Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2741/16.1T8PTM.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PRETERIÇÃO DO TRIBUNAL ARBITRAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: MAIORIA COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO E UM VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.– Confrontado, por oportuna alegação do demandado, com a invocação de convenção arbitral, o tribunal estadual deverá abster-se de julgar o litígio, relegando para o tribunal arbitral a apreciação da existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção arbitral, a não ser que a ocorrência de qualquer um desses vícios ou obstáculos à competência do tribunal arbitral seja manifesta.

II.– A arguição da invalidade do contrato-base, ou seja, daquele em que se insere ou a que diz respeito a cláusula compromissória, não afeta a competência preferencial ou em primeira linha do tribunal arbitral, face ao tribunal estadual. Só não será assim se a invalidade do contrato-base for manifesta, evidente, chegando-se a essa conclusão sem necessidade de mais diligências instrutórias.

III.– A lei não perfila a ordem pública como requisito negativo da competência dos tribunais arbitrais, mas sim como fundamento da anulação da sentença arbitral. Por conseguinte, a ordem pública atuará somente a jusante, ou seja, na fase da eventual avaliação da legalidade da sentença arbitral, sem beliscar o princípio da competência-competência do tribunal arbitral.


Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO.


Em 27.11.2017 F –, Lda, intentou no Tribunal da Comarca de Faro ação declarativa com processo comum contra Banco, S.A..

A A. alegou, em síntese, que no segundo semestre de 2007 celebrou com o R. um contrato de mútuo comercial, com hipoteca, na modalidade de abertura de crédito, tendo em vista o financiamento da construção de um edifício no Porto, até ao máximo de € 9 500 000,00. Durante as negociações do contrato o R. tentou convencer a A. da conveniência em celebrar um contrato de permuta de taxa de juros (contrato de swap), tendo em vista proteger a mutuária de um alegado sério risco de subida da taxa de juros aplicável, que estava indexada à Euribor. Já após ter sido celebrado o contrato de mútuo e de o R. ter entregue à A. parte da quantia a mutuar, o R. declarou à A. que só lhe entregaria as restantes verbas que se obrigara a mutuar, se a A. assinasse o dito contrato de permuta de taxa de juros. A A., que já iniciara a construção do dito edifício e carecia das ditas verbas para prosseguir a sua construção, viu-se, assim, obrigada e coagida a celebrar o aludido contrato, o que ocorreu um mês após a celebração do contrato de mútuo, ou seja, em 30.11.2007. Conjuntamente com a subscrição do contrato de permuta de taxa de juros, a A. assinou o contrato quadro para operações financeiras e seus anexos. Na referida data de 30.11.2007 a A. também assinou um documento denominado “Confirmação de contrato de permuta de taxa de juro”, que lhe foi entregue pelo R.. Todos estes documentos foram entregues à A. pelo R., previamente preenchidos, não tendo a A. tido tempo para os analisar devidamente. Não foi permitido à A. que negociasse o teor de tais documentos. Por outro lado, para a A. foi determinante, na celebração do contrato de “swap”, a convicção, em que o R. a fez incorrer, de que a operação não tinha risco para si. Acresce que as cláusulas dos documentos assinados pela A. não foram adequadamente comunicadas e explicadas à A. Ora, sucede que, fruto da acentuada baixa das taxas de juro que sobreveio, no final do 12.º semestre de vigência do contrato de swap a A. já suportara um prejuízo no total de € 372 429,16.

Pelo supra exposto, o contrato de swap é nulo ou, quando assim não se entenda, é anulável. Além disso, o dito contrato não cobre um risco, mas tem natureza meramente especulativa, constituindo uma aposta. Ora, como o R. não podia deixar de saber, a administração da A. não tinha competência para outorgar um tal contrato.

A A. terminou formulando o seguinte petitório:

NESTES TERMOS,
Deverá a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência
I– Declarar-se:
A)– a nulidade do contrato de permuta de taxas de juro celebrado entre a Autora e Réu, por ofensa da ordem pública, do artº 1425º do Código Civil, do art.º 5 do DL n.º 446/85 de 25.10.85, do art.º, 6, n.º 2 do art.º 373, art.º 406 e al. b) do n.º 1 do art.º 411, todos do CSC.
A) Caso inesperadamente não se entenda, a anulabilidade do contrato de permuta de taxas de juro celebrado entre a Autora e Réu nos termos dos arts. 247 e 251 do CC.

II– Condenar-se o R. a :
A)- Restituir e pagar à Autora a quantia de € 372.518,42, acrescida de juros à taxa legal desde 3.12.2010, o que, hoje, ascende ao montante de 89.241,13€, perfazendo o total de 461.759,55 €.
B)- Pagar á Autora juros moratórios à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento, incidentes sobre esta quantia de 461.759,55 €.
C)- Pagar custas de parte e honorários aos mandatários dos Autores, nos termos do regulamento de Custas Judiciais.”

O R. contestou a ação, por exceção e por impugnação. Por exceção, arguiu a incompetência do tribunal quanto ao território e, bem assim, arguiu a preterição de tribunal arbitral, por existência de cláusula compromissória.

O R. concluiu pedindo que fosse julgada procedente a exceção de incompetência territorial, remetendo-se os autos para o Juízo Central Cível da Comarca de Lisboa e, depois, fosse julgada procedente a exceção dilatória de preterição de tribunal arbitral e, em consequência, o R. fosse absolvido da instância. Caso assim não se entendesse, deveria ser julgado improcedente, por não provado, o pedido de declaração de nulidade do contrato de swap, absolvendo-se o R. de todos os pedidos formulados pela A. e, bem assim, deveria a exceção de caducidade do pedido subsidiário de anulabilidade do contrato por erro sobre o objeto julgada procedente, absolvendo-se o R. do pedido.

Em 19.9.2017 foi proferido despacho em que o tribunal se julgou incompetente, quanto ao território, para julgar o litígio, tendo os autos sido remetidos para a Comarca de Lisboa.

Foi proporcionado à A. o exercício do contraditório quanto à exceção da preterição de tribunal arbitral, tendo a A. pugnado pela improcedência de tal exceção.

Em 03.01.2018 foi proferido despacho no qual se declarou a incompetência absoluta do tribunal por preterição de tribunal arbitral e se absolveu o R. da instância.

