Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
47/12.4SOLSB.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: CRIME CONTINUADO
CRIME QUALIFICADO
CONCURSO REAL DE INFRACÇÕES
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I - Deverão ser punidos como autores, em concurso real de crimes, dois arguidos que, registando já um pesado passado criminal pela prática de crimes contra o património, ao longo de seis meses, em locais diferentes da cidade de Lisboa, aproveitando-se das circunstâncias favoráveis que em cada momento se lhes deparavam, praticam, respectivamente, dez e doze crimes de furto, furto qualificado e roubo;

II - Revogada pelo Tribunal da Relação a decisão que havia condenado os mesmos arguidos como autores de um crime de furto qualificado na forma continuada e imposta a condenação dos mesmos pela prática, em concurso real, dos comprovados crimes de furto qualificado, não “podia” o tribunal “a quo”, na determinação da pena única, ter mantido as mesmas penas que anteriormente havia fixado para o referido crime continuado;

III - Ao proceder desta forma, sob a capa do direito ao livre exercício do poder de julgar, para além de ter desrespeitado, ostensivamente, o espírito da decisão anteriormente proferida pelo Tribunal da Relação, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artºs. 77.º e 79.º do Cód. Penal, colocando no mesmo patamar punitivo, confundindo-as e retirando-lhes qualquer efeito prático, as situações de concurso real de crimes e de crime continuado.       

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência (art.º 419.º, n.º 3, al. c), do C.P.P.), os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – Na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, Processo Comum Colectivo n.º 47/12.4SOLSB, onde são arguidos PA... e SL... e recorrente o Ministério público, foram aqueles julgados e condenados:

A) - A PA..., como autora de:

a) -  sete crimes de “furto qualificado”, ps. ps. nos termos dos artºs. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), do Cód. Penal, na pena, por cada um deles, de 1 ano de prisão;

b) - quatro crimes de “furto simples”, ps. ps. nos termos dos artºs. 203.º, n.º 1 e 204.º, nºs. 1, al. h) e 4, do Cód. Penal, na pena, por cada um deles, de 6 meses de prisão;

c) - um crime de “furto qualificado, na forma tentada”, p. p. nos termos dos artºs. 22.º, 23.º,  203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), do Cód. Penal, na pena de 3 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi a arguida condenada na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão.

 

B) - O SL..., como autor de:

a) -  sete crimes de “furto qualificado”, ps. ps. nos termos dos artºs. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), do Cód. Penal, na pena, por cada um deles, de 1 ano de prisão;

b) - dois crimes de “furto simples”, ps. ps. nos termos dos artºs. 203.º, n.º 1 e 204.º, nºs. 1, al. h) e 4, do Cód. Penal, na pena, por cada um deles, de 6 meses de prisão;

c) - um crime de “roubo agravado”, p. p. nos termos dos artºs. 204.º, n.º 2, al. f) e 210.º, nºs. 1 e 2, al. b), do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.

Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão.

Porém, não conformado, mais uma vez, com a referida decisão, na parte referente à medida das respectivas penas, da mesma interpôs o Ministério Público o presente recurso, de cuja motivação extraiu, a final, as seguintes conclusões:

“(...)

a) A arguida PA... foi condenada pela prática, em concurso real – art.30º, nº 1, do C.P.) de 12 (doze) crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts.203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. h), do C.P., sendo 4 (quatro) deles desqualificados pelo valor atento o disposto no art.204º, nº 4, do C.P., e de 1 (um) crime de furto qualificado na forma tentada p. e p. pelos arts.22º, 23º, 203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. h), do C.P.

b) O arguido SL... foi condenado pela prática, em concurso real (art.30º, nº 1, do C.P. – e não nº 2, como decerto por lapso de escrita consta de fls. 34 do Acórdão recorrido, e que foi precisamente a questão dirimida inequivocamente pelo Tribunal da Relação de Lisboa), de 9 (nove) crimes de furto qualificado p. e p. pelos arts.203º, nº 1, e 204º, nº1, al. h), do C.P., sendo 2 (dois) deles desqualificados pelo valor atento o disposto no art.204º, nº4, do C.P., e de 1 (um) crime de roubo agravado p. e p. pelos arts.210º, nºs.1 e 2, al. b), com referência ao disposto no art. 204º, nº 2, al. f), do C.P..

c) Fixada a matéria de facto e integrada a mesma nos elementos objectivo e subjectivo do tipo dos crimes em apreço, para efeitos da determinação da medida concreta das penas a aplicar a cada um dos arguidos, dentro dos limites apontados, importa ter presente a culpa do agente e as exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo também a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.

d) Na dosimetria das penas, há que ponderar o modo de execução dos factos, que revela que o dolo presente na conduta dos arguidos foi directo e intenso, como elevada foi a culpa revelada pois a sua conduta revelou profunda indiferença pelos valores sociais dominantes, tendo agido com plena consciência da ilicitude, muito elevada, da sua conduta, bem como o valor dos objectos apropriados, sendo manifesta é a censurabilidade da conduta dos arguidos.

e) Ponderadas são ainda as exigências de reprovação e prevenção geral do crime, tal a frequência com que se cometem crimes contra o património, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral, pois os crimes em apreço têm um grau de ressonância ética negativa no tecido social (agravada pelo aumento de frequência alarmante no interior de estabelecimentos, e com uso de arma) tendo subjacente a toxicodependência e a necessidade de angariar meios para o consumo de estupefacientes, como no caso “sub judice”,

f) o que contribui para o elevado índice de criminalidade sobretudo nos crimes contra o património, que levam a apontar como elevadas as preocupações no domínio da prevenção geral, pois que, de outra forma, gera-se um sentimento social de insegurança e permissividade perante tais condutas, com o efeitos nefastos na sociedade que acarretam tais práticas, bem como as de prevenção especial, para que os arguidos sejam dissuadidos de praticar novos crimes e interiorizem a censura desta sua conduta. 

g) No que concerne às exigências de prevenção especial, impõe-se ponderar a falta de preparação conveniente da personalidade dos arguidos para prever os resultados possíveis da sua conduta e manter uma conduta lícita, e os seus “extensos” antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património.

h) A pena tem de ser como tal sentida, e daí estarem incluídos na finalidade que a norma visa proteger e nos efeitos que com a condenação se pretendem atingir todos os incómodos decorrentes do cumprimento da mesma, sendo certo que tais consequências negativas têm de se mostrar balizadas por critérios de justiça e proporcionalidade.

i) Tudo ponderado - a culpa dos arguidos e as necessidades de prevenção do crime - à luz do principio de que as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade, e, ainda, no principio de que a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa, deve a arguida PA... ser condenada nas penas parcelares nunca inferiores a 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos referidos 7 crimes de furto qualificado; de 8 meses de prisão por cada um dos 4 crimes de furto simples; e de 5 meses de prisão por 1 crime de furto qualificado na forma tentada e, em cúmulo jurídico, numa pena única não inferior a 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de prisão.

E deve o arguido SL... ser condenado nas penas parcelares nunca inferiores a 1 ano e 3 meses de prisão por cada um dos referidos 7 crimes de furto qualificado; de 8 meses de prisão por cada um dos 2 crimes de furto simples; e de 4 anos e 8 meses de prisão por 1 crime de roubo agravado e, em cúmulo jurídico, numa pena única não inferior a 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão,

j) por forma a fazer-lhes sentir o profundo desvalor da sua conduta e a constituir um “aviso” de que este tipo de actuações não pode ser tolerado na vida em sociedade, sendo certo que os elementos conhecidos permitem dizer que estamos num domínio em que a prevenção exige ainda da parte do Tribunal a fixação de uma pena que seja entendida pela sociedade como necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça.

l) Ao decidir como decidiu, o Tribunal Colectivo violou o disposto nos arts. 22º, 23º, 73º, 40º, 70º, 71º, 77º, 203º, nº 1, 204º, nºs. 1, al. h), e 4, e 210º, nºs. 1 e 2, al. b), com referência ao disposto no art. 204º, nº 2, al. f), todos do C.P.,

Termos em que, decidindo em conformidade com as conclusões que antecedem, revogando o Acórdão prolatado, não se deixará de fazer Justiça. (…)”.

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Notificados os arguidos da interposição do recurso, apenas o SL... apresentou a respectiva “resposta”, onde concluiu no sentido da confirmação da decisão recorrida.
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Neste Tribunal o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o “parecer” constante de fls. 1255 dos autos.

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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, o qual, por isso, deve ser admitido, havendo-lhe, também, sido correctamente fixados o efeito e o regime de subida.

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2 - Cumpre apreciar e decidir:

É o objecto do recurso, aferido pelas respectivas conclusões, o saber-se se as penas em que os arguidos foram condenados haverão de ser agravadas, como pretende o Ministério Público.

Naquilo em que a mesma releva para o conhecimento do objecto do recurso, foi a seguinte a decisão recorrida, em termos de matéria de facto:

“(…)

III – Fundamentação

3.1 - Factos provados

Discutida a causa, com relevância para a sua boa decisão, lograram provar-se os seguintes factos:

1- Pelo menos desde Maio de 2012 que os arguidos PA... e SL... têm persistido na prática de furtos em diversos estabelecimentos comerciais, maioritariamente da baixa da cidade de Lisboa, dessa forma provendo à respectiva subsistência e ao pagamento do estupefaciente, por ambos consumido.

2- Com efeito, na execução de tais intentos de se apoderar de algum artigo que pudesse converter em dinheiro, no dia 11 de Maio de 2012, cerca das 13h00, o arguido SL... entrou no estabelecimento “BB...”, situado na Rua Augusta, em Lisboa, no interior do qual estava a funcionária SC..., então ocupada a atender clientes.

3- Aproveitando-se da distracção daquela, o arguido SL... dirigiu-se a um expositor, com artigos destinados à venda ao público, e agarrou em quatro relógios, marca “Bijou Brigitte”, no valor total de venda ao público de € 109,20 (cento e nove euros e vinte cêntimos), que guardou consigo, abandonando de seguida aquele estabelecimento, sem proceder ao pagamento daqueles objectos.

4- Desta forma o arguido fez seus tais objectos, muito embora soubesses que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

5- Algum tempo depois, em dia indeterminado da primeira quinzena de Junho de 2012, pela tarde, a arguida PA... e o arguido SL... dirigiram-se ao estabelecimento “AE...”, sito no número x da Rua y, nesta cidade de Lisboa.

6- Uma vez ali, a arguida PA... dirigiu-se ao funcionário PC... e pediu-lhe para ver alguns artigos, com o fito de o distrair.

7- Aproveitando a distracção assim provocada, o arguido SL... retirou do expositor onde se encontravam dois cintos em cortiça, da marca “Artelusa”, no valor total de venda ao público de € 120,00 (cento e vinte euros).

8- Na posse destes artigos, que guardou consigo sem proceder ao respectivo pagamento, o arguido SL... abandonou o estabelecimento em fuga, sendo seguido pela arguida PA....

9- Deste modo fizeram seus aqueles objectos, dividindo-os entre si, muito embora soubessem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário.

10- No dia 7 de Julho de 2012, pelas 13h15, a arguida PA... e o arguido SL... entraram na “FO...”, situada na rua x, em Lisboa, local onde retiraram das prateleiras onde estavam expostas, três embalagens de loução “Eucerin”, no valor total de venda ao público de € 38,70 (trinta e oito euros e setenta cêntimos), e três embalagens de gel de lavagem, da mesma marca, no valor total de € 41,70 (quarenta e um euros e setenta cêntimos).

11- Na posse de tais artigos, que fizeram seus, os arguidos abandonaram aquele estabelecimento, sem procederem ao respectivo pagamento.

12- Os arguidos sabiam que aqueles artigos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário.

13- Poucos dias depois, a 12 de Julho de 2012, pelas 16h00, a arguida PA... e o arguido SL... entraram no estabelecimento “S...”, situado na rua y, em Lisboa.

14- Enquanto o arguido se dirigiu ao provador, na posse de algumas peças de vestuário, captando a atenção do funcionário do estabelecimento, a arguida PA... retirou do local onde se encontravam um par de calças e uma camisola, no valor total afixado de € 89,90 (oitenta e nove euros e noventa cêntimos).

15- Na posse dessas peças de vestuário, a arguida abandonou o estabelecimento, sem proceder ao pagamento do valor afixado nas etiquetas daquelas.

16- Percebendo que a sua companheira havia conseguido subtrair aquelas peças de vestuário, o arguido também abandonou o estabelecimento, indo ao encontro daquela.

17- Desta forma, os arguidos apoderaram-se daqueles artigos, muito embora soubessem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário.

18- No dia 17 de Julho, pelas 15h20, a arguida PA... e o arguido SL... entraram no estabelecimento “IO...”, situado no número x da rua y, em Lisboa.

19- Uma vez no local, os arguidos deambularam pelo interior do estabelecimento, olhando para os artigos expostos.

20- Entretanto, aproveitando-se da distracção da funcionária, a arguida PA... agarrou num par de sapatos de homem, marca “Fred Perry”, com o valor de venda ao público de € 105,00 (cento e cinco euros), e dissimulou-o no interior do casaco que trazia na mão, saindo de seguida do estabelecimento, na companhia do arguido SL..., sem que nenhum dos dois tivesse procedido ao pagamento daquele artigo.

21- Desta forma e como pretendiam, os citados arguidos apoderaram-se daquele par de sapatos, muito embora soubessem que não lhes pertencia e que agiam contra a vontade da respectiva proprietária.

22- Na ocasião, a arguida PA... transportava consigo, a tiracolo, uma bolsa em pele preta, cujo interior havia revestido com papel de alumínio, de molde a iludir o sistema de alarme instalado na maioria dos estabelecimentos comerciais, caso saísse do interior dos mesmos com artigos não pagos.

23- No dia seguinte, 18 de Julho de 2012, cerca das 15h30, a arguida PA... e o arguido SL... dirigiram-se ao estabelecimento comercial situado na Loja nº z da Gare do Oriente, em Lisboa.

24- Aproveitando-se da distracção do respectivo proprietário, GD..., o arguido SL... retirou da montra do estabelecimento um telemóvel, marca “ZTE”, com o valor de venda ao público de € 229,90 (duzentos e vinte e nove euros e noventa cêntimos). A arguida PA... colocou-se à frente do arguido SL..., para que a conduta deste não pudesse ser visionado pelo proprietário do espaço.

25- Na posse de tal aparelho, que fizeram seu, abandonaram o estabelecimento sem procederem ao seu pagamento, na caixa.

26- Os arguidos sabiam que aquele aparelho não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo proprietário.

27- Mais tarde, em data não concretamente determinada do início do mês de Agosto de 2012, pela hora do almoço, a arguida PA... e o arguido SL... entraram no estabelecimento “W...”, situado na rua x, em Lisboa.

28- Uma vez ali, a arguida dirigiu-se a RC..., responsável pelo estabelecimento, e pediu-lhe para ver um par de botas.

29- Aproveitando-se da distracção que a sua acompanhante provocou na única responsável pelo estabelecimento, o arguido SL... retirou do expositor onde se encontravam três carteiras da marca “Muu”, no valor total de venda de € 990,00 (novecentos e noventa euros), e saiu do interior do estabelecimento, em fuga, na posse daqueles artigos, sem proceder ao pagamento do valor neles afixado.

30- Apercebendo-se da conduta do arguido, RC... tentou interceptá-lo, sem sucesso. Nesse espaço de tempo, a arguida PA... abandonou também o estabelecimento, indo juntar-se ao seu companheiro.

31- Desta forma fizeram suas aquelas carteiras, muito embora soubessem que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade da respectiva proprietária.

32- Alguns dias depois, a 22 de Agosto de 2012, pelas 14h30, a arguida PA... entrou no estabelecimento comercial denominado “LC...”, situado na rua z, em Lisboa, e pediu ao funcionário que ali se encontrava, BC..., para lhe mostrar umas camisolas.

33- Aproveitando-se da distracção daquele, ocupado a reunir as camisolas solicitadas, a arguida passou para o lado interior do balcão de atendimento e retirou o telemóvel marca “iPhone”, com o IMEI xyz, no valor declarado de € 140,00 (cento e quarenta euros), pertença daquele funcionário, que ali se encontrava.

34- Na posse do aparelho, que guardou consigo, a arguida disse ao funcionário que tinha que ir levantar dinheiro e abandonou o estabelecimento.

35- Desta forma fez seu aquele telemóvel, muito embora soubesse que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

36- Mais tarde, no dia 5 de Setembro de 2012, pelas 13h30, a arguida PA... dirigiu-se ao estabelecimento “MC...”, situado na rua x, em Lisboa.

37- Uma vez no interior daquela mercearia, a arguida retirou dos expositores com produtos destinados à venda ao público 4 (quatro) desodorizantes “Nívea”, no valor total de venda ao público de € 12,52 (doze euros e cinquenta e dois cêntimos), 2 (duas) embalagens de gel de banho “Dove”, no valor total de € 8,38 (oito euros e trinta e oito cêntimos), 11 (onze) lâminas de barbear “Gillette”, no valor total de € 31,35 (trinta e um euros e trinta e cinco cêntimos) e 2 (dois) queijos “Terra Nostra”, no valor total de € 6,30 (seis euros e trinta cêntimos), e escondeu-os no interior do saco que trazia consigo.

38- Seguidamente, passou a zona das caixas de pagamento e abandonou aquela mercearia, sem efectuar o pagamento daqueles artigos.

39- Desta forma, a arguida fez seus aqueles artigos, muito embora soubesse que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

40- No dia 1 de Outubro, pelas 17h30, o arguido SL... entrou no estabelecimento “XC...”, situado no número z da rua y, em Lisboa.

41- Aproveitando-se do facto de a funcionária do estabelecimento estar ocupada a atender um cliente, o arguido SL... retirou do local onde se encontravam uma mala, marca “XC...”, no valor de venda de € 94,00 (noventa e quatro euros), e um chapéu, da mesma marca, no valor afixado de € 64,00 (sessenta e quatro euros).

42- Então, na posse de tais artigos, o arguido abandonou o estabelecimento sem proceder ao respectivo pagamento.

43- Desta forma o arguido SL... fez seus aqueles objectos, muito embora soubesse que não lhe pertenciam e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

44- Por seu turno, no dia 12 de Outubro de 2012, cerca das 19h00, a arguida PA... e o arguido SL... entraram no estabelecimento “AH...”, situado na rua z, nesta cidade.

45- Uma vez no local, o arguido pediu um copo de água à funcionária RP..., perguntando-lhe também pelo preço de algumas camisolas.

46- Aproveitando-se da distracção da funcionária, os arguidos retiraram o telemóvel daquela, da marca “HUAWEI”, no valor declarado de € 139,00 (cento e trinta e nove euros), que se encontrava sobre o balcão do estabelecimento.

47- Na posse de tal aparelho, os arguidos abandonaram o estabelecimento, muito embora soubessem que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade da sua proprietária.

48- No dia 18 de Outubro de 2012, pelas 17h15, o arguido SL... entrou no estabelecimento comercial “BB...”, sito no número z da rua y, em Lisboa.

49- Uma vez ali, o arguido dirigiu-se à ofendida DR..., ali funcionária, e, ao mesmo tempo que lhe encostava ao pescoço uma pequena faca, com 5 (cinco) centímetros de lâmina, que trazia consigo, disse-lhe: “Dá-me o telemóvel ou corto-te!”.

50- Muito assustada com a dor provocada pelo roçar daquela faca no seu pescoço e vendo-se sozinha no estabelecimento, a ofendida entregou ao arguido o telemóvel “SAMSUNG Galaxy Gio GT 55660”, com o IMEI xzy, no valor declarado de € 136,00 (cento e trinta e seis euros), que guardava no bolso das calças.

51- Mercê da conduta do arguido, sofreu a ofendida escoriação na face anterior do pescoço, com sete centímetros de comprimento, a qual lhe causou dores e desconforto e lhe determinou quatro dias para a cura.

52- Pela forma descrita, o arguido apoderou-se do citado telemóvel, que fez seu, ainda que soubesse que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade da respectiva proprietária.

53- Para atingir tal desiderato, valeu-se da exibição e utilização da faca que transportava consigo, pois que, como sabia e queria, tal conduta, associada ao facto de não se encontrar mais ninguém no estabelecimento, era adequada para amedrontar a ofendida e constrangê-la aos seus intentos, levando-a a não oferecer resistência à sua acção.

54- Na posse daquele aparelho, o arguido SL... abandonou o estabelecimento, em passo de corrida, e dirigiu-se para o Largo de São Domingos, em Lisboa, local onde habitualmente transaccionava os artigos por si subtraídos.

55- Uma vez ali, o arguido SL... abordou o arguido MB..., que já conhecia, e perguntou-lhe se estava interessado na aquisição do referenciado telemóvel, marca SAMSUNG, subtraído do modo que resta descrito.

56- O arguido MB..., não obstante conhecer a proveniência ilícita daquele objecto, dado não ignorar o modo de vida do arguido SL... e o aparelho lhe ter sido presente sem caixa, carregador e documentação do fabricante, acertou o valor da compra em € 35,00 (trinta e cinco euros), quantia abaixo do respectivo valor de mercado, e acabou por o adquirir, visando, com isso, obter a inerente vantagem patrimonial.

57- Dias depois, a 31 de Outubro de 2012, pelas 12h20, a arguida PA... entrou no estabelecimento “PE...”, situado na Estação da CP de x, em Lisboa, e, aproveitando-se da distracção da funcionária CG..., retirou o telemóvel desta, marca “NOKIA”, no valor declarado de € 120,00 (cento e vinte euros), que se encontrava sobre o balcão.

58- Na posse deste aparelho, a arguida abandonou o estabelecimento, bem sabendo que aquele telemóvel não lhe pertencia e que agia contra a vontade da sua proprietária.

59- Instantes depois, a arguida foi abordada por um Agente da PSP, JM..., que a tudo assistiu, abandonando aquele aparelho na via pública, quando encetou fuga.

60- Mais tarde, no dia 10 de Novembro de 2012, cerca das 19h30, a arguida PA... entrou no estabelecimento “W...”, situado na rua z..., em Lisboa.

61- Uma vez ali, a arguida aproveitou-se do facto da gerente do espaço, RC..., estar ocupada com os clientes que estavam no estabelecimento e retirou uma mala, cor de mel, da marca “Muu”, no valor declarado de € 340,00 (trezentos e quarenta euros), que se encontrava numa prateleira, e dissimilou-a sob o seu casaco.

62- Acto contínuo, a arguida preparava-se para sair do interior do estabelecimento, sem proceder ao pagamento do valor afixado para aquela mala.

63- Desta forma, a arguida pretendia fazer sua aquela mala, muito embora soubesse que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

64- Todavia, RC... apercebeu-se da conduta da arguida, que já conhecia de factos anteriores similares, e interceptou-a, instantes depois, antes da mesma abandonar o interior do estabelecimento, e retirar-lhe aquela mala.

65- Finalmente, no dia 21 de Novembro de 2012, em hora não concretamente apurada, compreendida entre as 09h00 e as 17h00, a arguida PA..., munida com uma mala cujo interior estava revestido a papel de alumínio, de molde a poder ocultar artigos ali comercializados, sem accionar o alarme existente no local, entrou no estabelecimento “NS...”, situado na ruaz, em Lisboa.

66- Uma vez ali, a arguida retirou da prateleira destinada à exposição dos artigos para venda ao público um utensílio para cortar legumes, da marca “Chariot Mandoline”, com o preço de venda de € 45,90 (quarenta e cinco euros e noventa cêntimos).

67- Na posse deste artigo, que colocou no interior daquela mala, a arguida saiu do estabelecimento, sem proceder ao respectivo pagamento.

68- Desta forma a arguida apoderou-se daquele aparelho, muito embora soubesse que não lhe pertencia e que agia contra a vontade do respectivo proprietário.

69- Os arguidos PA... e SL... agiram sempre deliberada, livre e conscientemente, em conjugação de esforços e intentos, bem sabendo que as suas descritas condutas lhes eram proibidas e puníveis.

70- Também o arguido MB... agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a aquisição do acima referenciado telemóvel não lhe era permitida.

71- Sabia, ainda, que a sua descrita conduta era proibida e punível.

72- A arguida PA... já foi condenada:

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 09/12/2008, decisão de 27/05/2009, transitada em julgado em 16/06/2009, pela prática de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, em penas de multa.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 20/05/2009, decisão de 31/08/2009, transitada em julgado em 14/10/2009, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, em pena de multa.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Loures, por factos de 28/06/2010, decisão de 12/07/2010, transitada em julgado em 03/09/2010, pela prática de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena essa julgada extinta em 03/09/2011.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 16/04/2012, decisão de 11/10/2012, transitada em julgado em 28/11/2012, pela prática de um crime de furto simples, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22º, 23º, 72º e 203º, nº 1 e 2, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 dias de multa.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 05/03/2012, decisão de 23/11/2012, transitada em julgado em 23/01/2013, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

73- O arguido SL... já foi condenado:

- Pelos Juízos Criminais de Lisboa, por factos de 30/05/2005, decisão de 12/06/2008, transitada em julgado em 31/07/2008, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, em pena de multa.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 04/04/2008, decisão de 14/10/2008, transitada em julgado em 14/10/2008, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, em pena de multa.

- Pelos Juízos Criminais de Lisboa, por factos de 10/04/2006, decisão de 29/10/2008, transitada em julgado em 05/01/2009, pela prática de um crime de roubo simples, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

- Pelos Juízos Criminais de Lisboa, por factos de 23/05/2008, decisão de 29/01/2010, transitada em julgado em 01/03/2010, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena essa jugada extinta em 01/03/2011.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Loures, por factos de 28/06/2010, decisão de 12/07/2010, transitada em julgado em 03/09/2010, pela prática de dois crimes de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena única de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena essa julgada extinta em 03/09/2011.

- Pelos Juízos Criminais de Lisboa, por factos de 02/05/2010, decisão de 31/01/2011, transitada em julgado em 02/03/2011, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pena essa jugada extinta em 03/03/2012.

- Pelos Juízos Criminais de Lisboa, por factos de 10/02/2005, decisão de 01/04/2011, transitada em julgado em 14/06/2011, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, em pena de multa.

- Pelos Juízos de Pequena Instância Criminal de Lisboa, por factos de 21/04/2011, decisão de 06/12/2012, transitada em julgado em 09/01/2013, pela prática de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.

74- O arguido MB... não tem antecedentes criminais.

75 – O teor do Relatório Social da arguida PA..., de fls. 803 a 807, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, que refere:

“(…)

Introdução

O presente relatório foi elaborado com base em entrevistas à arguida e à progenitora.

Foram utilizados dados resultantes da articulação com os serviços de tratamento penitenciário e de vigilância e segurança do estabelecimento prisional de Tires - EPT, com vista à avaliação conjunta do caso no que respeita às necessidades de reinserção social, bem como com a equipa de Reinserção Social de Lisboa Penal 6, responsável pela elaboração do relatório do co-arguido, SL... Lussenvikueno, com quem tinha relacionamento afectivo.

Recorremos ainda a elementos do seu dossiê individual nestes serviços, onde constam dados relativos ao acompanhamento de medida na comunidade no processo n° 68/08.1S0LSB.

I - Dados relevantes do processo de socialização

Não se identificam problemas dignos de registo na fase inicial da socialização da arguida para além da precoce separação dos pais, por volta dos seus quatro anos de idade. PA... ficou aos cuidados da mãe, contactando irregularmente o pai, militar da Força Aérea.

Tudo indica que o desenvolvimento decorreu num padrão normativo, imposto pela mãe, ao que refere, por vezes pelo uso da força e com autoritarismo.

No campo académico, PA... frequentou a escolaridade até ao 8º ano, altura em que abandonou o sistema, depois de duas reprovações, com evidente desmotivação.

O percurso laboral foi iniciado por vontade da arguida, ao que sabemos, de modo a conquistar alguma autonomia económica, dada a escassez de recursos da família de origem.

Teve o primeiro emprego, aos 16 anos de idade, como operadora de caixa, apresentando a este nível um percurso regular até há alguns anos atrás.

Ao contrário da vida escolar e profissional, no campo afectivo-emocional, a vida da arguida sofreu alguns reveses, sobretudo nos últimos anos, que parecem explicar a situação que presentemente vivencia.

Cerca dos 18 anos, autonomizou-se da mãe, através da primeira relação marital, ao que parece estabelecida na sequência de gravidez inesperada, que se rompeu pouco depois, ficando a criança a cargo da arguida.

A segunda relação marital, aos 21 anos, revelou-se sólida e harmoniosa, constituindo um efectivo suporte afectivo e social para PA.... Nasceu o segundo filho da arguida, actualmente com 13 anos de idade, trabalhando o casal no mesmo local, ele como recepcionista e ela como empregada de quarto num hotel. A separação inesperada, que a arguida não consegue explicar, ocorreu depois seis anos de vivência em comum. Nessa época, encetaria uma crise psicossocial, que evoluiu negativamente durante 2/3 anos. Decidiu residir sozinha num espaço habitacional próprio, situação que ainda manteve durante algum tempo, até 2006, quando deixou de trabalhar no referido hotel. Confrontada com dificuldades financeiras, regressaria ao agregado materno, mas terá procurado reorganizar-se de modo activo e responsável, como confirmámos com a mãe.

Apesar de sempre se ter manifestado uma mulher capaz de organizar a vida de forma independente e de fazer face aos seus problemas, PA... envolver-se-ia com um individuo com hábitos aditivos, pelo que, depois de um aborto inesperado, passou a consumir estupefacientes de modo progressivamente pernicioso. Com vergonha e receando represálias familiares, não pediu ajuda, nem informou a mãe do seu envolvimento com as drogas e com os crimes, de que esta só se inteirou em 2011, quando a arguida foi presa pela primeira vez por cerca de três meses.

Deste modo, nos últimos anos os hábitos de vida da arguida reflectem marcada desviância, associada a comportamentos aditivos e actividades transgressivas, acompanhando amigos e conhecidos com práticas criminais.

II - Condições sociais e pessoais

À data dos factos, o estilo de vida da arguida era semelhante ao de indivíduos toxicodependentes e irresponsáveis, denotando sérios problemas no cumprimento das regras e na noção de ilícito.

Foi acompanhada por estes serviços de reinserção social, no âmbito da execução de uma medida na comunidade, mas não iniciou a prestação de trabalho na entidade beneficiária com quem se havia comprometido, nem mostrou interesse nesse objectivo. Também não foi possível elaborar um relatório social para determinação da sanção em Dezembro de 2011, dado que, apesar das convocatórias a arguida nunca compareceu nos serviços.

PA... assumia um quotidiano desregrado, sem ocupação estruturada, situação que não melhorou depois da referida prisão nos primeiros meses de 2011.

Tudo indica que mantinha um relacionamento de conveniência, tal como a arguida o classifica, com o co-arguido, SL..., Conforme soubemos, por vezes, a arguida vinha a casa da mãe recuperar forças, procurando alimentos e fazendo a higiene pessoal, mas logo regressava ao estilo de vida toxicodependente e itinerante. De modo a sobreviver e a evitar a síndrome de abstinência, PA... admite que se dedicava a práticas criminais, reconhecendo os danos causados em terceiros.

Em meio prisional, desde Novembro de 2012, tem apresentando algumas dificuldades de adequação, registando como nos informaram uma repreensão escrita em Março e uma sanção de 8 dias de Permanência Obrigatória na Habitação (POH) em Abril.

As suas perspectivas de reinserção social estão coarctadas pela actual indefinição da situação jurídica, projectando-se no futuro através do apoio da mãe, com quem planeia ir residir. A continuidade do relacionamento com o co-arguido está excluída pela arguida, não acreditando na sua capacidade ressocializadora junto com ele.

III - Impacto da situação jurídico-penal

Apesar de admitir a prática de ilícitos e ser capaz de se descentrar, colocando-se no lugar de potenciais vítimas, a arguida não se revê completamente em todos os termos da presente acusação, responsabilizando terceiros em algumas partes.

Aparentemente intimidada com a presente medida coactiva, PA... antecipa uma possível condenação, situação que a deixa inquieta e apreensiva.

O facto de manter o enquadramento familiar por parte da mãe e do companheiro desta, com quem se relaciona como se tratasse de um pai, promove alguma estabilidade emocional na arguida, o que, associado ao programa de tratamento da toxicodependência através de metadona, desde Novembro do ano transacto, constitui importante factor protector da sua reinserção social.

Inactiva ainda no EP, a arguida já requereu ocupação e inscreveu-se para frequentar o 3º ciclo no próximo ano lectivo.

IV - Conclusão

A socialização de PA... foi socialmente adaptada, apesar do alegado autoritarismo materno, promovendo o desenvolvimento de referências psicossociais e a interiorização de limites e normas sociais.

A vida escolar e profissional apresenta alguma normalidade, estando em nossa opinião os maiores problemas da arguida na área da afectividade, sobretudo depois da ruptura da segunda relação, com a qual ela mais se identifica, e que constituiu um suporte afectivo e material para PA.... De facto, nos últimos seis anos a sua vida desorganizou-se, deixando de manter o anterior estatuto social assertivo de que pareceria usufruir.

A adição a estupefacientes, o desemprego prolongado, o desapego forçado em relação aos filhos, com 15 e 13 anos actualmente, e o convívio com parceiros adictos terá ditado o disfuncionamento social que passou a adoptar, prejudicando competências conquistadas.

O suporte materno e o tratamento que prossegue, com metadona, são factores de protecção da sua reinserção.

Ainda assim, a anterior toxicofilia, o défice de autocontrolo e a ociosidade, bem como a orientação pró-criminal dos amigos e da ocupação, são necessidades de reinserção social que ainda devem ser monitorizadas, de modo a construir um projecto de vida saudável e responsável.

(…)”.

76 – O teor do Relatório Social do arguido SL..., de fls. 844 a 847, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, que refere:

“(…)

Introdução

O presente Relatório Social baseia-se em informações fornecidas por SL... em entrevista realizada nas instalações do Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), onde se encontra preso preventivamente. Foi ainda efectuado contacto telefónico com a sua progenitora, bem como articulação com os Serviços Cínicos e de Reeducação do EP.

SL... adoptou uma postura dialogante durante a nossa intervenção, fornecendo as informações solicitadas.

I - Condições Pessoais e Sociais

SL... é natural de Angola e fruto de um relacionamento afectivo pouco consistente que veio a terminar antes do seu nascimento. Sem contactos de proximidade com o pai, foi criado pela figura materna e padrasto, elemento que se terá constituído de referência masculina para o arguido.

Aos 14 anos de idade emigrou para Portugal com o agregado familiar e ainda que tivesse integrado o sistema de ensino, não conseguiu obter mais escolaridade que o 40 ano, concluído no seu país de origem. Daquilo que foi possível apurar, a fraca supervisão familiar, aliada quer ao parco interesse e motivação e para as temáticas lectivas, quer à convivialidade com pares anti-normativos ter-se-ão constituído como factores determinantes para o abandono escolar.

Nestas circunstâncias, aos 15 anos refere ter começado a coadjuvar o padrasto na área da construção civil, enquadramento, todavia, que não viria a perdurar por motivos essencialmente relacionados como o início do consumo de estupefacientes [heroína e cocaína] desde os 17 anos de idade.

Desde então, SL... tem vindo a apresentar um quadro maciço de desorganização pessoal, familiar e social, passando a direccionar o seu quotidiano exclusivamente para a satisfação das necessidades aditivas. Ausentou-se do agregado para se fixar junto de outros indivíduos toxicodependentes, mantendo apenas contactos esporádicos com a família, pese embora a disponibilidade destes para o apoiarem num processo de reabilitação. Segundo o arguido, em 2007 chegou a integrar a Comunidade Terapêutica Vale d' Acor, a qual veio, todavia, a abandonar quatro meses depois.

A nível delituoso, refere a existência de processos-crime anteriores, pese embora não tenha sido capaz de especificar a natureza dos mesmos, desconhecendo estes Serviços quaisquer outras ligações do arguido ao Sistema Judicial.

Do apurado, no período que precedeu à sua prisão, SL... encontrava-se em paredeiro incerto, permanecendo junto de outros indivíduos consumidores de substâncias psicotrópicas, designadamente, de PA..., co-arguida no presente processo judicial, quem apresenta como sendo sua namorada. As relações de convivialidade, seriam centradas em tomo de indivíduos antissociais da zona de Lisboa e Queluz, com ligação ao consumo de drogas e práticas ilícitas.

Não obstante os consumos activos, o arguido refere ter procurado apoio especializado junto de uma unidade móvel do IDT, fazendo alusão a que estaria integrado num Programa de Substituição Opiácea com recurso a Cloridrato de Metadona, mantendo, a par, alguns contactos com a progenitora, quando menos descompensado.

Salienta-se ainda, no plano pessoal, que o arguido tem dois filhos, actualmente, com 14 e 2 anos de idade, nascidos de relacionamentos de namoro pouco consistentes. Entregue aos cuidados das respectivas progenitoras, os contactos estabelecidos com os menores têm sido diminutos, principalmente com o filho mais velho.

Preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) desde Novembro de 2012, SL... tem manifestado comportamento adequado e uma postura consentânea com as normas vigentes, usufruindo de visitas da progenitora e primo materno.

A nível clinico, tem aderido de forma regular e responsável ao Programa de Substituição Opiácea com recurso a Metadona, mantendo a par acompanhamento médico especializado e adesão a terapêutica farmacológica psiquiátrica.

Relativamente à presente situação jurídico-penal, o arguido assume uma postura de responsabilização, contextualizando os seus comportamentos no âmbito da problemática de toxicodependência que evidencia. Pese embora aparente alguma capacidade de autoanálise face à mesma, verbalizando motivação para se manter abstinente do consumo de estupefacientes e levar avante um modo de vida socialmente integrado, SL... evidência um longo percurso em torno do consumo de estupefacientes, bem corno um deficit acentuado de competências pessoais, sociais, laborais e escolares/formativas.

II - Conclusão

Pelo que nos foi possível avaliar, a instabilidade da trajectória de vida de SL... surge associada à sua problemática de toxicodependência que evidencia há vários anos, enquadramento que tem vindo a condicionar um percurso normativo/integrado aos mais diversos níveis.

Em caso de condenação, e pese embora uma estrutura familiar apoiante - no nosso entender pouco contentora e responsabilizante - consideramos como proeminentes factores de risco de reincidência criminal o longo historial de consumo de estupefacientes, a convivialidade mantida com indivíduos anti-sociais e permanência em meios socio-comunitários conotados pela existência práticas criminais, o deficit de competências pessoais, sociais, familiares, laborais/formativas, bem como os alegados contactos anteriores com o sistema judicial.

Face a esta conjuntura, considera-se que SL... evidencia sérias necessidades criminógenas que deverão ser trabalhadas através de estratégias de mudança [interna e externa] direccionados para as suas fragilidades por forma a inverter o modo de vida até então preconizado, parecendo-nos que o seu processo de ressocialização deverá, necessariamente, incluir um investimento sério num programa de tratamento estruturado à sua problemática de toxicodependência. (…)”.

77 – Quanto ao Relatório Social do arguido MB..., pela D.G.R.S. foi remetida a informação de fls. de fls. 909, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os legais efeitos, que refere:

“(…)

Em referência ao processo supra mencionado, informamos que o arguido, sendo convocado por duas vezes, para a elaboração do Relatório Social, não compareceu nesta Equipa nem justificou a ausência.

Face ao exposto, queira esse Tribunal despachar o que tiver por conveniente, agradecendo que nos seja comunicada a decisão que vier a ser proferida relativamente ao presente processo. (…)”.

*

3.2. Factos não provados

Dos alegados, com interesse para a decisão da causa, não se lograram provar os seguintes factos:

A) Dias depois, a 16 de Novembro de 2012, pelas 21h30, a arguida PA... voltou a dirigir-se ao estabelecimento “PE...”, situado na Estação da CP, em Lisboa, e, aproveitando-se da distracção do funcionárioWP..., retirou o telemóvel deste, marca “iPhone”, no valor declarado de € 693,00 (seiscentos e noventa e três euros), que se encontrava sobre o balcão, na posse deste aparelho, a arguida abandonou o estabelecimento, bem sabendo que aquele aparelho não lhe pertencia e que agia contra a vontade do proprietário do telemóvel.

B) A arguida, nas circunstâncias provadas em 62), da matéria de facto provada, saiu do interior do estabelecimento.

C) A arguida, nas circunstâncias provadas em 64), da matéria de facto provada, tenha sido interceptada na via pública.

*

3.3. Motivação da decisão da matéria de facto

A decisão sobre a matéria de facto foi formada pelo Tribunal com base na apreciação crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento. Assim, o Tribunal fundou-se, para dar como provados os factos supra:

Declarações dos arguidos:

A arguida PA... depôs com segurança, confessou de modo parcial os factos por cuja prática vinha acusada, referindo, quanto aos mesmos:

No que respeita aos factos ocorridos em 11/05/2012, primeira quinzena de Junho de 2012, 07/07/2012, 17/07/2012, 22/08/2012, 21/11/2012, a arguida confessou-os, de modo integral e sem reservas.

No que respeita aos factos de 12/07/2012, a arguida refere que não estava sequer no local, não tendo, consequentemente, praticado os factos.

No que respeita aos factos de 18/07/2012, a arguida refere que se deslocou ao estabelecimento em causa para comprar um telemóvel, refere que não viu o arguido SL... tirar o telemóvel. Também referiu que não sabia – não tinham trocado palavras a esse respeito previamente – se ele lá estava para isso (tirar telemóveis) ou não.

No que respeita aos factos do início do mês de Agosto de 2012, a arguida refere que não retiraram as carteiras (conforme se refere nos factos). Estiveram no local nesse momento mas apenas para ver os artigos que tinham para venda.

Quanto aos factos datados de 05/09/2012, refere a arguida que os factos são, no essencial, verdadeiros mas precisa que não passou a zona de saída do estabelecimento com os objectos na sua posse. Referiu que era sua intenção furtá-los e pegou neles com esse objectivo mas, como foi, entretanto, detectada e se apercebeu disso, largou os objectos referidos na acusação no interior do estabelecimento e desistiu de os furtar.

Quanto aos factos de 12/10/2012, a arguida refere que desconhece se o arguido SL... tirou ou não um telemóvel da loja. Referiu que apenas tinha sede e queria água para beber.

Quanto aos factos de 31/10/2012, a arguida referiu que não tirou o telemóvel Nokia. Esclarece que passou no estabelecimento com intenção de furtar o que aí encontrasse de valor e interesse mas não teve oportunidade de o fazer, razão pela qual entrou e saiu sem nada alheio levar consigo.

No que respeita aos factos de 10/11/2012, a arguida refere que os factos são verdadeiros mas que a mesma foi apanhada dentro da loja. Não chegou a sair para a rua na posse dos bens que pretendia subtrair.

Quanto aos factos de 16/11/2012, a arguida refere que não tirou iPhone nenhum do local. Refere que nem sequer esteve na loja, nessa ocasião.

Quanto à generalidade dos factos, esclarece que não conhece o arguido MB.... Esclarece que era, à data dos factos e no seu decurso, toxicodependente e que praticava este tipo de factos para sustentar o vício. Esclarece que já se libertou dessa situação de toxicodependência. Esclarece que está inscrita, no E.P., para trabalhar e estudar. Confirma o teor do seu relatório social. Refere que, entre a arguida e o arguido SL... havia um acordo, quanto à prática destes factos, traduzido no seguinte: cada um furtaria o que pudesse tendo oportunidade de o fazer, se furtassem ambos, cada um ficaria com o produto da sua actuação mas, se só um tivesse oportunidade de se apropriar de algo de valor, então dividiam entre ambos o produto dessa apropriação. Foi-lhe exibida fls. 549, dos autos e a arguida esclareceu que a folha de alumínio era para enganar os alarmes da loja. Esclarece que não esteve na S..., nem na DD..., mas admite a possibilidade de estar enganada. Refere que não esteve na XC.... Referiu, ainda, quanto aos factos de 07/07/2012, que os bens foram recuperados e entregues à farmácia.

O arguido SL... confessou, de modo quase integral e sem reservas, os factos por cuja prática vinha acusado. De facto, quanto aos factos constantes da acusação, o arguido apenas colocou em crise os referentes ao dia 18/10/2012, nos seguintes moldes: O arguido não coloca em causa que se deslocou ao local nos termos constantes da acusação nem que subtraiu o telemóvel da queixosa nos termos referidos, apenas refere que não utilizou de violência para o fazer, nomeadamente, não usou uma faca, ameaçando a ofendida. Quanto ao arguido MB..., refere que este lhe perguntou se queria vender o telemóvel e, na sequência de negociação pelo preço do mesmo, o arguido acabou por lhe vender o telemóvel pelo preço de € 35,00 (trinta e cinco euros). Esclareceu que praticou os factos no âmbito de uma situação de toxicodependência e para sustentar tal vício. Refere que já se curou da mesma e que está, presentemente, no programa de metadona. No E.P. está inscrito na escola e no trabalho. Confirma o teor do seu relatório social. Esclarece que a ofendida nos factos de 18/10/2012 não estava já ferida no pescoço quando a viu nessa ocasião (por outras palavras, não estava ferida antes da prática dos factos). Acrescentou que o arguido MB..., quando lhe propôs a compra do telemóvel que o arguido tinha na mão, o chamou pelo seu nome. Nessa altura o arguido pediu-lhe € 50,00 mas o arguido MB... disse-lhe que não tinha € 50,00 e ofereceu € 35,00.

O arguido MB... confessou parcialmente os factos, admitindo-os todos com a excepção de conhecer o modo de vida do arguido SL... e ter conhecimento ou calcular que o telemóvel tinha proveniência ilícita. O demais admitiu como verdadeiro. Refere que comprou o telemóvel nos termos referidos na acusação dos autos. Esclarece que não conhecia o arguido SL.... Informa que estava no local a vender fruta. Que nessa ocasião o arguido SL... estava a falar com outra pessoa, no sentido de vender o telemóvel, nessa altura o declarante perguntou-lhe quanto queria pelo telemóvel, o arguido SL... pediu-lhe € 50,00, o declarante disse-lhe que não tinha tal quantia mas ofereceu-lhe € 35,00 pelo telemóvel. O arguido SL... concordou e comprou-lhe o telemóvel por € 35,00.

As declarações dos arguidos foram todas prestadas de modo seguro e credível. Das mesmas resulta conflito entre as declarações da arguida PA... e do arguido SL..., nas situações em que ambos participaram, daquelas em que a arguida PA... nega participação e/ou conhecimento do papel do arguido SL... e as declarações confissórias deste que admitiu os factos tal e qual estão narrados na acusação. Neste particular, as declarações do arguido SL... apresentam-se como revestindo maior credibilidade – porque confissórias, por um lado, admitindo um facto que lhe é desfavorável – sendo menos cogitável, consequentemente, que faltem à verdade (enquanto as da arguida visam afastar a sua responsabilidade pela prática desses factos, sendo mais natural que, como protectoras, possam faltar à verdade) e porque, por outro lado, coincidem com as declarações das testemunhas e porque as declarações da arguida que admite ser o modus operandi de ambos este tipo de comportamentos e, depois, refere ao tribunal que ia comprar um telemóvel à loja (coisa que nos parece pouco crível atenta a situação de toxicodependência de ambos, o seu modus operandi juntos e a prática inclusive nos presentes autos, em lojas de venda de telemóveis) ou ter sede e querer um copo de água, é versão que se apresenta especialmente desprovida de credibilidade, tanto mais que confrontada com as posições opostas de arguido SL... (que os confessa nos termos da acusação e das testemunhas de acusação que os confirma nos termos expressos infra). Não teve dificuldade, nestas situações, o Tribunal em conferir maior credibilidade às declarações do arguido SL... sobre as da arguida PA... (nos momentos em que conflituam).

Quanto às do arguido SL... e do arguido MB... uma vez mais e pelas razões apontadas supra, as declarações do arguido SL... apresentam-se como revestindo maior credibilidade. Desde logo explicam como o contacto acontece, porque acontece e refere que o arguido MB... chama o arguido SL... pelo nome e lhe propõe a compra do telemóvel. A tese do arguido MB..., que não conhecia o arguido SL..., desconhecia o seu modo de vida e não suspeitava da proveniência do telemóvel que adquire por um preço muito interior ao preço de mercado é menos credível, não explicando, desde logo, de modo tão lógico e credível, a razão do contacto – com um desconhecido, oferecendo-se para com o mesmo negociar – nem explica a razão de pretender um telemóvel por um preço tão díspar do de mercado nem porque o faz sem carregador, sem documentação ou caixa, tudo elementos que um legítimo proprietário teria e que, numa venda legítima, forneceria dada a sua inutilidade desprovida da posse do telemóvel, por um lado, e, por outro, quem compra legitimamente tais aparelhos exigir a sua entrega. Assim, a nível de coerência e lógica, a versão dos factos apresentada pelo arguido SL... aparenta ser muito mais credível que a apresentada pelo arguido MB..., assim nos merecendo credibilidade tal versão, dando-se como provados os factos em conformidade.

Depoimentos das testemunhas:

Fundamentou-se, ainda, o Tribunal no depoimento das testemunhas de acusação que depuseram todas com isenção e segurança, no sentido apurado. Importa ainda referir que todas com conhecimento directo dos factos sobre que depuseram, porque os presenciaram, sendo que tal participação resulta clara dos próprios factos. Passando, então à análise de cada um dos depoimentos.

- André Dias, agente da P.S.P., refere que o arguido SL... foi detido na sequência da situação de roubo, encontrado na posse do telemóvel roubado, quando o vendia ao arguido MB..., situação que a testemunha presenciou. Refere que a arguida PA... foi detida no âmbito de mandados de detenção. Esclareceu que apreendeu o telemóvel ao arguido MB.... Refere ainda que apreendeu à arguida PA... uma mala forrada a alumínio e um utensílio de cozinha. Foram-lhe exibidas fls. 8 a 11, 27 a 29, 413, 414, 440 e 441, dos autos, tendo o depoente confirmado o seu teor, referindo que a ofendida tinha as lesões no pescoço quando esteve com ela. Esclarece ainda que o canivete dos autos é o que consta dos fotogramas exibidos (fls. 27). Esclarece ainda que esteve presente nos reconhecimentos efectuados e que as testemunhas (RC... e GS...) reconheceram a arguida PA... sem quaisquer dúvidas. Foi confrontado com o teor de fls. 549, dos autos, referindo tratar-se da mala forrada de alumínio que apreendeu à arguida PA.... Refere ainda que a ofendida lhe referiu que o arguido SL... não usou o canivete de fls. 27, dos autos no seu assalto mas antes outra faca.

Depôs de modo isento, seguro, lógico e coerente, merecendo o seu depoimento total credibilidade por parte do Tribunal.

- DS..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos de que foi vítima tal como constam da acusação. Referiu ainda que foi abordada pelo arguido munido de uma faca, que este lhe pediu o telemóvel que a depoente lho entregou e que a faca roçou no seu pescoço quando a depoente tirou o telemóvel do bolso, sangrando um pouco. Foi-lhe exibido fls. 15, 16 e 27 a 29, dos autos, confirmando a depoente o seu teor. Esclarece que não teve dúvidas no reconhecimento que efectuou. Quanto a fls. 27, dos autos, refere que não foi com esta faca que foi assaltada e quanto às fotografias de fls. 28 e 29, refere que foi como ficou na sequência do assalto de que foi vítima, devido ao corte no pescoço que já referiu.

O seu depoimento foi seguro, isento, lógico, concatenado e racional, merecendo total credibilidade por parte do Tribunal. Conquanto negada a utilização da faca por parte do arguido SL..., os fotogramas e o depoimento da testemunha foram, nesse particular, totalmente claros, não deixando dúvidas ao Tribunal do seu uso, nos termos descritos na acusação.

- PC..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Referiu ainda que trabalhava na sociedade x. de onde os arguidos retiraram 2 cintos de cortiça, no valor de global de € 120,00. Esclarece que foi a arguida que os tirou, que lhe pediu que visse os artigos atrás do balcão e, quando o depoente os foi ver, retirou os cintos. Foi-lhe exibido fls. 426, 427, 519 e 520, dos autos, confirmando o depoente o seu teor.

O depoimento foi prestado de modo isento, seguro e coerente, merecendo credibilidade por parte do Tribunal.

- RC..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Referiu ainda que os arguidos entraram ao mesmo tempo no estabelecimento, sendo certo que a depoente não se apercebeu logo que eles estavam juntos, só se tendo apercebido desse facto mais tarde. As carteiras subtraídas tinham o valor unitário de € 340,00. Apercebeu-se quando os arguidos saíram da loja que as carteiras haviam sido subtraídas. É funcionária da loja e responsável pelos produtos no seu interior. Quanto à segunda situação, refere que a arguida agarrou na mala e ia nas escadas levando a mala como se fosse dela quando se apercebeu do sucedido. Subiu as escadas com ela, interceptou-a e tirou-lhe a mala, sendo que a arguida não resistiu. Foi-lhe exibida fls. 413 e 516, dos autos, confirmando a depoente o seu teor (confirmando os reconhecimentos efectuados). Foi-lhe exibido o teor de fls. 123 e 125, dos autos, confirmando a depoente o seu teor. Refere que não viu os arguidos a subtrair as carteiras em causa, na primeira situação, mas que os arguidos eram as únicas pessoas presentes no estabelecimento, antes de entrarem as carteiras estavam no sítio, logo depois de saírem, as carteiras tinham desaparecido e, no entretanto, foram as duas únicas pessoas no interior do estabelecimento. Refere que recuperou a mala, na segunda situação e que a arguida não chegou a sair do estabelecimento com ela. Refere que o arguido SL..., na segunda situação, não tirou nada do estabelecimento.

O depoimento foi efectuado com grande segurança e isenção, sendo lógico, concatenado e racional, merecendo, por parte do Tribunal, total credibilidade.

- EV..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Foi exibido fls. 194, 195, 417 e 418, dos autos, confirmando a depoente o respectivo teor. Referiu ainda que a arguida PA... foi apanhada pela depoente, deixou cair no chão os produtos que havia subtraído e foi detida pela polícia. Não se aperceberam logo que a arguida estava acompanhada pelo arguido, só se aperceberam disso mais tarde. Na altura dos factos era verão e o arguido vinha de casaco, acharam estranho. Igualmente acharam estranho ele, nessa ocasião, ter saído de repente, pensam que ele terá levado os outros produtos de cuja falta deram nessa altura. Referem que era pessoa de tez negra de pele.

O depoimento foi certo, seguro, isento, racional e concatenado, merecendo, consequentemente, a credibilidade por parte do Tribunal.

- MH..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Referiu ainda que trabalha na loja x do Chiado, sendo que a denominação correcta da loja é y. Os arguidos iam, por vezes, à loja, tinham sido alertados em relação ao arguido, no que respeita a furtos em estabelecimentos. Ele costumava entrar e experimentar roupa, a senhora (a arguida) entrava depois e tirava as peças. Identificou os arguidos PA... e SL... como autores dos factos no seu estabelecimento. Esclareceu que as peças que os arguidos subtraíram foram calças e camisolas. Foi confrontada com fls. 410, 411, 513 e 514, dos autos e confirmou o seu teor. Explica que a loja tem muito movimento, que acha haveriam mais clientes na loja no dia e hora dos factos. Não viu a senhora (a arguida) tirar a roupa da loja. Nunca viu o arguido SL... tirar roupa do estabelecimento. Só se apercebeu da actuação dos arguidos nesse dia. Esclarece que tem a certeza que a arguida esteve no seu estabelecimento nesse dia.

A depoente depôs de modo certo, seguro, isento e lógico, merecendo consequentemente, credibilidade por parte do Tribunal.

- VP..., agente da P.S.P., com intervenção na situação passada no estabelecimento “I...”, com conhecimento directo dos factos que presenciou, depondo com isenção e segurança, no sentido apurado supra. Referiu que os arguidos eram um casal referenciado na zona pela prática de ilícitos de furto. Quando os viu davam sinais de ir praticar ilícitos, tendo entrado no estabelecimento “I...”. O agente (que estava à civil) entrou também no mesmo estabelecimento e fez-se passar por cliente. Viu a arguida sentada num “puf” pequeno e ouviu-a dizer, dirigindo-se à funcionária da loja, que não iria levar os sapatos que tinha experimentado. Viu que, quando a arguida saiu do estabelecimento, levava ocultado no casaco, um par de sapatos. Refere que seguiu os arguidos e os deteve mais tarde sendo que eles estavam juntos. Quando os deteve o arguido SL... tinha na sua posse material que disse ser furtado.

O depoente depôs de modo isento, seguro, lógico e concatenado, merecendo total credibilidade por parte do Tribunal.

- GD..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Refere que não viu os factos no momento em que os mesmos foram praticados. No entanto refere que o seu estabelecimento tem videovigilância e o depoente e os seus funcionários, no dia seguinte, viram as gravações e viram a arguida a falar com o funcionário presente na altura na loja, perguntando-lhe o preço de produtos, distraindo-o, enquanto o arguido, nas costas de tal funcionário, tirou o telemóvel do expositor. Mostraram a videovigilância à polícia e fizeram queixa. Refere que os arguidos entraram juntos na loja. Foi-lhe exibido fls. 433, 434, 526 e 527, dos autos e o depoente confirmou o seu teor. Referiu que o telemóvel tinha o valor de € 230,00.

O depoente depôs de modo isento, seguro, lógico e concatenado, merecendo total credibilidade por parte do Tribunal.

- AR..., proprietária do estabelecimento “MC”, com conhecimento directo dos factos aí ocorridos, que presenciou, depondo com isenção e segurança, no sentido apurado supra. Referiu que os arguidos frequentavam o seu estabelecimento. Que se apercebeu que algo não jogava bem, que os arguidos tinham rituais fixos quando iam ao estabelecimento. Refere que o arguido ia à zona das bebidas e retirava bebidas dos expositores e as colocava dentro do seu casaco. Se viam que os funcionários estavam atentos, um chamava a atenção dos funcionários e o outro retirava os produtos dos expositores. Refere que isto se passou durante cerca de 6 meses. No dia dos autos, à hora de almoço, a loja apresentava muito movimento. A arguida mexe numa coisa que fez barulho. A depoente, alertada, foi ver e viu a arguida a meter artigos da loja dentro de um saco. Foi confrontada com fls. 315, 332 a 345, 421 e 422, dos autos, confirmando o seu teor. Refere que a arguida não chegou a sair do estabelecimento na posse das coisas que não pagou. Passou a zona das caixas sem efectuar o pagamento mas a depoente apanhou-a à saída da loja com os produtos do estabelecimento dentro do saco. Refere que o arguido não fez nada nesse dia. Recuperou as mercadorias que estavam todas em condições de ser novamente colocadas à venda.

A depoente depôs de modo isento, seguro, lógico e concatenado, merecendo total credibilidade por parte do Tribunal.

- JM..., agente da P.S.P., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Referiu ainda que recuperou o telemóvel da ofendida CG... e devolveu-lho. Que foi a arguida que tirou o telemóvel nos termos constantes da acusação e que o depoente assistiu a tal.

O depoente depôs de modo isento, seguro, lógico e concatenado, merecendo total credibilidade por parte do Tribunal.

- CG..., cuja participação nos factos resulta clara dos mesmos, confirmando os factos em que teve participação tal como constam da acusação. Referiu ainda que era lojista na “Portugal Essencial”. Foi-lhe exibido fls. 437 e 438, dos autos, confirmando a depoente o seu teor. Estava a atender um cliente no estabelecimento, apercebeu-se da falta do seu telemóvel, tinha visto a arguida a sair do estabelecimento, saiu para ver se a via e o agente JM... abordou-a e devolveu-lhe o telemóvel.

Mais se fundamentou o Tribunal nos documentos de fls. 15, 16, 134, 135, 142, 143, 410, 411, 413, 414, 417, 418, 421, 422, 426, 427, 429, 430, 433, 434, 437, 438, 440, 441, 513, 514, 516, 517, 519, 520, 526, 527, 571 e 572, dos autos (Autos de reconhecimento pessoal dos arguidos), fls. 159, 160, dos autos (Relatório de perícia de avaliação do dano corporal), fls. 8, 9, 10, 11, 244, 403 e 404, dos autos (Autos de apreensão), fls. 12, dos autos (Auto de exame, com referência à fotografia de fls. 27), fls. 549, dos autos (Auto de exame), fls. 28 e 29, 332 a 345, dos autos (fotogramas dos objectos apreendidos aos arguidos), fls. 194 e 195, dos autos (facturas), fls. 315, dos autos (Talão de venda), os relatórios sociais dos arguidos PA... e SL... – fls. 803 a 807 e 844 a 847, dos autos e certificados de registo criminal dos arguidos – fls. 748 a 757, 865 a 878 e 879, dos autos.

*

Apreciação crítica da prova:

Dito, no momento pertinente o que se disse quanto à valoração da prova efectuada pelo Colectivo, importa enumerar as regras probatórias que sustentaram tal análise.

A apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção do juiz (artigo 127º, do Código de Processo Penal).

Não se confunde esta, de modo algum, com apreciação arbitrária de prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova.

É dentro dos tais pressupostos valorativos da obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio, suposto pela ordem jurídica, que o julgador se deve colocar ao apreciar livremente a prova, reflectindo sobre os factos, utilizando a sua capacidade de raciocínio, a sua compreensão das coisas, o seu saber de experiência feito.

É a partir desses factores que se estabelece, realmente, uma tarefa (ainda que árdua) que se desempenha de acordo com o dever de prosseguir a verdade material.

Em conformidade com o nº 2, do artigo 374º, do Código de Processo Penal, é nosso dever, para além da enumeração dos factos provados e não provados e a indicação das provas que serviram para formar a nossa convicção, fazer uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão sobre esta matéria, impondo-se ao tribunal, sob pena de incorrer em nulidade (artigo 379º, alínea a), do Código de Processo Penal) o dever de explicar porque decidiu de um modo e não de outro.

Os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduzem à formação da convicção do tribunal em determinado sentido e não noutro, devem ser revelados aos destinatários da decisão que são, não apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade, o conjunto dos cidadãos.

O tribunal, àqueles, tem de esclarecer porque é que valorou de determinada forma e não de outra os diversos meios de prova carreados para a audiência de julgamento.

Só assim se permite aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe, inequivocamente, o artigo 410º, do Código de Processo Penal.

Deve, assim, a decisão sobre a matéria de facto assegurar pelo conteúdo um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes.

Isto dito, ou seja, definido o exacto sentido e alcance da lei, há que analisar, a tal luz, o caso concreto, apreciando, de imediato, as provas nele produzidas e examinadas em audiência, afinal, as únicas que podem valer para a formação da convicção do tribunal, nos precisos termos do artigo 355º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Assim, formando o Tribunal a sua convicção relativamente aos factos considerados como demonstrados na apreciação, conjugada e de acordo com as regras da experiência comum, dos elementos de prova constantes dos autos e resultantes da audiência de julgamento, designadamente os que supra se particularizam.

Nessa decorrência, as confissões dos arguidos, parciais e já supra analisadas, o depoimento das testemunhas, a lógica procedimental (modus operandi) dos factos arrolados na acusação e os documentos juntos aos autos, com especial realce para os reconhecimentos dos arguidos supra enumerados, todas apontam no sentido da decisão tomada pelo Tribunal em sede de prova e não prova dos factos.

Efectivamente, os factos negados pela arguida PA..., confrontados que foram pelas declarações confissórias do arguido SL... e com os depoimentos das testemunhas de acusação bastam para que o Tribunal se convencesse de modo fundado que os factos ocorreram conforme dado como provado. As situações em que a arguida afirma que entram nos estabelecimentos mas não para furtar mas só para ver os artigos não assume qualquer credibilidade atento o “modus operandi” assumido pelos arguidos de entrar em estabelecimentos para furtar pretendendo por essa via sustentar o consumo respectivo de estupefacientes. De igual modo, entrar num estabelecimento para pedir um copo de água sem pretender aproveitar oportunidade que se lhes apresentasse de apropriação de objectos no interior de estabelecimento também não colhe, apresenta-se consentâneo com o “modus operandi” tradicional de um distrair o funcionário e o outro tirar os objectos que possa e que tenham interesse. A ideia que pretende transmitir em algumas ocasiões que o arguido SL... tiraria objectos do interior do estabelecimento sem o conhecimento da arguida também foi afastada, neste caso pela própria arguida (e pelo arguido também) quando refere que ambos entravam nos estabelecimentos com essa intenção e, depois, furtariam o que pudessem, partilhando o produto do furto se um saísse sem nada do estabelecimento. Esta cooperação entre os arguidos pressupunha exactamente uma ideia de oportunidade permanente em que qualquer ocasião seria aproveitada assim se oferecesse, facilitada pela actuação de ambos no quadro de distracção dos funcionários e de oportunidade de apropriação quer criada voluntariamente quer aproveitada quando ocorresse ocasionalmente. Finalmente as situações de pretender furtar mas não ter tido oportunidade de o fazer, referidas pela arguida, não se verificam. De facto, numa situação um agente da polícia detêm a arguida e devolve à ofendida o telemóvel dela, encontrado na posse da arguida. Poucas dúvidas oferece este caso. Noutra situação, a arguida foi abordada pela proprietária do estabelecimento na posse dos artigos furtados, que os recuperou. Também poucas dúvidas oferece este caso (que não foi totalmente negado pela arguida, esta apenas refere que foi detida no interior do estabelecimento mas a ofendida esclarece que, se bem que assim fosse, a arguida já tinha passado a zona abrangida pelas caixas destinadas ao pagamento dos produtos, sem o efectuar). A única situação que fica por comprovar, é a dada por não provada, porque não conheceu prova bastante do sucedido, porquanto a testemunha não compareceu a julgamento, não tendo referido em que circunstâncias presenciou os factos por cuja prática vinha a arguida acusada, mais não restando que os dar por não provados.

Quanto ao arguido SL..., este apenas nega o uso da faca no roubo efectuado. A testemunha confirmou tal uso, apresentava o corte visível nos fotogramas de fls. 28 e 29, dos autos, perfeitamente visível, sendo confirmado pelas testemunhas que o visionaram. A possibilidade de tal corte pré-existir na data dos factos foi perguntado ao arguido SL... se a ofendida já tinha tal sinal no pescoço e o arguido SL... foi o primeiro a dizer que não, que antes dos factos, não lhe viu qualquer arranhão semelhante no pescoço (vendo os fotogramas de fls. 28 e 29, dos autos). Assim, a versão dos factos dada pelo arguido não oferece credibilidade enquanto a versão dos factos da ofendida apresenta-se coerente, lógica, clara, merecendo total credibilidade.

Finalmente, no que respeita ao arguido MB..., já efectuamos supra a análise das suas declarações e seu confronto com as prestadas pelo arguido SL..., ai referindo porque as prestadas pelo arguido SL... se afirmam como merecedoras de credibilidade e as do arguido MB... não, levando à prova dos factos nos termos sobreditos. Quanto ao elemento subjectivo, este advém exactamente da valoração do senso comum, das regras da experiência, em face a situações similares (em que um telemóvel é vendido sem caixa, sem carregador e sem documentação, já para não falar de comprovativo de compra, por uma pequena fracção do seu valor real). A convicção do Tribunal a este respeito é exactamente aquela que resultou do facto dado como provado a esse respeito.

A prova não permite, consequentemente, decisão diversa da que o Colectivo tomou supra. (…)”.

**

Sendo esta, em termos de matéria de facto, a decisão recorrida, sustenta o Ministério Público o seu inconformismo no presente recurso nas penas em que os arguidos foram condenados, as quais, pela sua suposta benevolência, considera desajustadas à mesma matéria de facto.

Vejamos:

Segundo o art.º 40.º do Cód. Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar o limite da culpa”.

Assim, a pena haverá de ser, sempre, a justa retribuição por um mal que se pratica, sem que se deixe de levar em conta na determinação da mesma a reinserção social de quem desta é objecto, dando-se, simultaneamente, satisfação ao sentimento de justiça da comunidade, protegendo os bens jurídicos e servindo como elemento dissuasor de novas práticas criminosas.

Como diz Bettiol, “a pena não deve ser brutal ou desumana, mas, também, não pode ser insuficiente. Ela tem de corresponder ao que o homem comum aceita como meio idóneo para atingir os fins de ressocialização e de prevenção (geral e especial)”.

Por outro lado, segundo Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevencion em Derecho Penal”, a pena concreta deve ser fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, aquele já adequado à culpa, este ainda adequado à mesma culpa, intervindo, depois, dentro dos referidos limites, os demais fins das penas, isto é, os da prevenção geral e especial.

Foi dito no significativo e sempre actual Acórdão do S.T.J. de 22 de Março de 2007, in C.J., (Acs. do Supremo), ano XV, Tomo I, pág. 226, sgs., que “a determinação da medida concreta da pena obedece a determinados parâmetros com dois vectores fundamentais: a culpa e a prevenção, consistindo as finalidades da pena na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, finalidades estas que convergem para um mesmo resultado: a prevenção de comportamentos danosos, com vista à protecção de bens jurídicos comunitariamente relevantes, cuja violação constitui crime.

À finalidade de prevenção, na sua vertente de prevenção geral positiva ou de integração, cabe fornecer a medida de tutela dos bens jurídicos entre um ponto considerado óptimo para a satisfação das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da norma jurídica violada e um ponto considerado mínimo, correspondente ao conteúdo mínimo de prevenção, sem a salvaguarda do qual periclita a defesa da ordem jurídica.

À culpa compete, nos termos do art.º 40.º, n.º 2, do Cód. Penal, a função de limitar as exigências de prevenção geral, impondo um limite para além do qual a pena deixaria de ter um conteúdo ético para passar a instrumentalizar o condenado em função de puros objectivos de prevenção.

Entre o limite máximo e o limite mínimo traçado pela designada submoldura de prevenção, actuam as exigências de prevenção especial ou de socialização, as quais, devendo subordinar-se ao objectivo primordial de tutela dos bens jurídicos, constituem um elemento determinante na fixação da pena.      

Por sua vez, os parâmetros a que deve obedecer a fixação concreta da pena, segundo a sua relevância em termos de culpa e de prevenção, são os indicados no n.º 2 do art.º 71.º (…)”.

Assim, dentro dos objectivos da prevenção geral e especial pretendidos com a aplicação das penas, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo ou negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do mesmo crime e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, tudo como bem se prevê no n.º 2 do referido art.º 71.º, são circunstâncias que não podem deixar de ser ponderadas pelo tribunal no momento da fixação da medida da pena.

Deste modo, reportados ao caso dos autos, aquilo que importa começar por salientar é o que se considera ser o manifesto “desrespeito” por parte do tribunal “a quo” da decisão anteriormente proferida por esta instância de recurso, que impôs a condenação dos arguidos como autores, em concurso real, dos crimes que lhes haviam sido imputados, contrariando, assim, aquele que fora o entendimento sufragado na anterior decisão recorrida.

O tribunal “a quo”, porém, entendendo, porventura, que não se devia “dar por vencido”, que a sua posição era soberana, “meteu pela janela aquilo que lhe havia sido mandado retirar pela porta”. Isto é, os arguidos, que, anteriormente, haviam sido condenados como autores de um crime de furto qualificado, na forma continuada, nas penas de, respectivamente, 3 anos e 6 meses de prisão e 5 anos e 10 meses de prisão, vêm a ser condenados, agora em concurso real de crimes, rigorosamente nas mesmas penas, impondo-se salientar que a arguida, veja-se bem (!), incorreu na prática de 7 crimes de furto qualificado, 4 crimes de furto simples e 1 crime de furto qualificado na forma tentada (12 crimes), enquanto que o arguido incorreu na prática de 7 crimes de furto qualificado, 2 crimes de furto simples e 1 crime de roubo (10 crimes).

Temos, assim, que, após a decisão anteriormente proferida por este Tribunal da Relação, que não foi respeitada no seu espírito, esteve-se a incorrer, permanentemente, na prática de actos processuais totalmente inúteis, sendo que, por ter sido atingido, entretanto, o prazo de duração máxima da prisão preventiva, até a arguida acabou por ter que ser libertada.

Não é esta, seguramente, a imagem que se deseja da justiça portuguesa!             

Relativamente ao objecto do recurso, a pretensão do Ministério Público é por demais fundada, pelo que não poderá deixar de merecer acolhimento.

Como atrás se referiu, a arguida PA... incorreu, aqui, na prática de 7 crimes de furto qualificado, 4 crimes de furto simples e 1 crime de furto qualificado na forma tentada.

O arguido SL..., por sua vez, incorreu, aqui, na prática de 7 crimes de furto qualificado, 2 crimes de furto simples e 1 crime de roubo agravado.

Aquela já regista seis (6) condenações anteriores, todas elas por crimes contra o património;

Este já regista oito (8) condenações anteriores, pela prática de nove crimes contra o património.

Os crimes de furto qualificado são puníveis com prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias; os crimes de furto simples são puníveis com prisão até três anos ou com pena de multa; o crime de roubo é punível com prisão de três a quinze anos.

O grau de ilicitude dos factos foi considerado muito elevado, havendo o tribunal “a quo” salientado a “forte determinação criminosa dos arguidos e ousadia na execução dos factos”, tendo o dolo sido considerado directo e intenso.

Salientou o mesmo tribunal os extensos antecedentes criminais dos arguidos, “evidenciando importantes exigências de prevenção, no plano especial”.

Foi, ainda, considerado pelo tribunal “a quo” que “os arguidos demonstram uma elevada energia criminosa e uma forte insensibilidade em relação aos bens jurídicos protegidos pelas normas que violaram”.

Ora, estas são considerações e circunstâncias que foram salientadas na decisão recorrida, ante a evidência e a gravidade dos factos, mas que não tiveram a correspondência necessária nas respectivas penas!

Já havia sido dito no anterior acórdão deste Tribunal da Relação que “os arguidos, juntando ao seu passado criminal os factos delituosos aqui em causa, que foram repetindo desde Maio até Novembro de 2012, evidenciam não só o tal “dolo empedernido”, como, principalmente, uma estreita afinidade com a prática do crime, designadamente contra o património, fazendo desta actividade o seu principal, se não mesmo exclusivo modo de vida, patenteando, assim, uma inquestionável insensibilidade ou indiferença pelos respectivos valores juridicamente tutelados”.

 Porém, pese embora tudo isso, o tribunal “a quo”, relativamente a ambos os arguidos, decidiu condená-los, por cada um dos crimes de furto qualificado, na pena de 1 ano de prisão, e, por cada um dos crimes de furto simples, na pena de 6 meses de prisão, condenando o arguido SL..., ainda, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de roubo agravado.

Estas penas, embora se considerem escassas, tendo em conta o elevado número de crimes por que os recorrentes haverão de ser condenados, acabam por se aceitar.

Contudo, sendo a soma material das penas parcelares fixadas à arguida PA... de 9 anos e 3 meses de prisão e as do arguido SL... de 12 anos e 6 meses de prisão, nunca as respectivas penas únicas, resultantes do cúmulo jurídico, poderiam ter sido fixadas na medida em que o foram, isto é, em menos de metade dos respectivos limites máximos!

Como atrás já se referiu, esta decisão, para além de se ter como uma afronta ao anterior acórdão deste Tribunal, que impôs a condenação dos arguidos como autores, em concurso real, dos crimes cuja prática lhes fora imputada pelo Ministério Público, viola, manifestamente, o disposto nos artºs. 77.º e 79.º do Cód. Penal, pois que coloca no mesmo patamar punitivo, confundindo-as, as situações de concurso real de crimes e de crime continuado, do mesmo modo que ignora, na fixação da pena única, “os factos e a personalidade dos agentes”, como se prevê no citado art.º 77.º, n.º 1.              

 Assim, não sendo as mais ajustadas, como se referiu, aceitam-se e mantêm-se as penas parcelares fixadas aos arguidos.

Contudo, já assim não se entende relativamente à pena única imposta pelo concurso de crimes.

Assim, levando-se em conta, ainda, em mais um gesto de “clemência”, o facto de os arguidos terem à sua frente um longo período de vida útil e activa e expectando-se que possam vir a ser cidadãos socialmente integrados e respeitadores dos valores jurídicos tutelados, fixa-se a pena única da arguida PA... em cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão e a do arguido SL... em oito (8) anos de prisão.

Nesta medida, impõe-se, pois, conceder provimento ao recurso.

 

3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos Juízes, em conferência, em conceder provimento ao recurso, fixando a pena única da arguida PA... em cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão e a do arguido SL... em oito (8) anos de prisão.

Sem custas.

Notifique-se, de imediato e pela via mais rápida.

Lisboa, 02.10.2014

Almeida Cabral

Rui Rangel