Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
121/11.4TVLSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CASO JULGADO
IDENTIDADE DE ACÇÃO
ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Verifica-se superveniente caso julgado parcial, motivador da absolvição da instância do sujeito processual afetado, prosseguindo a ação quanto à outra parte demandada, quando numa outra ação é proferida sentença, transitada em julgado, que apreciou o mesmo litígio mas sem total equivalência das partes (pois na ação onde foi proferida a sentença a autora, comum em ambas as ações, apenas demandou um dos dois réus da outra ação).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 19.01.2011 P, S.A. intentou nas Varas Cíveis de Lisboa ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra B Unipessoal, Lda e José.

A A. alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade de fornecimento de combustíveis, constituiu-se credora da empresa C, S.A., no total, à data de 19.8.2006, de € 5 263 312,00, correspondente ao valor de combustível entregue a esta empresa e que ela não pagou. A A., em cumprimento de contrato de preenchimento de letra que havia celebrado com a referida Compete e ainda com António e Ilda, preencheu a letra que aquela sociedade havia aceitado e os referidos António e Ilda haviam avalizado, pelo valor máximo acordado, ou seja, € 5 000 000,00, acrescido de juros de mora, no total de € 5 037 704,00, tendo, em 06.11.2006, dado a letra à execução, que corre os seus termos. Sucede que a A. não logrou encontrar bens imóveis ou móveis sujeitos a registo pertencentes à C, S.A., a qual veio a ser declarada insolvente em 13.7.2009. Quanto a António e Ilda, a A. veio a descobrir que estes em 27.12.2006 haviam vendido o único imóvel, a eles pertencente, capaz de satisfazer o crédito da A., à ora 1.ª R., B Unipessoal Lda, pelo preço de € 300 000,00, tendo na mesma data a B Unipessoal Lda revendido o dito imóvel à sociedade L, Lda, pela quantia de € 5 839 134,00. A A. instaurou uma ação de impugnação pauliana com vista à declaração da ineficácia de tais negócios, a qual corre os seus termos pelo Tribunal Judicial de Almeirim. Porém, entretanto a A. tomou conhecimento de factos que indiciam que provavelmente a sociedade L Lda atuou de boa-fé na aquisição à B Unipessoal Lda do dito imóvel que pertencera a António e Ilda, pelo que a A. ver-se-á impedida de obter o pagamento do seu crédito através do aludido imóvel. Assim, resta à A. obter da adquirente de má-fé, B Unipessoal Lda, ora 1.ª R., a sua condenação nos termos da responsabilidade civil por facto ilícito prevista no art.º 616.º n.º 2 do Código Civil, em conjugação com o art.º 483.º do mesmo Código, devendo a 1.ª R. ser julgada responsável, perante a A., pelo valor do imóvel que alienou, devendo ser considerado o valor da sua alienação: € 5 893 134,00. Também o 2.º R. deve ser condenado no pagamento dessa verba à A., pois sendo o único sócio e gerente da 1.ª R., atuou em tudo na qualidade de colaborador de longa data de António, tendo inclusive a sociedade 1.ª R. sido constituída com capital atribuído por António e com a finalidade de proporcionar a aludida transação do imóvel. Pelo que o 2.º R. deve ser julgado responsável, por responsabilidade por facto ilícito, ou por força da desconsideração da personalidade coletiva da 1.ª R..

A A. terminou formulando o seguinte petitório:

NESTES TERMOS, e nos mais de Direito aplicável, deverá a presente acção ser considerada integralmente procedente por provada e, em consequência, ser a 1ª R., por verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, condenada a pagar à A. o montante do seu crédito sobre António e Ilda, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros).
Ainda, deverá a presente acção ser considerada integralmente procedente por provada e, em consequência ser o 2º R., ou a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou em virtude de desconsideração colectiva da 1ª R., condenado a pagar à A. o montante do seu crédito sobre António e Ilda, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros).”