A A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1.-Ocorre nulidade da sentença prevista no artº 615º nº 1 – b) e d) do CPC.
2.-A sentença recorrida não especifica os factos nos quais alicerçou a decisão e que a justificam.
3.-A sentença recorrida não elencou qualquer facto que considere provado que permita concluir da existência de uma convenção arbitral ou de uma cláusula compromissória válida.
4.-E a sentença recorrida não se pronunciou sobre as questões colocadas pela Recorrente na resposta à exceção de preterição do tribunal arbitral , designadamente, a nulidade do contrato e da convenção arbitral.
5.-A cláusula compromissória inserida no contrato quadro apenas se aplica aos diferendos entre as partes no âmbito específico desse contrato quadro e já não ao contrato de swap.
6.-O contrato quadro é um documento com cláusulas vagas e genéricas que são alheias á factualidade e ao contrato de swap que constitui a causa de pedir da acção.
7.-Não existe uma inter-relação entre o contrato quadro e o contrato de swap nem existe uma conexão funcional e económica entre as duas relações contratuais.
8.-O contrato quadro não menciona o celebrado contrato de swap e menciona, outrossim, as relações contratuais futuras entre as partes.
9.-O que sucede expressamente e em todas as passagens, designadamente no texto dos pontos 1, 3, 4 e 5 da referida cláusula 1ª do contrato quadro.
10.-O contrato quadro refere-se a operações financeiras a realizar no futuro.
11.-Ora, os contratos de swap e o de confirmação foram celebrados no mesmo dia e anteriormente ao contrato quadro e não no futuro.
12.-A interpretação de convenção de arbitragem é reportada a litígios eventuais e futuros.
13.-Os artºs 236º a 238º CC impõem que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, não pode razoavelmente deduzir do comportamento do declarante e teor do contrato quadro, que se previu relações contratuais anteriores ou actuais pois que deve a interpretação adoptada ter um mínimo de correspondência no texto do documento que a corporiza e que dispõe para o futuro, como consta da sua redacção.
14.-Nunca e por nenhum modo esse texto indicia que possa abranger as relações contratuais já existentes ou actuais.
15.-A cláusula compromissória do contrato quadro não pode abranger os diferendos resultantes da conjugação das estipulações constantes do escrito denominado «Confirmação de Contrato de Permuta de Taxa de Juro» e do contrato de swap.
16.-A convenção de arbitragem na forma de cláusula compromissória inserida no contrato quadro deve ser entendida como aplicável apenas a todos os contratos e operações financeiras a estabelecer de futuro entre as mesmas partes no desenvolvimento e dentro da cobertura desse mesmo contrato quadro e já não aos contratos previamente estabelecidos e celebrados.
17.-O teor do contrato de swap (permuta de taxa de juro) celebrado em 30.11.2007 consta na sua última página, in fine um quadro escrito que demonstra que o Contrato Quadro Para Operações Financeiras não existia no momento da assinatura do contrato swap.
18.-O próprio banco Recorrido reconhece e confessa na sua contestação que entre o contrato quadro e o contrato de swap não existe qualquer ligação relevante e económica.
19.-O próprio banco recorrido reconhece e confessa que não existe uma inter-relação entre o contrato quadro e o contrato de swap nem existe uma conexão funcional e económica entre as duas relações contratuais.
20.-O próprio banco Recorrido reconhece e confessa na sua contestação que entre o contrato quadro e o contrato de confirmação lhe foram entregues assinados dias após a assinatura e entrega do contrato de swap.
21.-O art. 1º, n° 1, do Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, alterado pelo Dec-Lei n° 220/96 de 31 de Agosto e pelo Dec-Lei n° 249/99 de 7 de Julho, dispõe que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, se regem por esse mesmo diploma.
22.-Vem alegado pela A. que o contrato de swap é um contrato de adesão, cuja nulidade vem alegada.
23.-Ora, se o contrato é nulo, nula é, também, a cláusula compromissória que dele constasse (ou que lhe fosse aplicável).
24.-O contrato de permuta de taxas de juro não contém cláusula compromissória.
25.-Mas , mesmo que se entendesse – o que se não concede – que o denominado “acordo quadro” continha uma clausula compromissória válida e que a mesma, ainda que por absurdo – e para efeitos meramente dialéticos – fosse aplicável ao ajuizado contrato de swap, então tal cláusula seria nula, pois que se o contrato é nulo, nula é, sempre, a cláusula compromissória.
26.-De acordo com o artigo 12º, nº 5 da LAV é manifesta, óbvia, evidente a nulidade a inaplicabilidade da convenção de arbitragem, ao caso do contrato sub judice, devendo o tribunal julgar improcedente a excepção.
27.-A questão de nulidade do contrato é de ordem pública pelo que o lígio, de forma ostensiva e clara, se situa fora da jurisdição dos tribunais arbitrais.
28.-Em face disto, é manifesta e insusceptível de controvérsia séria e consistente a não aplicabilidade da convenção de arbitragem estipulada à relação contratual sub judice.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse revogada, improcedendo a exceção de preterição do tribunal arbitral.

O R. contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1.– A sentença recorrida não padece nulidade por omissão de pronúncia porquanto o Tribunal se pronunciou de forma clara e assertiva quanto à matéria da excepção de preterição do Tribunal Arbitral, a única que lhe era legalmente permitido conhecer.
2.– Em particular, não é exigida − e nem sequer admitido, de resto −, a análise e pronúncia sobre o contrato onde se inclui a cláusula arbitral, porquanto tal excede o limite os poderes de cognição do Tribunal judicial.
3.– Não há omissão de pronúncia, mas sim inadmissibilidade legal de pronúncia, por incompetência absoluta do Tribunal Estadual.
4.– A sentença recorrida também não padece de falta de fundamentação uma vez que, em face da sentença recorrida, é perfeitamente compreensível a motivação do Tribunal para decidir como decidiu, tendo o Tribunal apoiado a sua decisão em jurisprudência do Supremo Tribunal (acórdão de 10.03.2011 e 20.01.2011, 28.05.2015, 02.06.2015 e 09.07.2015) e em doutrina reputada (cfr. sentença recorrida) para concluir como concluiu, ou seja, pela procedência da excepção.
5.– A decisão do Tribunal em julgar procedente a excepção de preterição de tribunal arbitral não merece reparo, tendo aplicado correctamente a lei.
6.– Com efeito, o contrato swap em causa nos presentes autos está sujeito às condições gerais do Contrato-Quadro celebrado entre as Partes e a todas as disposições nele incluídas, nomeadamente a convenção de arbitragem prevista na cláusula 41ª daquele.
7.– O contrato de swap inclui-se no âmbito material e temporal do Contrato-Quadro, estando abrangido pela sua regulamentação (tal como expressamente previsto nas cláusulas 1ª, 3ª e 4ª do Contrato-Quadro).
8.– A situação dos presentes autos em que um Contrato-Quadro estabelece uma convenção de arbitragem que abrange os diferendos relacionados com outros contratos (como seja este contrato de swap) é subsumível ao artigo 2.º, n.º 4 da LAV que admite expressamente que vale como convenção de arbitragem a “remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória”.
9.– Assim, uma vez que existe uma cláusula compromissória (cfr. artigo 1.º, n.º 3 da LAV) que vincula as Partes em litígio, os tribunais estaduais estão impedidos de conhecer do mérito da causa, por incompetência absoluta (cfr. o disposto na alínea b), do artigo 96.º conjugado com o disposto no artigo 99.º, n.º 1, ambos do CPC).
10.– Pois, desde que não manifestamente nula, a cláusula compromissória afasta a competência dos tribunais estaduais (cfr. artigo 5.º da LAV).
11.– Para além disso o artigo 18.º, n.º 1 da LAV é claro em reservar aos tribunais estaduais a competência para aferirem da sua própria competência, designadamente analisando a própria validade da convenção arbitral.
12.– Em qualquer caso e para que dúvidas não restem, a cláusula compromissória celebrada pelas Partes é expressamente admitida pelo artigo 1.º, n.º 3, da LAV e é plenamente válida, cumprindo todos os requisitos legalmente previstos.
13.– Primeiro, porque incide sobre litígios arbitráveis, ou seja, de natureza patrimonial (cfr. artigo 1.º, n.º 1 da LAV).
14.– Segundo, porque foi reduzida a escrito, constando expressamente prevista no Contrato-Quadro celebrado pelas Partes a 30 de Novembro de 2007 (cfr. artigo 2.º, n.º1, da LAV).
15.– Terceiro, porque especifica a relação jurídica a que se refere, estando determinado o seu conteúdo essencial (cfr. artigo 2.º, n.º 6, da LAV) .
16.– Destarte, a convenção de arbitragem constante do Contrato é perfeitamente válida e eficaz e vincula as Partes, sendo “tão obrigatória como a que deriva da lei” (cfr. artigo 95.º, n.º 3 do CPC).
17.– Sendo que, como bem decidiu o Tribunal a quo, mesmo quando existam dúvidas sobre a validade da convenção, o “tribunal judicial deve optar pela procedência da excepção de preterição de tribunal arbitral voluntário” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 09/07/2015, no processo 1100/12.0TVPRT.G1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
18.– Por fim, cumpre esclarecer que, ainda que os contratos fossem nulos como invoca a Recorrente, hipótese que apenas por mera cautela de patrocínio se levanta, tal invalidade não atingiria a validade da cláusula compromissória (a qual segue demonstrada supra ao cumprir os requisitos legalmente exigíveis).
19.– Com efeito, nos termos do n.º 2 do artigo 18.º da LAV “uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo”.
20.– Para além disso, a questão da nulidade do contrato, ainda que invocável por qualquer interessado nos termos do disposto no artigo 286.º do Código Civil, não é uma questão de ordem pública e apenas interessa às partes envolvidas na operação financeira, pelo que não põe em causa o carácter arbitrável do litígio, tal como previsto no artigo 1.º da LAV.
21.– Pois, na Ordem Jurídica Portuguesa e em face da opção tomada pelo legislador na LAV, o limite ao poder decisório dos árbitros no que se refere à ordem pública está a referir-se ao conceito de Ordem Pública Internacional (o que não é claramente o caso) e apenas se afere posteriormente como fundamento de anulação de decisões arbitrais (cfr. artigo 46.º, n.º 3, alínea b), ii) da LAV) e não como critério de arbitrabilidade de litígios.
O apelado terminou pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, mantendo-se a sentença recorrida nos seus exatos termos.
O tribunal a quo pronunciou-se pela inexistência de nulidades da sentença.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: nulidades da decisão recorrida; preterição de tribunal arbitral.

