que consubstancia o pressuposto da validade formal do acto, também é verdade que é a anterior – ao arresto – constituição formal como arguido que consubstancia o pressuposto da validade formal do acto, a menos que a prévia constituição como arguido ponha em sério risco o fim ou eficácia do arresto, caso em que a constituição como arguido pode ocorrer em momento imediatamente posterior ao da aplicação da medida, mediante despacho devidamente fundamentado do Juiz, sem exceder, em caso algum, o prazo máximo de 72 horas a contar da data da aplicação do arresto; ou caso a constituição como arguido para efeitos de arresto se tenha revelado comprovadamente impossível por o visado estar ausente em parte incerta e se terem frustrado as tentativas de localizar o seu paradeiro, caso em que pode a mesma ser dispensada, mediante despacho devidamente fundamentado do Juiz, quando existam, cumulativamente, indícios objectivos de dissipação do respectivo património e fundada suspeita da prática do crime.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório:

No âmbito dos autos de Procedimento Cautelar (Arresto) com o nº 324/14.0TELSB-AO que corre termos no Tribunal Central de Instrução Criminal, vem o arguido/ arrestado J. interpor recurso do despacho que indeferiu a arguição de nulidade do arresto dos seus bens pedindo que se revogue o despacho impugnado e se ordene o levantamento do arresto dos seus bens.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem:
1.– Por despacho cuja data, teor e conteúdo nunca lhe foram notificados, os bens do Recorrente foram e continuam arrestados.
2.– Esse arresto foi executado antes das 11:28:47 horas do dia 22 de junho de 2017, momento em que ocorreu a comunicação eletrónica da medida aos serviços competentes do Registo Predial.
3.– O Recorrente apenas foi constituído como arguido no dia 28 de junho de 2017, pelas 10:10 horas,
4.– muito mais de setenta e duas horas após a aplicação da medida.
5.– Nunca foi proferido despacho (devidamente fundamentado ou não) que permitisse ter-se relegado a constituição do Recorrente como arguido para momento posterior ao da aplicação da medida, ou dispensasse o ato.
6.– Não existem, nem foram invocados, quaisquer indícios ou provas de se ter revelado impossível a constituição do Recorrente como arguido.
7.– A aplicação do arresto sub judice ofende, assim, o disposto nos nºs 2 a 5 do artº 192º, CPP, e sofre da nulidade expressamente cominada no nº 4 desse preceito.
8.– O Recorrente invocou essa nulidade e requereu, no dia 25 de julho de 2017, que, em concomitância, fosse ordenado o levantamento do arresto.
9.– Revogando um douto despacho adrede proferido sobre tal requerimento o Tribunal da Relação de Lisboa, por douto acórdão de 3 de julho de 2018, declarou tempestiva a invocação da nulidade e ordenou que fosse apreciado o requerimento.
10.– O douto despacho agora impugnado, reconhecendo embora ter sido cometida a nulidade em causa, considerou-a sanada, "pela circunstância de [o Recorrente] ter sido constituído arguido, em 28-06-2017, e submetido a interrogatório judicial e não judicial em momento anterior à sua invocação",
11.– circunstância, todavia, que não integra nenhuma causa legal de sanação do vício cometido, nem preenche nenhuma das hipóteses discriminadas no artº 121º, CPP, ou em qualquer outro preceito legal.
12.– Não ocorre, ademais, qualquer outro motivo de sanação da nulidade cm causa,
13.– pelo que, por força do disposto no artº 122º, CPP, deve invalidar-se o arresto dos bens do Recorrente, ordenando-se o levantamento da medida.
14.– Ao decidir o contrário, o douto despacho em crise ofendeu, entre outras, as disposições contidas nos arts 121º,122º e 192º, CPP.
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O Ministério Público junto da primeira instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do despacho recorrido, apresentando as seguintes conclusões:
1)– É claro não estarmos perante qualquer uma das nulidades elencadas no art. 119º do Código de Processo Penal como insanável, pelo que o regime aplicável não poderá ser outro senão o dos artigos 120º e 121º do Código de Processo Penal (princípio da subsidiariedade da nulidade sanável, cf. Paulo Pinto de Albuquerque “Comentário do Código de Processo Penal”, p. 312);
2)– Sendo indiscutível – e indiscutido nos autos – estarmos perante uma nulidade dependente de arguição, deverá igualmente considerar-se ser a mesma sanável pois, se assim não fosse, tal significaria consagrar, ao arrepio da Lei, um inexistente tertium genus de nulidades, a saber, uma nulidade dependente de arguição mas não sanável;
3)– É a constituição forma como arguido e não a comunicação dos fundamentos de facto e de Direito do arresto que consubstancia o pressuposto de validade formal do acto;
4)– A nulidade invocada pelo Recorrente, consubstanciada na não constituição como arguido previamente ou no prazo de 72 horas a seguir ao decretamento do arresto, sempre se há-de considerar sanada, pela circunstância de, no dia 28 de Junho de 2017, o aqui Recorrente ter sido constituído arguido nos autos de inquérito e submetido a interrogatório (judicial e não judicial);
5)– Em todo o caso, como ensina Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 3ª ed. revista e actualizada, 2002, p. 91: «Declarada a invalidade, o juiz ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição e aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela. A repetição só será necessária quando os efeitos derivados do acto não tenham sido produzidos doutro modo ou o desenvolvimento do procedimento não tenha evidenciado a sua inutilidade; a renovação será possível quando subsistam ainda os elementos materiais ou os pressupostos de facto para a repetição do acto»;
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Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer onde acompanha a posição expressa pelo Ministério Público junto da primeira instância.

