Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2982/16.1T8BRR.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
DEVER DE LEALDADE
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1O conceito de justa causa de despedimento corresponde a um comportamento do trabalhador violador dos seus deveres contratuais, gerador de uma crise contratual de tal modo grave e insuperável que provoca uma ruptura irreversível entre as partes contratantes de modo a não ser exigível a um empregador normal e razoável a continuação da relação laboral.
2Integra justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador que tirou gasóleo do bidon que pertencia à empregadora, para um qualquer recipiente, para o fazer seu, colocando-o assim fora da disponibilidade daquela, sendo que, anteriormente, já fora punido disciplinarmente pela prática de furto de gasóleo da empregadora.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, motorista, residente no (…), intentou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando o formulário a que aludem os artigos 98º- C e 98º-D do CPT, opondo-se ao despedimento que lhe foi promovido por BBB, Lda, com sede na pedindo que seja declarada a ilicitude ou irregularidade do mesmo com as consequências legais.

Realizou-se a audiência de partes, não tendo sido possível a sua conciliação.

Notificada a Ré para contestar veio motivar o despedimento invocando que por se ter levantado a suspeita de que o trabalhador era autor de furtos de gasóleo das instalações da empresa foi-lhe movido processo disciplinar e elaborada nota de culpa cujos factos reafirma e concluindo que a prática recorrente pelo trabalhador de furto de gasóleo da empresa, atenta a sua gravidade e carácter culposo, tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, constituindo justa causa de despedimento, integrando a previsão do nº 1 do artigo 351º do CT.

Acrescentou que, sem conceder, nos termos do nº 2 do art.98º-J do CPT deverá sempre ser excluída a reintegração do trabalhador, pela natureza dos factos praticados e pela inerente quebra de toda a confiança no trabalhador.

Termina pedindo que o despedimento seja considerado fundamentado em justa causa e, por isso lícito, com as consequências legais.

O Autor contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção invocou:
a inexistência do procedimento disciplinar ou, pelo menos, a sua nulidade por não ter sido aberto por quem tinha poderes para o efeito; por terem sido praticados actos por quem não tinha competência para o efeito e os factos imputados ao Autor resultarem indiciados desses actos; e por não terem sido justificados os poderes da instrutora apesar de ter sido requerido, o que conduz à ilicitude do despedimento por falta de procedimento disciplinar, al.c) do art.381º do CT;
em momento algum foi concedida ao Autor a possibilidade de consultar o procedimento disciplinar e de responder à nota de culpa no prazo de 10 dias úteis, pelo que foi violada a regra estatuída no artigo 355º nº 1 do CT, do que resulta ser inválido o procedimento disciplinar com a consequente ilicitude do despedimento nos termos do artigo 382º nº 1 e nº 2 al.c) do CT;
não foram realizadas as diligências probatórias requeridas pelo Autor indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo que quanto a algumas delas nem sequer houve fundamentação de recusa e das que existiram não releva que fossem impertinentes ou dilatórias, pelo que, por violação do princípio do contraditório, é inválido o procedimento disciplinar ou, pelo menos, nulo, o que conduz à ilicitude do despedimento nos termos do nº 1 e 2 al.c) do art.382º do CT; e
da decisão de despedimento não é possível aferir quais os factos concretos que foram dados como provados e sobre os quais radicou a decisão de aplicação da sanção disciplinar do despedimento, do que resulta a invalidade do procedimento e a ilicitude do despedimento nos termos do nº 4 do artigo 357º nºs 1 e 2 al.d) do artigo 382º do CT.
Por impugnação refere que a Ré invocou factos que não constam da nota de culpa, outros que não foram comunicados ao A. e outros ainda que nem resultam de quaisquer elementos dos autos disciplinares, pelo que não poderão ser apreciados nem tidos em consideração e, apresentando diferente versão dos factos, conclui que não retirou gasóleo do bidon e fez seu e, muito menos, o colocou em algum recipiente.
Acrescenta que, mesmo que se verificasse o facto que a Ré imputa ao Autor, o alegado furto de 8 litros de combustível, este não preenche o conceito de justa causa de despedimento, sendo certo que este não consubstancia uma lesão séria e importante dos interesses da empresa.
Ainda deduziu reconvenção e optou pela indemnização em substituição da reintegração invocando que o CCT aplicável prevê que basta a oposição do empregador para que o valor da indemnização seja apurado à razão de 40 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção, pelo que deverá ser esse o valor a considerar para efeitos do cálculo da indemnização por antiguidade ou, caso assim não se entenda, então deverá ter-se em conta, pelo menos, 30 dias.
Invocou, também, que não recebeu formação profissional nos últimos 3 anos, num total de 105 horas, que lhe é devida e que durante o período de suspensão a Ré não lhe pagou o subsídio de alimentação, o que também lhe é devido.
A cessação ilícita do contrato afectou psicologicamente o Autor que ficou desorientado, transtornado, sofrendo instabilidade, ansiedade, desgosto e humilhação, devendo ser indemnizado por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 1.000,00.
Pediu, a final, que a contestação e a acção sejam declaradas procedentes e consequentemente:
A Declarar-se inexistente o procedimento disciplinar, ou a nulidade e, consequentemente, ilícito o despedimento; se assim não se entender
B Declarar-se a invalidade do procedimento disciplinar e a ilicitude do despedimento; se assim não se entender
C Devem ser declarados improcedentes os motivos justificativos do despedimento; e
D Declarar-se ilícito o despedimento do Autor;
E Atenta a opção por parte do Autor pela indemnização em substituição da reintegração condenar-se a R. a pagar ao A. a quantia de €28.304,37, a título de indemnização calculada à razão de 40 dias por cada ano completo de antiguidade ou fracção;
F Se assim não se entender, ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização calculada, pelo menos, à razão de 30 dias (um mês) por cada ano completo de antiguidade ou fracção num total de €21.225,26;
G Condenar-se a Ré a pagar ao A. as retribuições e subsídios que este deixou de auferir desde o despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão que declare ilícito o despedimento, nos termos do nº 1 do art.390º do CT.
H Condenar-se a Ré a pagar ao A. a quantia de €396,90, decorrente da não concessão de formação profissional ao A. nos últimos três anos;
I Condenar-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de €155,73 referente ao subsídio de alimentação durante a suspensão no âmbito do procedimento disciplinar;
J Condenar-se a R. a pagar ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais em valor não inferior a € 1.000,00;
K Condenar-se a Ré a pagar ao A. os juros de mora a contar do vencimento de cada uma das quantias peticionadas até efectivo e integral pagamento à taxa legal supletiva;
L Condenar a Ré no pagamento das custas processuais.

A Ré respondeu pugnando pela improcedência das excepções e acrescentando que, caso o despedimento seja considerado ilícito, a indemnização deverá ser calculada com base em 30 dias, o trabalhador encontra-se a trabalhar pelo que o salário que aufere sempre será de deduzir a quaisquer créditos que lhe sejam devidos pela Ré, bem como eventuais prestações de desemprego que se encontre a auferir e que, considerado regular o despedimento, naufraga a reconvenção e os pedidos de indemnização na sequência de despedimento ilícito e a título de danos não patrimoniais.

Foi proferido despacho que admitiu a reconvenção.

Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo sido determinada, oficiosamente, a sua gravação.

Foi elaborada a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, julgo parcialmente procedente a ação, pelo que condeno a R. BBB, Lda. a pagar ao A., AAA, o montante de € 396,90 (trezentos e noventa e seis Euros e noventa cêntimos).
No demais, a ação improcede, absolvendo-se a R. dos pedidos.
Valor da ação: € 5.000,01 (cinco mil euros e um cêntimo).
Custas da ação a cargo do A. em 95% e da R. em 5%.
Registe e notifique.

Inconformado, o Autor arguiu nulidades da sentença e recorreu apresentando as seguintes conclusões:

(…)

Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra alegações.

O recurso foi admitido com o modo de subida e efeito adequados.
Neste Tribunal, o Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser confirmada a sentença recorrida.