Primeira questão (nulidade da decisão recorrida).

Além do que consta no Relatório supra, releva o seguinte.

Factualismo.
1.– O R. arguiu a exceção de preterição do tribunal arbitral nos seguintes termos:
11.º
Nos termos do disposto no n.º 1 da cláusula 1.ª do “Contrato Quadro para Operações Financeiras” (o “Contrato-Quadro”) assinado pelas partes (junto como DOC. 7 pela Autora), “o presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente”.
12.º
Portanto, como o nome indica, trata-se de um contrato que estabelece as condições gerais das operações financeiras celebradas pelas partes, as quais estarão posteriormente sujeitas também a condições particulares.
13.º
De facto, de acordo com a alínea b) do n.º 2 da mesma cláusula, cada uma das operações financeiras ficam sujeitas a condições particulares que podem ser acordadas e posteriormente confirmadas por documento escrito designado “Confirmação”. Entre as operações financeiras abrangidas encontram-se precisamente os swaps de taxa de juro, conforme expressamente previsto na cláusula 1ª, ponto 5.1. do referido Contrato-Quadro.
14.º
Mesmo as operações financeiras realizadas antes de celebrado o Contrato-Quadro ficam a ele sujeitas, conforme estabelece a cláusula 3.ª do Contrato-Quadro.
15.º
Destarte, o contrato de swap celebrado pelas partes através de documento designado “Confirmação” (junto como DOC. 7 pela Autora) está sujeito às condições gerais do Contrato-Quadro.
16.º
Nos termos do disposto no n.º 1 da cláusula 41.º do Contrato-Quadro, “os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância” (ênfase e sublinhado nossos).
17.º
Note-se que as condições particulares não revogam, excepcionam ou de alguma forma limitam a referida convenção de arbitragem, a qual foi redigida de forma muito ampla.
18.º
O presente litígio está, por isso, sujeito à jurisdição dos tribunais arbitrais, verificando-se a excepção de preterição de tribunal arbitral prevista na alínea b) do artigo 96.º do CPC.
19.º
Nos termos do disposto no artigo 5.º da Nova Lei de Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (“NLAV”), “o tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.” (ênfase e sublinhado nossos).
20.º
E a isso não obsta a invocação da nulidade da convenção. Com efeito, o artigo 5.º da NLAV apenas admite que o tribunal não absolva imediatamente o Réu do pedido quando este “verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível”. Isto porque o próprio tribunal arbitral tem competência para decidir sobre a sua própria competência (cfr. n.º 1 do artigo 18.º da NLAV), designadamente analisando a própria validade da convenção arbitral – embora essa decisão possa depois ser sindicada pelos tribunais judiciais em sede de impugnação da decisão arbitral.
21.º
De facto, nos termos do n.º 1 do artigo 18.º da NLAV: “O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”.
22.º
“É o chamado efeito negativo da competência-competência (a qual se encontra genericamente disciplinada no art. 18.º). Funda essa solução, principalmente, em duas ordens de considerações: por um lado, evitar manobras dilatórias de qualquer das partes na convenção de arbitragem; por outro, centralizar no tribunal arbitral o contencioso relativo à validade, eficácia e exequibilidade da convenção. Reflecte-se também nela o favor arbitrandum que inspira a lei portuguesa” (Lei de Arbitragem Voluntária Anotada, diversos autores, organização da APA – Associação Portuguesa de Arbitragem – pág. 21) (ênfase e sublinhado nossos)
23.º
isso, só em casos de manifesta nulidade ou ineficácia da convenção de arbitragem é que o tribunal pode deixar de remeter as partes para o tribunal arbitral.
24.º
“O que significa isto? Quando uma convenção de arbitragem é manifestamente nula, é ou se tornou ineficaz ou inexequível?
O advérbio manifestamente pretende significar o respeito pelo princípio da competência-competência. Isto é, compete ao tribunal arbitral conhecer da própria existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção de arbitragem para se poder considerar competente para conhecer o litígio. O juiz apenas pode conhecer daqueles vícios se eles forem tão evidentes que praticamente não careçam de demonstração, ou seja, inexiste razão jurídica ou prática para o juiz observar o princípio da competência-competência, remetendo as partes para a arbitragem. Dito por outras palavras, só em casos excepcionais e evidentes pode o juiz obviar à remessa do processo para a arbitragem” (MANUEL PEREIRA BARROCAS, Lei de Arbitragem Comentada, Almedina, pág. 49).
25.º
Pelo exposto, e atenta a cláusula arbitral na modalidade de cláusula compromissória expressamente prevista no contrato celebrado entre as partes, deverá este douto Tribunal abster-se de julgar o presente litígio por incompetência absoluta.

2.– Na resposta à exceção de preterição de tribunal arbitral a A. alegou o seguinte:
1.-A causa de pedir da presente acção é a ilegalidade do contexto da celebração (erro sobre o objecto do negócio), do teor (cláusulas contratuais gerais) e da execução do contrato de swap ( permuta de taxas de juros) celebrado em 3 de Dezembro de 2007, constante do documento nº 5 junto com a p. i.
2.-O pedido formulado na petição inicial é a nulidade desse mesmo contrato de permuta de taxas de juro, por ofensa da ordem pública, do artº 1425º do Código Civil, do art.º 5 do DL n.º 446/85 de 25.10.85, do art.º, 6, n.º 2 do art.º 373, art.º 406 e al. b) do n.º 1 do art.º 411, todos do CSC, e a consequente condenação do R. a restituir e pagar à Autora a quantia de € 372.518,42.
3.-Pois bem: esse contrato de permuta de taxas de juro celebrado entre a Autora e Réu, em 3 de Dezembro de 2007 não contém qualquer cláusula compromissória, nem faz referência a qualquer tribunal arbitral.
4.-Deste modo, constituindo a celebração desse contrato (melhor dizendo, a ilegalidade dessa celebração) a causa de pedir da presente acção, verifica-se que nenhuma cláusula compromissória foi ajustada entre as partes.
5.-Do mesmo modo, também o documento denominado “confirmação de contrato de permuta de taxa de juro”, celebrado entre A. e R. e datado de 30 de Novembro de 2007 ( documento nº 6 junto com a p.i., também ele não contém qualquer cláusula compromissória, nem faz referência a qualquer tribunal arbitral.
6.-O único documento em que o R. se louva, na contestação, para invocar a cláusula compromissória, é o documento denominado «contrato quadro para operações financeiras», datado de 3.10.2007.
7.-Esse documento contém no seu artº 41º a referência de que os diferendos que possam surgir entre as partes no âmbito desse contrato são dirimidos por um tribunal arbitral.
8.-Mas a verdade é que esse denominado “contrato quadro” não refere, nunca, o contrato de swap (permuta de taxas de juros) celebrado em 3 de Dezembro de 2007 entre as partes.
9.-Do mesmo modo que esse contrato quadro é irrelevante relativamente à causa de pedir da presente acção.
10.-Assim sendo, esse denominado “contrato quadro” é inaplicável à presente acção e ao litígio entre as partes.
11.-Acresce que este denominado “contrato quadro”, além de o seu teor não referir o contrato de swap, tem um conteúdo totalmente genérico, sem conteúdo concreto ou concretizável.
12.-Ora, dispõe o artº 2º nº 3 da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, vigente na data de celebração do contrato) que o compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio e que a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem (igual imposição consta do artº 2º nº 6 da LAV 2011).
13.-Sucede que o denominado “contrato quadro”, na invocada cláusula compromissória contém não especifica, minimamente, a relação jurídica a que o litígio respeite.
14.- Assim sendo, essa cláusula compromissória é nula por força do artº 3º da LAV de 1986 e dado artº 3º da LAV 2011.
15.- Sem embargo,
16.- Dispõe o art. 1º, n° 1, do Dec-Lei n° 446/85 de 25 de Outubro, alterado pelo Dec-Lei n° 220/96 de 31 de Agosto e pelo Dec-Lei n° 249/99 de 7 de Julho, que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, se regem por esse mesmo diploma.
17.- A A. alega na sua p. i. que o contrato de swap é um contrato de adesão.
18.- No qual se formula antecipadamente um esquema negocial com um complexo de cláusulas uniformes, aplicáveis a todas as relações jurídicas semelhantes que ficam sujeitas a um mesmo regime contratual, em que a contraparte se limita a aderir ao esquema negocial, assim elaborado, e a aceitar, sem a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, o texto previamente elaborado que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado (cfr., entre outros, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, pág. 262).
19.- Nesse tipo de contratos ocorre uma “uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente”.
20.- Assim sendo, para estarmos perante um contrato de adesão não é bastante que algumas cláusulas sejam pré-ordenadas, unilateralmente, pelo proponente, sendo necessário que o núcleo essencial modelador do regime jurídico contratualmente acordado, constitua um bloco que o aderente aceita ou repudia, sem qualquer possibilidade de negociação.
21.- O “contrato de adesão” na sua forma pura poderá definir-se como sendo “aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão formula unilateralmente as cláusulas negociadas e a outra parte aceita essas condições mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado” (Acórdão do STJ de 17.02.2011).
22.- A A. invoca a nulidade desse contrato.
23.- Ora, se o contrato é nulo, nula seria, também a claúsula compromissória que dele constasse.
24.- In casu, como se disse, o contrato de permuta de taxas de juro não contém cláusula compromissória.
25.- Mas , mesmo que se entendesse – o que se não concede – que o denominado “acordo quadro” continha uma clausula compromissória válida e que a mesma, ainda que por absurdo – e para efeitos meramente dialéticos – fosse aplicável ao ajuizado contrato de swap, então tal cláusula seria nula, pois que se o contrato é nulo, nula é, sempre, a cláusula compromissória.
Termos em que deve improceder a excepção de preterição do tribunal arbitral.