O recorrente respondeu ao Parecer reiterando os argumentos expendidos no recurso.                                     

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

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Fundamentação.

A decisão recorrida é a seguinte:
Pelos fundamentos constantes no Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 03 de Julho de 2018 e relativo ao NUIPC: 32414.0TELSB-BM, apensado aos presentes autos de Procedimento Cautelar, foi dado provimento ao recurso interposto pelo arguido/arrestado J. , revogando o despacho recorrido e ordenando a sua substituição por outro que reconheça como tempestiva a arguição da nulidade invocada.
Atento o douto aresto, importa, pois, apreciar a invocada nulidade por parte do arguido J. .
Antes do mais, importa igualmente apreciar se, in casu, estamos na presença de uma nulidade a que alude o artº 119º do CPP.
Como decorre do artº 119º do CPP, constituem nulidades insanáveis e que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forme cominadas em outras disposições legais:
a)- A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b)- A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c)- A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d)- A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e)- A violação das regras de competência do tribunal, sem prejuízo do disposto no artigo 32.º, n.º 2;
f)- O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.

No caso concreto, não se afigura que estejamos perante uma das nulidades elencados no referido artº 119º do CPP, pelo que o regime aplicável será o estatuído nos artºs 120º e 121º, ambos do CPP, observando-se o princípio da subsidiariedade da nulidade sanável – vide Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, pág. 312.
Salvo opinião contrária, se assim não fosse, ao estarmos perante uma nulidade dependente de arguição mas não sanável, forçoso seria concluir que estaríamos sujeitos a um tertium genus de nulidades, o que, parece-nos que o legislador não pretendeu.
A tudo isto acresce que é a própria constituição como arguido, e não a comunicação dos fundamentos de facto ou de direito do arresto, que consubstancia o pressuposto de validade formal do acto, pelo que, consideramos a nulidade já sanada, pela circunstância de J. ter sido constituído arguido, em 28-06-2017, e submetido a interrogatório judicial e não judicial, em momento anterior à sua invocação.
Face ao supra exposto, improcede formal e materialmente a nulidade invocada pelo arguido J. .

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Apreciando…

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.
Em causa está a nulidade a que alude o nº 4 do art. 192º do Cód. Proc. Penal.

Nos termos do nº 2 do art. 192º do Cód. Proc. Penal, na redacção conferida pela Lei 30/2017 de 30.05, “a aplicação de medidas de garantia patrimonial depende da prévia constituição como arguido, nos termos do artigo 58º, da pessoa que delas for objecto, ressalvado o disposto nos nºs 3 a 5 do presente artigo”, acrescentando o nº 3 que “no caso do arresto, sempre que a prévia constituição como arguido puser em sério risco o seu fim ou a sua eficácia, pode a constituição como arguido ocorrer em momento imediatamente posterior ao da aplicação da medida, mediante despacho devidamente fundamentado do juiz, sem exceder, em caso algum, o prazo máximo de 72 horas a contar da data daquela aplicação”.

E determina o nº 4 deste art. 192º que “a não constituição como arguido no prazo máximo previsto no número anterior determina a nulidade da medida de arresto, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, ou seja, “caso a constituição como arguido para efeitos de arresto nos termos dos nºs 2 e 3 se tenha revelado comprovadamente impossível por o visado estar ausente em parte incerta e se terem frustrado as tentativas de localizar o seu paradeiro, pode a mesma ser dispensada, mediante despacho devidamente fundamentado do juiz, quando existam, cumulativamente, indícios objectivos de dissipação do respectivo património e fundada suspeita da prática do crime” (nº 5).

No caso em análise o arresto de bens do recorrente foi aplicado antes que ele fosse constituído arguido e essa constituição como arguido não ocorreu sequer no prazo máximo de 72 horas a contar da aplicação do arresto. Também não resulta dos autos que a constituição como arguido se tenha revelado comprovadamente impossível por o visado estar ausente em parte incerta e se terem frustrado as tentativas de localizar o seu paradeiro (e menos foi tal constituição dispensada, mediante despacho devidamente fundamentado do Juiz).

Assim, a nulidade do arresto cominada no nº 4 do art. 192º do Cód. Proc. Penal afigura-se evidente.


Mas afirma o despacho recorrido que tal nulidade se encontra sanada pela circunstância do recorrente ter sido constituído arguido, em 28.06.2017, e submetido a interrogatório judicial e não judicial, em momento anterior à invocação da nulidade do arresto.

Não nos oferece dúvida de que a nulidade prevista no nº 4 do art. 192º do Cód. Proc. Penal é uma nulidade sanável (pois que não se integra no elenco das nulidades mencionadas no art. 119º do Código que se tem vindo a citar). E tratando-se de uma nulidade sanável, aplica-se-lhe o regime previsto nos arts. 120º e 121º do mesmo Código.

Pelo que a nulidade pode ficar sanada se não for tempestivamente arguida (cfr. o art. 120º citado) – do que não cuidaremos porque, por douto acórdão desta Relação proferido em 3.07.2018, já foi decidido que a nulidade foi arguida tempestivamente.

Pode também a nulidade ficar sanada se, como estipula o art. 121º do Cód. Proc. Penal: 

“1– Salvo nos casos em que a lei dispuser de modo diferente, as nulidades ficam sanadas se os participantes processuais interessados:

a)- Renunciarem expressamente a arguí-las;

b)- Tiverem aceite expressamente os efeitos do acto anulável; ou

c)- Se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o acto anulável se dirigia.

2– As nulidades respeitantes a falta ou a vício de notificação ou de convocação para acto processual ficam sanadas se a pessoa interessada comparecer ou renunciar a comparecer ao acto.

3– Ressalvam-se do disposto no número anterior os casos em que o interessado comparecer apenas com a intenção de arguir a nulidade.”

Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o facto de o recorrente ter sido constituído arguido, e submetido a interrogatório judicial e não judicial, em momento anterior à invocação da nulidade do arresto, não sana a nulidade.

Sendo verdade que é a constituição formal como arguido que consubstancia o pressuposto da validade formal do acto, também é verdade que é a anterior – ao arresto – constituição formal como arguido que consubstancia o pressuposto da validade formal do acto, a menos que a prévia constituição como arguido ponha em sério risco o fim ou eficácia do arresto, caso em que a constituição como arguido pode ocorrer em momento imediatamente posterior ao da aplicação da medida, mediante despacho devidamente fundamentado do Juiz, sem exceder, em caso algum, o prazo máximo de 72 horas a contar da data da aplicação do arresto; ou caso a constituição como arguido para efeitos de arresto se tenha revelado comprovadamente impossível por o visado estar ausente em parte incerta e se terem frustrado as tentativas de localizar o seu paradeiro, caso em que pode a mesma ser dispensada, mediante despacho devidamente fundamentado do Juiz, quando existam, cumulativamente, indícios objectivos de dissipação do respectivo património e fundada suspeita da prática do crime.
No caso em análise não se verifica qualquer das referidas hipóteses, pelo que teremos que afirmar a nulidade do arresto com as legais consequências.

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Decisão.

Pelo exposto acordam em conceder provimento ao recurso e revogam o despacho recorrido, declarando nulo o arresto sob escrutínio com as legais consequências, nomeadamente o seu levantamento.

Sem custas.

Lisboa, 20.11.2018
 
(Alda Tomé Casimiro) – (processado e revisto pela relatora)
(Anabela Simões Cardoso)