Os RR. contestaram, arguindo a incompetência territorial do tribunal, negando a dívida invocada pela A. e requerendo a suspensão do processo, por prejudicialidade, enquanto não se conhecesse o desfecho da ação de impugnação pauliana acima referida e bem assim a decisão final na oposição à execução deduzida pelos executados na ação de execução acima também mencionada.

A A. replicou, pugnando pela improcedência da matéria de exceção, rejeitando a pretendida suspensão da ação e concluindo como peticionado.

Em 21.8.2012 foi proferido despacho em que se julgou improcedente a exceção de incompetência territorial, negou-se a invocada relação de prejudicialidade entre esta ação e a mencionada execução mas considerou-se que tal nexo de prejudicialidade ocorria entre esta ação e a supra referida ação de impugnação pauliana, pelo que se declarou suspensa a instância até que se mostrasse decidida com trânsito em julgado a mencionada ação de impugnação pauliana (processo n.º 314/07.9TBALR, pendente no Tribunal Judicial de Almeirim).

Em 30.9.2015 a A. juntou aos autos certidão da sentença proferida na mencionada ação de impugnação pauliana, datada de 14.3.2014 e transitada em julgado em 24.4.2014.

Em 03.11.2015 o tribunal a quo proferiu decisão em que, por considerar que a aludida sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Almeirim havia feito desaparecer o fundamento, a razão de ser, da presente ação, julgou esta improcedente e consequentemente absolveu os réus do pedido.

A A. apelou desta sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:

A-Nos autos sub iudice peticionou a Recorrente pela condenação dos RR. pela verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, e pagamento de indemnização devida.
B-O tribunal a quo, erradamente, sustenta a tese de improcedência da presente acção com base no argumento que foi intentada pela Autora/Recorrente acção de impugnação pauliana contra os aqui RR e contra a Sociedade L, Lda, processo que correu termos com o n.º 314/07.9TBALR.
C-E alicerçando o mesmo tribunal a quo na tese de prejudicialidade e dependência entre as acções intentadas pela A,
D-O tribunal a quo assim decidiu sem qualquer na análise ou exame crítico quanto aos factos carreados para os autos,
E-Nem tão pouco fazendo qualquer juízo ou valoração acerca da responsabilidade civil por facto ilícito e suas consequências.
F-Na verdade, a sentença recorrida padece de vicio - nulidade - já que se constata da mesma a ausência total de explicação da razão por que foi tomada a decisão em crise,
G-Inexistindo fundamentação, ou sequer explicação plausível que pudesse escrutinar o bom juízo,
H-Concluindo-se que a sentença não se pronunciou acerca dos pedidos formulados e causa de pedir elencados pela Autora, ignorando os mesmos.
I-Existe clara violação do artigo 607º do CPC, que impõe ao juiz o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.
J-Estatui o mesmo artigo que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
K-Não existe na sentença qualquer menção à prova produzida, nem sequer à prova que fundamentou a matéria dada como assente,
L-Nem sendo feita qualquer menção que seja à prova produzida ou qual foi o meio de prova que levou à conclusão que a sentença precede,
M-Redundando-se numa clara falta de fundamentação da sentença.
N-Fundamentação que se exige e cumpre a função de sufrágio da legitimidade e autocontrole das decisões, ao arrepio do estatuído no artigo 154º CPC e art. 205ºda CRP,
O-A justificação de qualquer sentença não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento.
P-In casu, verificando-se o vazio de fundamentação da sentença, esta é, sem mais, nula.
Q-No presente processo, a Petrogal peticiona o reconhecimento do direito à indemnização pela conduta ilícita dos RR. traduzida na prática de actos ilícitos, ao passo que, na acção de impugnação paulina que instaurou contra os RR (e contra a outra sociedade Ré Luspan) foi peticionada a ineficácia das operações de venda.
R-Contrariando a tese do tribunal a quo, não se verifica qualquer matéria prejudicial relativamente à presente, nem a explanação do seu raciocínio, não se alcançando da sentença que, pelo facto de ter sido sentenciada a ineficácia dos negócios jurídicos ardilosa e ilicitamente celebrados pelos RR, se conclua que seja inútil a procedência da presente acção!
S-Não obstante a procedência da impugnação pauliana, a A. continua sem ver o seu crédito ressarcido e a divida ainda por liquidar, da qual a Petrogal é ainda devedora, deve-se em exclusivo aos actos censuráveis e ilícitos praticados pelos RR, aqui Recorridos, cuja condenação no pagamento de indemnização viu a A. Recorrente ser declarada, pasme-se, improcedente.
T-A procedência da acção pauliana não inutiliza os efeitos pretendidos pela A. no presente processo antes pelo contrário – potencia e legitima-os, até porque, da própria sentença da acção de impugnação paulina decorre que o bem alineado não retoma à esfera jurídica do alienante (devedor) onde a Autora poderá obter, através da respectiva penhora, obter coercivamente o pagamento da quantia exequenda.
U-O que só por si bastaria para fazer vingar a tese de clara ausência de prejudicialidade e dependência.
V-Devendo o presente recurso ser julgado procedente por provado e bem assim a decisão do Tribunal a Quo ser anulada e substituída por outra que determine a condenação dos RR pela prática de factos ilícitos e legais consequências.
A apelante terminou pedindo que a decisão recorrida fosse anulada e substituída por outra que determinasse a condenação dos RR. pela prática de factos ilícitos e legais consequências.