Notificadas do teor do parecer, as partes não responderam

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
Se devem ser conhecidas as arguidas nulidades da sentença.
Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
Da alegada invalidade do procedimento disciplinar por:
a)- a instrutora não ter poderes para exercer o poder disciplinar;
b)- não ter sido concedido ao Autor o prazo de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa.
c)- a empregadora não ter realizado as diligências de prova requeridas pelo autor no âmbito do processo disciplinar e por falta de fundamentação da sua não realização; e
d)- por não terem sido observados os requisitos legais na decisão de despedimento, nomeadamente não constar  da decisão os factos dados como provados e que justificavam o despedimento.
Da alegada inexistência de justa causa e despedimento ilícito, com as respectivas consequências.
Se a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor o crédito relativo a formação profissional, no valor de € 396,90 e juros nos termos peticionados.
Se deve ser conhecida a questão de saber se é devido ao Autor o pagamento do subsídio de alimentação durante o período de suspensão.
*
(…)
*

Fundamentação de facto.
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1. O A. foi admitido ao serviço da entidade empregadora por contrato de trabalho de 1/5/84 para exercer as funções de motorista.
2. Nos últimos meses, a R. vinha a incumbir o A. da prestação de tarefas no armazém, a fim de poder completar o seu horário de trabalho, por o trabalhador se encontrar com dificuldades físicas, nomeadamente ao nível da mobilidade de uma mão.
3. O A. carregava e descarregava mercadoria com os empilhadores no armazém da empresa, para além de conduzir os veículos pesados da empresa, transportando a mercadoria objeto da atividade desta (rações, produtos para alimentação animal e outros).
4. Existe um bidon no armazém, com um dispositivo de abastecimento (filtro e bomba), que é regularmente enchido de combustível, para com o mesmo se alimentar os veículos empilhadores.
5. No dia 16 de junho de 2016 o trabalhador Paulo Silva carregou o bidon com gasóleo e depois abasteceu os empilhadores, tendo restado gasóleo no bidon.
6. Por suspeitas quanto ao destino do gasóleo, Paulo Silva esvaziou o filtro do bidon para poder verificar no dia seguinte se alguém teria mexido no gasóleo, pois se o filtro estivesse com gasóleo no dia seguinte seria sinal de que alguém o teria feito.
7. No dia seguinte, o filtro tinha gasóleo e o bidon estava vazio.
8. No dia 24 de junho, o mesmo trabalhador voltou a carregar o bidon com combustível, abasteceu os empilhadores e esvaziou o filtro da bomba
9. Depois, mediu o nível do gasóleo no bidon com um pau, na vertical, que marcou.
10. No dia 25, o A. trabalhou no armazém.
11. Nesse sábado, o A., encontrando-se sozinho no armazém, tirou gasóleo do bidon para qualquer recipiente, para o fazer seu, e de seguida deslocou um dos empilhadores para junto do bidon para simular que o estaria a abastecer.
12. Tendo sido ouvido o empilhador a deslocar-se com grande ruído, a adjunta da gerência foi ao armazém e viu o trabalhador junto ao empilhador e ao bidon.
13. Perguntado sobre o que fazia, alegou estar a abastecer o empilhador por o mesmo se encontrar na reserva e até ter ido abaixo o motor.
14. No mesmo dia, os trabalhadores (…) e (…) foram chamados à empresa e verificaram não só que o nível do gasóleo tinha baixado cerca de 8 litros como que o filtro da bomba se encontrava novamente cheio.
15. Verificaram ainda que os depósitos de ambos os empilhadores se encontravam conforme tinham sido deixados no dia anterior, ou seja, com o mesmo nível de combustível.
16. No âmbito de procedimento disciplinar anterior, datado de Novembro de 2004, foi aplicado ao trabalhador a pena de suspensão sem vencimento por 10 dias úteis, por furto de gasóleo das instalações da empresa, ato esse confessado pelo trabalhador (fls. 48 a 53 do processo disciplinar).
17. A R. não proporcionou ao A. formação profissional nos últimos três anos.
*

A sentença considerou não provados os seguintes factos:
No dia 25/6/16, quando o A. utilizava o empilhador cinzento, este foi-se abaixo e o A. deslocou-o para junto do bidon do combustível para o abastecer.
Na sequência, utilizou a bomba existente no bidon para o abastecer.
No entanto, quando já estava a acionar a bomba para passagem do gasóleo do bidon para o depósito do empilhador, tentando abastecê-lo, verificou que o empilhador tinha combustível.
Nesse dia existiram diversas cargas para as quais o A. utilizou o empilhador cinzento.
*

Apreciemos, agora, se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…) sob o ponto 36 adita-se aos factos provados o seguinte:
36- A R. tem como actividade o comércio por grosso de alimentos para animais, CAE 46211, e tem a sua sede e estabelecimento no distrito de Setúbal.
(…), adita-se aos factos provados sob o ponto 37 o seguinte facto:
37- O A não está sindicalizado em nenhum sindicato e a R. não faz parte de nenhuma associação de empregadores.
(…) adita aos factos provados, sob o ponto 39 o seguinte facto:
38- À data do despedimento, o Autor auferia o vencimento base de € 656,00 (seiscentos e cinquenta e seis euros), acrescido de 5,37€/dia de subsídio de alimentação.
(…)
Assim adita-se aos factos provados sob o ponto 40 o seguinte facto:
39- O A. esteve suspenso ao abrigo do procedimento disciplinar de 01 de Agosto de 2016 a 09/09/2016, período durante o qual a Ré apenas lhe pagou a retribuição.
Em face do exposto, procede parcialmente o recurso da matéria de facto.

Fundamentação de direito.
Apreciemos, agora, a alegada invalidade do procedimento disciplinar por:
a)- a instrutora não ter poderes para exercer o poder disciplinar.
Sobre a questão pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos:
“Invoca o A. a falta de poderes ou pelo menos a falta de comunicação dos poderes da instrutora, dizendo que o documento a fls. 1 do processo disciplinar, com a concessão de poderes à instrutora, foi adicionado a posteriori e não constava inicialmente do processo, que não estava numerado nem rubricado. Mais refere que o A. exigiu que a instrutora fizesse prova dos seus poderes, sendo que esta nunca o fez.
Ainda que o adicionar de um documento ao processo, que não existia ab initio, como  fls. 1, seja prática incorreta, pois tal documento deveria ser incluído no fim, sem se alterar a ordem dos autos, o que importa verificar é se no contexto dos demais elementos que existiam no processo o A. podia ou não concluir que a instrutora tinha ou não poderes para a abertura do processo disciplinar e sua instrução. Ora, a fls. 11 do processo disciplinar vemos que a carta enviada ao trabalhador com a nota de culpa, logo o primeiro contacto com o trabalhador no âmbito do procedimento disciplinar, está assinada pelo gerente da R. e diz
“Dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo no escritório da Advogada instrutora Dra. (…) e responder à nota de culpa dirigida à mesma entidade e mesmo local”.
Qualquer destinatário normal, colocado na posição do A., interpretaria esta frase no sentido de que o gerente da R. delegou ou pelo menos ratifica a abertura do procedimento disciplinar e assume como sua a nota de culpa, bem como atribui à pessoa indicada poderes de instrução dos atos subsequentes.
Conclui-se, pois, que a instrutora tinha poderes para praticar os atos em causa e que tal delegação de poderes, nos termos do art. 329.º, n.º 4, do CT, foi oportunamente comunicada pela R. ao A. aquando do envio da nota de culpa.

Discorda o Recorrente do entendimento do Tribunal a quo defendendo, em resumo, que a comunicação a fls 11 é posterior à abertura do processo disciplinar e à prática de diversos actos por parte da instrutora, inclusive abrir o processo pelos factos que entendeu, que não consta em tal documento qualquer ratificação da abertura do processo disciplinar a qual teria de ser expressa, não existindo qualquer presunção, a instrutora nunca fez prova dos poderes que se arrogou, a instrutora praticou actos de instrução, nomeadamente procedeu à inquirição das testemunhas em sede de inquérito prévio sem ter competência para o efeito e, por sua vez, todo o processo sustenta-se em tal prova testemunhal que preside à elaboração da nota de culpa, o procedimento disciplinar, na ausência de qualquer documento da Recorrida que expresse a vontade de abertura do processo disciplinar e por que factos e quais os meios de prova, foi iniciado pela instrutora a qual não tinha poderes para o efeito, do documento a fls. 1 do processo disciplinar apenas consta a competência para a prática de actos de instrução e não de abertura de procedimento disciplinar, não tinha a instrutora qualquer delegação genérica que lhe permitisse exercer o poder disciplinar nomeadamente abrir procedimento disciplinar pelos factos que entendesse, pelo que o procedimento disciplinar é inexistente ou nulo, ou são nulos os actos praticados pela instrutora, o que conduz à ilicitude do despedimento por falta de poderes da instrutora.