3.– Na decisão recorrida aduziu-se o seguinte:
“ (…)
Permanece, contudo, por apreciar a excepção, também invocada pelo réu, de PRETERIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL.
À autora foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.
Respondendo, a A alega que o contrato que está em causa, e que foi celebrado a 3.12.2007, não prevê qualquer cláusula compromissória nem faz referência a qualquer tribunal arbitral e que não se trata do contrato-quadro referido pelo réu datado de 3.10.2017, considerando que este é irrelevante para a presente acção. De qualquer forma, invoca também a nulidade da cláusula compromissória naquele prevista por não especificar os litígios a que respeita e por, à luz da LCCG, o contrato ser nulo bem como quaisquer cláusulas que dele constem.
Na contestação, o R havia invocado que entre as partes havia sido celebrado um “contrato-quadro para operações financeiras” e que este se destinava a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras entre as partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferentes. Refere que, entre essas operações, está o contrato de swap que foi celebrado entre as partes referido na petição inicial.
Apreciando:
De acordo com o que foi decidido nos Ac. do STJ de 10.03.2011 e 20.1.2011 (www.dgsi.pt) e à luz do art. 5.º, nº1 da Lei da Arbitragem Voluntária (Efeito negativo da convenção de arbitragem: 1 - O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.), os tribunais judiciais só devem rejeitar a excepção dilatória de preterição do tribunal arbitral, deduzida por uma das partes, determinando o prosseguimento do processo perante a jurisdição estadual, quando seja manifesto e incontroverso que a convenção invocada é nula ou ineficaz ou que o litígio, de forma ostensiva, se não situa no respectivo âmbito de aplicação. Ou seja, basta que seja possível a aplicação da convenção para que proceda a excepção. Também tem sido decidido pelos Tribunais Superiores que se impõe a prioridade do tribunal arbitral no julgamento da sua própria competência, obrigando os tribunais estaduais a absterem-se de decidir sobre essa matéria antes da decisão do tribunal arbitral (Acórdãos do STJ, de 28.05., 2.06 e 9.07 todos muito recentes - www.dgsi.pt).
A doutrina também parece seguir este entendimento, no sentido de quando existirem dúvidas sobre a existência da convenção, o tribunal judicial dever optar pela procedência da excepção de preterição do tribunal arbitral – vide Mariana França Gouveia e Jorge Carvalho, in Convenção de Arbitragem em Contratos Múltiplos , Cadernos de Direito Privado, nº36, pág. 44.
No caso dos autos, nem é incontroverso que a convenção seja nula ou inaplicável, nem é manifesto que o seja, pelo que caberá ao Tribunal Arbitral apreciar da sua própria competência em primeiro lugar.
A preterição de tribunal arbitral, nos termos do disposto no art.96º, al.b) e 99º do CPC, determina a incompetência absoluta deste tribunal e implica a absolvição do Réu da instância.
3. ––
Decisão.
Assim, considerando o que foi exposto, julgo procedente a excepção de incompetência invocada e, consequente, declaro a incompetência absoluta deste tribunal por preterição de tribunal arbitral e absolvo o réu da presente instância.
O Direito.
A apelante imputa à decisão recorrida as nulidades previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
A lei comina de nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).
Diz-se sentença o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa (n.º 2 do art.º 152.º). É sentença tanto a decisão em que o juiz conhece do pedido formulado pelas partes como aquela em que o juiz absolve o réu da instância por não se verificar algum pressuposto processual (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, 1.º volume, 3.ª edição, Coimbra Editora, p. 300).
In casu,é verdade que o tribunal a quo não procedeu à indicação dos factos julgados provados e os não provados.Ter-se-á entendido que a questão a decidir não o exigia.
De todo o modo, está subentendido na decisão recorrida que se atentou no teor da cláusula compromissória constante do dito “contrato quadro”, contrato esse que está documentado nos autos e cuja existência é admitida por ambas as partes. E, com base no entendimento expresso na sentença, remeteu-se para o tribunal arbitral, pelo menos em primeira linha, a avaliação da sua competência, à luz do referido contrato e demais documentação junta, além do factualismo que perante ele se viesse a provar.
Ainda assim, na sentença deveria ter-se procedido a um mínimo de enunciação expressa do material fáctico que a sustentasse, a qual se mostra omissa, pelo que ocorre a indicada nulidade, o que se declara.
Quanto à nulidade indicada na apontada alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º, consiste na omissão de pronúncia sobre questão que o tribunal devesse apreciar.
Em tese geral, as questões a apreciar pelo tribunal são os pedidos deduzidos, as causas de pedir e as exceções invocadas, assim como as exceções de conhecimento oficioso, aqui não se incluindo simples linhas de fundamentação jurídica, invocadas pelas partes para sustentarem a pretendida solução a dar às aludidas questões (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, 2.º volume, 3.ª edição, Almedina, p. 737).
In casu, a questão a apreciar era a preterição de tribunal arbitral, assente em cláusula compromissória. Como subquestões, na modalidade de contraexceções, a A. invocou a inexistência da cláusula compromissória, alegada pela A. com base na alegada dessintonia entre o contrato quadro, em que está prevista a cláusula compromissória, e o contrato swap, e, subsidiariamente, a nulidade da suposta cláusula, decorrente quer do caráter genérico da dita cláusula, quer da nulidade do próprio contrato de swap.

Conforme decorre da transcrição da sentença recorrida, nela enunciou-se tanto a questão da preterição do tribunal arbitral como as subquestões contra-alegadas pela A., tendo-se concluído que a invocada inexistência da cláusula compromissória e bem assim as invocadas nulidades da mesma não eram manifestas pelo que, à luz do enunciado princípio da prevalência do tribunal arbitral na apreciação da sua competência, cabia julgar procedente a exceção de preterição de tribunal arbitral. Com efeito, na sentença diz-se: “No caso dos autos, nem é incontroverso que a convenção seja nula ou inaplicável, nem é manifesto que o seja, pelo que caberá ao Tribunal Arbitral apreciar da sua própria competência em primeiro lugar.

Nesta parte, pois, improcede a arguida exceção de nulidade da sentença.

Quanto à falta de discriminação da matéria de facto, caberá a esta Relação suprir esse vício, substituindo-se ao tribunal a quo (art.º 665.º n.º 1 do CPC).

Segunda questão (preterição de tribunal arbitral)

Resulta dos autos a seguinte.

Matéria de facto.