Não houve contra-alegações.

O tribunal a quo pronunciou-se pela inexistência de nulidades da sentença.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: nulidade da sentença recorrida; relação de prejudicialidade entre esta ação e a supra referida sentença proferida na ação de impugnação pauliana.

Primeira questão (nulidade da sentença).

Como factualismo a levar em consideração na apreciação desta questão atentar-se-á no teor da sentença recorrida, que é o seguinte:

 “Petróleos de Portugal - Petrogal, S.A., intentou a presente ação declarativa de condenação contra B Unipessoal, Lda. e José, alegando, em suma, que celebrou com a sociedade C, S.A., um contrato de distribuição de combustíveis, no âmbito do qual forneceu a esta quantidades de combustíveis no valor global de € 5.263.312,00.
A 1ª ré entregou à autora, aquando da celebração do contrato de fornecimento desses combustíveis, uma letra em branco com vista a garantir o pagamento de todas as suas obrigações contraídas no âmbito desse contrato, a qual, de acordo com o contrato de preenchimento de título cambiário, poderia ser preenchida até um máximo de € 5.000.000,00.
Essa letra encontra-se avalizada por António e Ilda.
Em 19.08.2006, a a sociedade C, S.A. devia, e ainda deve, apenas a título de facturação vencida e não paga, à A., o referido montante de € 5.263.312,00 (cinco milhões duzentos e sessenta e três mil trezentos e doze euros).
Assim, em 02.10.2006 e porque o montante em dívida ascendia a muito mais de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros), a A. preencheu tal título pelo montante máximo admitido pelo referido pacto de preenchimento, tendo-o apresentado à execução em 06.11.2006.
Tal execução corre os seus termos pela Secção Única do Tribunal Judicial de Almeirim sob o n.º 51763/06.8YYLSB tendo sido apresentada contra a já mencionada C, S.A., contra António e Ilda pelo montante global de € 5.037.704,00 (cinco milhões, trinta e sete mil setecentos e quatro euros), sendo € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de capital constante da letra dada à execução, e € 37.704,00 (trinta e sete mil setecentos e quatro euros) a título de juros de mora contados desde a data de vencimento da mencionada letra até 30.10.2006, à taxa legal aplicável aos créditos de que são titulares empresas comerciais.
Para além disso e uma vez que tal letra não cobre a totalidade do montante em dívida, a A. apresentou ainda, em 24.01.2007 acção declarativa de condenação contra a sociedade C, S.A., com vista ao ressarcimento da integralidade do seu crédito e que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Almeirim, Secção Única, processo n.º 93/07.0TBALR.
Ainda e uma vez que não lograva a A. obter montantes significativos tendentes ao ressarcimento do seu avultado crédito, apresentou, em 14.11.2008, ação especial de insolvência contra a referida sociedade, tendo a insolvência vindo a ser declarada em 13.07.2009.
A autora, previamente à apresentação da ação executiva acima mencionada, efetuou diversas buscas tendentes a descobrir bens passíveis de penhora, pertencentes a qualquer um dos aí executados.

