Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
30878/12.9T2SNT.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
REPARAÇÃO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: -Ocorrendo um sinistro, devidamente comunicado pelo lesado, e tendo a seguradora procedido a perícia que concluiu pela inviabilidade económica da reparação do veículo, mas não tendo a seguradora comunicado ao lesado tal inviabilidade, nem lhe tendo proposto o pagamento de qualquer indemnização, apesar de ter assumido tal responsabilidade, terá o lesado de ser ressarcido com as despesas que suportou com o parqueamento do veículo sinistrado e o aluguer de um veículo de substituição.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A... intentou a presente ação declarativa, com processo ordinário, contra J... e mulher, M..., B..., S.A., e Companhia de Seguros ..., S.A., todos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação dos réus a pagarem, solidariamente, ao autor, a quantia de € 59.715, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento, bem como juros capitalizados por períodos de um ano, caso o pagamento seja efetuado depois ele decorrido um ano sobre a citação.

O autor formula o aludido pedido a título de indemnização, por danos patrimoniais sofridos em consequência da queda de um muro - integrado em prédio que pertenceu aos 1.os réus e que foi adquirido pelo 2.° réu, o qual tinha a sua responsabilidade civil transferida para a 3.a ré -, que causou estragos ao seu veículo de matrícula HH-MJ-835, como tudo melhor consta da petição inicial.
Citados editalmente, os réus J... e mulher, M..., não contestaram, na sequência do que foi citado o Ministério Público, que igualmente não apresentou contestação.

O réu B... S.A. contestou, defendendo-se por impugnação.

A ré Companhia de Seguros ..., S.A. contestou, aceitando a transferência da responsabilidade civil em causa, invocando a existência de franquia a cargo do segurado e impugnando a factualidade relativa às consequências dos estragos sofridos pelo veículo do autor, como tudo melhor consta do articulado apresentado.

O autor veio aos autos requerer a ampliação do pedido, na parte respeitante à quantia peticionada a título de indemnização pelas despesas com a paralisação do veículo, designadamente com o aluguer de um veículo de substituição e com o parqueamento da viatura acidentada, sustentando que o decurso do tempo deu lugar ao agravamento dos prejuízos sofridos a esse título, que amplia em € 33 671,25.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente a ação, em consequência do que:
a) absolveu os 1.os réus, J... e M..., do pedido formulado;
b) condenou o 2.° réu, B... S.A., e a 3ª ré, Companhia de Seguros ..., S.A., a pagarem, solidariamente, ao autor, a quantia de € 33 671,25 (trinta e três mil seiscentos e setenta e um euros e vinte e cinco cêntimos);
c) condenou o 2.° réu, B... S.A., e a 3ª ré, Companhia de Seguros ... S.A., a pagarem, solidariamente, ao autor, a quantia de € 54.128,14 (cinquenta e quatro mil cento e vinte e oito euros e catorze cêntimos), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contabilizados às taxas legais;
d) condenou o 2º réu, B… S.A. a pagar, ao autor, a quantia de € 886,86 (oitocentos e oitenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos), acrescida de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, contabilizados às taxas legais;
e) absolveu o 2º réu e a 3ª ré do mais peticionado.

Foram dados como provados os seguintes factos:
a)O autor é proprietário do veículo automóvel de marca Mercedes, modelo C 220 Sport Coupé, matriculado na Alemanha a 17-12-2004, com a matrícula HH-MJ-835;
b)No dia 06-03-2010, pelas 9h15m, ruiu um muro pertencente ao prédio urbano sito em Carapiteira de Baixo, lote 1, freguesia de Gradil, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o nº 112/19880224;

c)Consta da certidão de registo predial relativa à ficha nº 112 da Conservatória do Registo Predial de Mafra, respeitante ao prédio urbano referido na alínea b), além do mais, o seguinte:
-pela apresentação nº 20, de 17-06-1999, foi inscrita a aquisição a favor dos réus J... e M..., por compra;
-pela apresentação nº 21, de 17-06-1999, foi inscrita hipoteca voluntária a favor do réu B... S.A.;
-pela apresentação nº 22, de 17-06-1999, foi inscrita hipoteca voluntária a favor do réu B... S.A.;
-pela apresentação n." 48, de 29-11-2001, foi inscrita penhora a favor do réu B… S.A.;

