Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1587/07-9
Relator: MARIA DA LUZ BATISTA
Descritores: MAUS TRATOS ENTRE CÔNJUGES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
1. A razão de ser da agravação que subjaz à redacção do artigo 152° do Código Penal, sendo manifestamente derivada da especial relação entre o agente e o ofendido (o que desde logo conleva uma particular obrigação de não infligir lhe maus tratos), radica - nas palavras de Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, tomo I, Coimbra editora, pág.s 329 e seguintes - não “(...) na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional..., mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana...”, sendo função “deste artigo” - e tipo, no segmento que interessa ao caso presente - “prevenir as frequentes e, por vezes, tão "subtis " quão perniciosas - para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar - formas de violência no âmbito da família (...)”.
2. A ratio do tipo não está, pois,(...) na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional..., mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.... Se em tempos passados, se considerou que o bem jurídico protegido era apenas a integridade física, constituindo o crime de maus tratos uma forma agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal interpretação redutora é, manifestamente, de excluir.
3. A ratio desse artº 152º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, etc...).
4. Portanto deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico que pode ser afectado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade...” (do ofendido), afectando a (sua) dignidade pessoal....”

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juizes na secção criminal (9ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:

No processo comum (tribunal singular) nº 1076/06.4 PMLSB da 1ª secção do 4º Juízo Criminal de Lisboa, foi o arguido J., julgado e condenado como autor de um crime de maus tratos p. e p. pelo artigo 152º nº 1 al. a) e nº 2 do C. Penal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e na pena acessória de proibição de contacto com a assistente e afastamento da residência desta pelo período de um ano.

Inconformado com tal decisão condenatória vem o arguido dela interpor recurso de cuja motivação extrai as conclusões que se transcrevem:

Da prova recolhida, apenas resultam como comprovadas duas agressões físicas, reciprocamente praticadas por Recorrente e queixosa e ambas sem gravidade.

A pronúncia é omissa quanto à torpeza das agressões imputadas.

Não ficou comprovada a habitualidade da agressão física, nem a existência de vinculo de dependência entre queixosa e R:.


Não foram especificados os fundamentos de facto determinantes da fixação de medida acessória.

Tal pena acessória traduziu-se no afastamento do Recorrente da sua própria residência.

Dela havendo resultado prática restituição, e atribuição à Recorrente, da casa de morada de família.

O Tribunal recorrido fez violação dos arts. 152 e 65/1 do C. Penal, 97 da LOFTJ, 1793 do C. Civil e 1413 do C.P. Civil, mais havendo incorrido na nulidade prevenida no art. 379º, al. a) do C. P. Penal.

Em tais termos pugna pela sua a absolvição.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão recorrida, defendendo, em conclusão:

1 – A sentença recorrida apreciou correcta e devidamente a prova, estando a matéria de facto dada como provada e como não provada em perfeita consonância com a prova produzida em julgamento.
2 – Os factos dados como provados integram sem dúvida o crime de maus tratos, p. e p. pelo art° 152°, n°1, al. a) e n°2, do Código Penal.
3 – O arguido cometeu duas agressões na pessoa da assistente, sua companheira e mãe da sua filha, reveladoras de especial insensibilidade e brutalidade, atentas as circunstâncias e a violência dos actos, que causaram sofrimento, dor e humilhação à assistente.
4 – O arguido agiu sempre com culpa grave, sob a forma de dolo directo, querendo causar dor, sofrimento e humilhação à assistente.
5 – A sentença recorrida não enferma de qualquer vício, encontrando-se devidamente fundamentada, de facto e de direito.
6 – A sentença recorrida condenou o arguido em pena justa e adequada aos factos e à culpa, tendo em conta as finalidades repressivas e preventivas.
7 – Pelo exposto, deverá negar-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Nesta instância a Exma. Senhora Procuradora Geral Adjunta teve vista dos autos.

Efectuado exame preliminar verificou-se haver motivo para rejeição do recurso por manifesta improcedência pelo que para o efeito se remeteram os autos à conferência.

***

Na decisão recorrida tiveram-se como assentes os seguintes factos:

1. O arguido e a ofendida A., melhor identificada nos autos e constituída assistente, viveram maritalmente pelo menos desde 1999, primeiro na residência situada na Rua do Salvador, , e depois na Rua João Nascimento Costa, em Lisboa.
2. O arguido e a assistente têm uma filha em comum, nascida em 02.12.1999.
3. Em meados de Dezembro de 2003, na Rua do Salvador, no seguimento de uma discussão, o arguido desferiu bofetadas na cara da assistente, que lhe causaram ferimentos e dor.
4. Em 26 de Janeiro de 2004, por volta das 20h, o arguido desentendeu-se com a assistente no interior do restaurante denominado «Zip Zip», em Lisboa, quando se encontravam a jantar.
5. Então, o arguido desferiu um soco com força na cara da assistente, provocando-lhe uma ferida na boca, que ficou a deitar sangue.
6. Como consequência necessária e directa destas condutas, a assistente sofreu dores físicas e tristeza.
7. Sentiu humilhação por ser agredida num local público e ficou com medo do arguido.
8. O arguido agiu com o propósito de molestar fisicamente a assistente, sabendo que ao fazê-lo de forma repetida lhe causava sofrimento e temor.
9. Estava ciente de infringir o direito.
10. Desde Novembro de 2004, a assistente é titular em regime de cedência precária do fogo municipal T2 situado na Rua João Nascimento Costa, em Lisboa.
11. A assistente suporta a renda social e habita a residência juntamente com os seus dois filhos.
12. O arguido está desempregado .
13. Trabalhou como jardineiro.
14. Recebe a título de subsídio de desemprego a importância de € 279.
15. Vive sozinho num quarto, que lhe custa € 150 / mês.
16. O arguido não conta com condenações inscritas no certificado de registo criminal documentado a fls. 146.
***

Quanto a factos não provados consignou-se:

Dos factos constantes na acusação, não se provou que:

- pelo menos desde 14.12.2003 até ao dia 20.04.2005, o arguido atingiu diariamente a companheira no corpo, com bofetadas, socos e pontapés,
- no dia 14.12.2003, o arguido desferiu pontapés no corpo da assistente,
- no dia 24.01.2004, no interior da mesma residência, o arguido atingiu com bofetadas, socos e pontapés o corpo da mulher, conduta que repetiu no dia 25.01.2004,
- no interior do restaurante, a assistente caiu ao solo no seguimento do soco dado pelo arguido.
No que concerne a motivação de facto relativamente aos factos tidos como assentes em audiência de julgamento refere-se na decisão:
A anterior decisão fáctica formou-se a partir das declarações prestadas em audiência pelo arguido, pela assistente e outra testemunha ouvida, filho mais velho da assistente, bem como da ponderação global do teor da certidão junta a fls. 120 e informação de fls. 204-205.

O arguido apenas admitiu ter dado bofetadas na cara da assistente, depois de uma discussão, na primeira residência onde ambos viveram, e negou tê-la agredido no restaurante. Por seu turno, a assistente teve alguma dificuldade em localizar espácio e temporalmente as agressões, razão por que parte da acusação não foi confirmada.

No entanto, o depoimento do filho O. serviu para corroborar a descrição feita pela assistente sobre a forma como foi agredida durante o jantar, no interior do restaurante, pois a testemunha encontrava-se presente, assistiu aos acontecimentos, viu a assistente com marcas visíveis de ferimento na boca, sendo certo por outro lado que a ofendida apresentou queixa contra o arguido logo a seguir, conforme se depreende do auto de fls. 50. Esta testemunha depôs de forma consistente e credível, relatando que o arguido desferiu a bofetada com alguma força na cara da assistente.

O arguido depôs sobre os aspectos pessoais e sócio-económicos. Relevou o teor do certificado de registo criminal junto a fls. 140 para os antecedentes criminais.

***
A lei adjectiva instituiu a possibilidade de rejeição dos recursos em duas vertentes distintas: rejeição formal, que se prende com a inobservância (insatisfação), não colmatada, dos requisitos prescritos no artº 412º do CPP e a rejeição substantiva que ocorre quando é manifesta a improcedência do recurso.
A manifesta improcedência verifica-se quando, atendendo à factualidade apurada, à letra da lei e à jurisprudência dos Tribunais superiores é patente a sem razão do recorrente.
É a conclusão a que este Tribunal de recurso chega após análise a que procedeu da matéria de facto assente (em vista da prova disponível e da fundamentação de facto) e da decisão de direito tendo por referência os contornos do tipo e legislação atendível, não se descortinando razões para exercer censura sobre o decidido, designadamente no aspecto posto em causa.
Sendo pacífica e constante a jurisprudência no sentido de que «O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação» (Acórdão do S.T.J. de 13-03-1991, Proc. 41.694/3ª, citado em anotação ao Art.º 412º no Código de Processo Penal Anotado de Maia Gonçalves) - o que é dizer que são as conclusões formuladas na motivação do recurso que definitivamente e em exclusivo definem e delimitam o respectivo objecto (cuja limitação a lei permite), sendo que, conforme vem sendo também entendimento do STJ, não retomando o recorrente nas conclusões as questões que suscitou na motivação o tribunal superior só conhecerá das questões resumidas nas conclusões uma vez que, nos termos do disposto no artº 684º nº 3 do C.P.C. (ex vi artº 4º do CPP), nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso - analisando as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação do seu recurso verificamos que impugna a decisão recorrida
1. na sua vertente de facto, pondo em causa a suficiência/consistência e adequação da prova produzida, na sua generalidade, para sustentar os factos,
2. no que concerne ao direito, considerando insuficiente a matéria de facto para preencher a tipicidade do crime de maus tratos por que foi condenado,
- porque não provada, sequer constando da pronúncia, a motivação torpe que entende a tal necessária (devendo a seu ver os maus tratos ser “chocantes”, traduzindo crueldade, insensibilidade ou vingança, para preencher aquela tipicidade),
- porque não está provada habitualidade do comportamento agressivo, que igualmente entende necessária a esse preenchimento,
- por dos factos não resultar que existisse vínculo de dependência económica ou de outro perfil da queixosa para consigo, vínculo que de igual forma pretende necessário ao preenchimento da dita tipicidade,
por tudo concluindo que só poderia ter sido condenado por ofensa corporal simples caso aquela não desistisse da queixa,
3. invocando nulidade da decisão prevista no artº 379º a) do CPP por ausência de fundamentação da imposição da pena acessória, de aplicação não automática, pretendendo ainda que tal pena redunda em atribuição à Recorrente, da casa de morada de família, assim “invadindo” o tribunal recorrido as competências da jurisdição civil.

Estas as questões objecto do recurso e a conhecer.
Começando como cumpre pela nulidade invocada, logo no que lhe concerne há que concluir pela incontornável improcedência do recurso: sendo certo que as penas acessórias não são, como bem refere, efeito automático da aplicação das penas principais, devendo ser especificados os fundamentos em que assente a sua imposição, no caso, contrariamente ao que alega, a decisão de condenar na pena acessória em causa é, ainda que de forma espartana, fundamentada, justificando-se a sua imposição com a gravidade dos factos e o que os mesmos revelam sobre a personalidade do arguido.
Porque, na perspectiva formal, mesmo que se considerasse insuficiente tal fundamentação, insuficiência de fundamentação não é ausência de fundamentação, logo claudica a invocação do recorrente da nulidade que a não fundamentação importaria, em tais termos sendo, nesse segmento, patente a improcedência do recurso.
Outra coisa seria saber da suficiência da matéria de facto disponível, designadamente a invocada, para justificar essa imposição.
Porém, também sob tal enfoque a decisão recorrida não merece reparo pois que o que dos factos - agressões a companheira e mãe da sua filha, uma na rua e a outra num local público, um restaurante, com violência tal que provocou uma ferida na boca da ofendida - se colhe sobre a personalidade do arguido, cuja postura face aos valores violados, e bem assim os que devem imperar numa vivência de casal, fica patente, justifica sem dúvida a censura adicional e o revigoramento dos meios tendentes à prevenção da sua perigosidade para factos como os que estão em causa que a pena acessória conleva.
Também nesta perspectiva a impugnação à decisão relativa a tal pena não pode colher, improcedendo o recurso.
Ainda quanto a tal pena importa referir que também é patente a falta de razão do recorrente quando pretende que a sua imposição conleva decisão da competência dos Tribunais civis, desrespeitando as devidas competências.
Como bem refere o Mº Pº na sua resposta, “o arguido confunde a sanção acessória que lhe foi aplicada com a atribuição da casa de morada de família. Mas são situações completamente diferentes”: O Mmo. Juiz do Tribunal "a quo" apenas o proibiu de se aproximar da ofendida, não atribuiu a casa de morada de família”.
“Os artigos (que invoca)... do C.C. e ... CPC, dizem respeito à atribuição da casa de morada, o que ... não foi discutido neste processo”: “não se vendo o porquê do arguido dizer que houve violação destes normativos”.
Conforme se colhe dos autos e se mostra assente (item 15 dos factos provados) o arguido e recorrente não reside na dita casa (fogo municipal T2 situado no lote 1 – 1º B, da Rua João Nascimento Costa, em Lisboa, atribuído à ofendida e onde ela reside desde Novembro de 2004 com seus dois filhos, pagando a renda) pelo que a pena acessória imposta não implica imposição de afastamento “de facto” do local de residência.
Muito menos traduz qualquer decisão sobre atribuição de casa de morada da família que, a ser suscitada a questão, terá lugar no local próprio.
Sob enfoque algum merece assim acolhimento a impugnação do recorrente a este segmento da decisão.
Contesta o mesmo também, como dissemos, a decisão de facto, pretendendo-a insuficiente e inadequadamente insustentada.
Do disposto nos artºs 410º nº 2, 428º e 431º do CPP a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação, que conhece de facto e de direito, é admissível em dois patamares distintos,
num primeiro, para aferição dos vícios previstos primeiro daqueles preceitos, erros de julgamento que decorram do texto da decisão na sua globalidade (por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos (com excepção de documentos com força probatória plena), e tão só, e bem assim da sua coerência interna e concludência [que podem estar comprometidas por motivos diversos, correspondentes a cada um de tais vícios - cujo conhecimento é oficioso, competindo a qualquer Tribunal de recurso mesmo nos casos em que o conhecimento do recurso se restrinja à matéria de direito conforme decorre da jurisprudência fixada no douto acórdão do STJ com o nº 7/95 de 19.10.1995, in DR I série-A de 28.12.1995]
e num segundo no contexto mais amplo do recurso da matéria de facto que permite a modificação dessa matéria em razão de prova produzida em audiência, cuja reapreciação assim se suscita por se considerar, em vista dessa prova, inaceitável a decisão e bem assim incorrecta a apreciação que de tal prova foi feita na primeira instância.
No caso o recorrente impugna a decisão de facto contestando o assumido quanto a matéria de facto em vista da prova produzida, não invocando qualquer dos vícios do artº 410º nº 2 do CPP (vícios que, atentando nos termos da decisão, efectivamente se não verificam, nenhum reparo merecendo e mesma do ponto de vista da sua coerência interna, conformidade lógica e concludência).
Conhecendo a Relação de facto e de direito nos termos previstos nos citados artºs 428º e 431º a reapreciação da matéria de facto em vista da prova disponível é à partida admissível.
Para que possa conhecer do recurso a tal matéria, deve, obviamente, dispor-se dos elementos de prova a reapreciar, elementos em referência aos quais deverão aliás ser observados os itens do citado artº 412º.
Observados que se mostrem todas as prescrições de tais preceitos é possível, por via do recurso da matéria de facto e mediante reapreciação da prova produzida, obter a respectiva modificação.
A este respeito cumpre antes de mais referir que, não tendo deixado de constatar as deficiências do articulado de interposição de recurso do ponto de vista do cumprimento do estatuído no artº 412º do CPP, porque, do conjunto da motivação e conclusões dela extraídas, logramos ainda assim recortar os termos e fundamentos da impugnação (outra coisa será saber da admissibilidade/viabilidade desde logo do recurso à matéria de facto com os fundamentos e alcance que essa impugnação consubstancia), e bem assim aferir o respectivo objecto (aferição que é afinal a razão de ser dos requisitos daquele preceito), entendemos que não será de determinar a rejeição do recurso por tal motivo [sendo por outro lado que, radicando tais deficiências, como veremos, nos próprios contornos da fundamentação, ou seja, na própria exposição das razões do pedido implícito ao recurso expressas na motivação que as conclusões devem resumir, não se colocava a questão de convite ao aperfeiçoamento destas, não sendo curial – e vetando-o a lei actual expressamente no nº 4 do artº 417º do CPP na redacção da Lei 48/2007 de 29/8 - que Tribunal de recurso convidasse o recorrente a correcção que redundaria necessariamente em alterar os fundamentos do seu recurso.
Todavia, se a deficiência da motivação e conclusões respectivas considerandas dum ponto de vista estritamente formal, não imporia ainda a rejeição do recurso, já a sua ponderação sob um enfoque também “substancial”, ou seja, considerando os contornos da impugnação que traduzem, pela evidência da inatendibilidade dessa impugnação, sem dúvida a impõe.
Vejamos:
Como se referiu, é legalmente admissível a alteração - na Relação, que conhece também de facto - da decisão/matéria de facto, tendo em vista a prova, que para o efeito se reapreciará
Contudo, há que referir ainda, já que tal ideia (que a lei inequivocamente sustenta), deve presidir à ponderação a efectuar, que, tendo em vista o princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº 127º do CPP, embora a Relação tenha poderes de intromissão em aspectos fácticos mesmo para além do previsto no citado artº 410º nº 2, a estes poderes não corresponde a intenção de facultar a reapreciação sistemática e global da prova produzida em audiência sindicando a valoração das provas feita pelo Tribunal “a quo” em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, pondo em causa gratuitamente (apenas com base na sua distinta opinião) a interpretação e acolhimento que delas fez por forma a conseguir um novo julgamento que lhe dê razão (a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz), mas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.
Como sempre frisamos, nesta sede importa ainda ter em conta que, na formação da convicção do Juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis, nessa formação relevando “elementos intraduzíveis e subtis” decorrentes de aspectos da produção de prova que apenas podem ser “...percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, Vol. III, fs. 211 e 271).
Assim, e em suma, visando a reapreciação de facto a detecção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento (a actual redacção do artº 412º nº 3 e – a conjugar com o artº 431º b) - do CPP veio reforçar ainda mais essa ideia) se não facultar um novo julgamento, o que importa é, em vista da prova disponível a reapreciar, analisar os fundamentos indicados na motivação de facto da decisão e, ponderado-os de acordo com as regras da ciência, da lógica e da experiência comum, aferir da razoabilidade do julgamento do facto como provado ou não provado feita pelo Tribunal no exercício da sua livre convicção, devendo a reapreciação ser feita em tais termos em relação aos pontos postos em causa, só quanto a eles, caso se detecte algum erro objectivo de julgamento, se alterando o decidido (sem prejuízo, claro, de alterações que se impuserem v. g. por, de eventuais correcções, decorrerem contradições a sanar, o que cabe ainda na previsão do artº 431º).
(Daí ser essencial que o Tribunal indique fundamentos da sua decisão quanto à matéria de facto que permitam inferir o raciocínio que lhe subjaz e avaliar a sua consistência e razoabilidade - e por isso a exigência legal de motivação de facto circunstanciada, com indicação e exame crítico das provas atendidas que permita a análise e ponderação desses fundamentos nos termos e para o fim referidos).
Ora no caso, logo pela análise da argumentação expendida na motivação, vemos que a impugnação do recorrente à decisão de facto (concretamente dirigida ao que concerne à segunda das agressões consideradas provadas) não tem como fundamento a invocação de qualquer erro “objectivo” de interpretação e valoração da prova, limitando-se à invocação de circunstancialismos de que, no seu entender, decorre ser a mesma não credível nem suficiente para sustentar facto acolhido (como sejam a circunstância de, sendo hora do jantar, nenhum dos proprietários, clientes e empregados do restaurante presentes ter sido arrolado como testemunha, a não constatação de lesões no exame médico efectuado, alguma hesitação/imprecisão quanto a data e horas concretas da agressão e ainda que “de qualquer modo a assistente sempre em audiência de julgamento confessou com orgulho que também ela usava agredir fisicamente o recorrente, o que o seu filho Otelo confirmou”).
É manifesto que não consubstanciam erro concreto e objectivo de interpretação ou valoração da prova, nem a não constatação de lesões no exame de fs. 59 (de 3 de Fevereiro, oito dias após os factos), nem a hesitação/imprecisão quanto a datas e horas concretas (que só por si nunca inquinariam de erro objectivo ou insustentação a decisão como foi assumida, não consubstanciando, por outro lado, dum ponto de vista objectivo, causa determinante de menor credibilidade da ofendida ou da testemunha Otelo sobre a ocorrência da agressão) – sustentada que se mostra a decisão a respeito nos termos expendidos na motivação seja quanto à dita localização espacio-temporal (e não obstante as dificuldade da ofendida a respeito, que se refere) seja quanto às lesões, tudo se justificando em moldes e segundo um raciocínio de razoabilidade inatacável.
Como, obviamente o não envolvem as circunstâncias de não ter sido arrolada testemunha de entre as pessoas que estivessem no restaurante, que não constitui causa de fragilidade minimamente relevante da prova considerada, dela nunca podendo pretender-se extrair fundamento para concluir erro objectivo de julgamento.
Como ainda – e nem seria preciso dizê-lo – não constitui causa de inconsistência da prova (e consequentemente dela não decorrendo erro de julgamento) a circunstância de, alegadamente, “... a assistente sempre em audiência de julgamento confessou com orgulho que também ela usava agredir fisicamente o recorrente, o que o seu filho Otelo confirmou”.
Temos pois que logo perante a argumentação deduzida pelo recorrente para impugnar a decisão de facto, onde o mesmo não invoca, quando pretende errada a decisão, qualquer “deficiência” que não radique tão só em mera divergência subjectiva na valoração e juízo assumido quanto a credibilidade das provas e nas consequentes opções quanto à sua adequação e ao seu acolhimento (e bem assim dos factos) se impõe como incontornável e manifesta a improcedência dessa impugnação.
Como dissemos, ao conferir ao tribunal de recurso o poder de reapreciar a decisão de facto o legislador não teve em mente autorizar a reavaliação da prova produzida em audiência em termos de sindicar a valoração que dela foi feita pelo Tribunal “a quo” (criticando-a sem razão objectiva, só por dela discordar), e bem assim facultar a possibilidade de realização - porque a convicção do recorrente não fosse coincidente com a do Tribunal, apesar da sua razoabilidade demonstrada na fundamentação - de um novo julgamento, fazendo tábua rasa do, princípio da livre apreciação da prova pelo juiz.
O que está em causa no recurso à matéria de facto é a detecção e correcção de erros pontuais e concretos de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto.
Ora, nada sendo invocado na argumentação deduzida pelo recorrente que pudesse consubstanciar erro “objectivo” e concreto de julgamento, ou seja, não radicando as críticas que dirige à decisão de facto em quaisquer razões que concreta e objectivamente impusessem que se concluísse por que o assumido pelo Tribunal quanto à prova decorreu de erro (que, por sua vez, inquinasse de erro objectivo o julgamento quanto aos factos), mas tão só na diferente leitura e valoração que faz das provas, fica patente, logo da motivação do recurso, que o que o recorrente pretende é a reapreciação da prova produzida em audiência na perspectiva da sindicância da valoração das provas feita pelo Tribunal “a quo” em referência a padrões/critérios subjectivos (os seus), pondo em causa a valoração e acolhimento que delas fez apenas por distintas das que sobre as mesmas ele próprio assume e que pugna por “fazer vingar”.
Por outras palavras, logo da sua argumentação expressa na motivação (sem necessidade de reavaliação de qualquer segmento da prova) decorre que o fundamento da sua impugnação à decisão de facto se resume afinal à discordância, não sustentada em qualquer incongruência objectiva, do juízo assumido pelo Tribunal quanto a atendibilidade e adequação/suficiência da prova, o que redunda em mera impugnação da convicção do Tribunal apenas por distinta da que sobre a prova e os factos ele próprio criou e assim procura impor, substituindo ao do Tribunal o seu próprio julgamento.
Ora, a convicção do tribunal é, em princípio, face à regra da livre apreciação da prova constante do artº 127º do CP, inatacável, prevalecendo - a não se constatarem erros no raciocínio que levou à aceitação de determinadas provas em detrimento de outras e à sua valoração como suficientes para sustentar a decisão assumida - sobre as dos demais intervenientes processuais (daí a importância da motivação).
E, no caso, analisando a fundamentação, não se constata qualquer erro no raciocínio subjacente à decisão assumida: deixando a motivação de facto claros os fundamentos do assumido quanto ao acolhimento dos factos em vista da prova produzida e a análise que dela se faz, tudo em termos perfeitamente consentâneos com as regras da lógica e da experiência comum, nenhum erro se perfila em tal raciocínio, cuja razoabilidade é, pelo contrário, inatacável.
Tal constatação tem implícito, por outro lado, que a decisão assumida decorreu de ponderada apreciação da prova (mediante o dito juízo escorreito e razoável), o que afasta a arbitrariedade da decisão.
Temos pois e em suma que, considerando o exposto na fundamentação da decisão, é patente que a decisão de facto assumida não decorre de juízo arbitrário, nem (considerando a prova invocada), em qualquer medida ou aspecto, de erros de julgamento, não se perfilando qualquer vício na estruturação da convicção do Tribunal.
Assim sendo é essa convicção incontornável, impondo-se à do recorrente.
Em tal conformidade, e perante a inverificação de qualquer dos vícios referidos no artº 410º nº 2 do CPP, nenhuma censura há a fazer à decisão no que concerne à matéria de facto, assim em definitivo fixada e incontornável, em medida alguma podendo proceder a sua impugnação à decisão de facto, pelo contrário nos termos expostos patentemente inatendível e improcedente.
E, fixados os factos, considerando os seus contornos, patente é também a improcedência do recurso no que concerne ao direito.
Pretendendo o recorrente que a matéria de facto provada é insuficiente para preencher a tipicidade do crime de maus tratos por que foi condenado, suscita obviamente a questão de saber quais os elementos típicos de tal crime cujos contornos haverá assim que definir com precisão
Dispunha o artº 152º Código Penal tal como vigorava à data dos factos que
“1 - Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou como subordinado por relação de trabalho, pessoa menor, incapaz, ou diminuída por razão de idade, doença, deficiência física ou psíquica
e:
a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;
b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas;
ou
c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos;
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144º.
2 - A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges maus tratos físicos ou psíquicos.
(...)
Desde logo, perante tal estatuição11 E assim de igual forma se tivermos em consideração a nova redacção dada ao preceito pela Lei 59/2007 de 4/9 (sendo as alterações por tal lei introduzidas a levar-se em conta na medida do disposto no artº 2º do CP) de que decorre definição típica que também claramente - não impõe ou pressupõe para o seu preenchimento no caso das suas alíneas ) e b) (como o aqui em causa), a existência de qualquer vínculo de dependência (antes pelo contrário tal ideia podendo ter-se por expressamente contrariada com o consignado na parte final dessa alínea b). há que refutar, por, com o devido respeito, manifestamente inatendível, o argumento de que, para o preenchimento do tipo, teria que provar-se ou equacionar-se a existência de vínculo de dependência económica ou de outro perfil da queixosa para com o recorrente, sendo patente que, sendo pertinente, face aos contornos do tipo, a consideração da existência de tal vínculo nos casos enquadráveis no nº 1 do artº 152º, essa existência não tem que equacionar-se quando estão em causa os maus tratos infligidos a cônjuge ou pessoa que conviva com o agressor em condições análogas às dos cônjuges incriminados pelo seu nº 2.
Assim, o facto deste nº 2 do preceito cominar com a pena imposta para os maus tratos puníveis no seu nº 1, os maus tratos infligidos a cônjuge ou pessoa que conviva com o agressor em condições análogas às dos cônjuges por forma alguma implica que nestes casos o preenchimento dos elementos do tipo passe pelo preenchimento da materialidade típica específica daquele e bem assim que haja que considerar-se o que a esta interesse (designadamente o que interesse à interpretação/definição dos contornos elementos que a integram, matéria em cujo âmbito faria sentido equacionar a existência do vínculo de dependência).
E o que no nº 2 do preceito se considera conduta típica são os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos a cônjuge ou pessoa que conviva com o agressor em condições análogas às dos cônjuges.
Assim que estando apurados factos que descrevem agressões por parte do arguido a pessoa que com ele convivia em condições análogas às dos cônjuges (e neste caso a lei nada mais exige quanto à relação entre vítima e ofendido) o que haverá que ponderar é se as agressões assumidas podem integrar o conceito de maus tratos para efeitos de preenchimento da conduta típica.
E, ponderando a factualidade disponível, assim acontece, sendo manifesta a falta de razão do recorrente também quando defende o contrário.
Desde logo - e assim dando resposta ao argumento do recorrente de que seria necessária a prova de factos donde decorresse habitualidade do comportamento agressivo - há que dizer que se geralmente o crime de maus tratos se traduz em alguma reiteração de condutas, inculcando frequentemente a ideia de um certo carácter de habitualidade, o artigo 152° do Código Penal não exige, conforme vem sendo decidido nas instâncias superiores, como elemento objectivo do tipo, para verificação do crime nele previsto, uma conduta plúrima e repetitiva, ou seja, habitualidade.
Considerar o contrário redundaria de alguma forma em admitir em casos de comportamentos ocorridos no âmbito de relação conjugal ou equiparada - como o que aqui está em causa - que só quando e se instalasse a habitualidade das condutas atentatórias à saúde física ou mental e à dignidade humana visadas pelo preceito operaria a punição nele prevista o que, tendo como reverso que condutas isoladas ou assumidas espaçadamente, sem carácter de regularidade, não poderiam ser punidas a título de maus tratos, o que - e note-se ainda que comportamentos há que, relevando para efeitos de tal artigo, não são autonomamente puníveis - obviamente não pode ter correspondido à postura/vontade do legislador.
Aliás, se tal se tem por incontestável já considerando a redacção do preceito vigente à data dos factos, na actual redacção do preceito (introduzida pela Lei 59/2007 de 4/9) a definição típica consagrada não deixa hoje lugar quaisquer dúvidas a este respeito - e bem assim quanto à intenção do legislador - ao dispor expressamente que:
“Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais ...
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge,
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
(...)
é punido com pena de prisão de ...
Em suma temos pois que também no que a tal argumento se refere é manifesta a sem razão do recorrente.
Afastados os óbices ao decidido vindos de referir, restará saber se os factos preenchem a materialidade típica prevista no preceito, o que passará por saber se, como pretende, para tal tem que estar provada “motivação torpe” devendo a os maus tratos ser “chocantes”, traduzindo crueldade, insensibilidade ou vingança.
Desde logo há que referir que são objecto da incriminação introduzida pelo tipo condutas de várias espécies que podem ser susceptíveis de, singularmente consideradas, constituírem, em si mesmas, outros crimes, a saber, maus tratos físicos (ofensas corporais simples) e maus tratos psíquicos, humilhações, provocações (que podem envolver ameaças ou injúrias)33 A actual definição típica inclui agora também para os casos como o presente, castigos corporais, privações de liberdade e ofensas sexuais o que logo suscita questões de qualificação jurídica, revestindo-se de alguma complexidade determinar se perante a factualidade considerada provada de que se dispuser se deve entender que o agente praticou o crime de maus tratos, ou se praticou, antes, crimes de tipo comum (nomeadamente de ofensas à integridade física).
Importa pois de forma determinante perceber a razão de ser da punição por este tipo de crime de conduta/s eventualmente passíveis, em abstracto, de punição prevista autonomamente noutras normas ao abrigo das quais poderiam, por logo de per si, segundo tais normas, típicas, ser perseguidas.
O que é dizer que há que encontrar a ratio do preceito, ou mais precisamente a ratio dessa incriminação diferenciada, definindo designadamente com precisão o bem jurídico protegido.
Essa razão de ser da agravação que subjaz à redacção do artigo 152° do Código Penal, sendo manifestamente derivada da especial relação entre o agente e o ofendido (o que desde logo conleva uma particular obrigação de não infligir lhe maus tratos), radica - nas palavras de Taipa de Carvalho in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Parte Especial, tomo I, Coimbra editora, pág.s 329 e seguintes - não “(...) na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional..., mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana...”, sendo função “deste artigo” - e tipo, no segmento que interessa ao caso presente - “prevenir as frequentes e, por vezes, tão "subtis " quão perniciosas - para a saúde física e psíquica e/ou para o desenvolvimento harmonioso da personalidade ou para o bem-estar - formas de violência no âmbito da família (...)”.
(...) A ratio do tipo não está, pois,(...) na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional..., mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.... Se em tempos passados, se considerou que o bem jurídico protegido era apenas a integridade física, constituindo o crime de maus tratos uma forma agravada do crime de ofensas corporais simples, hoje, uma tal interpretação redutora é, manifestamente, de excluir.
A ratio desse artº 152º vai muito além dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, etc...).
Portanto deve dizer-se que o bem jurídico protegido por este crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico que pode ser afectado por uma multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade...” (do ofendido), afectando a (sua) dignidade pessoal....”

Ora, assente que se mostra que em duas ocasiões o recorrente agrediu a assistente,
- a primeira, na residência onde ambos viviam maritalmente, dando-lhe bofetadas na cara que lhe causaram ferimentos e dor,
- a segundo no interior de um restaurante, quando jantavam, dando-lhe um soco com força no rosto da assistente que lhe provocou uma ferida na boca que ficou a deitar sangue, em razão de tal sentindo ela dores físicas, tristeza, e humilhação por ser agredida num local público, ficando ainda com medo do arguido (que agiu com o propósito de a molestar fisicamente, sempre sabendo que ao fazê-lo lhe causava sofrimento e temor),
e sendo que tais actos são inequivocamente reveladores de uma postura chocante de especial insensibilidade e brutalidade no trato (que chega ao ponto de se permitir concretizar uma agressão violenta num local público) do arguido perante a sua à data companheira,
é, não apenas absolutamente legítimo mas mesmo manifestamente imperioso concluir como se faz na decisão recorrida reproduzindo o sumário de douta decisão do STJ que se cita, que «os actos praticados pelo arguido correspondem, segundo o conjunto de regras sociais a que estamos habituados, a um achincalhamento físico e, sobretudo, de ordem moral, voluntariamente praticado pelo arguido na pessoa da ofendida», com quem vivia então maritalmente e mãe de uma filha sua, consubstanciando “maus tratos” para efeitos do disposto no artº 152º do CP, e bem assim reconduzir a conduta sub judice, por nele se enquadrar, à tipificação nele prevista.
(Conclusão que, desde já se consigna - e uma vez que sempre, por força do disposto no artº 2º nº 4 do CP sempre o mesmo terá de ser considerado sob qualquer enfoque- igualmente se justifica considerando a redacção dada ao preceito pela lei 59/2007 de 4/9).
Ora, assim se impondo inequivocamente concluir, manifesta é também quanto a este aspecto a falta de razão do recorrente nesta vertente da sua impugnação, e bem assim a improcedência do seu recurso à matéria de direito, impondo-se como incontornável o preenchimento, mediante a conduta descrita pelos factos assentes, dos elementos do tipo por que foi condenado e não de qualquer outro, nenhum reparo merecendo, também no que a tal concerne, a decisão recorrida.
Em tal conformidade, e nada havendo a censurar, considerando os critérios legais a observar, quanto à sanção imposta (seja em referência ao regime vigente à data dos factos, seja em referência ao agora em vigor – não se tendo alterado a moldura penal e tendo sido decidida a suspensão da execução da pena, pena essa que ficou até, sem explicação expressa, aquém do limite mínimo da moldura em qualquer dos regimes...o que no entanto sempre estaria protegido pela proibição da reformatio in pejus) por patentes a sem razão do recorrente e a inexistência de vício ou erro que imponham reparo ao decidido e consequentemente por manifestamente de manter nos seus precisos termos a decisão recorrida, não violadora de qualquer preceito legal, maxime constitucional, é manifesta a improcedência do recurso, com tal fundamento se impondo a sua rejeição.

DECISÃO

Pelo exposto, em vista de todas as disposições citadas e ainda do artº 420º nº 1 do CPP, por manifesta improcedência rejeitam o presente recurso.


Condena-se o recorrente no pagamento de quantia correspondente a quatro UC.