Após a conclusão de tais buscas, efetuadas ao nível das Conservatórias do Registo Predial e Serviços de Finanças da área ou áreas contíguas à sede/residência dos executados naquela ação, bem como ao nível da Conservatória do Registo Automóvel, a A. apurou o seguinte:
-Relativamente à sociedade C, S.A., a A. não logrou apurar a existência de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo de sua propriedade;
-Relativamente a António e Ilda, a A. logrou apenas apurar que os mesmos eram proprietários de dois imóveis.

Assim, António e Ilda eram, à data da entrada da ação executiva já mencionada, proprietários do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Benavente, ficha n.º 04249, da freguesia de Benavente, com a área de 242.587 m2.

São ainda proprietários do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Almeirim, ficha n.º 02873/200182, da freguesia de Almeirim, o qual tem um valor venal registado de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).

A A. tem ainda conhecimento de que António e Ilda foram expropriados de parte do imóvel sito em Benavente, em processo que corre os seus termos pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Benavente, sob o n.º 1637/05.7TBBNV.

A partir do momento em que subscreveram o referido contrato de preenchimento de letra em branco, a 1ª ré e António e Ilda, praticaram atos que consubstanciam verdadeiros atos de dissipação de património, fazendo-os incorrer em responsabilidade civil por ato ilícito perante a autora.

A autora conclui assim a petição inicial com que foi introduzida em juízo a presente ação:
«Nestes termos, e nos mais de Direito aplicável, deverá a presente acção ser considerada integralmente procedente por provada e, em consequência, ser a 1ª R., por verificação de responsabilidade civil por facto ilícito, condenada a pagar à A. o montante do seu crédito sobre António e Ilda, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros).
Ainda, deverá a presente acção ser considerada integralmente procedente por provada e, em consequência ser o 2º R., ou a título de responsabilidade civil por facto ilícito ou em virtude de desconsideração colectiva da 1ª R., condenado a pagar à A. o montante do seu crédito sobre António e Ilda, no valor de € 5.000.000,00 (cinco milhões de euros) a título de dívida de capital, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, desde 02.10.2006 até efectivo e integral pagamento do montante em dívida, à taxa de juros prevista no artigo 559º, n.º 1 do CC, até ao montante máximo de € 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil cento e trinta e quatro euros).».
Sucede que a autora intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim, contra José, Ilda, B Unipessoal, Lda., e L, Lda., ação de impugnação pauliana, à qual foi atribuído o nº 314/07.9TBALR.

A pendência desse processo determinou a prolação do despacho de fls. 1250-1255, do qual consta, além do mais, o seguinte:

«Quanto à invocada prejudicialidade, importa ter em atenção o que dispõe o artº 276º do CPC segundo o qual a instância se suspende entre outras situações elencadas normativo, quando o tribunal ordenar a suspensão, podendo o tribunal ordená-la quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou ocorrer outro motivo justificado.
Estatuindo o nº 2 do mesmo dispositivo que não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
Conforme ensina A. dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol 3º, pag. 206 ‘’uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda.
Perante tal entendimento poderá dizer-se ocorrer fundamento para a suspensão quando na causa prejudicial esteja em causa a apreciação de uma questão cuja sentença possa modificar ou destruir o fundamento ou a razão de ser da segunda. Só existindo prejudicialidade e dependência quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão de outra causa.
Como refere L. de Freitas in Código de Processo Civl, Anotado, 1º Vol., pag. 501, a causa prejudicial deve ser entendida por aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada.
Conforme se expende no Acórdão do TR do Porto de 31.5.2005, número convencional JTRP00038132, in www.dgsi.pt (….) ‘’a razão de ser, subjacente ao aludido instituto, encontra-se no princípio da coerência de julgamentos e da economia, ou seja, pretendesse evitar que com o decurso de duas acções, em que uma das questões suscitadas pode determinar o não conhecimento da submetida a apreciação na outra, o tribunal esteja a despender esforços processuais e a onerar as partes bem como a poder eventualmente proferir decisões de sentido antagónico.’’
Tecidas estar breves considerações há que analisar à sua luz se, no caso em apreço, em que a A. pretende ver reconhecido o direito à indemnização de modo a ser ressarcida dos danos causados pela conduta ilícita dos RR. traduzida na prática de actos que redundaram na perda da garantia patrimonial do crédito de que se arroga titular em relação à aceitante da letra de câmbio e respectivos avalistas, constitui causa prejudicial, não só a acção paulina que instaurou contra a aqui 1ª Ré, a L Lda (subadquirente) e os alienantes – António e Ilda– como também a execução que contra estes foi instaurada e na qual deduziram oposição quanto existência do credito exequendo.
Se em relação a esta última, não vislumbramos relação de prejudicialidade, já quanto à acção pauliana (artsº 610º, 612º e 613º do Código Civil) entendemos que esta constitui causa prejudicial relativamente à presente.
Na verdade, poderemos afirmar que se o desfecho daquela acção tendente à declaração de ineficácia das compras e vendas efectuadas, for julgada procedente, inutilizará o efeito pretendido na presente. Tanto mais que nestes autos a A. parte precisamente do pressuposto de que viu diminuída a garantia patrimonial do seu crédito, tudo a levando a crer que a subadquriente estará de boa fé e, dessa feita, teme ver naufragar a pretensão de vir a executar o bem imóvel no património dos executados.
E tendo tal resultado tido na sua génese a conduta ilícita da ora 1ª Ré e seu representante legal, pede a condenação destes em determinada indemnização calculada nos termos previstos no artº 616º, nº 2 do Código Civil.
De modo que se a acção pauliana vier a ser julgada procedente a presente causa inutiliza os efeitos pretendidos, sendo certo, além do mais que o bem retorna à esfera jurídica do alienante (devedor) onde a exequente poderá obter, através da respectiva penhora, obter coercivamente o pagamento da quantia exequenda.
Por todo o exposto, decide-se declarar suspensa a instância até que se mostre decidida com trânsito em julgado a acção declarativa que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim, sob o nº 314/07.9TBALR na medida em que ocorre prejudicialidade da mesma em relação à ora instaurada pela A. (artº 279º, nº 1 e nº 3 do CPC).».

Ora, no referido Proc. nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim, no dia 14 de março de 2014, foi proferida a sentença certificada a fls. 1341-1362, transitada em julgado a 24 de abril de 2014.

Nessa sentença decidiu-se o seguinte:
«Com os fundamentos expostos, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, consequentemente, absolvendo do demais peticionado os réus António, Ilda, B Unipessoal, Lda. e L, Lda., declara-se a impugnabilidade da compra e venda - do prédio registado na Conservatória do Registo Predial de Benavente sob o nº 04249 da freguesia de Benavente - outorgada em 27 de Dezembro de 2006, pelos réus António e Ilda, enquanto alienantes e a ré B, Unipessoal, Lda. enquanto adquirente, e a sua consequente ineficácia relativamente à autora  P, SA, com vista à cobrança do crédito da mesma sobre os alienantes, que em 30/10/2006 ascendia ao montante global de 5.037.704,00€ (cinco milhões trinta e sete mil setecentos e quatro euros), condenando-se a ré B Unipessoal, Lda., no pagamento à autora de indemnização correspondente ao valor do referido prédio – 5.893.134,00 (cinco milhões oitocentos e noventa e três mil ceto e trinta e quatro euros) – até ao montante global do referido crédito.» [os sublinhados constam na sentença proferida pelo tribunal de Almeirim e foram reproduzidos na sentença recorrida]
A sentença proferida no Proc. nº 314/07.9TBALR, do Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim, no dia 14 de março de 2014, certificada a fls. 1341-1362, transitada em julgado a 24 de abril de 2014, tal como referido no despacho judicial acima transcrito, faz desaparecer o fundamento, a razão de ser da presente ação, a qual assim julgo improcedente, com a consequente absolvição dos réus do pedido.
Custas a cargo da autora.
Registe e notifique.”

O Direito.

A Constituição da República Portuguesa impõe a fundamentação das decisões judiciais “que não sejam de mero expediente” (art.º 205.º n.º 1).

Tal imposição tem expressão, no direito processual civil, desde logo no n.º 1 do art.º 154.º do CPC: “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.”

Ao nível da sentença, dispõe o CPC que na sua fundamentação o juiz deve discriminar os factos que considera provados e declarar os que julga não provados, analisando criticamente as provas, e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art.º 607.º, n.ºs 3 e 4).

No cumprimento desse dever de fundamentação o juiz não pode limitar-se à simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição – a não ser quando se trate de despacho interlocutório, e mesmo assim só quando a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2 do art.º 154.º). Procura-se garantir que a questão ou questões em litígio foram devidamente apreciadas e ponderadas, e tornar perfeitamente claras as razões do decidido, sendo certo que nem sempre as mesmas o são nas peças processuais juntas pelas partes.

A violação do dever de fundamentação gera a nulidade da decisão (artigos 615.º n.º 1 alínea b) e 613.º n.º 3).

Sendo certo que a mediocridade da fundamentação (pela exiguidade da argumentação apresentada) não se confunde com a respetiva ausência.

In casu, na sentença recorrida apresentou-se fundamentação para a decisão, indicando-se quanto ao seu substrato fáctico o teor de duas decisões, concluindo-se, em proclamada aquiescência, quanto à fundamentação jurídica, com o vertido na primeira delas (o despacho que ordenara a suspensão da instância enquanto não fosse proferida decisão definitiva em ação considerada prejudicial), pela definitiva prejudicialidade do decidido na segunda decisão (sentença proferida na ação prejudicial –ação de impugnação pauliana), em termos de improcedência de mérito do aqui peticionado.

A sentença ora recorrida não é nula, pois contém fundamentação, mas efetivamente merece censura, pois não procede à análise em concreto do teor da sentença dita prejudicial, não explicando por que razão o ali vertido impõe a improcedência da ação. Porém, trata-se de irregularidade, que apenas abala a força persuasiva do juízo emitido pelo tribunal, com reflexos, desde logo, na reação das partes, que dela decidem recorrer, e, depois, na fiscalização que merecerá do tribunal ad quem, sufragando ou não o sentido da decisão emitida.

Em suma, a sentença recorrida não é nula, mas obrigará a um trabalho adicional de ponderação da sua conformidade com o Direito.

Segunda questão (relação de prejudicialidade entre esta ação e a supra referida sentença proferida na ação de impugnação pauliana).

O factualismo a levar em consideração na apreciação desta questão é o seguinte:
1.A fundamentação e os pedidos formulados na presente ação, tal como supra sintetizados no Relatório supra;
2.O teor do despacho que ordenou a suspensão da instância, mencionado no Relatório supra e transcrito na sentença recorrida, por sua vez já supra transcrita;
3.O teor da petição inicial apresentada pela ora A. na ação de impugnação pauliana, constante a fls 482 a 518 destes autos (documento n.º 261, junto com a petição inicial desta ação), que aqui se dá por reproduzida, mas que analisaremos em sede de apreciação jurídica;
4.O teor da sentença proferida em 14.3.2014 pelo Tribunal Judicial de Almeirim no processo n.º 314/07.9TBALR (ação de impugnação pauliana), certificada a fls 1341 a 1362 destes autos, que aqui se dá por reproduzida, sem prejuízo de análise mais adiante,
sendo certo que o factualismo que se dá como assente não é a realidade factual narrada nas mencionadas peças processuais, mas a realidade das peças processuais em si.