d)No âmbito de ação executiva que correu termos, sob o nº 15737/09.0T2SNT, no extinto Juízo de Execução de Sintra da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, em que era exequente o ora 2.° réu B... S.A. e eram executados os ora 1.os réus J... e M..., foi penhorado e vendido o prédio urbano referido na alínea b), o qual foi adquirido pelo exequente, conforme auto de abertura de propostas de 25-09-2007, após o que foi proferido despacho ordenando o cancelamento dos registos dos direitos reais de garantia incidentes sobre aquele bem que caducam por efeito da venda, o qual transitou em julgado a 14-07-2008, tendo sido emitido o respetivo título de transmissão a 15-03-2010;
e)À data referida na alínea b), o muro em causa fazia suporte de terras do lote ao qual pertencia e separava-o do lote 2, contíguo àquele;
f)O muro em causa não dispunha de sistema de drenagem, o que dificultou o escoamento das águas e deu causa à respetiva queda;
g)Aquando do evento referido na alínea b), o veículo identificado na alínea a) encontrava-se estacionado no lote 2, junto ao muro em causa;
h)Na ocasião, o muro tombou para o lote 2 e soterrou o veículo;
i)Em consequência do evento referido na alínea h), o veículo sofreu os estragos seguintes: a estrutura esquerda de suporte do tejadilho colapsou; a embaladeira esquerda e toda a estrutura esquerda do veículo ficaram empanadas; os painéis esquerdos, o tejadilho e a tampa da mala ficaram destruídos; quebraram-se os vidros da frente, de trás e do lado esquerdo; destruição da estrutura interior dos pneus esquerdos, de todos os forros interiores laterais esquerdos, do forro do tejadilho, dos forros dos assentos de todos os bancos e dos forros dos encostos dos bancos dianteiros e traseiro esquerdo, toda a pintura do veículo ficou danificada;
j)O valor da reparação do veículo foi estimado em montante não inferior a € 21.257,76, não se mostrando a reparação tecnicamente aconselhável;
k)À data do evento referido na alínea h), o veículo tinha o valor de mercado de € 21.000,00;
l)Os salvados do veículo têm o valor de € 4.500,00;

m)O autor subscreveu e enviou ao 1º réu, J..., escrito datado de 08-03-2010, do qual consta, além do mais, o seguinte:

"( ... ) Assunto: Incidente ocorrido na Carapiteira de Baixo Lote 2, no dia 6 de Março de 2010, pelas 09h15m, envolvendo o muro lateral Sul do Lote 2 de sua propriedade e o meu veículo matrícula ...-...-....
( ... )Escrevo para comunicar a V. Ex.a os elementos que chegaram ao meu conhecimento relativamente ao incidente acima melhor identificado, com o intuito de lhe reclamar a correspondente indemnização pelos prejuízos sofridos.
No passado dia 06 de Março de 2010, pelas 09h15m, na Carapiieira de Baixo Lote 2, viu-se o meu veículo matricula ...-...-..., envolvido num incidente quando tombou sobre o mesmo o muro de sua propriedade que segura as terras do seu lote de terreno o Lote 1.
De acordo com os elementos que instruem o meu processo, revelava-se-me ser a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos decorrentes deste nefasto incidente imputável, numa primeira fase, ao Sr. J... na sua qualidade de proprietário do referido lote de terreno ( ... ).
Relativamente aos prejuízos causados informo que são bastante elevados e incidem em todo o meu carro.
(...) solicito a V. Ex.a se digne numa primeira fase mandar remover o muro de cima do meu carro e numa segunda fase efectuar uma peritagem ao carro devendo para tal fazer deslocar um perito num primeiro momento ao local onde se registou a ocorrêncía enformar, data e hora dessa deslocação para os
contactos indicados no cabeçalho.
Mais, informo V. EX.a que decorridos que sejam 7 dias úteis sem notícias suas, devidamente comprovadas, tomarei a iniciativa de requisitar imediatamente, numa primeira fase, os trabalhos conducentes à remoção da terra e do muro de cima do carro e numa segunda fase uma peritagem ao meu carro a qual será efectuada nas instalações oficinais da empresa T... Lda., sitas na ...
Importa e cumpre-me solicitar a V. EX.a que caso tenha companhia de seguros que cubra estes prejuízos envie cópia desta correspondência à mesma a fim de que a mesma possa diligenciar no sentido da quantificação dos prejuízos que eu sofri com a queda do seu muro e posteriormente proceder junto de mim ao pagamento dos mesmos (. . .)";
n)O autor subscreveu e enviou ao 2.° réu, B... S.A., escrito datado de 19-03-2010, do qual consta, além do mais, o seguinte:
(...)Assunto: Incidente ocorrido na Carapiteira de Baixo Lote 2, no dia 6 de Março de 2010, pelas 09h15m, envolvendo o muro lateral Sul do Lote 2 de Vossa propriedade e o meu veículo matrícula HM-MJ-835.
(...)Escrevo para comunicar a V. Ex.as os elementos que chegaram ao meu conhecimento relativamente ao incidente acima melhor identificado, com o intuito de lhe reclamar a correspondente indemnização pelos prejuízos sofridos.
No passado dia 06 de Março de 2010, pelas 09h15m, na Carapiieira de Baixo Lote 2, viu-se o meu veículo matricula ...-...-..., envolvido num incidente quando tombou sobre o mesmo o muro de Vossa propriedade que segura as terras do Vosso lote de terreno o Lote 1.
De acordo com os elementos que instruem o meu processo, revelava-se-me ser a responsabilidade pelo pagamento dos prejuízos decorrentes deste nefasto incidente imputável, numa primeira fase, ao Sr. J... na sua eventual qualidade de proprietário do referido lote de terreno, contudo após algumas diligências efectuadas verifiquei serem V. Ex.as os proprietários do lote 1 e consequentemente do muro que tombou sobre o veículo de minha propriedade (...).
Relativamente aos prejuízos causados informo que são bastante elevados e incidem em todo o meu carro.
(...) solicito a V. Ex.as se dignem numa primeira fase mandar remover o muro de cima do meu carro e numa segunda fase efectuar uma peritagem ao carro devendo para tal fazer deslocar um perito num primeiro momento ao local onde se registou a ocorrência e informar, data e hora dessa deslocação para os contactos indicados no cabeçalho.
Mais, informo V. Ex.as que decorridos que sejam 7 dias úteis sem notícias Vossas, devidamente comprovadas, tomarei a iniciativa de requisitar imediatamenie, numa primeira fase, os trabalhos conducentes à remoção da terra e do muro de cima do carro e numa segunda fase uma peritagem ao meu carro a qual será efectuada nas instalações oficinais da empresa T... Lda., sitas ...
Importa e cumpre-me solicitar a V. E.xas que caso tenham companhia de seguros que cubra estes prejuízos enviem cópia desta correspondência à mesma a fim de que a mesma possa diligenciar no sentido da quantificação dos prejuízos que eu sofri com a queda do seu muro e posteriormente proceder junto de mim ao pagamento dos mesmo, isto, dando-me conhecimento de qual a companhia de seguros (...)

Relativamente aos prejuízos a reclamar, importa nesta fase fazer referência aos seguintes.
1.-Prejuízo material decorrente da verba necessária à reparação do meu carro (. .. ).
3.-Prejuízo material por imobilização do meu carro (. .. ), requerendo desde já uma verba de 125,00 diários durante o tempo de imobilização, ou em alternativa, a Vossa disponibilidade imediata para alugar um carro com as mesmas características do meu, sem condutor, para o colocarem à minha disposição ( .. .).
4.-Eventual prejuízo material decorrente da necessidade de fazer deslocar ao local do incidente, mão de obra suficiente para remover o muro e a terra de cima do carro para posteriormente o enviar para as instalações oficinais da empresa T... Ld," ( .. .) onde eventualmente se virá a proceder à reparação do carro (. .. )";

o)Não tendo obtido resposta à carta a que alude a alínea m), o autor insistiu pelo aí solicitado, através de escrito datado de 20-04-2010, que enviou ao 1º Réu;
p)Não tendo obtido resposta à carta a que alude a alínea o), o autor enviou, no dia 01-06-2010, mensagem de correio eletrónico a B..., insistindo pelo aí solicitado;
q)Em consequência dos estragos causados pelo evento referido na alínea h), o veículo ficou impossibilitado de circular;
r)O veículo foi transportado para as instalações da oficina da sociedade T... Lda, sitas ..., onde se encontra desde o dia 12-04-2010;
s)O parqueamento do veículo nas instalações referidas na alínea s)importa o pagamento do montante diário de € 5,00;
t)O 2.° réu participou à 3.a ré a ocorrência do evento referido na alínea b);
u)O autor foi contactado com vista à realização de peritagem ao veículo solicitada pela 3.a ré;
v)Na sequência da participação referida na alínea u), a 3.a ré cometeu à sociedade de peritagens denominada Luso-Roux, S.A. a averiguação das causas do sinistro e a avaliação dos danos, tendo esta procedido a peritagem ao veículo no dia 05-05- 2010,
w)O autor solicitou a realização de peritagem ao veículo, a qual foi realizada pela sociedade R.... Lda, a 13-05-2010;
x)Os réus não facultaram ao autor um veículo de substituição;
y)Para utilizar nas suas deslocações, o autor alugou um veículo à sociedade T... Lda, mediante o pagamento do montante diário de € 32,50;

z)O autor procedeu ao pagamento à sociedade T... Lda das quantias seguintes:
-a 30-01-2014, a quantia de € 4.975,00, relativa ao parqueamento do veículo de matrícula ...-...-..., desde 12-04-2010 a 31-12-2012;
-a 30-01-2014, a quantia de € 33.540, relativa ao aluguer de veículo automóvel desde 06-03-2010 a 31-12-2012;
-a 16-01-2015, a quantia de € 4.489,50, relativa ao parqueamento do veículo de matrícula ...-...-..., desde 01-01-2013 a 31-12-2014;
-a 16-01-2015, a quantia de € 29.181,75, relativa ao aluguer de veículo automóvel desde 01-01-2013 a 31-12-2014;

aa)À data do evento referido na alínea b), o 2.° réu, B... S.A. havia transferido para a 3ª ré, Companhia de Seguros ..., S.A., a responsabilidade civil extracontratual por danos materiais e/ou corporais diretamente causados a terceiros, decorrentes da propriedade de prédios, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 50.00035139;
bb)Extrai-se das “Condições Particulares" da apólice a que alude a alínea aa), além do mais, o seguinte:
Franquia: Somente em Danos Materiais - 10% do valor da indemnização no mínimo de € 150,00";
cc)À data do evento referido na alínea b), o 2.° réu, B... S.A. havia transferido para a 3ª ré, Companhia de Seguros ..., S.A., a responsabilidade civil extracontratual por danos materiais e/ou corporais diretamente causados a terceiros, decorrentes do exercício da sua atividade, através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 34.00006557.

Inconformada, recorre Açoreana Seguros SA, concluindo que:

-No modesto entender da 3.ª Ré, ora Apelante, a douta sentença ora recorrida merece censura quanto à decisão de direito no que concerne ao montante indemnizatório em que a seguradora 3.ª Ré seguradora foi condenada, assim como e consequentemente, no que se refere ao montante dos juros vencidos e vincendos.
-Não pode, desde logo, a 3.ª Ré seguradora aceitar os montantes em que foi condenada pelo Mmo. Tribunal a quo a título de indemnização pela privação do uso do veículo sinistrado e decorrente do seu parqueamento, e alegadamente pagos pelo Autor à sociedade T... Lda. no montante total de €72.186,2S, destrinçada da forma seguinte:
-relativamente ao parqueamento do veículo sinistrado, as quantias de €4.97S,00 e de €4.489,00, relativas aos períodos de 12.04.2010 a 31.12.2012 e de 01.01.2013 a 31.12.2014, respetivamente, no montante global de €9.464,00;
-relativamente ao aluguer de um veículo automóvel de substituição, as quantias de €33.S40,00 e de € 29.181,7S, relativas aos períodos de 06.03.2010 a 31.12.2012 e de 01.01.2013 a 31.12.2014, respetivamente, no montante global de €62.721,75.
-Por outro lado, não pode a 3.ª Ré conformar-se, atenta a matéria constante na douta sentença recorrida, na alínea bb) dos factos provados, a qual determina a dedução da franquia contratual em «danos materiais» de «10% do valor da indemnização no mínimo de € 150,00"», com a condenação do 2.º Réu B... num montante que contempla tão-somente a percentagem de 1% do valor global indemnizatório no qual foram condenados o 2.º e 3.º Réus.
-No que concerne ao montante em que foram condenados o 2.º e 3.º Réus a título de indemnização por danos patrimoniais pela privação do uso do veículo sinistrado e decorrente do seu parqueamento, olvidou a douta sentença recorrida que, tendo resultado provada a perda total definitiva do veículo sinistrado, o que se concluiu no relatório de perda total definitivo de 17.05.2010 promovido pela 3.ª Ré (vide documento n.º 4 junto com a contestação da 3.ª Ré e, mais decisivamente, da peritagem levada a efeito a solicitação do próprio Autor, pela sociedade R... Lda. em 13.05.2010 (vide matéria de facto dado como provada na sentença, alínea "w", e documento nº 30 junto com a Petição Inicial, na qual, primeiro em "Informações Complementares", se responde "NÃO" à pergunta "[o veículo é economicamente reparável?" e, mais abaixo, se refere expressamente em "OBSERVAÇÕES": «Face aos valores constantes desta estimativa de reparação, obtida sem recurso à desmontagem do veículo torna-se evidente encontrarmo-nos perante a "Perda Total" do veículo. Esta "Perda Total" alicerça-se nas seguintes três ordens de razão:
1º)Aquando da desmontagem podem surgir danos que agora não se encontram visíveis originando assim um incremento no custo da reparação relativamente a esta estimativa.
2º} Só com base nos valores obtidos na presente estimativa já deve concluir pela inviabilidade económica desta reparação.
3º} A execução da reparação não é tecnicamente aconselhavel.» (página 2 do citado documento).
-Ou seja, em 13.05.2010, o Autor não quer e já sabe que nunca irá reparar o veículo.
-No entanto, persiste em, em vez de - podendo e devendo - dar baixa dele, como um "salvado" que o era, destinado a peças ou a sucata, mantê-lo parqueado ad aeternum, pelo custo de € 5,00 /dia como se fosse para algum dia vir a reparar.
-E reclamando a tal título a quantia total de €9.464,50, que a douta sentença recorrida veio a ratificar na sua totalidade.
-Por conseguinte, a responsabilidade da 3.ª Ré pelo parqueamento do veículo não poderia ter ultrapassado a data de 13.05.2010 pelo que deveria o Tribunal a quo ter-se contido dentro do limite temporal entre a data de chegada do veículo à oficina - 12.04.2010 -e a do referido relatório que consolidou a perda total, ou seja, por um máximo de 31 (trinta e um) dias.
-Ora, não resulta da matéria de facto provada supra referida que tenha o Autor comunicado à 3.ª Ré a necessidade de um veículo de substituição, nem que o tenha solicitado a esta em momento algum.
-Se o fez ao 2º Réu B..., a verdade é que jamais o fez à 3.ª Ré seguradora.
-Ao que acresce que, mais uma vez, a responsabilidade pela privação do veículo HH se deve conter entre a data do sinistro - 06.04.2010 - e a data em que se tornou efectivo pelo Autor o conhecimento da perda total do veículo - 13.05.2010 -, ou seja, no máximo, pelo período de 37 (trinta e sete) dias.
-Porquanto, desde essa data, o Autor podia e devia ter procedido à substituição do veículo sinistrado por um outro de qualidade e valor equivalentes.
-Sendo certo que tal agravamento do dano decorre do facto de o Autor ter voluntária e premeditadamente aguardado mais de 4 anos e meio para substituir o seu veículo
-atento o período de referência peticionado: até 31.12.2014, na sequência da ampliação do pedido e ao arrepio da resposta deduzida pela 3.ª Ré.
-Optando por insistir no aluguer de um outro veículo - no valor total de (62.721,75 - aluguer esse que se demonstrou muito mais dispendioso por comparação ao custo da substituição da viatura: em cerca de (pasme-se!) 3 vezes o valor da viatura sinistrada ao tempo do acidente.
-Ampliação do pedido aquela que só demonstra a intenção premeditada do Autor de potenciar o dano indemnizável cujo pagamento pretendia exigir aos Réus, obtendo um proveito excessivo e abusivo decorrente da sua deliberada inércia na promoção do abate do veículo sinistrado ou venda do salvado e na sua "necessária" substituição.
-Face a esse circunstancialismo, salvo o devido respeito por diferente opinião, deveria o Tribunal a quo ter considerado que o Autor sabia ou, pelo menos, tinha obrigação de saber, que com a sua actuação estava a agravar consideravelmente o dano cujo indemnização viria a exigir à Apelante.
-Ora, na verdade, impende sobre o lesado a obrigação de encetar todos os esforços ao seu alcance de atenuação ou não agravamento do dano indemnizável que "actuasse com a diligência adequada a ver decidida a questão litigiosa" (cfr. acórdãos do STJ, de 29/11/2005 e da Relação do Porto de 22.09.2011).
-Aconselhavam-no as regras da boa-fé, atenta a posição do Autor lesado, apresentando-se, consequentemente, a sua passividade como manifestamente irrazoável e contrária ao padrão de uma normalidade interventora a permitir considerar «culposa» a inércia do lesado, ao se ter furtado ao abate do veículo sinistrado ou venda do salvado e à aquisição de um veículo de substituição pelo mesmo valor e qualidade, e defender uma auto-responsabilidade que, sendo actuada pela ponderação das duas condutas e pela consequente repartição do dano global, só logrará atingir o seu significado se o lesado vier a receber uma indemnização nunca superior àquela que receberia caso tivesse contido o dano - cfr., neste sentido, o acórdão do STJ de 09.03.2010 supra referido.
-Como bem salienta o douto acórdão do TRL de 28.01.2016, «Sempre que o lesado haja contribuído para a produção ou agravamento do dano, o tribunal determinará, com base nas culpas de ambas as parte e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
O instituto do artigo 334.º do Código Civil traduz-se no exercício ilegítimo de um direito por o seu titular excedeu manifestamente os limites da boa-fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico desse direito.
Acolhendo a lei uma concepção objectiva do abuso do direito, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma clara»
-Dispõe o citado n.º 1 do art.º 570.º do Código Civil, que "quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída".

-Daí que estejamos, em nosso humilde entender, numa situação em que se justificava totalmente uma decisão do Tribunal a quo no sentido da redução substancial do montante indemnizatório fundada no concurso de facto do lesado para o agravamento do dano, mediante o protelamento da manutenção da situação muito para além do razoável - por pura inércia ou por outra causa para que se não encontra justificação, mas lhe é imputável -, a solicitar a intervenção do regime jurídico previsto no art.º 570.º, nº 1 do Código Civil.
-Justifica-se, por via disso, reduzir-se o valor do montante da indemnização a pagar a título de danos patrimoniais e de juros de mora para limites razoáveis por referência ao desnecessário e inadequado protelamento no abate e na substituição do veículo sinistrado, em repartição do dano global considerado, para cuja contenção o Autor se absteve de contribuir.
-Ensinava o Prof. Mota Pinto que "[os] arts. 562º e segs. contêm uma disciplina unitária para a responsabilidade extracontratual e para a responsabilidade contratual" (Direito Civil, 1980, 105) e os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela ressaltam que “o preceito impõe que o lesado deve ter contribuído com a sua culpa para o dano" e que “a culpa do lesado tanto pode reportar-se ao facto ilícito causador dos danos, como directamente aos danos provenientes desse facto" (vide  Cód. Civil Anotado, vol. I, 4ª Ed., págs. 588).
-No caso vertente, a conduta do Autor que se deixou tipificada acima contribuiu decisivamente para o agravamento desses danos.
-Como tal, o Autor é o responsável à luz do previsto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil pelos valores pagos pelo parqueamento do veículo sinistrado pelo período compreendido entre 13.05.2010 e 31-12-2014, por não ter procedido ao seu abate ou venda do salvado logo após ter tido conhecimento da perda total do veículo sinistrado e consequentemente, da decisão/impossibilidade da sua reparação e futura utilização enquanto veículo automóvel.

-Posto o que se justificava a decisão do douto Tribunal a quo no sentido da redução do montante indemnizatório devido pelas Rés à Autora num montante que resultasse justo, equitativo e actualizado, o qual se deveria ter fixado num montante não superior a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescido dos juros de mora legalmente devidos, reduzidos na mesma proporção.
-Esta redução impõe-se ainda com base na existência inequívoca no caso sub judice de abuso de direito por parte do Autor que agora resultou comprovado.
-O Autor, através do referido comportamento, com a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal- definidora (legal ou conceitualmente) de um seu direito de crédito, violou, no seu sentido concreto materialmente realizado a intenção normativa que fundamenta e constitui o direito por si invocado ou de que a referida conduta realizada se diz exercício - nesta medida, fez aquela um inequívoco exercício abusivo do direito que invoca.
-Devendo, assim, também por esse motivo e por força do disposto no art.s 334.º do Código Civil, revogar-se a douta sentença recorrida, julgando-se ilegítimo o exercício desse direito e, consequentemente, parcialmente improcedentes os pedidos formulados pelo Autor, devendo ver-se reduzido o montante indemnizatório devido pela 3.ª Ré, ora Apelante, ao Autor num montante que resulte justo, equitativo e actualizado, o qual deverá fixar-se, como já se defendeu, num montante não superior a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescido dos juros de mora legalmente devidos, reduzidos na mesma proporção.
-A este montante e tão-somente no que concerne à condenação da 3.ª Ré seguradora, haverá que deduzir o montante relativo à franquia contratual a cargo do segurado, aplicável ao contrato de seguro, de 10% (e não de 1% como a douta sentença recorrida, seguramente por lapso, aplicou e condenou o 2.º Réu BANIF segurado).
-A douta decisão recorrida viola, assim, o preceituado nos arts. 334.º, 562.º e 570.º, n.º 1, todos do Código Civil.

O Autor contra-alegou sustentando a bondade da sentença recorrida.

Cumpre apreciar.

Note-se que não está aqui em causa a indemnização relativa ao veículo sinistrado, no montante de € 16.500,00.

As questões colocadas pela recorrente são:
a)O custo do parqueamento do veículo;
b)O custo da viatura de substituição;
c)A quantia a pagar pelo segurado correspondente à franquia de 10%.

Entende a recorrente que o Autor, desde a peritagem efectuada por iniciativa deste, pela empresa RCR Lda em 13/05/2010, sabia que o veículo não era reparável, em termos económicos. Daí que devesse dar baixa do veículo como “salvado” em vez de o manter parqueado pelo custo de € 5,00/dia.
Contudo, e como refere o Autor, na peritagem em causa consta a seguinte advertência: “a Companhia de Seguros, eventualmente abaixo referida como requisitante, não será responsável pelo pagamento de qualquer reparação efectuada, se a vistoria for Condicional”. E de facto, a perícia da RCR menciona com clareza a sua natureza “condicional” - ver fls. 58.
O acidente teve lugar a 06/03/2010. O Autor comunicou tal acidente ao B... em 19/03/2010. Nem o B... nem a Seguradora ora recorrente se dignaram contactar o Autor, fosse de que modo fosse, levando o Autor a insistir junto de B... em 01/06/2010, com sucesso idêntico ao da anterior comunicação. Contudo, o B... comunicou o evento à Ré Seguradora.
O autor solicitou a já mencionada peritagem ao veículo, pela R... Lda em 13/05/2010.
Por seu turno a Ré Seguradora efectuou peritagem do veículo pela empresa Luso-Roux Lda em 05/05/2010.
Não se prova que a 3ª Ré tenha comunicado ao Autor os resultados de tal peritagem, a qual se pronunciou pela perda total do veículo, nem sequer se prova que a Seguradora tenha comunicado ao Autor ter assumido a responsabilidade pela indemnização resultante do acidente..
Perante o silêncio dos RR o Autor viu-se obrigado a instaurar a presente acção, em 19/12/2012.

Na sua contestação, a Ré Seguradora impugna todo o teor, pressupostos e conclusões subjacentes ao relatório da peritagem efectuada pela RCR. No art. 13º da contestação, refere:
gVem igualmente impugnar o teor do mesmo quanto aos factos nele relatados e relativamente aos efeitos e conclusões que o Autor deles pretende retirar, porquanto a 3ª Ré não interveio na elaboração do referido documento, não tendo sido emitado por si, nem directa nem indirectamente, desconhecendo a respectiva autenticidade, autoria, proveniência, justificação, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob os quais foi composto”.

Ou seja, pretende a Seguradora que o Autor devia ter dado baixa do veículo e tê-lo entregue para “abate” com base num relatório pericial que a mesma Seguradora não aceita nem reconhece.

Sendo que não provou ter comunicado ao Autor os resultados do exame pericial que ela própria mandou fazer.

Perante isto, a conduta do Autor mostra-se inteiramente justificada, ao manter a viatura parqueada até que a Seguradora não só assumisse a responsabilidade como o informasse de ter efectuado uma perícia e o seu resultado.

Mas a Seguradora não o fez, salvo na contestação na acção que o Autor se viu obrigado a intentar perante o silêncio da ora recorrente.

A funcionária da seguradora S..., da área da gestão de sinistros, afirmou mesmo que a Seguradora não contactou o Autor na sequência do relatório da peritagem feita pela Luso-Roux.

Perante isto, não se entende como pode a recorrente imputar ao Autor uma indesculpável inércia, convocando para o efeito o art. 570º nº 1 do Código Civil.

Diz a recorrente que o Autor desde a data da perícia da RCR Lda (que, anos depois, a mesma Seguradora continua a não aceitar) devia ter dado baixa do veículo como salvado, pelo que só aceita pagar o parqueamento até essa data.

Mas não é assim. A seguradora devia ter comunicado ao Autor o resultado da peritagem feita por iniciativa dela, assumido a responsabilidade pelo acidente e comunicado igualmente que deveria ser dada baixa do veículo, assumindo a Seguradora o pagamento do parqueamento até à data de tal comunicação.

Não o fez.

Repare-se que tendo a peritagem efectuada pela Seguradora, ou por sua iniciativa, tido lugar em 05/05/2010, a partir daí a Seguradora nada disse ao Autor até este se ver obrigado a propor a presente acção em fins de 2012. E perante isto a inércia é do Autor?

As mesmas considerações poderão ser aplicadas ao custo da utilização de um veículo de substituição.

Nos termos do art. 562º do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

A impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, implica a privação do uso do veículo para o lesado. Por tal privação deve o lesado ser ressarcido: a seguradora poderia ter colocado um veículo à sua disposição mas não só não o fez como nem sequer contactou com o lesado, apesar de bem ciente da ocorrência do sinistro e da perícia que mandou efectuar logo em 2010.

Ao invés constata-se que o Autor comunicou o sinistro ao B..., dono do muro que ruiu sobre o automóvel, não tendo recebido resposta, voltando a contactar o B... O segurado comunicou o sinistro à ora recorrente seguradora e esta levou a cabo peritagem do veículo que concluiu pela inviabilidade económica da reparação do mesmo. A seguradora não comunicou ao Autor essa conclusão da perícia, mais, não lhe comunicou fosse o que fosse, até que finalmente o Autor se viu obrigado a propor a acção.

Perante uma tal atitude de indiferença da seguradora e de desrespeito pelas suas obrigações contratuais, nomeadamente a de indemnizar o lesado, não deixa de ser estranho que venha agora a mesma Seguradora acusar o Autor de, em vez de usar um veículo de substituição alugado, não ter comprado um veículo. Mas a que título é que o Autor ia comprar um veículo sem saber se a Seguradora pretendia reparar o veículo sinistrado ou considerá-lo insusceptível de reparação(em termos de viabilidade económica) ?

Não satisfeita invoca a Seguradora o abuso de direito do Autor. E isto porque não deu baixa do veículo sinistrado nem o enviou para a sucata e não comprou um outro automóvel. Ou seja, o abuso de direito do Autor consiste, na tese da Seguradora, em não ter agido com a diligência necessária para defender os interesses da mesma Seguradora, fazendo aquilo que os serviços desta não fizeram.

Porém, o Autor, nãos sendo funcionário da Seguradora, quis logicamente acautelar os seus interesses, exercendo com total legitimidade o direito de utilizar um veículo alugado já que o seu se encontrava num estado que impossibilitava a sua utilização. Fez isso durante vários anos? Sim, fez isso durante os anos em que a Seguradora não lhe comunicou fosse o que fosse, não lhe propôs o pagamento da indemnização por um sinistro que ela aceita ser da responsabilidade do seu segurado, nem sequer o informou de que considerava a reparação inviável.

Ou seja, o Autor usou o seu direito dentro dos limites legalmente previstos.

Já no tocante à franquia, entendemos assistir razão à recorrente. Nos termos do ponto 3.1.1 ae) da apólice, incumbe ao segurado o pagamento de 10% da indemnização.

Sendo o valor total desta de € 88.686,25, o seu pagamento será repartido do seguinte modo:
-€ 8.868,62 a cargo do B...;
-€ 79.817,63, a cargo da Seguradora.

Conclui-se assim que:

-Ocorrendo um sinistro, devidamente comunicado pelo lesado, e tendo a seguradora procedido a perícia que concluiu pela inviabilidade económica da reparação do veículo, mas não tendo a seguradora comunicado ao lesado tal inviabilidade, nem lhe tendo proposto o pagamento de qualquer indemnização, apesar de ter assumido tal responsabilidade, terá o lesado de ser ressarcido com as despesas que suportou com o parqueamento do veículo sinistrado e o aluguer de um veículo de substituição.
-De resto, após a mencionada perícia, que não comunicou ao lesado – o qual não podia pois adivinhar se a seguradora pretendia ou não efectivar a reparação da viatura – a mesma seguradora manteve um silêncio total, forçando o lesado a intentar a presente acção.

Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, confirmando-se o montante global da indemnização em
€ 88.686,25, dos quais € 8.868,62 ficam a cargo do segurado B...
Acrescendo juros nos termos definidos na sentença recorrida.
Custas por recorrente e recorrido na proporção de 9/10 e 1/10.



LISBOA, 16/02/2017



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Decisão Texto Integral: