Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
751/16.8T8LSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CASO JULGADO
OBRIGAÇÃO EXEQUENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: 1. Se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.

2. Todavia, inexistindo decisão de mérito ergo não se tendo formado caso julgado nos embargos, então nada impede que os executados venham em nova acção renovar a discussão sobre a existência da obrigação exequenda que foi actuada em seu desfavor em anterior processo executivo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

Questão prévia

Rejeitamos o documento apresentado pelos recorrentes com as alegações, meras fotocópias de peças processuais que deveriam ser certificadas, c a sua devolução aos apresentantes.

JA, JM, MC e JC instauraram  acção declarativa , com processo comum, contra B e T pedindo que:
i) se considere nula e de nenhum efeito a livrança junta aos autos;
ii) se declare nulo e de nenhum efeito, por simulação, o aval prestado pelos AA.;
iii) caso assim não se considere, que se declare resolvido o negócio jurídico de aval por alteração das circunstâncias;
iv) caso assim não se considere, que se declare reduzido por equidade o aval prestado.
Alegaram, em síntese, que:
i) a livrança é nula por violação do n.º 2 do artigo 75.º da LULL;
ii) houve divergência entre as declarações prestadas pelos declarantes com o conhecimento do declaratário constantes do referido aval, atenta a manifesta incapacidade destes conhecida aliás das rés em poderem cumprir com as obrigações assumidas por força do aval;
iii) houve alteração das circunstâncias nos termos relacionados com várias vicissitudes que descrevem que ocorreram entre a data de prestação do aval e a data do seu alegado vencimento.
As rés contestaram separadamente, por excepção e por impugnação.
No saneador, foi julgada procedente a excepção de erro na forma do processo com consequente absolvição dos réus da instância.
Inconformados, interpuseram os autores competente recurso.
Como não foram fixados os factos no primeiro grau, este Tribunal anulou a decisão recorrida e ordenou que fosse proferida decisão em que se explicitasse com suficiência e clareza a matéria de facto, que venha a fundamentar a nova decisão.
Dando cumprimento ao Acórdão, foi proferida a decisão de fls. 1113 ss, de 29.01.2018, que julgou de novo procedente a excepção de erro na forma de processo e, consequentemente, absolveu os rés da instância.
Mantendo anterior posição os autores interpuseram recurso, cuja minuta concluíram da seguinte forma:
“I. A decisão ora Recorrida é nula por força do disposto no art.º 615º, n.º 1, al. b) uma vez que tendo sido declarada nula por ausência de factos assentes, pretende-se temediar a nulidade mediante a inclusão de tais factos;
II. Factos esses que assentes não permitem dar cumprimento às disposições dos artigos 607.º e 608.º do CPC , pelo que para além de não se invocar nenhum facto addo como provado parece que,
III. Com relevância para os presentes autos importa apenas dar por assente a estes factos nada se dizendo sobre o demais;
IV. Contudo acresce a esta nulidade a circunstância não conhecida e que consta do documento n.º 1 agora junto segundo o qual tendo os ora autores deduzido embargos, os ora Réus deduziram a sua oposição aos embargos de forma extemporânea.
V. Assim nem a decisão recorrida nem a alegada excepção conheceu devidamente sendo pois manifestamente nula.
VI. Igualmente a excepção dilatória invocada , erro na forma do processo, para ser exercitada, careceria de exercício prévio, por parte do julgador do comando do artigo 193.º, n.º 3, do CPC.
VII. Contudo, inexiste no caso dos presentes autos, qualquer violação ou erro no processo, a presente ação é uma ação declarativa nos termos do art.º 10º do CPC.
VIII. Pelo que, não existe qualquer erro no processo, mas mais, a tese da sentença recorrida colide frontalmente quer com a constituição da República Portuguesa, quer com as normas do CPC.
IX. A prevalecer esta interpretação, a mesma viola o comando constitucional do art.º 20º da CRP, direito à efetiva tutela jurisdicional e acesso ao direito, uma vez que os Autores veriam limitados, de forma intolerável seu direito à ação.
X. A tese da sentença Recorrida configura uma violação expressa do direito à ação, uma vez que colocaria os ora Recorrentes em situação diminuída processualmente, em relação às outras partes, violando igualdade de armas.
XI. Igualmente o art.º 286º do CC regula as nulidades, o pedido formulado pelos Autores e ora Recorrentes, é de nulidade.
XII. A jurisprudência e a doutrina são claríssimas quanto à nulidade e ao regime jurídico pelo que o seu conhecimento da nulidade deve sempre ocorrer não podendo ser limitado por interpretações processuais sem qualquer fundamento da lei.
XIII. No caso dos presentes autos, embora nem sequer tenha sido alegado por nenhumas das partes não existe litispendência ou caso julgado.
XIV. A decisão ora Recorrida, atenta a gravidade que a violação do princípio constitucional previsto no art.º 20º acarreta deve ser declarada nula e revogada.
XV. Assim, deverá ser julgado pelos Venerandos Desembargadores da Relação de Lisboa, fazendo estes a sua costumada justiça.
Termos em que deve o presente recurso ser provido, declarando-se nulo o despacho Recorrido , ordenando-se a prossecução dos presentes autos’’.
B apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação do julgado.
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Constituem questões decidendas saber se :
i) A decisão impugnada é nula;
ii) Se a dedução dos embargos à execução operou a preclusão dos meios de defesa dos autores  impedindo-os de recorrer à presente acção.
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São os seguintes os enunciados de dados de facto fixados no primeiro grau:
1. A 11 de Abril de 2014, a R. B propôs acção executiva contra R. T e os AA com base na livrança em questão nos presentes autos.
2. A R. T e os AA deduziram oposição a tal execução, na qual não invocaram a simulação e a reserva mental.
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Da nulidade da decisão
Entendem os recorrentes que o despacho impugnado padece do vício de falta de especificação dos factos (artigos 615.º, n.º 1, alínea b), e 607.º, n.º 3 do CPC – serão deste código os artigos ulteriormente citados, sem menção diferente).
Verifica-se que na sequência do anterior Acórdão deste Tribunal o primeiro grau fixou (apenas?) dois factos provados, tendo considerado que “não há factos com interesse para o conhecimento da excepção que considero não provados’’.
Motivando a matéria de facto disse: “A matéria de facto considerada provada fundamentou-se nos documentos de fls. 135 verso a 145, 148 a 173 e 196 verso a 207, sendo de salientar que não se justifica notificar a ré para juntar certidão judicial extraída do processo …/… que certifique a apresentação do requerimento executivo, a citação dos executados e apresentação da oposição à execução, uma vez que os AA, nos artigos 87.º a 90.º da petição inicial, reconheceram que corre acção executiva contra eles com base na livrança em questão nestes autos e que deduziram embargos’’.
Sabido é que a generalidade das decisões (aos despachos, ergo aos saneadores aplica-se o mesmo regime das sentenças – artigo 613.º, 3 ) têm de ser fundamentadas de facto e de direito.
Trata-se de um importante corolário do princípio do Estado de Direito e do papel criador do direito desempenhado pelos tribunais.
A garantia de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas tem, entre nós, assento constitucional (artigo 205.º, n.º 1 CRP), está configurada nos artigos 154.º e 615.º, n.º 1, alínea b), e consta do artigo 6.º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia de um processo equitativo (artigo 20.º, n.º 4.º CRP).
A fundamentação consiste em explicitar-se os factos e as razões de direito em que baseia a decisão judicial e que a justificam (cfr. artigo 659.º, n.º 2). Se tiver sido proferida em equidade, deverá explicitar em que razões do seu domínio se fundamenta.
A lei é terminante ao exigir que o juiz discrimine os factos que considera provados (artigo 607.º, n.º 3 e 615.º, n.º 1, alínea b)).
Discriminar significa distinguir, assinalar a diferença entre dois ou mais elementos. 
No caso ocorrente, o tribunal especificou os factos que entendeu serem bastantes para fundamentar a sua decisão, tendo considerado inexistirem factos não provados com interesse para o conhecimento da excepção.
A lei não impõe (nem o podia fazer) quaisquer limites (no caso mínimos) à extensão dos fundamentos. Até porque estes pesam-se não se contam.
A falta de especificação dos fundamentos é um error in procedendo. Se o tribunal julgou mal a questão de facto é questão diferente que já tem a ver com o mérito.
Improcede a arguição dos recorrentes.
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Do direito
Nesta acção declarativa, instaurada em 11 de janeiro de 2016, os AA. pedem que se considere nula e de nenhum efeito a livrança; que se declare nulo e de nenhum efeito, por simulação, o aval prestado pelos AA.; caso assim não se considere, que se declare resolvido o negócio jurídico de aval por alteração das circunstâncias; e ainda, caso assim não se considere, que se declare reduzido por equidade o aval prestado.
Está assente que a 11 de Abril de 2014, B propôs acção executiva contra R. T e os AA com base na ajuizada livrança. A R. T e os AA deduziram oposição a tal execução, na qual não invocaram a simulação e a reserva mental.
Preceitua o art. 731º: “não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no artigo 729º, na parte em que sejam aplicáveis, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”.
Os artigos 728.º e ss tratam da oposição à execução, dispondo o n.º 1 que “o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação”.
Como explica o Conselheiro Eurico Lopes Cardoso, “Pelos embargos, o executado assume a autoria dum processo declarativo, destinado a contestar o direito do exequente, quer impugnando a própria exequibilidade do título, quer alegando factos que em processo declarativo constituiriam matéria de excepção.
Os embargos apresentam a figura quase perfeita duma acção dirigida contra o exequente , em que este toma a posição de réu e passa a denominar-se “embargado’’ e em que o executado é autor, com o nome de “embargante’’ (Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1986:279).
 Nas palavras de José Lebre de Freitas “constituindo a oposição à execução uma verdadeira acção declarativa, que corre por apenso ao processo de execução , nela é possível ao executado, não só levantar questões de conhecimento oficioso, mas também alegar factos novos, apresentar novos meios de prova e levantar questões de direito que estejam na sua disponibilidade (ex: a prescrição ou a compensação que não tenha invocado antes da acção executiva: artigos 303.º e 848.º, 1, CC) “ (A Acção Executiva, 5.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2009:171).
Neste momento poderíamos citar também, por exemplo, Miguel Teixeira de Sousa quando refere que os embargos “são um processo declarativo instaurado pelo executado (ou executado) contra o exequente (ou exequentes) , que corre por apenso à execução (…) e que constitui um incidente desta’’ (Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998:163) e muitos outros autores só para demonstrar o que hoje é ponto assente na doutrina e jurisprudência. A presente motivação não nos exige, porém, tanto.
Diz o artigo 551º, 1: “são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva”.
Concorda-se por isso que, em tese, é aplicável à ação executiva o disposto no art. 573º, 1, isto é que “toda a defesa deve ser deduzida na contestação”.
Consagra-se com esta formulação normativa o princípio da concentração da defesa justificada pela celeridade processual.
Como se sabe, deste princípio deriva a preclusão dos meios de defesa.
Referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre a propósito desta preclusão: “o réu tem o ónus de, na contestação, impugnar os factos alegados pelo autor, alegar os factos que sirvam de base a qualquer excepção dilatória ou perentória (com a única excepção das que forem supervenientes) e deduzir as exceções não previstas no n.º 2. Se o não fizer preclude a possibilidade de o fazer ’’ (Código de Processo Civil, Anotado, Vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017: 566).
Dando um exemplo deste efeito preclusivo, os mesmos autores acrescentam: “Assim , por exemplo, não invocada na oposição à execução (que constitui uma acção declarativa: art.732-2) a caducidade do direito a invocar os defeitos da obra (art. 1225.º-4 CC), não é possível ao embargado alegá-la em resposta ao articulado de aperfeiçoamento, apresentado em prazo concedido pelo juiz na audiência prévia, no qual o embargante haja concretizado os defeitos que invocara na petição de oposição (ac. STJ de 29.1.14, Fernando Bento, www.dgsi.pt, proc. 5509/10)’’ (ibidem).
Deste exemplo já se alcança, na linha do que disse acima, que a oposição à execução deve ser encarada, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art. 573º), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir).
Se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Mas, como é o caso, inexistindo decisão de mérito ergo não se tendo formado caso julgado nos embargos, então nada impede que os executados venham em nova acção renovar a discussão sobre a existência da obrigação exequenda que foi actuada em seu desfavor no anterior processo executivo (cfr. acs. RL de 7.2.13, proc. 4279/10, RC de 21.1.14, ambos em www.dgsi.pt).
Sendo assim as coisas, entendemos que os autores não estão impedidos de reeditar na presente ação a discussão que tencionaram travar na oposição, não se podendo falar neste caso em preclusão.
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Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão impugnada que se substitui por outra que ordena o prosseguimento dos autos.
Custas pelo recorrido.
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13.9.2018
(Luís Correia de Mendonça)
(Maria Amélia Ameixoeira)
(Rui Moura)