O Direito.

Pensamos, divergindo parcialmente da decisão recorrida, que a relação entre a sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim e o litígio objeto destes autos se traduz em caso julgado parcial. Ou seja, a pretensão formalizada pela A., nesta ação que foi instaurada perante as Varas Cíveis de Lisboa, foi definitivamente apreciada pelo Tribunal Judicial de Almeirim no que diz respeito à relação entre a ora A. e a R. B Unipessoal Lda. Existe, quanto a estas partes, caso julgado, na medida em que há equivalência, não só quanto a elas enquanto sujeitos processuais nas duas ações, mas também quanto à causa de pedir e ao pedido (artigos 580.º e 581.º do Código Civil). O caso julgado não determina a absolvição do pedido, mas a absolvição da instância da parte afetada, no processo pendente (artigos 576.º n.º 2 e 577.º alínea i)). Já quanto ao 2.º R. nesta ação, José, não há caso julgado, uma vez que não foi demandado na ação de impugnação pauliana, não tendo aí sido pedida nem emitida qualquer decisão judicial acerca dos factos que aqui lhe são imputados.

Expliquemos por que chegámos a esta conclusão.

Em 02.4.2007 a aqui A. intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim, ação declarativa de condenação (ação de impugnação pauliana) contra António, Ilda, B, Unipessoal, Lda e L, Lda.

A A. aí alegou, tal como na ação a que respeita este recurso, que no exercício da sua atividade de fornecimento de combustíveis se havia constituído credora da empresa C, S.A., no total, à data de 19.8.2006, de € 5 263 312,00, correspondente ao valor de combustível entregue a esta empresa e que ela não pagou. A A., em cumprimento de contrato de preenchimento de letra que havia celebrado com a referida C, S.A. e ainda com António e Ilda, preencheu a letra que aquela sociedade havia aceitado e os referidos António e Ilda haviam avalizado, pelo valor máximo acordado, ou seja, € 5 000 000,00, acrescido de juros de mora, no total de € 5 037 704,00, tendo, em 06.11.2006, dado a letra à execução, que corre os seus termos. Sucede que a A. não logrou encontrar bens imóveis ou móveis sujeitos a registo pertencentes à C, S.A.. Quanto a António e Ilda, a A. veio a descobrir que estes em 27.12.2006 haviam vendido o único imóvel, a eles pertencente, capaz de satisfazer o crédito da A., à R. B Unipessoal, Lda, pelo preço de € 300 000,00, tendo na mesma data a B revendido o dito imóvel à também R. L, Lda, pela quantia de € 5 839 134,00. Os RR. António, Ilda e B Unipessoal Lda conheciam a dívida que os dois primeiros tinham para com a P. S.A., como tinham conhecimento que com a aludida transação impossibilitariam a satisfação do crédito da P. S.A.. Por outro lado, também a R. L, Lda não pode ter deixado de conhecer os contornos de toda esta operação e da má-fé que presidia à conduta dos restantes contraentes. Assim, verifica-se a previsão do disposto no art.º 612.º do CC quer relativamente à 3.ª R. (B Unipessoal Lda), quer relativamente à 4.ª R. (L, Lda), devendo ser declarada a ineficácia das sucessivas vendas do imóvel identificado.

Nessa ação a A. terminou formulando o seguinte petitório:
Nestes termos e nos demais de Direito aplicável, deve a presente acção de impugnação pauliana ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deverá ser declarada a ineficácia, em relação à A., dos actos referidos nos artigos 29º e 30º desta petição inicial, com as legais consequências, nomeadamente, as previstas no artigo 616.º, n.ºs 1, 2 e 4 e artigo 617º do CC”.

Pretendia a A., assim, através da ação de impugnação pauliana, que o imóvel que antes da primeira venda impugnada integrava o património dos seus devedores, António e Ilda, e que entretanto fora até revendido a um terceiro, fosse à mesma executado até ao necessário para satisfação do crédito da A. sobre esses dois Réus (art.º 616.º n.º 1 do CC), respondendo os adquirentes de má fé pelo valor do imóvel que tivessem alienado e que já não fosse possível atingir (n.º 2 do art.º 616.º).

Ora, como se viu, na pendência da referida ação de impugnação pauliana a A. intentou a presente ação, contra a B, Unipessoal Lda e o seu sócio e gerente, José, na qual, na previsão de que em virtude da boa fé da adquirente L, Lda a A. não lograria executar o aludido imóvel, pretendia responsabilizar estes dois RR. pelo prejuízo resultante da perda dessa garantia patrimonial, até ao valor desse bem, nos termos do art.º 616.º n.º 2 do Código Civil.
O tribunal a quo, na sequência do arguido pelos RR., considerou que existia uma relação de prejudicialidade da impugnação pauliana face a esta ação, na medida em que se a ação de impugnação pauliana procedesse inutilizaria os efeitos pretendidos nesta ação, pois o bem retornaria à esfera jurídica do alienante-devedor, onde a exequente poderia obter coercivamente o pagamento da quantia exequenda.

Com tal conclusão terá concordado a ora A., que não impugnou o aludido despacho.

Ora, o que decidiu o Tribunal Judicial da Comarca de Almeirim?
Julgou a impugnação “parcialmente procedente”, ou seja, considerou que se verificavam todos os requisitos da impugnação pauliana no que respeitava aos devedores (António e Ilda) e à primeira adquirente (B Unipessoal Lda), mas entendeu que não se provara a má-fé por parte da subadquirente do imóvel, a R. L, Lda. Assim, o Tribunal de Almeirim não autorizou a sujeição à execução, para satisfação do crédito da P, S.A., do aludido imóvel (uma vez que este ingressara na esfera jurídica de quem estava de boa-fé, a L, Lda), mas, afinal no desenvolvimento do que fora peticionado e ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 616.º do Código Civil, considerou a adquirente e R. B, Unipessoal Lda responsável pelo prejuízo da A. decorrente da referida diminuição de garantia patrimonial, correspondente ao valor do bem transacionado, e consequentemente condenou a R. B, Unipessoal Lda no pagamento à A. P, S.A. de indemnização correspondente ao valor do referido prédio - € 5 893 134,00 – até ao montante global do crédito da A. perante os RR. alienantes, António e Ilda.
Ou seja, o tribunal a quo pronunciou-se sobre a responsabilidade da B, Unipessoal Lda que é objeto desta ação, através de sentença que se fixou na ordem jurídica – pelo que não deve nem pode este tribunal reapreciar o litígio, nesse segmento.

Mas, como se disse, o Tribunal de Almeirim não se debruçou sobre a eventual corresponsabilidade de José nesta matéria, porquanto ele não foi demandado na ação de impugnação pauliana.

E não se vislumbra, ou pelo menos acerca desse aspeto em concreto o tribunal a quo nada disse, que o aludido desfecho da impugnação pauliana determine, sem mais, a improcedência da pretensão formulada pela A., nesta ação, contra o R. José.

Pelo exposto, deverá reconhecer-se parcial procedência à apelação, absolvendo-se da instância (e não de mérito) a R. B, Unipessoal Lda e determinando-se a prossecução da ação quanto ao R. José.

DECISÃO.

Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e, em sua substituição:
a)Absolve-se a 1.ª R. (B, Unipessoal Lda) da instância, em virtude da superveniência de caso julgado;
b)Determina-se que o processo prossiga quanto ao 2.º R., José.
As custas, tanto na primeira instância como na apelação, serão a cargo da A. e do 2.º R., na proporção de metade por cada um.


Lisboa, 29.9.2016


Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins