Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1245/14.1TVLSB.L3-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA REMANESCENTE
PEDIDO DE DISPENSA
CONTA FINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I.– A dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final.

II.– Se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas, no prazo de 10 dias ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação.

II.– Não é inconstitucional a norma extraída daquela norma, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


Na presente acção declarativa com, processo comum, que AAA intentou contra BBB e outros, inconformado com o despacho que decidiu a reclamação da conta de custas elaborada nos presentes autos dele interpôs recurso de apelação, culminando as alegações com as seguintes conclusões:

"A.– Veio o Tribunal a quo sustentar que o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi apresentado extemporaneamente pelo Recorrente, improcedendo, por esse motivo, a reclamação da conta de custas apresentada pelo Recorrente.

B.– Em 1.º lugar, não resulta do no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais o momento até ao qual aquele pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve, ou não, ser deduzido pela parte a quem o mesmo aproveita.

C.– O comando legal que desta disposição emana é, em primeira linha, dirigido ao Juiz (e ao interessado em requerer o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça). É, pois, o Juiz quem tem o poder-dever de verificar se a especificidade da situação justifica (ou não) a dispensa daquele pagamento do remanescente.

D.– Como tal, do citado artigo não decorre, expressa e claramente, que o momento processual adequado para a formulação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça seja (i) quer em sede de sentença ou decisão final, (ii) quer em momento posterior à elaboração da conta de custas.

E.– Veja-se, aliás, que o Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal da Relação de Lisboa e bem assim outros Tribunais superiores (cujas decisões foram citadas nas presentes alegações de recurso) entenderam claramente – interpretando a disposição aqui em apreço – que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça pode (e deve) ser conhecido pelo Juiz do processo mesmo após o trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo.

F.– Atendendo ao elemento teleológico do preceito sub judice, a ratio da previsão legal é a de permitir ao Juiz '(…) adequar o valor da taxa de justiça aos custos aproximados do processo em concreto por forma a salvaguardar também os valores, da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização / pagamento das custas processuais (…)'.[1] Rejeitar, por extemporâneo, um pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça porque deduzido posteriormente à elaboração da conta final não atende à teleologia do preceito legal.

G.– Em 2.º lugar, também não colhe a argumentação quanto à inutilidade dos actos de feitura da conta final e sua notificação às partes (com eventual 'risco' de anulação de actos praticados), com a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente após a elaboração da conta final.

H.– Não é pelo facto de apenas se requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta final que este acto é ou se torna, por si só, inútil.

I.– O apuramento dos montantes a que se reporta a conta final poderá, aliás, ser decisivo para determinar os pressupostos de aplicação do regime do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, pelo que o momento subsequente à elaboração da conta final é o momento mais adequado para a formulação de juízos de proporcionalidade entre aquilo que foi exigido do Tribunal e aquilo que deve efectivamente ser prestado.

J.– Mais: a inutilidade encontra apanágio no artigo 130.º do CPC. Só que, não estando em causa a prática de um ato que tenha 'o efeito de complicar o processo'[2], não se pode aceitar que a dedução do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta final passe a constituir um 'ato inútil', pois não estamos perante qualquer dos casos do artigo 130.º do CPC e também estamos no âmbito do exercício de um direito que às partes é consagrado.

K.– Ainda que se não reconheça a utilidade do ato de elaboração da conta final – o que não se aceita –, este ato também nunca poderia ser considerado como inútil, sendo considerado, quando muito, como ato 'supérfluo' ou 'desnecessário'.[3]

L.– Repare-se ainda que a proibição da prática de actos inúteis é uma manifestação do princípio da economia processual. Tendo-se concluído que o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais é uma emanação do princípio da proporcionalidade – n.º 2 do artigo 18.º da CRP –, sempre se concluiria que este princípio (formal) da economia processual deveria ceder para garantir aquele princípio da proporcionalidade que dimana da faculdade de deduzir o pedido de dispensa do pagamento do remanescente.

M.– Em 3.º lugar, tampouco se encontra esgotado o poder jurisdicional (do artigo 613.º do CPC) relativamente à matéria de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça,[4] desde logo porque é o artigo 31.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais que expressamente dá acolhimento ao presente recurso.

N.– Sublinhando-se, em todo o caso, que o Ministério Público, que actua no presente processo em representação do Estado e dos seus interesses, na sua Douta Promoção, sufragou o entendimento de que deveria ser decretada a dispensa do remanescente da taxa de justiça, não invocando qualquer espécie de extemporaneidade do requerimento apresentado pelo Recorrente.

O.– Face ao exposto, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua que o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça foi deduzido pelos Recorrente em tempo, não sendo extemporâneo e não tendo precludido o direito dos Recorrente a requerer tal dispensa.

P.– Este Venerando Tribunal não está dispensado de conhecer o mérito do requerimento formulado pelo Recorrente quanto à dispensa do remanescente da taxa de justiça, podendo e devendo dele conhecer nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do CPC.

Q.– Em matéria de fixação do remanescente da taxa de justiça a aplicar, deverão ser ponderados dois critérios: o da bilateralidade e o da proporcionalidade. Impõe-se, como tal, que haja de facto correspectividade entre os serviços concretamente prestados e a taxa de justiça cobrada.[5]

R.– In casu, a taxa de justiça remanescente que se pretende cobrada ao Recorrente (e este recusa face ao pedido de dispensa) não tem em conta aqueles 2 critérios, pois que a exigência de 120 Unidades de Conta (a que acrescem as 80 Unidades de Conta já liquidadas pelas partes, perfazendo um total de 200 Unidades de Conta) apresenta-se manifestamente excessiva e desproporcional.

S.– O Recorrente recorda que na análise da complexidade – se uma acção é, ou não, simples – tem particular relevância o princípio da proporcionalidade.

T.– Ora, resulta dos presentes autos que a prática de um conjunto total de 264 actos praticados (incluído, entre outros, notificações às testemunhas, ofícios diversos, remessas de processo, vistos de Conselheiros e Desembargadores, despachos de mero expediente, conta de custas, baixa da conta, emissão de recibos, entre outros) não permite concluir que, tendo o processo quase cinco anos de existência, tenham sido praticados excessivos actos processuais.

U.– Sendo que, grande parte dos actos em causa, nomeadamente os recursos apresentados, se pretendam com questões que nada têm a ver com o mérito da causa mas, tão-somente, a determinação do tribunal competente para dirimir o litígio.

V.– Sublinhando-se, ainda, que as partes não praticaram nos presentes autos quaisquer actos dilatórios ou cuja falta de fundamento conhecessem.

W.– Por outro lado, não revestiram nem as peças processuais, nem os requerimentos ou alegações das partes, actos de especial complexidade nos termos e para os efeitos do n.º 7 do artigo 530.º do CPC.

X.– Ora, em momento algum é referido que os articulados apresentados nestes autos são (ou foram) confusos, repetitivos ou caóticos: pelo contrário, o processo foi logo julgado tendo sido apenas realizadas três sessões da audiência final não tendo qualquer uma delas excedido uma parte do dia. Não se verificam, pois, os pressupostos de complexidade a que se refere a alínea a) do artigo 530.º do CPC.

Y.– Tampouco é possível subsumir os factos do caso ao previsto na alínea b) do artigo 530.º do CPC não sendo a matéria em discussão nos presentes autos de especial complexidade, o que se alcança, nomeadamente, do facto de o julgamento do mérito se ter centrado, quase que exclusivamente, no prescrição do direito de crédito alegado pelo Recorrente.

Z.– Por outro lado, e conforme referido anteriormente, a produção de prova nos presentes autos foi essencial documental e testemunhal (sendo a este respeito de destacar o número extremamente reduzido de sessões da audiência final). Donde, também não se encontra preenchida a alínea c) do artigo 530.º do CPC.

AA.– Note-se, ainda, que também a conduta processual das partes implicaria que o pedido de dispensa fosse atendido, não podendo argumentar-se no sentido de que a acção não terminou por transacção ou que os recursos interpostos pelo Recorrente foram julgados improcedentes. Nenhuma dessas realidades é motivo para censurar a conduta de qualquer das partes no processo, sendo que estas se limitaram a exercer legitimamente os seus direitos e não foram proferidas mais decisões do que as existentes em quaisquer outros processos judiciais).

BB.– Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conclua como verificados todos os pressupostos de depende a dispensa integral de pagamento do remanescente da taxa de justiça, assegurando, dessa forma, a proporcionalidade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada.

CC.– Entende – erradamente, em nosso ver – a decisão recorrida que o n.º 2 do artigo 6.º, o n.º 2 do artigo 7.º, o artigo 11.º e o n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais são conformes à CRP.

DD.–O Tribunal Constitucional determinou a inconstitucionalidade das normas relativas aos montantes das custas quando interpretadas no sentido de que o seu valor é aferido atendendo ao valor da acção e sem qualquer limite máximo.[6]

EE.– O disposto no n.º 2 do artigo 6.º, no n.º 2 do artigo 7.º, no artigo 11.º e no n.º 2 do artigo 12.º do Regulamento das Custas Processuais, quando interpretados no sentido de que a fixação da taxa de justiça apenas é calculada com base no valor da causa constitui, em si mesma, uma restrição a direitos fundamentais, maxime, o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da CRP.

FF.– Tal restrição ao direito fundamental não é, em si mesma, fundamentada: por um lado, não há qualquer disposição no âmbito da CRP que a permita – não é, portanto, uma restrição expressamente admitida –; e, por outro, não emana, implicitamente, de qualquer outro direito fundamental constitucionalmente previsto – não se trata de uma restrição implicitamente admitida.

GG.– Seja como for, tal restrição seria, desde logo, proibida em razão do princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 18.º da CRP, na sua dimensão desdobrada em três subprincípios: (i), seria duvidoso que tal medida restritiva do acesso à justiça e aos tribunais se revelasse adequada à prossecução dos fins visados (princípio da adequação); (ii) seria discutível se tal meio a utilizar, porque restritivo do direito à tutela jurisdicional efectiva, seria o meio necessário, exigível ou indispensável para atingir o fim em vista (princípio do meio menos restritivo); e (iii) finalmente seria duvidoso que os custos resultantes da restrição do bem tutelado pelo direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva fossem compensados pelos benefícios advenientes do bem que resultaria jusfundamentalmente protegido com aquela restrição.

HH.– Tal restrição seria também proibida à luz do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP: o estabelecimento de uma taxa de justiça que, incomensuravelmente excessiva, resultasse tão-só do valor da acção trataria de modo igual situações diferentes, não considerando os critérios da complexidade da causa e da conduta processual das partes.

II.– Por outro lado, considerar como momento preclusivo para a dedução do pedido de dispensa a elaboração da conta final – o que não se admite, como supra referimos – é uma interpretação inconstitucional, pois restringe o direito fundamental à tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

JJ.– A desproporcionalidade seria patente, neste caso, tendo em conta que os seus custos – o pagamento do remanescente da taxa de justiça cujo montante se afigura elevado (e excessivo!) – superam em muito os (hipotéticos) benefícios que possam ser alegados (e efectivamente demonstrados) quanto à 'economia processual'.

KK.– Devem, assim, ser considerados inconstitucionais o n.º 2 do artigo 6.º, o n.º 2 do artigo 7.º, o artigo 11.º e o n.º 2 do artigo 12.º da Regulamento das Custas Processuais quando, em virtude de uma interpretação isolada face à não aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do mesmo Decreto-Lei, sejam interpretados no sentido de que, numa acção cujo valor exceda € 275.000,00, a fixação da taxa de justiça se determine exclusivamente em função do valor da causa de acordo com os valores constantes da tabela I-A e I-B anexa ao Regulamento das Custas Processuais, sendo definida sem qualquer limite máximo do montante das custas e sem atender à natureza, complexidade da causa e ao carácter desproporcionado do montante em questão.

LL.– Face ao exposto, conclui-se que a decisão recorrida violou os artigos 13.º, 18.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 130.º, 613.º e 530.º, n.º 7 do Código de Processo Civil e o artigo 6.º, n.º 7 e 31.º, do Regulamento das Custas Processuais".

Não foram apresentadas contra-alegações.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[7] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[8] o que foi feito tendo nessa sequência a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta sido de parecer que deve ser negado provimento ao recurso.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[9] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, sem prejuízo embora de se dever atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[10] Assim, importa apurar

i.- se foi extemporânea ou tempestivamente apresentado pelo autor o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;

ii.- naquele caso, se é inconstitucional o entendimento sufragado no despacho recorrido.
***

II–Fundamentos.

1. O despacho recorrido:[11]

"(…).

***

II–Requerimento de Fls. 856v a 860v (Autor) - Dispensa do Pagamento do Remanescente da Taxa Justiça

Como o próprio Autor, reconhece a presente pretensão foi formulada (em 02/11/2018 – cfr. fls. 861) depois da elaboração da respectiva conta (em 16/10/2018 - cfr. fls. 810/811), pelo que a mesma é absolutamente extemporânea, seguindo-se aqui, por que se concorda e se sufraga, o entendimento expresso no Ac. do STJ de 26/02/20192[12] que decidiu que «O requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no art.º 6.º/7 do RCP, deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas», explicando-se que: «A jurisprudência dele emanada não é uniforme, embora haja uma corrente claramente maioritária no sentido de considerar que o requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas… É também este o nosso entendimento. Estabelece o artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), que 'nas causas de valor superior a € 275 000 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento'. Desta norma decorre que ao juiz assiste o poder-dever de determinar a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente devida pelas partes nas causas de valor superior a 275.000 €, quando, em seu critério, entenda que tal se justifica no contexto particular do processo em questão. O momento adequado a fazê-lo é a decisão final: é aí que se fixa a responsabilidade das partes relativamente às custas da acção ou incidente. No entanto, se o não fizer, podem as partes, logo que notificadas da decisão final, suscitar a sua reforma quanto à responsabilidade pelas custas da acção ou incidente, nos termos do artigo 616.º do CPC, se considerarem haver fundamento para a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Assim defende Salvador da Costa[3]: 'O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas'. Argumentam, todavia, os recorrentes que só após a elaboração da conta é que ficaram cientes de que o tribunal não fez uso desse poder, razão pela qual lhes deve ser concedida a possibilidade de requererem a dispensa da taxa de justiça remanescente em momento posterior à elaboração da conta. É também este o entendimento seguido por alguma jurisprudência das Relações e do STJ, ainda que não seja sempre totalmente coincidente o fundamento invocado para justificar essa posterioridade em relação ao momento da elaboração da conta… Mas não cremos que possa ser assim. Conforme foi salientado no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 527/16, de 4 de Outubro de 2016… 'é evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo'. Se o juiz nada determinar, na decisão final, sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente e se as partes não reagirem relativamente à responsabilidade pelas custas ali definida, a conta será elaborada de acordo com aquela decisão no prazo de 10 dias após o respectivo trânsito em julgado (artigo 29.º, n.º 1, do RCJ). Como assim, depois de notificadas da conta, as partes já não poderão pedir a dispensa desse pagamento, nomeadamente em sede de reclamação ou reforma da conta de custas (artigo 31.º do RCP), na medida em que esse expediente processual incide exclusivamente sobre os actos materiais de contagem das custas, que são levados a cabo pelo funcionário judicial encarregado dessa mesma contagem. Por isso, a reclamação ou reforma da conta, não dizendo respeito à decisão do juiz relativa a custas, terá apenas como objecto a verificação de uma qualquer anomalia praticada por esse funcionário na elaboração da conta, seja ela concernente às disposições legais aplicáveis, às determinações do julgador ou a lapso de escrita ou cálculo. Também o não podem fazer através de simples requerimento apresentado no prazo de 10 dias após notificação da conta (como sucedeu no caso dos autos), prazo esse de que as partes dispõem exclusivamente para efeitos de pedirem a reforma, reclamarem da conta ou efectuarem o pagamento (artigo 31.º, n.º 1 do RCP). Quanto ao principal argumento esgrimido pelas recorrentes, sintetizado na conclusão III., recupera-se o que foi dito no acórdão deste STJ, de 13.07.2017… 'A dispensa do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do art.º 6.º, n.º 7, do RCP, decorre de uma decisão constitutiva proferida pelo juiz, podendo naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não se consideraram verificados, sendo consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não contemplará seguramente essa dispensa'. De facto, o juiz do processo estava em condições de saber qual era o montante da taxa remanescente e, como nada referiu na decisão que atribuiu a responsabilidade pelas custas, só podemos concluir que foi porque entendeu que não se justificava a dispensa do pagamento. Sublinhe-se que também os recorrentes '(…) conheciam o valor do processo, das taxas pagas, e da possibilidade de aplicação ao caso específico do n.º 7 do artigo 6.º do RCP', como expressamente admitem na conclusão IV. Deste modo, se os recorrentes estavam cientes de que, no caso concreto, havia, ou podia haver, fundamento para a dispensa da taxa de justiça remanescente, então deveriam requerer essa dispensa antes da elaboração da conta final. Apesar disso, resolveram esperar pela feitura da conta para só depois reagirem, quando já não lhes era lícito fazê-lo. Conclui-se, portanto, que é extemporâneo o requerimento apresentado ao juiz da 1.ª instância, em que, após a elaboração da conta, se impetrou a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente». E ao contrário do que argumenta o Autor, não se vislumbra que o entendimento supra preconizado represente a violação de qualquer dos preceitos constitucionais indicados no requerimento em apreço, até atento o expressamente decidido no referido Ac. do TC n.º 527/16, de 04/10/2016.
Face ao exposto e sem necessidade de outras considerações, decide indeferir-se, por extemporaneidade, a presente pretensão do Autor.
Custas incidentais pelo Autor, fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC.
Notifique-se".

2.–O direito.

2.1.- A tempestividade do pedido de dispensa de pagamento do remanescente das custas.

Vejamos então se, como foi julgado no despacho ora sindicado, foi extemporaneamente apresentado pelo autor o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Notificado que foi da conta, o autor requereu:

"a)- o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos e ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais; e

b)- recusar, nos termos e ao abrigo do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa dos artigos 6.º, 11.º e da Tabela I-A, todos do Regulamento das Custas Processuais, no sentido de que, não obstante o pagamento das taxas de justiça efectuado pelo A., é, ainda assim, devido o pagamento de taxa de justiça adicional, por manifesta violação quer do princípio do acesso à justiça (ínsito ao artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa) e, bem assim, ao princípio da proporcionalidade (contido, nomeadamente, no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa)".

O artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais, tanto na redacção actual como naquela que antes lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, ao tempo em vigor, estatui que "nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento".

Conforme sustentou Salvador da Costa, no Regulamento das Custas Processuais anotado, 2013, 5.ª edição, página 201 que "o juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas". Daí que, concluiu o A. na ob. cit., páginas 354 e seguinte, "discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627.º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados".

Em todo o caso, portanto, a lei supõe que a parte interessada requeira a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça num momento em que a conta ainda não esteja elaborada, atendendo ao segmento normativo "o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final".

Este modo de ver as coisas tem tido eco na jurisprudência, como foi no caso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-10-2017, no processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt (não encontrámos publicado o aresto citado pelo despacho apelado), o qual decidiu que "a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente a que se reporta o n.º 7 do art.º 6.º do Regulamento das Custas Processuais só pode ter lugar, seja por determinação oficiosa do juiz seja a requerimento da parte interessada, até ser efectuada a conta final".[13]

Tudo isto porquanto, como considerou o acórdão da Relação de Coimbra, de 15-05-2018, no processo n.º 3582/16.1TBLRA-B.C1, publicado em http://www.dgsi.pt, "o citado n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais visa atenuar, antes do termo da causa, a obrigação de pagamento da taxa de justiça nas acções de maior valor e está conexionado com o que se prescreve no fim da tabela I: O referido remanescente é considerado na conta final a realizar após o trânsito em julgado da decisão final"; daí que, prosseguiu o citado aresto, "o que sucede é que a lei, no que respeita às causas de valor superior a € 275.000, não exige logo o pagamento da taxa de justiça pelo valor total, ou seja, com referência ao valor base de tributação, dispensando, temporariamente, o pagamento da taxa que corresponde ao montante que excede os € 275.000, mas como não se trata de uma verdadeira isenção, esse remanescente que ficou por pagar será depois exigido".

Por outro lado, lembrou ainda o mesmo aresto que "a maioria da jurisprudência vai em sentido de que as partes, mais a mais quando representadas por profissionais do foro, têm suficientes condições para anteverem o que lhes será exigido a título de remanescente da taxa de justiça, pelo que é antes de elaborada a conta que devem requerer a dispensa a que se reporta o art.º 6.º, n.º 7, do RCP, sendo desajustado e extemporâneo fazê-lo em sede de reclamação da conta". E isto porque "a intervenção do juiz no sentido da dispensa excepcional do pagamento do remanescente da taxa de justiça não depende de requerimento das partes, podendo ser decidida a título oficioso, na sentença ou no despacho final", pelo que "se o juiz nada disser quanto à dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente, e se as partes entenderem estarem verificados os pressupostos de dispensa, deverão deduzir eventual discordância acerca dessa decisão, por meio de requerimento de reforma da decisão quanto a custas, no prazo de 10 dias ou, se houver lugar a recurso da decisão final, na respectiva alegação".[14]

Em face do exposto, nenhuma censura merece o despacho sindicado porquanto é indubitável que o pedido formulado pelo autor ora apelante é extemporâneo, já que foi apresentado em juízo (no dia 02-01-2018) quando a conta já fora elaborada (no dia 16-10-2018), pelo que a apelação não poderá ser provida antes aquele despacho confirmado.

2.2.–A constitucionalidade desta interpretação da lei.

Esta questão já foi objecto de expressa pronúncia por parte dos tribunais superiores e quase sempre seguindo um rumo uniforme.

Assim, desde logo no acórdão n.º 527/16, prolatado a 04-10-2016, no processo n.º 113/16, da 1.ª Secção, publicado em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20160527.html o Tribunal Constitucional decidiu "não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas", para o que convocou, em resumo, a seguinte ordem de considerações:

"2.2.3.–É evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça. Deve, então, apreciar-se se é excessiva ou de algum modo desproporcionada a fixação de tal efeito momento da elaboração da conta.

Ao contrário do que a Recorrente procurou sustentar, não se reconhece particular dificuldade na satisfação do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão.

Não causa dúvida que a interpretação afirmada na decisão recorrida é, genericamente, coerente com a sucessão de actos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá reflectir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual.

Por outro lado, respeitando a interpretação afirmada na decisão recorrida, a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa – v., in casu, fls. 78): desde a prolação da decisão final até ao respetivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é coreto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exacto conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da acção. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excepcionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objecto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça reflectido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos

Acresce que a gravidade da consequência do incumprimento do ónus – que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça – é ajustada ao comportamento omitido. Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal.

Não se trata, ao contrário do que a Recorrente alega, de um resultado implícito, 'não discernível' a partir do texto da lei. Desde logo, a própria redacção do preceito ('[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…') – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspecto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um carácter surpreendente do resultado interpretativo.

Ademais, pela aplicação da norma em causa, a parte não fica impedida de '[…] sindicar a legalidade do ato de liquidação operado pela secretaria' nem se vê privada de '[…] questionar a adequação das quantias efectivamente liquidadas às concretas especificidades do processo', como vem alegado pela Recorrente. Na verdade, se a conta não reflectir adequadamente a condenação que a suporta ou não calcular correctamente o valor da taxa de justiça previsto na tabela legal, a parte pode dela reclamar nos termos do artigo 31.º do RCP. Simplesmente, o valor da taxa de justiça coreto, para estes efeitos, será considerado na íntegra caso a parte não tenha, em tempo, deduzido o pedido de dispensa ou redução respetivo.

2.2.4.–Cumpre referir, ainda, que – tal como a decisão recorrida evidencia – pese embora a discussão que vinha sendo mantida na jurisprudência, a interpretação em causa já havia sido afirmada em outras decisões, pelo que a Autora, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais, podia e devia ter contado com a interpretação afirmada pelo tribunal de primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação.

Aliás, a orientação da decisão recorrida corresponde, precisamente, àquela que o próprio Tribunal Constitucional tem seguido, como, justamente, foi observado pelo Ministério Público nas suas contra-alegações. Assim, tem vindo a ser decidido, uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.os 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Assim, a interpretação normativa questionada pela Recorrente não traduz qualquer 'ónus processual oculto' ou (nas suas palavras) uma 'armadilha processual' com a qual a parte não podia contar.

2.3.– As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso".

Depois disso, o Supremo Tribunal de Justiça trilhou o mesmo caminho no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2017, no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, ao decidir que "não é inconstitucional a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas", lembrando o seguinte:

"Não se trata, aqui, de saber se é (ou deve ser) possível a redução do valor da taxa de justiça a pagar, por via da dispensa ou redução do pagamento do remanescente, a final. Essa possibilidade, para além de resultar, de forma inequívoca, da redacção actual do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, não foi negada à Autora por não existir base legal correspondente. O indeferimento do requerimento de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, apresentado pela Autora, ora Recorrente, assentou, apenas, como acima dissemos, na circunstância de ter sido considerada extemporânea a sua suscitação após a elaboração da conta de custas. O eixo da discussão centra-se, assim, no efeito preclusivo daquela pretensão associado ao momento da elaboração da conta, tratando-se, agora, de saber se estamos perante um ónus processual proporcionado e compatível com um processo justo, apto a proporcionar a tutela efectiva dos direitos das partes que a ele recorrem.

O Tribunal Constitucional afirmou já, em diversas ocasiões, os termos em que se deve ter por admissível a imposição de ónus processuais associados a efeitos preclusivos. A discussão enquadra-se, desde logo, no âmbito do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, como vem realçado no Acórdão n.º 442/2015:

'[…]

O artigo 20.º da Constituição garante o direito de acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, impondo igualmente que esse direito se efective – na conformação normativa pelo legislador e na concreta condução do processo pelo juiz - através de um processo equitativo (n.º 4).

Como se afirmou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 413/10, esse é o princípio constitucional que mais intensamente vincula as escolhas do legislador ordinário na conformação das normas de processo, e embora ele tenha apoio textual expresso apenas nesse n.º 4 do artigo 20.º da Constituição, verdade é que através da garantia do processo justo ou equitativo se cumprem também outros valores constitucionalmente relevantes, como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrentes do artigo 2.º, e o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º (particularmente, no que respeita à 'igualdade de armas').

Em idêntico sentido, em situação similar à agora analisada, o Tribunal também considerou que a «expressão constitucional de um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus imprevisível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso», justificando-se nessas circunstâncias que a garantia do processo equitativo se entrecruze com outros parâmetros constitucionais como os que emanam do artigo 2.º da Constituição.

(…)

Centrando a atenção mais directamente na imposição de ónus processuais, pode ler-se o seguinte no Acórdão n.º 620/2013:

'[…]

Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adoptadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcionalmente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreendente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em 'Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil', em 'Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa', pág. 839 e seg.) […]'.

Na mesma linha, prossegue o Acórdão n.º 277/2016:

'[…]

Na verdade, sustenta Lopes do Rego [na obra citada, págs. 839-840], em relação aos regimes adjectivos que prescrevem requisitos de natureza estritamente procedimental ou formal dos actos das partes – «isto é, conexionados, não propriamente com a formulação essencial das pretensões ou impugnações dos litigantes, mas tão-somente com o modo de apresentação ou exposição dos respectivos conteúdos» – que os mesmos devem (além de revelar-se «funcionalmente adequados aos fins do processo, não traduzindo exigência puramente formal, arbitrariamente imposta, por destituída de qualquer sentido útil e razoável quanto á disciplina processual»):

'Conformar-se – no que respeita às consequências desfavoráveis para a parte que as não acatou inteiramente – com o princípio da proporcionalidade: desde logo, as exigências formais não podem impossibilitar ou dificultar, de modo excessivo ou intolerável, a actuação procedimental facultada ou imposta às partes; e as cominações ou preclusões que decorram de uma falta da parte não podem revelar-se totalmente desproporcionadas – nomeadamente pelo seu carácter irremediável ou definitivo, impossibilitador de qualquer ulterior suprimento – à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta imputada à parte.'

Ou, segundo a síntese formulada no Acórdão n.º 96/2016:

'[O]s ónus impostos não poderão, por força dos artigos 13.º e 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, impossibilitar ou dificultar, de forma arbitrária ou excessiva, a actuação procedimental das partes, nem as cominações ou preclusões previstas, por irremediáveis ou insupríveis, poderão revelar-se totalmente desproporcionadas face à gravidade e relevância, para os fins do processo, da falta cometida, colocando assim em causa o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva (cfr., sobre esta matéria, Carlos Lopes do Rego, [ob. cit., pp. 839 e ss.) e, entre outros, os Acórdãos n.os 564/98, 403/00, 122/02, 403/02, 556/2008, 350/2012, 620/13, 760/13 e 639/14 do Tribunal Constitucional).

O Tribunal Constitucional, procurando densificar, na sua jurisprudência, o juízo de proporcionalidade a ter em conta quando esteja em questão a imposição de ónus às partes, tem reconduzido tal juízo à consideração de três vectores essenciais;

- a justificação da exigência processual em causa;

- a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado;

- e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento dos ónus (cfr., neste sentido, os Acórdãos n.os 197/07, 277/07 e 332/07).'

[…]'.

Trata-se, em suma, de verificar se o ónus imposto à parte – ou seja, aqui, apresentar o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP – revela adequação funcional e respeito pela regra da proporcionalidade, uma vez que resultam '[…] constitucionalmente censuráveis os obstáculos que dificultam ou prejudicam, arbitrariamente ou de modo desproporcionado, o direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva […]' (Acórdão n.º 774/2014). O requisito da adequação funcional visa, precisamente, evitar a imposição de exigências puramente formais, impostas arbitrariamente e destituídas de qualquer sentido útil e razoável (Acórdão n.º 275/1999; no mesmo sentido, v. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I – 2.ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2010, pág. 440).

Para além dos aspectos assinalados, deve ponderar-se, ainda, se existem correntes jurisprudenciais que suportem a interpretação em causa, na medida em que '[…] não poderá considerar-se conforme aos princípios da segurança jurídica e do processo equitativo a imposição de ónus processuais com que a parte, agindo com a diligência devida e ponderando as correntes jurisprudenciais então vigentes, não pudesse razoavelmente antecipar' (Acórdão n.º 442/2015).

2.3.– As razões que antecedem permitem concluir que a norma extraída do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, introduzido pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem se vê que interfira com qualquer outro parâmetro constitucional, o que conduz à improcedência do recurso".[15]

Destarte, também nesta parte a apelação não pode ser provida antes confirmado o despacho recorrido.
***

III–Decisão.

Termos em que se acorda negar provimento à apelação e confirmar o despacho recorrido.

Custas pelo apelante (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
***


Lisboa, 11-09-2019.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Vide Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 05.07.2017, processo n.º 0586/15, em www.dgsi.pt.
[2]Citando o Professor José Lebre de Freitas, que se debruça sobre o artigo 130.º do CPC.
[3]Nas palavras do Professor Alberto dos Reis.
[4]Como a este propósito se extrai do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 04.05.2017, processo n.º 1719/15.7BELSB e disponível em www.dgsi.pt.
[5]Ideia dissecada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27.03.2014, processo n.º 612/09.7TBVCT.G2 e disponível em www.dgsi.pt.
[6]Vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013, de 15 de Julho, proferido no processo n.º 907/2012 e disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
[7]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[8]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[9]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[10]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[11]O despacho omitido reporta-se a um requerimento formulado pelos réus.
[12]Relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Henrique Araújo, disponível na INTERNET in http://www.dgsi.pt./jstj.
[13]No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-07-2017, no processo n.º 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, de 22-05-2018, no processo n.º 5844/13.0TBBRG.P1.S1, de 26-02-2019 e de 26-02-2019, no processo n.º 3791/14.8TBMTS-Q.P1.S2, publicados em http://www.dgsi.pt.
[14]Acórdão da Relação de Lisboa, de 16-03-2017, no processo n.º 473/15.7T8LSB.L1-2; no mesmo sentido, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 28-03-2019, no processo n.º 18335/16.9T8LSB.L1-6 e da Relação de Coimbra, de 19-12-2018, no processo n.º 1580/12.3TBPBL-F.C1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[15]No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-10-2017, no processo n.º 473/12.9TVLSB-C.L1.S1 e da Relação de Lisboa, de 28-02-2019, no processo n.º 1712/11.9TVLSB-B.L1-6, publicados em http://www.dgsi.pt.