1. Com data de 31 de outubro de 2007 a A. e o R. subscreveram o escrito intitulado “Contrato n.º 0091.00490013430 (com hipoteca)”, junto aos autos a fls 44 a 57 (doc. n.º 2 junto com a p.i.).
2. A A. subscreveu o escrito intitulado “Contrato de permuta de taxa de juro”, junto aos autos a fls 60 (doc. 5 junto com a p.i.), no qual consta o seguinte:
Importância nominal: EUR 7,000,000.00
Cauções / Garantias: Livrança subscrita pela empresa
Data de início: 3 Dezembro 2007
Data de Vencimento: 3 Dezembro 2010 (Prazo de 3 anos)
Pela presente nós (o Banco e o Cliente) comprovamos a celebração de um Contrato de Permuta de Taxa de Juro, que será objecto de Confirmação incorporando todos os seus termos e condições particulares, cujas características essenciais se reproduzem no presente documento:
Termos do Contrato
O Banco paga ao Cliente no final de cada período bimestral entre a Data de início e a data de Vencimento, a taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2° dia útil anterior ao início do respectivo trimestre), calculada sobre a Importância Nominal.
Em contrapartida, o Cliente paga ao Banco no final de cada período trimestral entre a Data de lnício e a Data de Vencimento, a seguinte taxa de juro (calculada sobre a Importância Nominal):
- Taxa Fixa, caso a Euribor 3 Meses fixada no 2° dia útil anterior ao início do respectivo trimestre seja igual ou inferior à respectiva Barreira; ou
- A taxa de juro Euribor 3 Meses (fixada no 2° dia útil anterior ao inicio do respectivo trimestre) deduzida de uma bonificação de 0.10%, caso contrário.
As Taxas Fixas e as Barreiras são as seguintes para cada ano:
Ano                  1º        2º       3º
Taxa fixa 4.22% 4.22% 4,22%
Barreira 5,00% 5,00% 5,00%
Racional do Contrato
O contrato serve um objectivo de gestão de risco de taxa de juro, em que o cliente paga uma taxa de juro fixa, caso a Euribor 3 Meses desça, se mantenha ou suba moderadamente durante o período de vida do contrato e desde que não ultrapasse em cada trimestre a Barreira.
Se a Euribor 3 Meses subir fortemente, superando, relativamente a qualquer trimestre a Barreira, o Cliente terá um ganho no contrato nesse trimestre correspondente à bonificação. No caso da Euribor a 3 Meses descer ou se manter estável, o Cliente registará, em princípio, uma perda financeira no respectivo trimestre, dado a taxa de juro a pagar pelo Banco ao Cliente ser então inferior à taxa de juro a pagar pelo cliente ao Banco.
O Banco enviará brevemente CONFIRMAÇÃO relativamente à presente operação contendo as suas condições (solicitando garantias quando aplicáveis) assim como o contrato quadro para operações financeiras (se ainda não assinado) para vossa assinatura e devolução ao banco.
Declaramos a compreensão e aceitação integral da presente operação, bem como dos respectivos riscos, e a vinculação nos termos acima constantes, correspondendo o negócio ao que por nós é efectivamente pretendido.”

3.– Com data de 30.11.2007 a A. e o R. subscreveram o escrito intitulado “Confirmação de contrato de permuta de taxa de juro (Interest Rate Swap)”, junto aos autos a fls 61 a 77 (doc. n.º 6 junto com a p.i.).
4.– De acordo com tal documento, esse contrato vigorava pelo prazo de 3 anos, com a importância nominal de 7.000.000 €, contrato com início em 3.12.2007 e termo em 3.12.2010.
5.– Nesse documento consta, além do mais, o seguinte:
«O objetivo desta carta ("Confirmação'') é confirmar os termos e condições particulares do Contrato de Permuta de Taxa de Juro (Interest Rate Swap), acordado entre o Banco (…), S.A. e F (…), LDA, (…).
Sem prejuízo da plena eficácia e validade da presente Confirmação as partes desenvolverão os melhores esforços para celebrar, até ao final do mês seguinte à assinatura deste Confirmação, o Contrato Quadro Para Operações Financeiras (“Contrato Quadro”) cuja minuta foi elaborada pelo Banco e entregue para aprovação pelo Cliente, que após assinado passará também a reger a presente Operação. No caso de divergência entre o disposto no Contrato Quadro e o estabelecido nesta Confirmação, prevalecerá esta última.
Salvo se da presente Confirmação resultar o contrário, as Partes acordam que o significado das expressões referenciadas no Anexo 1 será o que consta do mesmo, e que desta faz parte Integrante».
6.– Em 30.11.2007 a A. e o R. subscreveram o escrito intitulado “Contrato Quadro Para Operações Financeiras” junto aos autos a fls 70 a 84 (doc. n.º 7 junto com a p.i.).

7.– Nesse escrito consta, além do mais, o seguinte:
Objecto.
1.ª
1.- O presente contrato destina-se a regular as condições gerais a que estão sujeitas todas as operações financeiras a estabelecer doravante entre as Partes, sejam elas do mesmo tipo ou natureza jurídica ou de tipo ou natureza diferente.
2.- Cada uma das operações financeiras a realizar entre as Partes reger-se-á pelos respectivos termos e condições particulares, que serão estabelecidos de acordo com o que abaixo se indica.
Cada operação está sujeita a condições particulares, que podem:
a)- ser previamente, propostas pelo BANCO ao CLIENTE em documento escrito designado Proposta Contratual, que apenas se tornará eficaz após a devida aceitação pelo CLIENTE e sua adequada e atempada devolução ao BANCO; ou,
b)- acordadas e apenas posteriormente confirmadas por documento escrito adiante designado Confirmação,
3.- Em tudo o que não resulte expressamente dos Respectivos termos e condições particulares, as operações financeiras a realizar entre as Partes ficarão sujeitas ao estabelecido no presente contrato.
4·- Para os efeitos do determinado nos números anteriores o estabelecido no presente contrato constitui parte integrante do enquadramento de uma das operações financeiras a realizar entre as Partes, salvo quando por escrito for por elas acordado o contrário.
5.- Sem prejuízo de outras, que, como tal, devam considerar-se em função do estabelecido, ficam abrangidas pelo presente contrato designadamente as seguintes operações:
5.1.- Permutas Financeiras (Swaps):
(…)
Contratação de operações financeiras

2.ª
As Partes expressamente declaram e aceitam que todas as operações financeiras a realizar entre elas sejam consideradas integrantes de um relacionamento jurídico-contratual unitário, sem prejuízo dos termos e condições particulares de cada operação, de modo que, nos termos adiante definidos, o incumprimento, por alguma das Partes, de obrigações relativas a qualquer das referidas operações financeiras poderá determinar a extinção do relacionamento entre as Partes.

3.ª
1. As Partes aceitam submeter igualmente às condições do presente contrato e nos termos da cláusula 1ª todas as operações financeiras por elas já realizadas e ainda não concluídas, sem prejuízo dos respectivos termos e condições particulares e em tudo o que a estes não contrarie.
2. Caso tenham já celebrado contrato com o mesmo objecto, as Partes acordam expressamente que o presente contrato revoga e substitui o anterior, aplicando-se às operações financeiras constantes da cláusula 1ª, já celebradas ou a celebrar.
(…)

RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS
41º
1. Os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância.
2. O tribunal mencionado no número anterior é constituído por três árbitros, um indicado por cada uma das Partes e o terceiro, que preside, designado pelos dois primeiros.
3. A parte que pretenda instaurar o litígio deve notificar a contraparte, através de carta registada com aviso de recepção, indicando o objecto do litígio e o árbitro por si designado.
4. No prazo de quinze dias subsequente à recepção da notificação, a parte notificada deve indicar à outra, também por carta registada com aviso de recepção, o árbitro que lhe cabe designar.
5. Dentro dos vinte dias imediatos, os árbitros designados pelas partes devem indicar o terceiro árbitro.
6. Caso parte notificada não indique o árbitro que lhe pertence designar ou não se verifique acordo quanto ao terceiro árbitro, em ambas as situações, a indicação compete ao Presidente do Conselho de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e Associação Comercial de Lisboa e da Associação Comercial do Porto / Câmara do Comércio e Indústria do Porto.
7. Os árbitros devem ser pessoas singulares de reconhecida competência nas matérias objecto do litígio.
8. A arbitragem decorre na Comarca de Lisboa, em local indicado pelo Presidente do tribunal arbitral.
9. O processo de arbitragem obedece às normas constantes do Regulamento do Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem referido no número seis, em tudo que não for incompatível com a presente convenção.
10. O Tribunal Arbitral dispõe de um prazo de 60 (sessenta) dias para proferir a sentença após o da audiência de julgamento, não sendo aplicável o artigo 24° do Regulamento referido no artigo anterior.
11. O Presidente do Tribunal Arbitral mandará notificar a decisão a cada uma das Partes, remetendo um exemplar dela por carta registada com aviso de recepção.
12. O original da decisão do Tribunal Arbitral é depositado na Secretaria do Tribunal Judicial do lugar da arbitragem, devendo o Presidente do Tribunal Arbitral notificar as Partes da decisão.
13. A execução da decisão do Tribunal Arbitral corre no Tribunal de 1ª instância seguindo os termos da Lei Processual Civil.
14. A remuneração dos árbitros, as taxas de justiça e os demais encargos da arbitragem são os que constam das tabelas anexas ao Regulamento indicado no número anterior.
15. A título supletivo, vigoram as normas da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei nº 31/86, de 29 de Agosto) e do Código de Processo Civil.”

O Direito.
Em novembro de 2017 a sociedade A. demandou o Banco R. perante um tribunal estadual, pedindo a este a declaração da nulidade ou, subsidiariamente, a anulação de um contrato (contrato de swap) que havia sido celebrado pelas partes em 2007 e, consequentemente, a condenação do R. na restituição à A. de uma avultada quantia, acrescida de juros de mora.

O Banco R. arguiu, além do mais, a exceção da preterição de tribunal arbitral. Com efeito, afirmou o R., as partes haviam acordado que os diferendos que pudessem surgir no âmbito do contrato seriam dirimidos por tribunal arbitral. Tal cláusula constaria do contrato-quadro que havia acompanhado a celebração do contrato de swap questionado pela A..

A A. nega que entre o contrato de swap e o contrato-quadro exista qualquer nexo, ou seja, que a aludida cláusula compromissória seja aplicável ao contrato de swap; por outro lado, alega que a invocada nulidade do contrato de swap acarretaria a nulidade da cláusula compromissória; finalmente, aduz que a questão da nulidade do contrato de swap é de ordem pública e, por conseguinte, este litígio está fora da jurisdição dos tribunais arbitrais.

Vejamos.

A avaliação da competência do tribunal estadual para julgar um litígio faz-se, em regra, à luz do direito vigente à data da propositura da ação (art.º 12.º n.º 1 do Código Civil; art.º 38.º da Lei n.º 62/2013, de 26.8 – Lei da Organização do Sistema Judiciário).

Assim, as regras pertinentes a ter em consideração são as seguintes:
Do CPC:
Artigo 96.º
Casos de incompetência absoluta
Determinam a incompetência absoluta do tribunal:
a)- A infração das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional;
b)- A preterição de tribunal arbitral.
Artigo 97.º
Regime de arguição - Legitimidade e oportunidade
1 A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e, exceto se decorrer da violação de pacto privativo de jurisdição ou de preterição de tribunal arbitral voluntário, deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
2 –(…).
Artigo 99.º
Efeito da incompetência absoluta
1 - A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar.
2 –(…).
3 –(…).”

Da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12:
Artigo 1.º
Convenção de arbitragem
1- Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros.
2- É também válida uma convenção de arbitragem relativa a litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transacção sobre o direito controvertido.
3- A convenção de arbitragem pode ter por objecto um litígio actual, ainda que afecto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória)4- As partes podem acordar em submeter a arbitragem, para além das questões de natureza contenciosa em sentido estrito, quaisquer outras que requeiram a intervenção de um decisor imparcial, designadamente as relacionadas com a necessidade de precisar, completar e adaptar contratos de prestações duradouras a novas circunstâncias.
5- O Estado e outras pessoas colectivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objecto litígios de direito privado.
Artigo 2.º
Requisitos da convenção de arbitragem; sua revogação
1- A convenção de arbitragem deve adoptar forma escrita.
2- A exigência de forma escrita tem-se por satisfeita quando a convenção conste de documento escrito assinado pelas partes, troca de cartas, telegramas, telefaxes ou outros meios de telecomunicação de que fique prova escrita, incluindo meios electrónicos de comunicação.
3- Considera-se que a exigência de forma escrita da convenção de arbitragem está satisfeita quando esta conste de suporte electrónico, magnético, óptico, ou de outro tipo, que ofereça as mesmas garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação.
4- Sem prejuízo do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, vale como convenção de arbitragem a remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo.
5- Considera-se também cumprido o requisito da forma escrita da convenção de arbitragem quando exista troca de uma petição e uma contestação em processo arbitral, em que a existência de tal convenção seja alegada por uma parte e não seja negada pela outra.
6- O compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem.
Artigo 3.º
Nulidade da convenção de arbitragem
É nula a convenção de arbitragem celebrada em violação do disposto nos artigos 1.º e 2.º
Artigo 5.º
Efeito negativo da convenção de arbitragem
1- O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível.
2- No caso previsto no número anterior, o processo arbitral pode ser iniciado ou prosseguir, e pode ser nele proferida uma sentença, enquanto a questão estiver pendente no tribunal estadual.
3- O processo arbitral cessa e a sentença nele proferida deixa de produzir efeitos, logo que um tribunal estadual considere, mediante decisão transitada em julgado, que o tribunal arbitral é incompetente para julgar o litígio que lhe foi submetido, quer tal decisão seja proferida na acção referida no n.º 1 do presente artigo, quer seja proferida ao abrigo do disposto no n.º 9 do artigo 18.º, e nas subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º
4- As questões da nulidade, ineficácia e inexequibilidade de uma convenção de arbitragem não podem ser discutidas autonomamente em acção de simples apreciação proposta em tribunal estadual nem em procedimento cautelar instaurado perante o mesmo tribunal, que tenha como finalidade impedir a constituição ou o funcionamento de um tribunal arbitral.
Artigo 18.º
Competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua competência
1- O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.
2- Para os efeitos do disposto no número anterior, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo.
3- A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória.
4- A incompetência do tribunal arbitral para conhecer da totalidade ou de parte do litígio que lhe foi submetido só pode ser arguida até à apresentação da defesa quanto ao fundo da causa, ou juntamente com esta.
5- O facto de uma parte ter designado um árbitro ou ter participado na sua designação não a priva do direito de arguir a incompetência do tribunal arbitral para conhecer do litígio que lhe haja sido submetido.
6- A arguição de que, no decurso do processo arbitral, o tribunal arbitral excedeu ou pode exceder a sua competência deve ser deduzida imediatamente após se suscitar a questão que alegadamente exceda essa competência.
7- O tribunal arbitral pode, nos casos previstos nos n.os 4 e 6 do presente artigo, admitir as excepções que, com os fundamentos neles referidos, sejam arguidas após os limites temporais aí estabelecidos, se considerar justificado o não cumprimento destes.
8- O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua competência quer mediante uma decisão interlocutória quer na sentença sobre o fundo da causa.
9- A decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare que tem competência pode, no prazo de 30 dias após a sua notificação às partes, ser impugnada por qualquer destas perante o tribunal estadual competente, ao abrigo das subalíneas i) e iii) da alínea a) do n.º 3 do artigo 46.º, e da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º
10- Enquanto a impugnação referida no número anterior do presente artigo estiver pendente no tribunal estadual competente, o tribunal arbitral pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença sobre o fundo da causa, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 5.º

Destes preceitos resulta que o tribunal estadual não poderá apreciar oficiosamente a eventual preterição de tribunal arbitral, ou seja, a circunstância de, tendo as partes acordado que aquele litígio, já existente, seria dirimido por tribunal arbitral (compromisso arbitral), ou tendo acordado que eventuais litígios futuros referentes a uma determinada relação jurídica seriam julgados perante um tribunal arbitral (cláusula compromissória), a demanda foi instaurada, contrariamente ao convencionado, perante um tribunal estadual. Emergindo o recurso à arbitragem (voluntária) da vontade das partes, trata-se de fazer prevalecer a vontade final das partes nessa matéria.

Acresce que o legislador atribui ao tribunal arbitral a competência para, em primeira linha, aquilatar da sua competência para dirimir o conflito. Isto é, confrontado, por oportuna alegação do demandado, com a invocação de convenção arbitral, o tribunal estadual deverá abster-se de julgar o litígio e relegar para o tribunal arbitral a apreciação da existência, validade, eficácia ou exequibilidade da convenção arbitral, a não ser que a ocorrência de qualquer um desses vícios ou obstáculos à competência do tribunal arbitral seja manifesta (n.º 1 do art.º 5.º da LAV). Pede-se ao tribunal estadual um juízo prima facie, isto é, uma conclusão assente numa análise perfunctória, que não exija ulterior indagação probatória, e, além disso, que essa análise não deixe dúvidas acerca da incompetência do tribunal arbitral e, consequentemente, acerca da improcedência da exceção de preterição do tribunal arbitral. Esta é a perspetiva unânime da doutrina e da jurisprudência, sendo já defendida à luz da LAV anterior, aprovada pela Lei n.º 31/86, de 29.8 (na doutrina, v.g., Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem transnacional – A determinação do estatuto da arbitragem, Almedina, 2005, pp. 103, 133 a 137; António Menezes Cordeiro, Tratado da arbitragem, Almedina, 2015, p. 121; Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa de Litígios, 3.ª edição, 2018, Almedina, p. 193; Manuel Pereira Barrocas, Lei de Arbitragem Comentada, 2.ª edição, 2018, Almedina, p. 52; Lei da arbitragem voluntária anotada, coordenação de Dário Moura Vicente, Almedina/Associação Portuguesa de Arbitragem, 3.ª edição, 2018, pp. 38 e 39; na jurisprudência, cfr., v.g., STJ, 20.10.2011, proc. 2207/09.6TBSTB.E1.S1; STJ, 10.3.2011, proc. 5961/09.1TVLSB.L1.S1; STJ, 28.5.2015, proc. n.º 2040/13.0TVLSB.L1.S1; STJ, 02.6.2015, proc. n.º 1279/14.6TVLSB.S1; STJ, 09.7.2015, proc. n.º 1770/13.1TVLSB.L1.S1; STJ, 21.6.2016, proc. n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1; STJ, 08.02.2018, proc. n.º 461/14.0TJLSB.L1.S1 – acórdãos todos consultáveis in www.dgsi.pt). Pretende-se evitar comportamentos dilatórios do lado das partes na convenção de arbitragem e estimular ou, pelo menos, não contrariar o recurso a este meio alternativo da resolução de litígios.

A alegação da invalidade do contrato onde se insere a cláusula compromissória e mesmo a arguição de vícios da cláusula compromissória não afetarão a competência do tribunal arbitral para avaliar a sua própria competência (n.º 1 do art.º 18.º). Aqui se manifesta o conhecido princípio da competência-competência. Esta regra é potenciada pela autonomização, para esse efeito, da cláusula compromissória face ao contrato em que se insere: nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 18.º da LAV, para os efeitos de atribuição de competência ao tribunal arbitral, “uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo” (n.º 2 do art.º 18.º) e “a decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica, só por si, a nulidade da cláusula compromissória” (n.º 3 do art.º 18.º).

O princípio da competência-competência e a autonomia da cláusula compromissória face ao contrato-base já estavam consagrados na LAV anterior (art.º 21.º da LAV de 1986), pese embora na LAV de 1986 a cláusula compromissória (“convenção de arbitragem”, no dizer da lei) seria afetada pela nulidade do contrato-base, se se demonstrasse que este não teria sido concluído sem a celebração da convenção de arbitragem (n.º 2 do art.º 21.º).

No que concerne à formalização da cláusula compromissória, é admissível, valendo como convenção de arbitragem, a “remissão feita num contrato para documento que contenha uma cláusula compromissória, desde que tal contrato revista a forma escrita e a remissão seja feita de modo a fazer dessa cláusula parte integrante do mesmo” (n.º 4 do art.º 2.º da LAV).

Solução idêntica era preconizada na LAV de 1986 (art.º 2.º n.º 2). Essencial, como sintetiza Luís de Lima Pinheiro, “é que o aderente tenha ou deva ter consciência da sua vinculação a uma convenção de arbitragem” (Arbitragem transnacional…, ob. cit. p. 94). Conforme nota Mariana França Gouveia, trata-se de um problema de interpretação das declarações das partes, no sentido da inclusão da convenção de arbitragem no acordo (Curso de Resolução Alternativa..., ob. cit., p. 178). “Esta conclusão será mais simples no caso de as partes remeterem expressamente para convenção de arbitragem contida noutro documento contratual, mas não é necessário que o façam, apenas tornando com essa omissão mais complexa a tarefa do intérprete.” (Mariana França Gouveia, ibidem, p. 179). “Nas restantes situações, a questão será solucionada caso a caso, consoante as circunstâncias concretas. Pensamos, porém, que se pode estabelecer uma presunção dessa extensão nas situações em que existam vários contratos com remissões. Presume-se, assim, que a remissão global para um contrato que contém uma convenção de arbitragem engloba essa convenção” (Mariana França Gouveia, ibidem, p. 179).

Vejamos o caso dos autos.

Resulta dos elementos do processo, supra elencados na matéria de facto, que na sequência da celebração de um contrato de mútuo, a A. e o R. subscreveram dois documentos, formalizadores da celebração de um “contrato de permuta de taxa de juro”, também conhecido, na gíria de origem anglo-saxónica, como contrato de swap. É esse contrato de permuta de taxa de juro que a A. questiona na presente ação. Ora, nesse contrato de swap expressamente se afirma que a A. assinaria um contrato-quadro para operações financeiras (vide penúltimo parágrafo do n.º 2 da matéria de facto) e, ainda, que esse contrato-quadro também regeria aquela operação, embora prevalecendo o teor do contrato de swap no caso de divergência com o disposto no contrato-quadro (cfr. penúltimo parágrafo do n.º 5 da matéria de facto). Esse contrato-quadro foi efetivamente assinado por ambas as partes, no mesmo dia da compleição da subscrição do contrato de swap (30.11.2007, cfr. n.ºs 3 e 6 da matéria de facto). Nele (no contrato-quadro) se diz que o mesmo se destina a regular as condições gerais de todas as operações financeiras a estabelecer entre as partes, sem prejuízo das condições particulares de cada operação financeira, constituindo parte integrante do enquadramento dessas operações, salvo quando for acordado o contrário (n.ºs 1 a 4 da cláusula 1.ª). No n.º 5 da cláusula 1.ª expressamente se diz que entre as operações abrangidas pelo contrato-quadro se incluem as “permutas financeiras (swaps)”. Além das operações futuras, também está exarado, na cláusula 3.ª do contrato-quadro, que “as partes aceitam submeter igualmente às condições do presente contrato e nos termos da cláusula 1ª todas as operações financeiras por elas já realizadas e ainda não concluídas, sem prejuízo dos respectivos termos e condições particulares e em tudo o que a estes não contrarie.

Uma das cláusulas contidas no contrato-quadro é a cláusula 41.ª, em cujo n.º 1 se estipulou que “os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato são dirimidos por um tribunal arbitral que julga segundo o direito estrito e de cuja decisão não há recurso para qualquer instância.

Utilizou-se uma formulação ampla mas precisa, própria da vocação abrangente do contrato-quadro, visando remeter para o tribunal arbitral a resolução de todos os litígios emergentes das relações negociais por ele abrangidas (vide, sobre as vantagens de uma definição ampla do litígio, Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa…, ob. cit., p. 150). Entre elas estará, pelo menos de acordo com a interpretação que um declaratário normal, colocado na posição da A., daria às referidas declarações (art.º 236.º n.º 1 do Código Civil), o contrato de permuta de taxa de juros celebrado entre a A. e o R..

Entendemos, assim, que a fórmula utilizada na cláusula compromissória satisfaz os requisitos de determinabilidade impostos pelo n.º 6 do art.º 2.º da LAV (de teor idêntico à LAV de 1986 – art.º 2.º n.º 3).

De todo o exposto resulta que entre os dois instrumentos contratuais, contrato-quadro e contrato de swap, existia um nexo, de mútua regulamentação do relacionamento negocial das partes, visando a conjunta determinação das respetivas obrigações, direitos e deveres.

É certo que o R. afirmou, na contestação (art.º 171.º), que “o contrato quadro é útil mas não é necessário para a celebração do contrato de swap, tanto que alguns clientes não o chegam a assinar”.Essa afirmação significa que o contrato de swapcontém em si o suficiente para determinar as obrigações e direitos das partes, não sendo imprescindível, para a sua perfectibilidade, a subscrição do aludido contrato-quadro. Mas este, nas palavras do R., é útil, seguramente porque, por um lado, contém regras supletivas ou subsidiárias não previstas no contrato de swap e, por outro lado, regras que a este não seriam aplicáveis não fora a sua associação ao contrato-quadro – como a aludida cláusula compromissória. Ora, foi o que, como também alegou o R., sucedeu no caso dos autos, em que o R. diligenciou, com a aquiescência da A., pela celebração do contrato-quadro.

Procurando reforçar a improcedência da exceção de preterição de tribunal arbitral, a apelante insiste que, mesmo que se entendesse existir uma cláusula compromissória, esta seria nula, na medida em que o contrato a que diz respeito, o contrato de swap, é nulo. Nessa senda, a A. invoca o regime legal das cláusulas contratuais gerais, realçando que o contrato em causa é um contrato de adesão.

Vejamos.

Como se disse, a arguição da invalidade do contrato-base, ou seja, daquele em que se insere ou a que diz respeito a cláusula compromissória, não afeta a competência preferencial ou em primeira linha do tribunal arbitral, face ao tribunal estadual. Só não será assim se a invalidade do contrato-base for manifesta, evidente, chegando-se a essa conclusão sem necessidade de mais diligências instrutórias, pelo que não valerá a pena gastar tempo e recursos materiais com a preliminar intervenção do tribunal arbitral.

Ora, in casu, a alegação de que a A. foi coagida a celebrar o contrato de swap, e bem assim de que foi dolosamente convencida de que o contrato não oferecia risco para si e servia convenientemente os seus interesses, e bem assim a alegação de que a A. não teve oportunidade de analisar devidamente o contrato, que não teria sido alvo de qualquer possibilidade de negociação, é matéria controvertida, não aceite pelo R., cuja dilucidação obrigaria à prossecução dos autos, ou seja, à usurpação, pelo tribunal estadual, da específica competência do tribunal arbitral para analisar, pelo menos em primeira mão, a questão da sua competência para julgar o litígio.

Note-se que, admitindo que o contrato de swap e a própria cláusula compromissória objeto destes autos são formados por cláusulas contratuais gerais (isto é, cláusulas predispostas pelo R., na sua habitual atividade, sem possibilidade de negociação pela contraparte), daí não se evidencia a sua nulidade, pois necessário seria que dos autos decorresse, sem mais, que não foram cumpridas as exigências de comunicação e esclarecimento previstas nos artigos 5.º e 6.º do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais – RJCCG (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 446/85, de 25.10, com as alterações publicitadas) ou que essas cláusulas, nomeadamente e em especial, a cláusula compromissória, são nulas, ao abrigo dos artigos 15.º, 17.º a 19.º do RJCCG (normas aplicáveis às relações entre empresários ou entidades equiparadas; no caso destes autos não são aplicáveis as normas contidas nos artigos 20.º a 22.º do RJCCG, uma vez que a A. não é consumidora –cfr. art.º 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31.7., com as alterações publicitadas, Lei de defesa do consumidor) – evidência essa que não ocorre.

Finalmente, a apelante convoca ainda o conceito de ordem pública, para recusar aos tribunais arbitrais jurisdição neste litígio. Segundo a A., o contrato de swap é meramente especulativo, visando um fim que contraria a ordem pública, sendo por isso nulo, nos termos dos artigos 280.º e 281.º do Código Civil.

Ora, sem prejuízo do devido respeito por opinião contrária, tal invocação da ordem pública não procede, por duas razões: por um lado, necessário seria que, pela análise dos documentos juntos aos autos, fosse evidente a alegada fonte de nulidade do contrato – o que não ocorre. Por outro lado, na lei portuguesa a arbitrabilidade dos litígios está delimitada de forma ampla, abrangendo, ressalvada lei especial em contrário, “qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial” (n.º 1 do art.º 1.º da LAV) e, também, “litígios que não envolvam interesses de natureza patrimonial, desde que as partes possam celebrar transação sobre o direito controvertido” (n.º 2 do art.º 1.º da LAV).

Ora, o interesse que a A. prossegue nestes autos é a salvaguarda do seu património, através da destruição de um negócio que, na sua tese, a prejudicou ilicitamente. Por outro lado, a A. não indicou, nem se visiona, alguma lei que arrede este litígio da jurisdição arbitral.

A lei não perfila a ordem pública como requisito negativo da competência dos tribunais arbitrais, mas sim como fundamento da anulação da sentença arbitral. A sentença arbitral deverá, mesmo oficiosamente, ser anulada se ferir a ordem pública internacional do Estado português (art.º 46.º n.º 3 al. b) ii), da LAV), ou seja, aqueles princípios fundamentais do seu ordenamento jurídico de que o Estado Português não abdica, perante a comunidade jurídica internacional (vide Mariana França Gouveia, Curso de Resolução Alternativa…, ob. cit., pp. 140, 309 a 312).

Por conseguinte, a ordem pública atuará somente a jusante, ou seja, na fase da eventual avaliação da legalidade da sentença arbitral, sem beliscar o princípio da competência-competência do tribunal arbitral.

A apelação é, assim, improcedente.

DECISÃO.

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e consequentemente mantém-se a decisão recorrida, embora com sanação de nulidade, por omissão da discriminação da matéria de facto tida por relevante.
As custas da apelação são a cargo da apelante, que nela decaiu (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 13.9.2018



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins (vencido, conforme declaração de voto que segue):



Voto vencido:
A cláusula compromissória prevista no art. 41/4 do CQOF apenas se refere – e claramente - ao próprio contrato-quadro (:“os diferendos que possam surgir entre as Partes no âmbito do presente contrato […]). Esta cláusula não pode, no caso, ser interpretada elástica ou extensivamente, de modo a abranger outros contratos, ou seja, o contrato de permuta de taxa de juro “proposto” dias antes pela autora ao réu e “confirmado” no mesmo dia da adesão ao contrato-quadro (sem que, quer da “proposta” quer da confirmação, conste qualquer referência a qualquer cláusula compromissória). 
É que tal contrato-quadro é um contrato de adesão, as suas cláusulas contratuais gerais devem ser interpretadas como tais (como é pressuposto pelo art. 2/4 da LAV) e a interpretação daquela CCG não permite qualquer dúvida de que o contrato de swap não está abrangido por ela. De qualquer modo, se ela fosse ambígua teria o sentido que lhe daria um contraente indeterminado normal que, como a autora, se limitasse a subscrevê-la e aceitá-la, quando colocado na posição de aderente real e esse não seria o de incluir o contrato de swap no âmbito da cláusula compromissória do contrato-quadro (art. 11/1 da LCCG). E na dúvida, prevaleceria o sentido mais favorável ao aderente (art. 11/2 da LCCG), ou seja, no sentido de não se ver naquela cláusula uma cláusula omnibus.
A inaplicabilidade da cláusula compromissória ao caso é assim manifesta e por isso a excepção de incompetência por preterição de tribunal arbitral não devia proceder (art. 96/-b do CPC), sem que com isso se estivesse a violar a norma do art. 5/1 da LAV.
  Neste sentido, para um caso semelhante, veja-se o acórdão do Tribunal Superior espanhol (≈ STJ), 409/2017, de 27/06 [Convenio arbitral en contrato marco de operaciones financieras (CMOF). Declinatoria por sumisión a arbitraje frente a la demanda de anulación por error vicio de contratos celebrados en el marco del CMOF. Ámbito de conocimiento del juez] e a anotação concordante de Ana Isabel Blanco García e Pablo Quinzá Redondo, Profs da Universidade de Valencia, Control judicial de la validez del convenio arbitral en un contrato de adhesión: sentencia núm. 409/2017 de 27 de junio del tribunal supremo, de 15/01/2018, publicada nos Cuadernos de Derecho Transnacional (Marzo 2018), Vol. 10, Nº 1, pp. 544-550, sobre o mesmo tipo de contratos e cláusulas do Banco Popular Español, SA. Contra, no entanto, veja-se a anotação de Francisco Prol, publicada na Revista de Direitos das sociedades, Almedina, 2017/4, pags.765 a 780.
A interpretação que é feita de tal cláusula compromissória pelo réu e seguida pela maioria deste colectivo, transforma a cláusula compromissória numa cláusula omnibus com pretensão de abranger, não todos os litígios que possam surgir de uma relação jurídica contratual determinada (como permitido pelo art. 1/3 da LAV), mas todas e quaisquer as relações jurídicas que possam ser estabelecidas entre as partes sem qualquer determinação. Seria uma cláusula compromissória tão indeterminada que seria nula (art. 280/1 do CC e 3 da LAV).
Pelo que também porque aqui seria de afastar a excepção deduzida pelo réu (art. 5/1 da LAV).


Pedro Martins