Vejamos:
Dispõe o artigo 98º do CT que “O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho.”
Por seu turno, quanto ao exercício do poder disciplinar determina o nº 4 do artigo 329º do CT que “ O poder disciplinar pode ser exercido directamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.”
Como se escreve no “Código do Trabalho Anotado” de Pedro Romano Martinez e outros autores, 8ª Edição, pág. 881”Apesar de no nº 4, tal como no nº 2 do artigo 365 do CT2003, se facultar ao empregador a possibilidade de estabelecer que o poder disciplinar pode ser exercido por superior hierárquico do trabalhador, nos termos gerais da representação, nada obsta a que o empregador outorgue poderes a outrem para o exercício do poder disciplinar.”
Sobre o exercício do poder disciplinar pronuncia-se Maria do Rosário Palma Ramalho na obra “Direito do Trabalho Parte II-Situações Laborais Individuais”, 3ª edição pag.710 nos seguintes termos:” Também esta norma teria justificado alguma actualização, na medida em que, na prática, o exercício do poder disciplinar pode ser confiado a trabalhadores com competência específica para o efeito, mas que podem não ser formalmente superiores hierárquicos do trabalhador, ou pelo menos, a instrutores disciplinares que sejam terceiros.”
Ainda sobre o exercício do poder disciplinar lê-se na nota de rodapé constante da pág.382 da obra “Contrato de Trabalho”, 3ª edição reimpressão, de João Leal Amado: O titular do poder disciplinar é o empregador, mas nada impede que o procedimento seja desencadeado por um superior hierárquico do trabalhador, com competência disciplinar, ou até por uma entidade externa (p.ex., um advogado), em representação do empregador. Por outro lado, embora o procedimento disciplinar tenha um carácter extrajudicial, nada obsta a que o trabalhador mandate um advogado para o assistir (neste sentido, p.ex. Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho II, pag.926, e Júlio Gomes, Direito do Trabalho, p.1005.”
E de acordo com o artigo 353º nº 1 do CT, “ No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.

Assim, o procedimento disciplinar inicia-se com a entrega ao trabalhador da nota de culpa e, juntamente com esta, o empregador deverá comunicar a intenção de proceder ao seu despedimento.    

E como escreve Pedro Furtado Martins na obra “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª edição, revista e actualizada, pág. 208, “O primeiro ato cuja prática é obrigatória para o empregador é a comunicação escrita ao trabalhador da intenção de proceder ao despedimento, acompanhada da nota de culpa, isto é, de um documento onde é feita uma «descrição circunstanciada dos factos» imputados ao trabalhador – artigo 353º nº 1.”

Ora, no caso, ficou provado que o procedimento disciplinar foi movido ao Autor em 1 de Julho de 2016 (facto 18) e que a nota de culpa, a intenção de despedimento e a decisão de suspensão foram endereçadas ao Autor por carta de 5 de Julho de 2016, assinada pelo gerente da Ré, recebida pelo Autor em 6 de Julho de 2016 (facto 19)

Também se provou que no dia 12 de Agosto de 2016, em comunicação endereçada à instrutora o Autor, além do mais, solicitou que esta fizesse prova dos poderes de representação que se arroga (facto 29), não constando do procedimento disciplinar que a instrutora se tenha pronunciado sobre tal pedido (facto 30).
Ainda resultou provado que fls. 1 do procedimento disciplinar, datada de 1 de Julho de 2016, foi junta ao procedimento disciplinar depois de elaborada a nota de culpa (facto 33).

E fls.1 do procedimento disciplinar tem o seguinte teor:
“A fim de proceder à instrução do procedimento disciplinar aberto contra o trabalhador AAA nesta data, nomeio como instrutora a Dra. (…), advogada com escritório na Praceta (…).
Atalaia, 1 de Julho de 2016”.
Este facto também decorre da decisão final de despedimento quando aí se refere que:
“(…)Na verdade, apenas constavam dos autos as inquirições escritas às testemunhas ouvidas, com base nas quais foi enviada a nota de culpa ao trabalhador.”(facto 34)

Ora, apesar de na data do envio da nota de culpa ao Autor não constar dos autos o acto de nomeação da instrutora, o certo é que tal nomeação ocorreu em 1 de Julho de 2016, data que não foi posta em causa pelo Autor e que é simultânea com a data da abertura do processo disciplinar e com a data em que foram inquiridas duas das três testemunhas ouvidas pela instrutora, (…) e (…), sendo que a testemunha (…) já foi ouvida no dia 2 de Julho de 2016.

Por outro lado, a fls.3 dos autos e de que o Autor tomou conhecimento, refere a instrutora que “no dia 1 de Julho de 2016, por nomeação da empresa (…),  Lda (…) dou início ao procedimento disciplinar aberto contra o trabalhador AAA já que sobre o mesmo incidem suspeitas de incumprimento grave dos seus deveres para com a empresa, entidade patronal, nomeadamente a eventual imputação da autoria de um furto ocorrido no dia 25 de Junho nas instalações da empresa”.

Ora, concordamos com o Tribunal a quo quando refere que o adicionar de um documento ao processo que não existia ab initio como fls. 1 é prática incorrecta e que deveria ter sido incluído nos autos de procedimento disciplinar sem alterar a ordem dos autos.

Contudo, sendo certo que o documento que constitui fls. 1 dos autos já existia desde o início do procedimento disciplinar (1 de Julho de 2016) e não foi arguida a sua falsidade entendemos que, neste caso, não faz sentido falar em ratificação dos actos praticados pela instrutora, na medida em que esta supõe que os actos foram praticados sem que o representante tivesse poderes para tal (cfr.art.268º nº 1 do CC).

Mas tal não é o caso dos autos. Na verdade, em 1 de Julho de 2016, a instrutora já tinha poderes para praticar actos de instrução o que pressupõe, necessariamente, que tinha poderes para iniciar o procedimento disciplinar, poderes que lhe foram conferidos pelo gerente da Ré; o que sucedeu é que o documento que constitui fls. 1 do procedimento disciplinar ainda não se encontrava junto ao mesmo.

De qualquer modo e como refere o Tribunal a quo, na carta enviada ao Autor em 5 de Julho de 2016, assinada pelo gerente da Ré, este identifica a instrutora, o que pressupõe que, anteriormente, já a tinha nomeado, como efectivamente tinha sucedido, pelo que não fazia sentido o Recorrente exigir que aquela comprovasse os poderes de representação.

Consequentemente, não merece censura a decisão do Tribunal a quo quando conclui pela inexistência da alegada invalidade do procedimento disciplinar.
*

b)-não ter sido concedido ao Autor o prazo de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa.

Sobre a questão, escreve-se na sentença recorrida o seguinte:
“Invoca o A. a não concessão de prazo suficiente de consulta do processo disciplinar e apresentação de defesa.
No dia 6/7/16, o A. foi notificado da nota de culpa que lhe concedia 10 dias úteis para consulta do processo e resposta à nota de culpa. Assim, tal prazo cessaria a 20/7/17, quarta-feira.
Alega o A. que no dia 19 se deslocou ao escritório da I. Advogada instrutora e tentou o contacto telefónico mas sem sucesso. Note-se que nesta data o A. gozaria apenas de 2 dias úteis até ao termo do prazo, a saber, dia 19 e dia 20.
Informada desta impossibilidade de consulta no dia 19, no dia 25 a Instrutora notificou o A. concedendo-se a possibilidade de consulta dos autos e reformulação da resposta dada até ao dia 28. Verifica-se que dia 25 foi uma segunda-feira e dia 28 uma quinta-feira. Assim, a instrutora concedeu ao A. prazo superior aos 2 dias úteis que o A. inicialmente perdeu. Em vez dos dias 19 e 20 que lhe sobejavam para consulta e resposta, o A. teve oportunidade de gozar dos dias 26, 27 e 28.
Como o A. não considerou o prazo suficiente, a Instrutora remeteu-lhe cópia das 3 inquirições de testemunhas que fundamentaram a nota de culpa e concedeu prazo adicional de 5 dias úteis. Note-se que do processo não existiam outros elementos relevantes, salvo eventualmente o doc. de fls. 1 a conferir poderes à instrutora, que, como se retira do que atrás se disse, em nada releva, pois da carta remetida pela gerência com a nota de culpa depreende-se a delegação de poderes.
Assim, verifica-se que a instrutora concedeu inicialmente um prazo de 10 dias úteis, mas por impossibilidade de consulta nos dias 19 e 20, em substituição dos dias 19 e 20 concedeu outros 3 dias úteis. Só isto bastaria para cumprir as formalidades legais, indo-se para além dos 10 dias úteis. Porém, por o A. ter invocado impossibilidade de consulta dos autos, a instrutora acabou por conceder-lhe ainda 5 dias úteis adicionais para reformulação da resposta com base nos meios de prova relevantes constantes do processo e remetidos pela instrutora ao trabalhador. Note-se que este procedimento deve ser encarado como um ato de gentileza que a lei não impõe e vai para além do legalmente previsto.
Daqui resulta que a instrutora acabou por conceder prazo superior aos 10 dias úteis previstos no art. 355.º, n.º 1, do CT, para consulta dos autos e resposta, o que se afigura mais do que suficiente para salvaguarda do direito de defesa e contraditório do trabalhador.

Invoca o Recorrente que decidiu mal o Tribunal a quo dado que o prazo previsto no número 1 do artigo 355.º do CT tem natureza imperativa e é contínuo não estando prevista qualquer fragmentação o que é inconciliável com o entendimento de que a concessão de prazos adicionais são um acto de gentileza, que em momento algum foi concedida ao Autor a possibilidade de consultar o processo e de responder à nota de culpa no prazo de 10 dias úteis, sendo que o envio de cópia de parte do processo disciplinar não substitui o direito de consulta e o Recorrente não teve pleno conhecimento dos factos e dos elementos do processo para poder elaborar a resposta à nota de culpa.

Vejamos:

Dispõe o artigo 339º do CT:
“ 1- O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal:
2- Os critérios de definição de indemnização e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
3- (…)”.
Por seu turno, dispõe o nº 1 do artigo 355º do CT que “O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.”

Como refere Pedro Furtado Martins na obra citada, pag 215 “ A consulta do processo é um ato que a lei há muito prevê como antecedente lógico da resposta à nota de culpa. O conteúdo do direito de consulta depende daquilo que o próprio processo contém no momento em que é remetida a nota de culpa ao trabalhador.”

Conforme decorre dos factos provados, no momento em que é remetida a nota de culpa ao Recorrente o procedimento disciplinar continha, para além da nota de culpa e da comunicação de intenção de despedimento e do prazo de 10 dias úteis para consultar o processo, as declarações de três testemunhas, pelo que o conteúdo de direito de consulta do Autor abrangia todos esses actos.

Conforme decorre de fls.11 do PD, por carta endereçada ao Autor em 5 de Julho de 2016 e por este recebida em 6 de Julho de 2016, foi-lhe concedido o prazo de 10 dias úteis para consultar o processo no local indicado, embora não estivesse referenciada qualquer data ou hora para tal efeito. Contudo, a lei a tal não obriga.
Assim, conforme refere a decisão recorrida, o prazo para consultar o processo e responder à nota de culpa terminava no dia 20 de Julho de 2016.
No dia 19 de Julho o Autor endereçou uma carta à instrutora na qual nega os factos que lhe são imputados e lhe dá conta de que, nesse mesmo dia, esteve no escritório para consultar o processo, mas que tal se mostrou impossível por não se encontrar lá ninguém.
Em resposta, a instrutora, por carta de 21 de Julho, recebida pelo Autor em 25 de Julho, concedeu ao Autor a possibilidade de consultar o processo até ao dia 28 de Julho e reformular a resposta à nota de culpa, o que também comunicou ao ilustre Advogado do Autor.
O Autor, por carta de 1 de Agosto de 2016 respondeu à instrutora que o prazo era insuficiente, para poder agendar a consulta, consultar o processo e reformular a resposta à nota de culpa.
Perante esta carta, a instrutora, embora não aceitando que o Autor não tenha tido a possibilidade de consultar o processo, por carta de 5 de Agosto de 2016, enviou ao Autor cópias do procedimento disciplinar na parte em que fundamentaram a nota de culpa (inquirição das três testemunhas) e ainda concedeu ao Autor 5 dias úteis após a recepção da carta para alterar a resposta à nota de culpa, caso o pretendesse.
Por carta de 12 de Agosto de 2016, o Autor insiste que continua a não ser-lhe facultada a consulta do procedimento disciplinar e responde à nota de culpa, requerendo a realização de diligências.
Em conclusão, verifica-se que foi concedido ao Autor o prazo de 10 dias úteis para consultar o processo, o que tentou fazer no penúltimo dia sem o conseguir. Contudo, tal impossibilidade não implica, em nosso entender, que tivesse de ser concedido ao Autor novo prazo de 10 dias úteis para tal efeito, na medida em que já se tinham esgotado, pelo decurso do tempo, 8 dias úteis.
Mas mais, ainda lhe foi prorrogado o prazo para tal consulta até ao dia 28 de Julho o que correspondeu a mais 3 dias úteis, sem que o Autor os usasse para tal efeito a que acresceram mais 5 dias úteis para, querendo, alterar a sua defesa, sem que lhe fosse vedada a possibilidade de, neste período, poder consultar o processo.
Ora, face ao quadro descrito, impõe-se concluir, como fez o Tribunal a quo, que não foi coarctado ao Autor o direito de consultar o processo nem tal fragilizou a sua defesa, sendo certo que ainda lhe foi dado a conhecer o teor dos actos praticados antes da elaboração da nota de culpa (inquirição de três testemunhas), pelo que se o Autor não os consultou foi porque não quis.
Consequentemente, improcede a invocada causa de invalidade do procedimento disciplinar.
*
c)-a empregadora não ter realizado as diligências de prova requeridas pelo autor no âmbito do processo disciplinar e por falta de fundamentação da sua não realização.
Sobre a questão pronunciou-se o Tribunal a quo nos termos seguintes:
“Invoca o A. a não produção da prova requerida ou insuficiente fundamentação da sua inadmissibilidade.
Nos termos do art. 356.º, n.º 1, do CT “O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.”.
Note-se que o empregador não está obrigado a produzir todos os meios de prova indicados pelo trabalhador, mas apenas aqueles que se afigurem necessários para assegurar as garantias de defesa e contraditório, sob pena de se dilatar excessivamente a instrução, com perda da celeridade necessária no âmbito do procedimento disciplinar.
Não faria sentido inquirir como testemunhas todos os clientes que estiveram no estabelecimento no dia 25/6/16 e efetuaram compras, como requerido, sem que se explique a que factos concretos, sob pena de tal ato se afigurar inútil e um incómodo perfeitamente injustificado para terceiros. Ora, o A. não explicou detalhadamente qual a utilidade de cada um dos meios de prova indicados para a prova de cada um dos factos discriminados na nota de culpa, o que leva a instrutora a concluir pela inutilidade. Note-se que em carta de 19/8/16, a fls. 37 do processo disciplinar, a instrutora informou que “Por totalmente impertinente e manifestamente dilatória, além de não caber à entidade patronal nomear testemunhas, não se realizará a inquirição dos clientes.”.
Para apurar se corresponde à verdade que existiu quebra de movimento e maior consumo de gasóleo, foi requerida a junção ao processo de cópia das faturas e respectivo resumo mensal desde 1/1/2016 até ao dia 25/6/2016, bem como cópia de todas as faturas de aquisição de gasóleo para os empilhadores em igual período. Note-se que os factos alegados relativos a quebra de movimento e perceção de maior consumo de gasóleo não são essenciais mas servem apenas para enquadrar as suspeitas sentidas e explicar a “cilada” levada a cabo no dia 25/6/2016. Os factos relativos às suspeitas podiam nem sequer constar da nota de culpa. O facto essencial é a apropriação de gasóleo no dia 25/6/2016 e não o que se desconfia que poderá ter sucedido em momentos anteriores e que mesmo que se demonstre que não sucedeu em nada releva para alterar os factos do dia 25. Assim, é legítima a interpretação no sentido de que as referidas diligências se afigurariam desproporcionadas e desnecessárias para assegurar a boa defesa do trabalhador.
A instrutora justificou a inadmissibilidade da prova requerida dizendo, a fls. 57, do seu relatório que “Na verdade, parte das diligências que o trabalhador pretende ver realizadas não têm qualquer pertinência e manifestam apenas a vontade do trabalhador de prolongar ainda mais a sua situação de suspensão remunerada, pois
1.-A junção de toda a facturação da empresa desde o início do ano, bem como o resumo mensal da mesma nenhuma relevância poderá ter para a ocorrência ou não do furto;
2.-A identificação de todos os clientes do dia 25 de Junho não tem cabimento, pois se nos termos da lei cabe ao trabalhador identificar as suas testemunhas, por outro lado também não irá a entidade patronal importunar os seus clientes, submetendo-os a inquirição.”.
Para demonstrar que houve cargas, que por sua vez implicaram a utilização de empilhadores e consequente consumo de gasóleo foi requerida a junção de todas as faturas emitidas e comunicadas à Autoridade Tributária referentes ao dia 25/6/2016. Foram juntas aos autos as faturas desde o momento da abertura até às 10 h, pois o depoimento da testemunha (…) apontava para a verificação da apropriação de gasóleo por essa hora, em que foi visto com o empilhador junto ao bidon (cfr. fls. 7 do processo disciplinar). Nesse sentido vai o relatório de conclusão do procedimento disciplinar ao referir, a fls. 60, “Pela análise das facturas emitidas nesse dia 25 de Junho, até às 10:00 h, hora a que ocorreu o alegado abastecimento, verifica-se que nenhum cliente comprou mercadoria que justificasse a utilização de qualquer empilhador, pois este só é utilizado para transportar cargas de peso superior a 20Kg…”. De qualquer modo, face a outros meios de prova a que adiante me referirei, a análise exaustiva das faturas não seria de relevar.
Quando aos vícios de falta de fundamentação por insuficiente explicitação das razões da não admissibilidade dos meios de prova, verifica-se que a instrutora justificou suficientemente, ainda que de modo sintético, sendo que as exigências no âmbito deste procedimento disciplinar, que não se confunde por exemplo com um processo de natureza criminal, não podem ir a ponto de pôr em causa a celeridade necessária, desde que salvaguardados os direitos de contraditório e defesa.”

Por sua banda, entende o Recorrente que a junção ao processo de cópia das facturas e respectivo resumo mensal desde 01/01/2016 até ao dia 25/06/2016, bem como cópia de todas as facturas de aquisição de gasóleo para os empilhadores em igual período era essencial e a instrutora não diligenciou por tal junção, nem sequer considerou fundamentadamente tal diligência dilatória ou impertinente nos termos do nº 1 do 356.º do CT., aliás nem sobre tal pronunciou, que a junção de todas as facturas emitidas e comunicadas à Autoridade Tributária referentes ao dia 25/06/2016 era essencial à descoberta da verdade, sendo que a Instrutora não juntou a totalidade da facturação do dia e apenas o fez até às 10h e nem tão pouco foram fundamentadamente considerados dilatórios ou impertinentes para a descoberta da verdade estes elementos probatórios, era essencial a inquirição de todos os clientes que estiveram no estabelecimento no dia 25/06/2016 e efectuaram compras cuja identificação está na posse da entidade patronal, diligência que foi indeferida, sendo que nenhum dos motivos que fundamentaram o indeferimento é por considerar a diligência dilatória ou impertinente.

Vejamos:
De acordo com a parte final do nº 1 do artigo 355º do CT, o trabalhador com a resposta à nota de culpa pode juntar documentos e solicitar as diligências que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Conforme decorre dos autos, o Recorrente, com a resposta à nota de culpa (fls.33 e 34 do PD), requereu:
a junção de cópia das facturas e respectivo resumo mensal desde 01/01/2016 até ao dia 25/06/2016, bem como cópia de todas as facturas de aquisição de gasóleo para os empilhadores em igual período.
junção de cópia de todas as facturas emitidas e comunicadas à autoridade tributária no dia 25/06/2016.
a inquirição de (…).
a inquirição de todos os clientes que estiveram no estabelecimento no dia 25/06/2016 e efectuaram compras cuja identificação está na posse da entidade patronal.
Ora, de acordo com o nº 1 do artigo 356º “ O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, neste caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito.”
A propósito desta norma, refere João Leal Amado, na obra citada, pag. 382: “ Em suma, após a prolação do Acórdão n.º 338/2010 a instrução deixou de ser facultativa, isto é, o empregador sempre deverá proceder às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa, «a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundadamente por escrito».
Assim, em todos os despedimentos, o empregador é obrigado a realizar as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, mas neste caso tem de fundadamente justificar por escrito a não realização de tais diligências.
Regressando ao caso, constata-se que a empregadora inquiriu a testemunha arrolada pelo Autor e juntou aos autos de procedimento disciplinar as facturas comunicadas à AT referentes ao dia 25 de Junho de 2016, desde a abertura do estabelecimento até às 10horas.
E sobre as restantes diligências de prova requeridas pelo Autor, a instrutora decidiu: “ Por totalmente impertinente e manifestamente dilatória, além de não caber à entidade patronal nomear testemunhas, não se realizará a inquirição dos clientes.” (fs.37 do PD).
Na decisão de despedimento (fls.57 do PD) refere-se, ainda, que “ Na verdade parte das diligências que o trabalhador pretende ver realizadas não têm qualquer pertinência e manifestam apenas a vontade do trabalhador de prolongar ainda mais a sua situação de suspensão remunerada pois,
1.-A junção de toda a facturação da empresa desde o início do ano, bem como o resumo mensal da mesma nenhuma relevância poderá ter para a ocorrência ou não do furto;
2.-A identificação de todos os clientes do dia 25 de Junho não tem cabimento, pois se nos termos da lei cabe ao trabalhador identificar as suas testemunhas, por outro lado também não irá a entidade patronal importunar os seus clientes, submetendo-os a inquirição.”

Do exposto, resulta que a empregadora alegou fundadamente e por escrito o motivo porque entendeu que as demais diligências requeridas pelo trabalhador se lhe revelaram patentemente dilatórias.
Acresce que a inquirição de todos os clientes que no sábado em questão estiveram no estabelecimento da Ré, conforme decidiu o Tribunal a quo, não se revela essencial; para aferir se houve compras que justificassem a movimentação dos empilhadores bastava a junção das facturas do dia 25/6/2016, as quais foram juntas aos autos, além de que tendo a testemunha (…) declarado, no âmbito do processo disciplinar, que ouviu um dos empilhadores cerca das 10horas (fls.31 do PD), na óptica da empregadora revelava-se patentemente desnecessária a junção das facturas desde 1/1/2015, bem como as posteriores àquela hora.
Por outro lado, como se afirma no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.03.2016, pesquisa em www.dgsi.pt: “(…) II- À exceção das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e que o empregador, nos termos do art. 356º, nº 1, do CT/2009, deverá levar a cabo [a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, caso em que o deverá alegar fundamentadamente, por escrito], o Código do Trabalho não lhe impõe a realização, no âmbito do procedimento disciplinar, de diligências probatórias tendentes a demonstrar a bondade das acusações que imputa ao trabalhador.
III- O procedimento disciplinar é um processo de parte, que está na disponibilidade e sob tutela do empregador e que é por ele, e por sua conta e risco, conduzido, cabendo-lhe decidir da realização, ou não, de diligências probatórias que sustentem a nota de culpa e a decisão do despedimento, sendo certo que se, porventura, imputar ao trabalhador factos que, em caso de impugnação judicial do despedimento, não logre provar em sede de processo judicial, o despedimento deverá ser declarado ilícito.
IV- No âmbito da impugnação judicial do despedimento, não cabe ao tribunal apreciar se a decisão do despedimento é, ou não, sustentada e justificada perante a prova que foi (ou não foi) produzida no procedimento disciplinar. O juízo quanto à existência ou não de justa causa para o despedimento apenas será feito pelo Tribunal perante e de acordo com a prova que seja oferecida e efetuada no âmbito do processo judicial e de acordo com as normas processuais próprias deste.”
Por último refira-se que “ a falta ou a deficiência da realização de instrução solicitada pelo trabalhador, mesmo quando se previa a sua obrigatoriedade, deixou de ser causa de invalidade do procedimento. (…). Assim, os vícios ou falhas da instrução determinam a irregularidade do despedimento, que apesar de conservar a sua eficácia extintiva, constitui um ato ilícito que gera a obrigação de indemnizar o trabalhador (art.389º, nº 2). Este entendimento acaba de ser vertido na nova redacção que a Lei nº 23/2012 deu ao artigo 389º nº2, cominando a irregularidade (e não a ilicitude) dos despedimentos realizados com omissão das diligências probatórias referidas no art.356º nº 1 e 3.”) - Pedro Furtado Martins, obra citada, pag.223.
Assim, improcede a alegada invalidade do procedimento disciplinar.
*
d)-por não terem sido observados os requisitos legais na decisão de despedimento, nomeadamente não constar  da decisão os factos dados como provados e que justificavam o despedimento.

O Tribunal a quo debruçou-se sobre esta questão referindo:
“Invoca o A. falta de fundamentação por não inclusão do elenco dos factos dados como provados e como não provados.
Refere o A. que a instrutora se limita a transcrever os factos constantes da nota de culpa referindo-se a estes como “factos apurados que deram origem ao presente procedimento” ou “factos que fundamentaram o presente procedimento acima descritos na nota de culpa”.
Da leitura do relatório da instrutora compreende-se bem que se conclui pela prova dos factos constantes da nota de culpa, não sendo considerada credível versão diferente da de furto de combustível.
Note-se que a lei não exige um elenco autónomo de factos provados e outro de não provados mas apenas a clara fundamentação dos factos que se provaram e que integram a justa causa de despedimento, o que o A. bem compreendeu, assegurando-se plenamente os seus direitos.
Termos em que se conclui pela inexistência dos vícios invocados, concluindo-se pela licitude do procedimento disciplinar.”

Invoca o Recorrente, por seu turno, que a decisão de despedimento foi fundamentada no relatório elaborado pela instrutora o qual nunca refere os factos dados como provados e que presidiram ao despedimento, em sede de relatório e decisão deveria ter tomado posição quanto aos factos, elencando os constantes na nota de culpa e os invocados pelo trabalhador e efectuar-se a análise crítica dos mesmos mencionando-se discriminadamente os factos dados como provados e não provados para que a decisão fosse compreensível, compulsada a decisão não é possível aferir quais os factos concretos que foram dados como provados e sobre os quais radicou a decisão de aplicação da sanção disciplinar mais gravosa de despedimento com justa causa.
Dispõe o nº 4 do artigo” 357º nº1 do CT que Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no nº 3 do artigo 351º, a adequação do despedimento a culpabilidade do trabalhador, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”
E o nº 5 refere que “A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.”
Sobre a necessidade de fundamentação escreve Pedro Furtado Martins na obra citada, pág.239: “ A decisão de despedimento tem de ser fundamentada, alicerçando-se nos factos que o empregador considere demonstrados no decurso do procedimento, com a limitação constante da segunda parte do artigo 357º nº 4, ou seja, com exclusão dos factos que não constem da nota de culpa ou que não tenham sido referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou dirimirem a responsabilidade.
Também a falta de fundamentação determina a invalidade do procedimento e consequente ilicitude do ato extintivo (artigo 382º, 2, d). Admite-se, contudo, a fundamentação indirecta, isto é, por remissão para outra peça do processo (por exemplo para a nota de culpa ou para o relatório final de instrução se existir), desde que o documento para que se remete seja entregue ao trabalhador juntamente com a decisão final.”

Ora, acompanha-se o Tribunal a quo quando refere que que “a lei não exige um elenco autónomo de factos provados e outro de não provados mas apenas a clara fundamentação dos factos que se provaram e que integram a justa causa de despedimento”.
Compulsada a decisão final constata-se que se inicia com um relatório, alude ao contrato de trabalho do Autor e respectivas funções e sob a denominação “Factos provados que deram origem ao presente procedimento” refere “ Os factos apurados reportam-se ao teor da nota de culpa que aqui se reproduz:”, passando a descrever-se na decisão final os factos constantes da nota de culpa, após o que se segue uma referência ao registo disciplinar do Autor, análise da questão relativa à alegada falta de consulta do procedimento disciplinar e análise crítica da prova, tendo concluído a instrutora assim:
“Não restam dúvidas à instrutora, por todas as circunstâncias do caso, pela inconsistência das declarações do trabalhador e pelas provas reunidas, de que na verdade o gasóleo foi furtado pelo trabalhador, sendo que tal acto, que se provou reiterado e não um caso único, é grave e põe irremediavelmente em causa a relação de confiança entre empregador e trabalhador.
No entanto, dado o valor do mesmo (como é sabido, cerca de 1,14€litro) o valor furtado (cerca de 8 litros não constitui uma lesão patrimonial importante para a empresa).
Proposta de Decisão
Os factos que fundamentaram o presente procedimento, acima descritos na nota de culpa, que substanciam a prática recorrente de furto de gasóleo das instalações da empresa por parte do trabalhador, são mais do que suficientes para se proceder ao despedimento do trabalhador com justa causa, já que pela sua gravidade, consequências e carácter culposo tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Na verdade, os factos ocorridos quebram necessária e definitivamente a relação de confiança que tem de existir entre entidade patronal e trabalhador.
Não é exigível a nenhuma entidade patronal que tolere dos seus empregados actos de apropriação ilícita de bens da empresa como os que o Sr.AAA praticou.
O trabalhador demonstra não ter estatura moral para merecer que nele se deposite confiança, permitindo-lhe o acesso a bens da empresa.
Os factos descritos constituem crime de furto, para além de se traduzir na lesão de interesses patrimoniais da empresa, em montante não apurado mas nunca inferior ao preço do gasóleo furtado.
Integram assim a previsão legal do nº 1 do art.351º do Código do Trabalho.”
Do exposto resulta que, embora não sejam elencados os factos provados e os não provados, a decisão final reproduziu os factos da nota de culpa, sendo clara a fundamentação da decisão que determinou o despedimento, pelo que não se verifica o invocado vício.
Nestes termos improcede a invocada invalidade do procedimento disciplinar.
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Da alegada inexistência de justa causa e despedimento ilícito, com as respectivas consequências.
Analisemos, agora, se não existe justa causa de despedimento e, em caso afirmativo, quais as consequências decorrentes do despedimento ilícito.
Sobre a justa causa entendeu o Tribunal a quo o seguinte:
No caso sub judice, apurou-se que o A., furtou combustível das instalações do seu empregador.
Verificamos assim que, com a conduta descrita, o A. violou os deveres de zelo e diligência e de boa-fé, zelo e custódia, devendo esta sua conduta ilícita ser considerada grave, em si própria, porque consubstanciada num ilícito criminal, independentemente do prejuízo patrimonial não ser considerável.
A conduta ilícita praticada pelo A. é também culposa, reveladora de dolo.
Deste modo, tendo em conta tal gravidade, não se pode exigir que a R. continue a aceitar a sua prestação de trabalho, verificando-se assim, por culpa do trabalhador, a quebra irremediável da relação de confiança entre as partes.
Chegaríamos a esta conclusão ainda que se tratasse de ato único, mas mais grave ainda quando o trabalhador já anteriormente havia sido sancionado por factos idênticos e manteve o comportamento ilícito.
Pelo que concluímos pela licitude do despedimento, improcedendo consequentemente também os demais pedidos daí decorrentes, nomeadamente por danos morais.”

Defende o Recorrente, em síntese, que em nenhum dos factos dados como provados consta que o recorrente tenha furtado combustível ou algum bem da recorrida e que apenas foi dado como provado que o recorrente tirou gasóleo do bidon para qualquer recipiente, para fazer seu, não tendo sido dado como provado que o recorrente tenha tirado gasóleo do bidon para um recipiente e o tenha feito seu e tirar gasóleo para um recipiente para fazer seu sem efectivamente fazer seu além de não preencher os pressupostos para que se considere existir um furto tais factos não preenchem a noção de justa causa nos termos em que se encontra contemplada no n.º 1 do artigo 351.º do CT pelo que, ao considerar existir justa causa de despedimento, considerando lícito o despedimento com tal factualidade o tribunal a quo violou o disposto no artigo 351.º n.º 1 e 3 do Código do Trabalho.

Vejamos:
Como é sabido, para além do dever principal de prestação da actividade de trabalho que impende sobre o trabalhador, sobre este ainda incidem outros deveres laborais designados por acessórios, previstos na enumeração exemplificativa do artigo 128º do CT.
Na decisão de despedimento entendeu a Recorrida que o comportamento do recorrente integra a previsão do nº 1 do artigo 351º do CT.
Por seu turno, entendeu o Tribunal a quo que o Recorrente violou os deveres de zelo e diligência, de custódia e boa fé.
Sobre o dever laboral de realizar o trabalho com zelo e diligência escreve João Leal Amado, na obra citada, pág. 373,” Trata-se de um dever que se prende com o modo de cumprimento da prestação principal, significando que o trabalhador deverá realizar a prestação com atenção, com esforço com empenhamento da vontade e com o cuidado exigíveis a um trabalhador normal colocado na sua situação”.
Ainda sobre o dever de zelo e de diligência, lemos na obra de Maria do Rosário Palma Ramalho acima citada, pags. 418 e 419 “ dever integrante da prestação principal, é este dever que permite avaliar o modo de cumprimento dessa prestação.
A medida do zelo ou da diligência do trabalhador no desenvolvimento da actividade laboral deve ser aferida segundo o critério geral do bom pai de família, tendo em conta o contexto laboral em concreto. Assim, a actuação do trabalhador será diligente se corresponder ao comportamento normalmente exigível para aquele tipo de trabalhador, naquela função em concreto”.
E como se refere no Acórdão do STJ de 08.10.2015, pesquisa em www.dgsi.pt “O zelo colocado no cumprimento da prestação de trabalho reflete-se sobre a forma como o mesmo é prestado, permitindo aferir se há ou não cumprimento integral da prestação, ou seja se a atividade prestada preenche ou não os objetivos que dela se esperam no contexto da atividade prosseguida pelo destinatário da prestação, a entidade empregadora.”
Assim, o dever de zelo impõe que o trabalho seja prestado com empenho, cuidado e acerto exigíveis para as funções.
Quanto ao dever de custódia, resulta do disposto na al.g) do nº 1 do artigo 128º do CT que se concretiza na obrigação do trabalhador “velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador.”
Com interesse para a decisão resultou provado que o A. foi admitido ao serviço da entidade empregadora por contrato de trabalho de 1/5/84 para exercer as funções de motorista (facto 1), Nos últimos meses, a R. vinha a incumbir o A. da prestação de tarefas no armazém, a fim de poder completar o seu horário de trabalho, por o trabalhador se encontrar com dificuldades físicas, nomeadamente ao nível da mobilidade de uma mão (facto 2); o A. carregava e descarregava mercadoria com os empilhadores no armazém da empresa, para além de conduzir os veículos pesados da empresa, transportando a mercadoria objeto da atividade desta (rações, produtos para alimentação animal e outros) (facto3);Existe um bidon no armazém, com um dispositivo de abastecimento (filtro e bomba), que é regularmente enchido de combustível, para com o mesmo se alimentar os veículos empilhadores (facto 4); No dia 16 de junho de 2016 o trabalhador Paulo Silva carregou o bidon com gasóleo e depois abasteceu os empilhadores, tendo restado gasóleo no bidon (facto 5); Por suspeitas quanto ao destino do gasóleo, (…) esvaziou o filtro do bidon para poder verificar no dia seguinte se alguém teria mexido no gasóleo, pois se o filtro estivesse com gasóleo no dia seguinte seria sinal de que alguém o teria feito (facto 6); No dia seguinte, o filtro tinha gasóleo e o bidon estava vazio (facto7); No dia 24 de junho, o mesmo trabalhador voltou a carregar o bidon com combustível, abasteceu os empilhadores e esvaziou o filtro da bomba (facto 8); Depois, mediu o nível do gasóleo no bidon com um pau, na vertical, que marcou (facto 9); No dia 25, o A. trabalhou no armazém (facto 10); Nesse sábado, o A., encontrando-se sozinho no armazém, tirou gasóleo do bidon para qualquer recipiente, para o fazer seu, e de seguida deslocou um dos empilhadores para junto do bidon para simular que o estaria a abastecer (facto 11); Tendo sido ouvido o empilhador a deslocar-se com grande ruído, a adjunta da gerência foi ao armazém e viu o trabalhador junto ao empilhador e ao bidon (facto12); Perguntado sobre o que fazia, alegou estar a abastecer o empilhador por o mesmo se encontrar na reserva e até ter ido abaixo o motor (facto13); No mesmo dia, os trabalhadores (…) e (…) foram chamados à empresa e verificaram não só que o nível do gasóleo tinha baixado cerca de 8 litros como que o filtro da bomba se encontrava novamente cheio (facto14); Verificaram ainda que os depósitos de ambos os empilhadores se encontravam conforme tinham sido deixados no dia anterior, ou seja, com o mesmo nível de combustível (facto15).
Não acompanhamos o entendimento do Tribunal a quo quando refere que os factos provados ilustram a violação, por parte do Autor, dos deveres de zelo e diligência e de custódia.
Na verdade, da factualidade provada extrai-se a violação, por parte do Autor, do seu dever de lealdade e de boa fé para com a empregadora.
Como elucida o Acórdão do STJ de 05.06.2013, in www.dgsi.pt,“o dever de lealdade, de acordo com a doutrina, tem uma dimensão ampla, que abrange, para além do cumprimento do contrato, de acordo com a boa fé, um aspecto pessoal e um aspecto organizacional, que incluem a relevância de condutas extra-laborais do trabalhador e deveres de cuidado com os interesses da organização.
Como acentua Maria do Rosário Ramalho, o dever de lealdade, nesta dimensão ampla, comporta um duplo sentido que se materializa no «envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo» e na «componente organizacional do contrato»[14].
O elemento «da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica por exemplo, o relevo de condutas extra-laborais do trabalhador graves para efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito».
Por outro lado, «a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização»[15], dependendo, nesta segunda dimensão, o grau de intensidade do dever de lealdade e as consequências do seu incumprimento «do tipo de funções do trabalhador e da natureza do seu vínculo de trabalho em concreto»[16].
Conforme refere Monteiro Fernandes, «o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjectiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele se fundam)», sendo necessário «que a conduta do trabalhador não seja em si mesma, susceptível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele», sendo certo que «este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador»[17].
O dever de lealdade dos trabalhadores assume uma particular pertinência, quando este desempenha funções de responsabilidade, caracterizadas pela administração ou gestão de interesses alheios, e que exigem uma relação de especial confiança com a empregadora[18].

Ora, invoca o Recorrente que não se provou que fez seu o gasóleo.
É verdade que dos factos provados não ficou a constar que o Recorrente fez seu o gasóleo.
O que ficou nos factos provados é que “Nesse sábado, o A., encontrando-se sozinho no armazém, tirou gasóleo do bidon para qualquer recipiente, para o fazer seu, e de seguida deslocou um dos empilhadores para junto do bidon para simular que o estaria a abastecer”.
Mas este facto não pode ser visto isoladamente.
Com efeito, também ficou provado que, no sábado dia 25 de Junho, o Autor trabalhou sozinho no armazém e que, efectivamente, nesse mesmo sábado foi constatado que o nível de gasóleo tinha baixado cerca de 8 litros e que o filtro da bomba se encontrava novamente cheio, o que significa que foi retirado combustível do bidon.
E provou-se, ainda, que nesse mesmo sábado, foi verificado que os depósitos de ambos os empilhadores se encontravam conforme tinham sido deixados no dia anterior, ou seja, com o mesmo nível de combustível, o que equivale a dizer que o gasóleo que foi retirado do bidon não foi para abastecer os empilhadores.
Assim, face à factualidade provada e às regras da experiência comum, resulta que foi o Autor quem retirou o gasóleo do bidon e uma vez que não foi para abastecer os empilhadores, então, só pode ter sido para o fazer seu.
Se depois o Recorrente fez seu o gasóleo, a verdade é que isso não resultou provado.
Mas que o combustível desapareceu do bidon, desapareceu. E que foi o Autor quem o tirou daí, também não restam dúvidas e tal ficou provado.
De qualquer modo, ao retirar o gasóleo do bidon o Recorrente colocou-o na sua disponibilidade ao mesmo tempo que o retirou da disponibilidade da empregadora, razão pela qual sempre se teria de concluir pela existência de furto do combustível.
Acresce que, além de ilícito, o facto praticado pelo Recorrente é culposo e grave.
Resta saber se estamos perante um comportamento susceptível de integrar justa causa de despedimento, posto que, como se sabe, a mera violação de deveres laborais não é suficiente para tal.
Nos termos do nº 1 do artigo 351º do CT “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a relação de trabalho”.
O nº 2 do mesmo artigo enuncia, a título exemplificativo, os casos que constituem justa causa de despedimento. 
E o nº 3 do referido artigo estatui que “Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes”.
E como elucida o Acórdão do STJ de 12.09.2012, in www.dgsi.pt, já na linha de anterior jurisprudência, “os factos integrativos do conceito de justa causa hão-de materializar um incumprimento culposo dos deveres contratuais por parte do trabalhador, numa dimensão susceptível de ser considerada como grave, quer a gravidade se concretize nos factos em si mesmos quer ocorra nas suas consequências.
Para além disso, exige-se que essa dimensão global de gravidade torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, a que a Doutrina vem chamando elemento objectivo da justa causa.
A subsistência do contrato é aferida no contexto de juízo de prognose em que se projecta o reflexo da infracção e do complexo de interesses por ela afectados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade da manutenção da mesma.
(…)”.
Quanto à impossibilidade de subsistência da relação de trabalho escreve António Monteiro Fernandes, na obra “Direito do Trabalho”, 16ª edição, pág. 480 “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, gerada por factos ou circunstâncias que impeçam definitiva e irremediavelmente a prestação de trabalho e o pagamento da retribuição - como a morte do trabalhador ou do empregador ou a destruição do estabelecimento. Trata-se, essencialmente, de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da premência da desvinculação e o da manutenção do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante a realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo”.
Ainda segundo António Monteiro Fernandes, pág.482 da mesma obra, “o que significa a referência legal à «impossibilidade prática» da subsistência da relação de trabalho – é que a continuidade da vinculação representaria (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador. Nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações (pessoais e patrimoniais) que ele supõe seria de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador”.
Assim, verifica-se “impossibilidade prática de subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança entre trabalhador e empregador, que seja susceptível de criar no espírito deste a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato” - Acórdão do STJ de 21 de Março de 2012, proferido na revista 196/09.6TTMAI.P1-S1- 4.ª
E de acordo com o ensinamento plasmado no Acórdão do STJ de 8.05.2012, in www.dgsi.pt, cujo entendimento também se perfilha, “no âmbito da apreciação da justa causa de despedimento, na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto, sendo que, o apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, na impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho”.

Em suma, podemos afirmar que o conceito de justa causa de despedimento corresponde a um comportamento do trabalhador violador dos seus deveres contratuais, gerador de uma crise contratual de tal modo grave e insuperável que provoca uma ruptura irreversível entre as partes contratantes de modo a não ser exigível a um empregador normal e razoável a continuação da relação laboral.

Ora, analisada a factualidade provada à luz do que ficou referido sobre o conceito de justa causa e considerando, por um lado, que o Recorrente é motorista e manobra com os empilhadores tendo, por isso, acesso ao combustível destinado aos mesmos, trabalha no armazém onde se encontra o dito combustível, que a prática de actos de apropriação de bens pertencentes ao empregador, independentemente do seu valor, quebra irremediavelmente, a confiança que deve existir entre trabalhador e empregador e, por outro lado, que o Recorrente tem antecedentes disciplinares pela prática de factos de idêntica natureza, do que resulta não ter sido suficiente, em termos de prevenção, a sanção que anteriormente lhe foi aplicada, entendemos que é legítimo que o empregador se questione sobre a idoneidade do trabalhador para continuar a exercer as suas funções na empresa e conclua que não o pode manter ao seu serviço. Qualquer empregador minimamente razoável colocado na posição da Recorrida também concluiria no mesmo sentido.

Consequentemente, perante tal quadro, não é exigível à Recorrida que mantenha a relação laboral, na medida em que tal configuraria uma “injusta imposição”.

Em conclusão, não merece reparo a decisão do tribunal a quo quando considera que o comportamento do Autor integra o conceito de justa causa de despedimento e conclui pela sua licitude.
*

Apreciemos, agora, se a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor o crédito relativo a formação profissional, no valor de € 396,90, acrescido de juros, como peticionado.
No artigo 201º da contestação, em reconvenção, o Autor invocou que não recebeu formação profissional nos últimos três anos pelo que tem direito a receber o crédito correspondente a 35 horas por cada ano, num total de 105 horas, num total de € 396,90, valor hora (€3,78) considerando o vencimento base.
O Autor pediu, a final, a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €396,90 decorrente da não concessão de formação profissional ao A. nos últimos três anos.
E na al.K) do petitório ainda pediu a condenação da Ré a pagar ao Autor os juros de mora a contar do vencimento de cada uma das quantias peticionadas até efectivo e integral pagamento à taxa legal supletiva.

O Tribunal a quo conheceu da questão nos seguintes termos:
“Sendo independente do despedimento e não tendo sido contrariado pela R. é de proceder o pedido relativo a compensação por falta de formação, pelo que o A. terá direito a um crédito correspondente a 35 horas por cada ano, num total de 105 horas, no montante peticionado de €396,90 (arts. 131.º, n.º 2, 132.º, n.º 6 e 134.º do CT).

E nessa sequência condenou a Ré a pagar ao Autor tal valor, pelo que, a esse título, nada mais lhe é devido.

Contudo, não condenou a Ré, conforme peticionado pelo Autor, no pagamento dos juros relativos a tais quantias os quais são devidos.
Consequentemente, procede nessa parte, a pretensão do Recorrente.
*

Por fim, vejamos se deve ser conhecida a questão de saber se é devido ao Autor o pagamento do subsídio de alimentação durante o período de suspensão.
O Tribunal a quo não se pronunciou sobre esta questão.
E, por isso, o Recorrente, observando o disposto no artigo 77º do CPT, arguiu a nulidade da sentença invocando, além do mais, que a sentença é omissa quanto ao pedido reconvencional respeitante ao subsídio de alimentação que não decorre da ilicitude, ou não do despedimento, concluindo que a sentença é nula por omissão de pronúncia, nos termos da al.d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.
Sucede, porém, que, como já acima referimos, o Recorrente não incluiu a questão da nulidade da sentença nas conclusões, pelo que esta não foi conhecida.
E não tendo sido conhecida a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, não pode, agora, o Tribunal, socorrendo-se do disposto no artigo 665º nº 1 do CPC, supri-la e conhecer da questão da condenação da Ré no pagamento do subsídio de alimentação a que alude o Recorrente na conclusão LXXXVII.
Consequentemente, não se conhece de tal questão, procedendo o recurso apenas parcialmente.

Decisão.
Em face do exposto acorda-se:
julgar parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, nos termos acima mencionados;
julgar o recurso parcialmente procedente e alterando-se a sentença recorrida condena-se a Ré a pagar ao Autor os juros vencidos sobre o valor devido a título de formação profissional, devidos à taxa legal, desde a data do vencimento das prestações e até integral pagamento; e
manter, no mais, a sentença recorrida.
Custas pelas partes na proporção do decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário concedido ao Autor.



Lisboa, 11 de Outubro de 2017


Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria João Romba