Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
141/15.0SILSB.L1-9
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR
EXTINÇÃO DA PENA PELO CUMPRIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- Não é de exigir, para que se inicie o cumprimento da pena acessória de conduzir veículos com motor, que o arguido que não seja  possuidor de titulo válido,  obtenha entretanto esse título e o entregue nos termos do disposto naquele artº 69º, 3, do CP. ;
II-E não haverá que aguardar pelo decurso do prazo da extinção da pena, por prescrição. Face à inexistência de título válido, apenas se terá que aguardar pelo decurso do prazo de proibição fixado na sentença, contado desde o respectivo trânsito em julgado. Decorrido este deve declarar-se cumprida também a pena acessória;
III- Não podemos olvidar o disposto no art. 126.º do Código da  Estrada, segundo o qual «os requisitos exigidos para a obtenção dos títulos de condução são fixados no Regulamento de Habilitação Legal de Condução, o qual no seu art. 18.º, n.º 1, al. e), consta exactamente a impossibilidade de obtenção de titulo de condução, se alguém estiver a cumprir sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa portuguesa;
IV- Destartes conclui-se que nestes casos, ao arguido está vedada a possibilidade de aceder à faculdade legal de conduzir, logo à capacidade de ser titular de tal direito, enquanto decorrer o período fixado como sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa portuguesa;
V-Logo de tal norma resulta que essa proibição de obtenção da faculdade legal de conduzir durará enquanto durar a proibição decretada pelo tribunal, de onde se deve concluir que a proibição é cumprida antes da obtenção do título, e a obtenção deste não é pressuposto do início de cumprimento daquela, antes pelo contrário, só após o decurso daquele prazo pode ocorrer.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
1. Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o n.º 141/15.0SILSB, correm termos na Comarca de Lisboa Oeste, Sintra – Instância Local – Secção Criminal – Juiz 2, o Ministério Público, não se conformando com o despacho que indeferiu a sua promoção no sentido de ser declarada extinta, pelo cumprimento, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor aplicada ao arguido, veio dele interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição):
«I
A obrigação de entrega de carta de condução, prevista nos artigos 69º, n.º 3, do C.P., e 500º, n.º 2, do C.P.P., só faz sentido se aquele que se encontra vinculado a tal obrigação estiver em condições de a cumprir.
II
No caso em apreço, é inequívoco que, já à data do trânsito em julgado da sentença condenatória (e ainda nesta data), o condenado não dispunha de título de condução, válido e em vigor.
III
Na verdade, a carta de condução do condenado caducou em 31.05.2011 e, não obstante ter sido emitida uma guia de substituição da mesma, tal sucedeu em 19.06.2015 e apenas pelo período de 6 meses, sendo que, após, nenhuma outra guia de substituição da carta de condução foi emitida, não tendo também a aludida carta de condução sido efectivamente revalidada.
IV
Razão por que, em bom rigor, à data do trânsito em julgado da sentença condenatória, o condenado não tinha habilitação legal para conduzir.
V
A pena acessória de proibição de conduzir, aplicada ao condenado, encontra-se cumprida, há muito, no caso, desde que se mostraram decorridos 5 meses sobre a data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
VI
Ao concluir que, até à prescrição, a pena ainda pode ser cumprida (seria assim se a mesma não estivesse já cumprida, como está), o despacho recorrido violou, por deficiente interpretação/aplicação de tais preceitos, o disposto, designadamente, nos artigos 69º, n.ºs 2 e 3, do C.P., e 475º e 500º, n.º 2, do C.P.P., pois que, para os casos em que o condenado não dispõe de título, válido e em vigor, que o habilite a conduzir, o cumprimento da proibição não pode deixar de iniciar-se imediatamente após a data do trânsito em julgado da sentença de condenação.
Termos em que, deverá o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que, desde logo, declare extinta a pena acessória de proibição de conduzir, pelo cumprimento.
Porém, Vossas Excelências melhor decidirão, fazendo, como sempre, JUSTIÇA!»
2. O recurso foi admitido, por despacho de fls. 139 dos autos.
3. O arguido não apresentou resposta ao recurso.
4. Nesta Relação, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, conforme consta de fls. 147-150, acompanhando a motivação do recurso apresentado pelo Ministério Público, à qual acrescenta doutas considerações, nas quais conclui:
«Sumário: não é de exigir, para que se inicie o cumprimento da pena acessória, que o arguido (não possuidor de título válido) obtenha entretanto esse título e o entregue nos termos do disposto naquele artº 69º, 3, do CP; e não há que aguardar pelo decurso do prazo da extinção da pena, por prescrição. Face à inexistência de título válido, apenas há que aguardar pelo decurso do prazo de proibição fixado na sentença, contado desde o respectivo trânsito em julgado. Decorrido este deve declarar-se cumprida também a pena acessória».
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não foi oferecida resposta.
6. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
In casu, a questão que se suscita é a de saber se, contrariamente ao que foi decidido, devia ter sido declarada extinta, pelo cumprimento, a pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido.
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2. Da decisão recorrida
É do seguinte teor o despacho recorrido:
«Tomei conhecimento da informação que antecede.
*
A fls. 85 e 86, veio o arguido entregar guia de substituição da carta de condução.
O Ministério Público com vista nos autos, a 08/09/2017, pronunciou-se pela extinção, por cumprimento, da pena acessória.
Cumpre apreciar e decidir:
A 04/01/2016 transitou em julgado a sentença condenatória do arguido, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa e 5 meses de pena acessória.
Foi declarada extinta, por cumprimento, a pena de multa aplicada – cfr. fls. 115.
Efectuadas diligências, apurou-se que a carta de condução do arguido caducou.
Pese embora o promovido, é meu entendimento que, durante o período de prescrição da pena poderá executar-se a mesma.
Pelo exposto, não obstante a entrega da guia de substituição da carta de condução, a mesma expirou, a validade, no dia subsequente a essa mesma entrega, não podendo assim considerar-se cumprida a pena acessória, devendo os autos aguardar e, semestralmente solicitar ao/à IMT/ANSR relativamente à revalidação da carta pelo arguido, caso não seja remetida, entretanto, a mesma aos autos.
Notifique.»
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3. Da análise dos fundamentos do recurso
Como acima referimos, o recorrente insurge-se contra o despacho que decidiu indeferir a sua promoção no sentido de a pena acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido ser declarada extinta, pelo cumprimento.
O despacho posto em crise fundamenta tal indeferimento na circunstância de a guia de substituição da carta de condução que foi entregue pelo arguido ter perdido a sua validade no dia subsequente a essa entrega, não podendo por isso considerar-se cumprida a pena acessória, que ainda poderá ser executada durante o período da respectiva prescrição.
Vejamos o que, com interesse para a apreciação do objecto do recurso, resulta dos autos[1].
Por sentença de 19-11-2015, transitada em julgado a 04-01-2016, o arguido Davide João Xavier Pereira foi condenado, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a), e 292.º, n.º 1, ambos do CP, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 6,00€ (seis euros), e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 5 (cinco) meses, tendo sido advertido do dever de proceder à entrega da sua carta de condução, na secretaria do Tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de dez dias após o trânsito da sentença, sob pena de, não o fazendo, a mesma lhe ser apreendida e incorrer em responsabilidade criminal pela prática de um crime de desobediência (cf. fls. 73-82).
Em 18-12-2015 o arguido fez entrega nos autos de uma guia de revalidação/substituição da carta de condução, datada de 19-06-2015, por aquela ter caducado (cf. fls. 85-86).
Por despacho de 08-02-2017, foi declarada extinta a pena de multa imposta, pelo seu cumprimento, e determinado que se oficiasse ao IMTT no sentido de apurar se após 19-06-2015 havia sido entregue ao condenado carta de condução válida e, em caso afirmativo, em que data (cf. fls. 114-115).
Em resposta, informou o IMT que «após 19-06-2015 não foi entregue ao arguido carta de condução válida e em vigor» (cf. fls. 123).
Em 10-03-2017, o MP promoveu que «não obstante fls. 123, se diligencie pela apreensão de eventual carta de condução/guia de substituição válida e em vigor e que se encontre em poder do condenado (art. 500.º, n.º 2, do C.P.P.).», o que foi deferido por despacho de 17-03-2017 (cf. fls. 125 e 126).
Na sequência, em 20-03-2017 a PSP enviou aos autos o relatório de diligências externas de fls. 130 e o expediente de fls. 131-133, dos quais resulta que ao arguido foi apreendida, à data da detenção (28-01-2015), a sua carta de condução, por se encontrar caducada, tendo posteriormente sido remetida ao IMT.
Em 06-09-2017, o MP promoveu que, atento o lapso de tempo entretanto decorrido, fosse junto novo print da base de dados do IMT relativamente ao condenado (Ref. Citius 108345646), o qual, junto em 07-09-2017, se verifica ser idêntico ao que já constava a fls. 133.
Em 12-09-2017, o MP promoveu a extinção da pena acessória, pelo cumprimento, considerando que «à data do trânsito em julgado da sentença condenatória (e ainda nesta data), o condenado não era/é titular de carta de condução, válida e em vigor, e tendo em conta o lapso de tempo já decorrido desde a data de tal trânsito» (Ref. Citius 108536905).
Em 18-09-2017, a Senhora Juiz recorrida solicitou ao IMT informação sobre se a guia entregue pelo arguido lhe permitia o exercício da condução, enviando cópia de fls. 86 (Ref. Citius 108661026).
Em 19-09-2017 foi recebida resposta do IMT, na qual se lê, para além do mais:
«O IMT- Direcção Regional de Lisboa, informa deste modo a V. Exa. que DAVIDE JOÃO XAVIER PEREIRA solicitou pedido de Revalidação por caducidade (desp.18948/07) a 19-06-2015 (fls.1), data em que foi emitida Guia informatizada com 6 meses de validade colocada com carimbo manual, tendo Exame por Dúvida: Aptidão e Comportamento (fls. 2) marcado a 26-02-2016, no qual reprovou (fls. 3).
A 10-01-2017 o requerente efectuou o pagamento para, deste modo, ser efectuada a marcação de novo exame prático (fls. 4 e 5) ainda na sequência do pedido de Revalidação por caducidade (desp.18948/07) de 19-06-2015, conforme anexos.
Não foi, até à data, emitida mais nenhuma guia além da que consta no vosso processo.(…)»
Em 21-09-2017 foi solicitado ao IMT, esclarecimento adicional, sobre «se a guia emitida a 19/06/2015, entregue e na posse do arguido, lhe permitia a efectiva condução de veículos.» (Ref. Citius 108750304), tendo na mesma data aquela entidade respondido que a mencionada guia «permitiu a condução de veículos de 19-06-2015 a 19-12-2015, válida por 6 meses.»
Em 25-09-2017 foi proferido o despacho recorrido, já acima transcrito.
O art. 69.º do CP, sob a epígrafe “Proibição de conduzir veículos com motor, estabelece:
«1. É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
(…)
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou
(…)
2. A proibição produz efeitos partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.
3. No prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que remete àquela, o título de condução, se o mesmo não se encontrar já apreendido no processo.
4.(...)
5. (...)
6. Não conta para o prazo da proibição o tempo em que o agente estiver privado de liberdade por força de medida de coacção processual, pena ou medida de segurança.
7.(...)»
Por sua vez, o 500.º do CPP, sobre a execução da proibição de condução, dispõe:
«1 - A decisão que decretar a proibição de conduzir veículos motorizados é comunicada à Direcção-Geral de Viação.
2 - No prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo.
3 - Se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução.
4 - A licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular.
(…)»
A interpretação destas normas relativamente à questão de saber a partir de que momento se inicia o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir suscitou dúvidas, questionando-se se, estabelecendo o n.º 2 do art. 69.º do CP que a proibição produz efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão, tal termo inicial deveria valer também nos casos em que não se verificava a entrega do título de condução por parte do condenado, ou a sua apreensão.
Depois de uma fase inicial em que algumas decisões se pronunciavam no sentido de que, independentemente da entrega ou apreensão da carta de condução o cumprimento da pena acessória se iniciava a partir do trânsito em julgado da decisão que a havia aplicado[2], consolidou-se a jurisprudência dos nossos Tribunais superiores no sentido de distinguir as situações em que o título já se encontra apreendido no processo, caso em que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir se inicia com o trânsito em julgado da decisão que a aplicou, e aquelas em que o título de condução não se encontra apreendido no processo, caso em que aquele cumprimento se inicia apenas no momento em que o documento, por entrega voluntária ou por apreensão, deixa de estar na posse do condenado e fica à ordem do Tribunal.[3]
Segundo este entendimento, que partilhamos, de uma interpretação conjugada das citadas normas resulta que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir não pode ter-se por iniciado sem que o condenado esteja desapossado do título que o habilita à condução, seja por o mesmo ter anteriormente sido apreendido no processo, seja por ter sido voluntariamente entregue, seja, por fim, por ter sido apreendido em face da omissão de entrega por parte do condenado no prazo de dez dias a contar do trânsito da decisão.
Bem se compreende que assim seja, sob pena de, na prática, se estar a premiar um cidadão que fugisse ao cumprimento das suas obrigações e não entregasse voluntariamente a carta, fomentando o incumprimento das decisões judiciais, de forma totalmente incompreensível e contrária aos valores básicos do sistema penal[4], e comprometendo seriamente as finalidades de prevenção especial e geral que esta pena acessória visa satisfazer.
E daqui não decorre qualquer confusão entre a eficácia da pena e a sua execução: com o trânsito em julgado da decisão condenatória todas as penas se tornam eficazes, ou seja, susceptíveis de serem executadas (cf. art. 467.º, n.º 1, do CPP).
No entanto, tal não significa que a sua execução se inicie imediatamente após aquele trânsito, pois que pode depender da ocorrência de outro facto, tal como sucede com uma condenação em pena de prisão efectiva, cuja execução só se inicia com a entrada do condenado no estabelecimento prisional.
Também relativamente aos casos em que o condenado não é titular de título válido para o exercício da condução ocorreram divergências, desta feita quanto à questão de saber se o cumprimento da pena acessória se inicia com o trânsito em julgado da decisão ou se apenas se iniciará a partir do momento em que o condenado venha a obter esse título, aguardando-se, caso tal obtenção não venha entretanto a suceder, o decurso do prazo de prescrição da pena.
Afigura-se-nos que para a correcta apreciação da questão haverá ainda que trazer à colação o disposto no art. 126.º do C. Estrada, segundo o qual «os requisitos exigidos para a obtenção dos títulos de condução são fixados no RHLC».
Neste último diploma[5], concretamente no seu art. 18.º, n.º 1, al. e), consta:
«1 - A obtenção de título de condução está condicionada ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
(…)
e) Não se encontrar a cumprir sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa portuguesa.»
Conforme se explica no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12-04-2018, proferido no Proc. n.º 162/16.5GACDN.C1[6], «(…) a interpretação de tal norma conduz, de forma imperativa, à conclusão de que ao agente está vedada a possibilidade de aceder à faculdade legal de conduzir, e assim à capacidade de ser titular de tal direito, enquanto decorrer o período fixado como sanção acessória de proibição ou de inibição de conduzir ou medida de segurança de interdição de concessão de carta de condução determinada por autoridade judicial ou administrativa portuguesa. Tal norma inculca a ideia de que essa proibição de obtenção da faculdade legal de conduzir durará enquanto durar a proibição decretada pelo tribunal, de onde se deve concluir que a proibição é cumprida antes da obtenção do título e a obtenção deste não é pressuposto do início de cumprimento daquela, antes pelo contrário, só após o decurso daquele prazo pode ocorrer.
A exigência de entrega do título de condução, quando exista, como condição necessária ao início do cumprimento da proibição em causa bem se compreende, pois que se destina a facilitar às autoridades policiais a fiscalização relativamente a condutores inibidos dessa faculdade; já no caso de inexistência de titulo válido, essa fiscalização se mostra facilitada em qualquer caso, pois que o condutor surpreendido em tais condições, para além do mais, incorrerá também na prática de crime de condução ilegal.
Sumário: não é de exigir, para que se inicie o cumprimento da pena acessória, que o arguido (não possuidor de titulo válido) obtenha entretanto esse título e o entregue nos termos do disposto naquele artº 69º, 3, do CP; e não há que aguardar pelo decurso do prazo da extinção da pena, por prescrição. Face à inexistência de título válido, apenas há que aguardar pelo decurso do prazo de proibição fixado na sentença, contado desde o respectivo trânsito em julgado. Decorrido este deve declarar-se cumprida também a pena acessória.»
No caso vertente, e conforme resulta evidente das ocorrências processuais acima narradas, o arguido entregou no Tribunal, ainda antes do trânsito em julgado da condenação, uma guia de substituição/revalidação, sendo este o único título de condução que tinha na sua posse, uma vez que a sua carta de condução já tinha ficado apreendida aquando da sua detenção, por se encontrar caducada desde 2011.
Esse documento era apenas susceptível de lhe permitir o exercício da condução por um período de 6 meses, de 19-06-2015 a 19-12-2015, sendo que depois de tal data, e concretamente no período de 5 meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o condenado não veio a obter qualquer outro título que o habilitasse a esse exercício.
Nem poderia o mesmo ser-lhe entregue nesse período, uma vez comunicada pelo Tribunal a efectividade da sanção acessória aplicada, pois que, de acordo com o disposto no art. 121.º, n.º 12 do C. Estrada, «Não são entregues os títulos de condução revalidados, trocados, substituídos, ou seus duplicados, enquanto não se encontrarem integralmente cumpridas as sanções acessórias de proibição ou inibição de conduzir a que o respetivo titular tenha sido condenado.»
Em suma, à data do trânsito em julgado da condenação, o condenado não era possuidor de qualquer título que o habilitasse a conduzir veículos com motor, situação em que se manteve pelo menos até 19-09-2017, data da última informação do IMT a esse respeito.
Tendo-se iniciado com o trânsito em julgado a contagem do período de 5 meses de proibição de conduzir imposto pela sentença condenatória, essa pena acessória já há muito se encontrava extinta, pelo cumprimento, quando foi proferido o despacho agora impugnado, pelo que o mesmo não pode manter-se.
Procede, pois, o recurso.
*
III. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, revogar o despacho recorrido e declarar extinta, pelo cumprimento, a pena acessória de 5 (cinco) meses de proibição de conduzir em que o arguido foi condenado nestes autos.
Sem tributação.
Notifique.
D.N..
*
(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)
*
Lisboa, 20/02/2020
Cristina Branco
Filipa Costa Lourenço
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[1] Elementos que recolhemos não só da versão física dos autos como da sua tramitação electrónica, por apenas nesta se encontrarem disponíveis.
[2] Cf. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2003, Proc. n.º 0340506, in www.dgsi.pt.
[3] Cf. neste sentido os acórdãos deste Tribunal da Relação de Lisboa de 21-10-2003, Proc. n.º 3465/03-5, in www.pgdlisboa.pt, e de 24-01-2007, Procs. n.ºs 7836/2006-3 e 9999/2006-3; da Relação do Porto de 11-05-2005, Proc. n.º 0416689, de 14-06-2006, Proc. n.º 0543630, de 19-07-2006, Proc. n.º 0612034, de 13-12-2006, Proc. n.º 0615365, de 20-12-2006, Proc. n.º 0644417, de 10-01-2007, Proc. n.º 0645759, de 10-02-2010, Proc. n.º 98/09.6GAVLC.P1; da Relação de Coimbra de 19-12-2007, Proc. n.º 62/06.7GCCNT-A.C1, de 21-01-2015, Proc. n.º 42/13.6GCFND.C1; da Relação de Évora de 29-03-2005, Proc. n.º 2757/04-1, e de 11-03-2010, Procs. n.ºs 2762/07.5TBEVR-A.E1 e 97/08.5PTEVR.E1, todos in www.dgsi.pt, e, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque
[4] Como se acentua no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-05-2005, Proc. n.º 0416689, acima mencionado.
[5] Regulamento de Habilitação Legal para Conduzir.
[6] In www.dgsi.pt.