Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
221/14.9TBTVD.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: REIVINDICAÇÃO
ARRENDAMENTO RURAL
EMPREITADA
CRÉDITO DO EMPREITEIRO
DIREITO DE RETENÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. - O empreiteiro goza do direito de retenção para pagamento do crédito decorrente do preço da obra, nos termos do disposto no artigo 755º, do Código Civil;
II. - Para efeitos do referido em 5.1., exigível é que se verifique uma inequívoca conexão material e directa entre o crédito e a coisa/imóvel.
III. - O direito referido em 5.1. e .5.2., é pelo empreiteiro oponível ao titular do direito de propriedade [ em acção de reivindicação ] do imóvel onde o empreiteiro executou/incorporou determinada plantação objecto da empreitada e da qual deriva o crédito de que é titular.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção cível do Tribunal da Relação de LISBOA
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1.- Relatório
A, intentou acção declarativa sob a forma de processo comum, contra B, PEDINDO que uma vez julgada procedente a acção e Declarado ser o autor o dono e legítimo proprietário do prédio rústico designado "Quinta Velha do Espanhol", sito na Quinta do Hespanhol, freguesia de Dois Portos, Concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.° 772, da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1.°, secção CC1, seja o Réu Condenado a :
A) restituir ao autor o referido imóvel livre de pessoas e bens;
B) a pagar ao autor uma indemnização correspondente ao valor pela ocupação do imóvel, calculada nos termos do art. 609.°, n.° 2, do CPCivil, não inferior a €11.250,00;
C) a pagar as quantias vincendas até à efectiva restituição do mesmo imóvel livre de pessoas e bens;
D) no pagamento de uma indemnização a título de eventuais danos causados pela utilização do imóvel, a liquidar em execução de sentença.
1.1. - Para tanto, alegou o autor, em síntese, que:
- Adquiriu, em 1943, a propriedade do identificado prédio rústico por sucessão testamentária, estando o mesmo registado na CRPredial a seu favor ;
- Ocorre que, cerca de 25 hectares do referido prédio, onde está plantada uma vinha, foram ocupados pelo réu, sem qualquer título que justifique a sua posse, visto que o terreno lhe foi subarrendado [pela Casa Agrícola ……,Ldª, com quem o autor celebrou em 1996 um contrato de arrendamento rural] sem autorização do autor e o contrato de arrendamento a ele subjacente cessou em Julho de 2009;
- Tendo interpelado o réu, por carta de 18 de Dezembro de 2013, para pagar uma indemnização pela ocupação ilegal deste essa data e para desocupar o terreno, tal não veio a suceder até à presente data;
- Ao privar o réu o autor de obter rendimentos do terreno através de arrendamento, tal ocupação vem causando ao autor um prejuízo, até à data, de €11 250, 00 (€ 100,00/ha/mês, de 14-07-2009 a 18-12-2013).
1.2. - Regularmente citado, contestou o Réu por impugnação motivada [invocando que em 1996 iniciou o plantio de 22 hectares de vinha na propriedade do Autor, com o conhecimento e autorização do mesmo] e, concomitantemente, deduziu RECONVENÇÃO a título subsidiário, ou seja, e para o caso de procedência da acção, seja reconhecido ser o réu titular de um crédito sobre o autor no valor de €74 317,50, crédito [referente ao despendido na plantação da vinha, deduzido de parte do montante da produção entretanto entregue ao Autor] que lhe confere o direito de retenção do terreno reivindicado pelo autor até ao ressarcimento da totalidade da referida quantia.
 1.3. – Após Resposta do Autor e fixado o Valor da Acção, foi designada uma audiência prévia [no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tabelar, e bem assim, despacho de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas da prova, ao abrigo do disposto no artigo 596.°, n.° 1, do CPC] , tendo-se ainda proferido despacho de admissão do Pedido Reconvencional.
1.4.- Depois, após conclusão de Perícia Singular, teve lugar a audiência de discussão e julgamento, iniciada e concluída a 7/11/2018, e conclusos os autos para o efeito, foi proferida (a 26/11/2018) a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“(…)
III. Decisão
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1) Declaro o autor A como dono e legítimo proprietário do prédio rústico designado " Quinta Velha do Espanhol", sito na Quinta do Hespanhol, freguesia de Dois Portos, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.° 772, da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1.°, secção CC1 ;
2) Absolvo o réu B do demais peticionado.
Custas da acção pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
O valor da acção está fixado por despacho de 22-10-2014 (ref.a 119873128).
Registe e notifique.
26 de Novembro de 2018”
1.5.- Discordando da sentença identificada em 1.4., e com a mesma não se conformando, interpôs o Autor o competente recurso de apelação, que admitido foi, aduzindo nele o apelante as seguintes conclusões  :
I. Vem o presente Recurso de Apelação interposto da douta Sentença proferida nos identificados autos pelo Tribunal a quo, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarou o Autor, ora Recorrente, como dono e legítimo proprietário do prédio rústico designado "Quinta Velha do Espanhol", e absolveu o Réu, ora Recorrido, do demais peticionado.
II. Entende o Recorrente que o Tribunal a quo devia ter especificado quais os fundamentos de factos ou de direito que foram relevantes para concluir que o citado contrato de arrendamento se encontra vigente.
III. A douta Sentença recorrida é nula pois o Tribunal a quo não identificou qual o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural, nem enumerou as razões que conduziram ao entendimento que o indicado contrato encontra-se em vigor.
IV. Face aos factos por si alegados, conjugados com a prova produzida nos autos, impunha-se considerar o facto vertido na alínea c) dos factos provados como parcialmente provado.
V. A manter-se intocada a douta Sentença recorrida, apesar de todo o merecido respeito que a mesma nos merece, estaríamos perante uma decisão totalmente injusta, que viola séria e gravemente os direitos do Recorrente.
VI. Resulta da prova testemunhal produzida nos autos que o senhor Sebastião ….. administrava a Quinta do Hespanhol em representação do Recorrente.
VII. Também resulta da prova testemunhal que o Recorrente pretendia o pagamento de uma renda pela ocupação e exploração do terreno pelo Recorrido.
VIII. Mas o Recorrente não tinha conhecimento que a Casa Agrícola ….., Lda., obrigou-se a pagar ao Recorrido a quantia que aquela sociedade iria receber do IFADAP.
IX. Ou seja, o Recorrente não é terceiro em relação ao contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola …, Lda. e o Recorrido, mas é terceiro em relação ao acordo entre estes últimos, no que diz respeito ao pagamento com recurso ao IFADAP, por ser tratar de um negócio independente ao contrato de arrendamento.
X. Entende o Recorrente, salvaguardado o devido respeito, que existiu uma deficiente apreciação da prova produzida nos autos em apreço pela Meritíssima Juiz de Direito do Tribunal a quo, o que originou, por conseguinte, uma decisão injusta e totalmente contrária à prova carreada para os autos.
XI. A douta Sentença recorrida deu por provada a factualidade constante da alínea c) dos factos provados, a qual integra a seguinte matéria de facto - O autor teve conhecimento do negócio referido em b), bem como consentiu a ocupação e exploração do terreno pelo réu."
XII. Atenta a prova produzida nos autos, entende o Recorrente que tal factualidade apenas resultou parcialmente provada.
XIII. Salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Recorrente que a douta Sentença recorrida avaliou mal a prova produzida em julgamento, ao dar como provado que o Recorrente teve conhecimento do negócio referido na alínea b) dos factos provados, bem como consentiu a ocupação e exploração do terreno pelo Recorrido.
XIV. A testemunha Sofia ……, filha do Recorrente, referiu que que o Recorrente passava o tempo no escritório, ou na sala, e raramente passeava visitava os terrenos da Quinta do Hespanhol, onde residem.
XV. A testemunha Sofia …. também afirmou que era o seu falecido irmão, Senhor Sebastião ….., quem administrava a Quinta do Hespanhol e representava o Recorrente.
XVI. Por fim, a testemunha Sofia …. explicou que o Recorrente pretendia receber uma renda pela ocupação do Recorrido, renda essa que não recebia.
XVII. A testemunha Sofia …. esclareceu que o Recorrente não lidava directamente com o Recorrido.
XVIII. A testemunha Sofia …. também referiu que o Senhor Sebastião ……era o intermediário a quem o Recorrido devia pagar a renda e, posteriormente, esse valor seria entregue ao Recorrente pelo seu filho.
XIX. O depoimento da testemunha Sofia ….., que se mostrou credível, fundamentado e verosímil, corroborou que o Recorrente apenas tinha conhecimento do contrato de arrendamento celebrado entre a Casa Agrícola …., Lda. e o Recorrido e que o Recorrente pretendia receber uma renda pela ocupação do Recorrido, renda essa que não recebia.
XX. A testemunha Fernanda … afirmou que ouviu o Recorrente dizer que o Recorrido não pagava a renda e devia dinheiro.
XXI. A testemunha Fernanda …. "ouvia falar", mas sem estar "por dentro do assunto", que o Recorrido ocupava terrenos da Quinta do Hespanhol e não pagava nada ao Recorrente.
 XXII. O depoimento da senhora Fernanda …., que se mostrou credível e verosímil, corroborou que o Recorrido ocupava terrenos da Quinta do Hespanhol e não pagava nada ao Recorrente.
 XXIII. A testemunha Eduardo …. referiu que o Recorrente comentava que não recebia nenhuma renda pela ocupação do terreno pelo Recorrido.
XXIV. O depoimento do senhor Eduardo …., que se mostrou credível e coeso, corroborou que o Recorrente não recebia nenhuma renda pela ocupação do terreno pelo Recorrido.
XXV. A testemunha Maria …. referiu que nunca viu o Recorrente e Recorrido juntos, a falar.
XXVI. A testemunha Maria …. confirmou que era Sebastião Luís Perestrello, o filho do Recorrente, que tomava conta de uma parte da Quinta, da parte agrícola, com o nome Casa Agrícola Perestrello.
XXVII. O depoimento da testemunha Maria …., que se mostrou verosímil e coeso, corroborou que o senhor Sebastião Luís Perestrello tomava conta da parte agrícola da Quinta do Hespanhol, através da Casa Agrícola Perestrello e que era ele quem falava com o Recorrido.
XXVIII. A testemunha Carlos …. afirmou que o Recorrido explora 22 hectares na Quinta do Hespanhol e que, apesar de ser neste local onde o Recorrente reside e por cuja residência os trabalhadores das vinhas passavam para se dirigirem a estas, nunca viu o mesmo a passar por lá, ao contrário do que sucedia com o filho Sebastião ….., que passava várias vezes.
XXIX. O depoimento da testemunha António …, que se mostrou credível e coeso, corroborou que era o senhor Sebastião …… quem tomava conta da parte agrícola da Quinta do Hespanhol e que o Recorrente raramente passava pelas vinhas.
XXX. A testemunha António … referiu saber que o dono da Quinta é o Senhor João, aqui Recorrente, onde reside (no solar) passando por perto os trabalhadores que pretendiam dirigir-se às vinhas, mas era o filho, Sebastião ….. que viam mais vezes na exploração.
XXXI. O depoimento do senhor António …., que se mostrou credível e coeso, corroborou que era o senhor Sebastião …. quem tomava conta da exploração agrícola da Quinta do Hespanhol.
XXXII. O Tribunal a quo, face ao exposto, atendendo às declarações prestadas pelas testemunhas e à demais prova produzida, devia ter considerado a factualidade constante da alínea c) dos factos provados como parcialmente provada.
XXXIII. Face à prova produzida nos presentes autos, o Recorrente teve conhecimento do negócio referido na alínea b) dos factos provados — ou seja, o contrato de arrendamento rural.
XXXIV. O Recorrente desconhecia que a Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se a pagar ao Recorrido a quantia que aquela sociedade iria receber do IFADAP, por se tratar de um negócio à parte do contrato de arrendamento rural. E muito menos consentiu na celebração de tal negócio.
XXXV.  O Tribunal a quo não demonstrou os fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão proferida a final, ou seja, a douta Sentença recorrida.
XXXVI. O Recorrido tem título válido e legítimo para ocupar a área de 22 hectares do prédio em causa nos presentes autos.
XXXVII.  A Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião …., acordou com o Recorrido a plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio.
XXXVIII. O acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido se subsume a um contrato de arrendamento rural.
XXXIX . A Casa Agrícola Perestrello, Lda. tinha legitimidade para celebrar o contrato de arrendamento rural em apreço, devido aos poderes de administração que detinha sobre a propriedade, na pessoa em concreto de Sebastião ….. — vide alínea b) dos factos provados.
XL. Todavia, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que o Recorrente é terceiro em relação ao contrato de arrendamento rural celebrado entre o Recorrido e a Casa Agrícola Perestrello, Lda.
XLI. O Tribunal a quo deu como provado que, em 1996, a Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião …. que, ao tempo, administrava a propriedade referida em a), acordou com o réu a plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio referido em a) — vide alínea b) dos factos provados.
XLII. Ou seja, a Casa Agrícola Perestrello, Lda., na pessoa de Sebastião …., agiu com poderes de representação, administrando bens e interesses do representado, ora Recorrente.
XLIII. Deste modo, o Recorrente nunca poderia ser considerado como terceiro em relação ao contrato de arrendamento rural celebrado entre a indicada sociedade e o Recorrido.
XLIV. Salvo o devido respeito, que é muito, a motivação da douta Sentença recorrida é incongruente e contraditória.
XLV. Com efeito, o indicado contrato de arrendamento rural foi celebrado pela referida sociedade em nome do Recorrente.
XLVI. Por seu turno, o Tribunal a quo entendeu, e bem, que o acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido se subsume a um contrato de arrendamento rural.
XLVII. Todavia, depois de qualificar o acordo celebrado entre a indicada sociedade e o Recorrido como um contrato de arrendamento rural, o Tribunal a quo nada omitiu qualquer referência aos elementos essenciais deste tipo de contratos : o valor da renda, o início e o termo do mesmo.
XLVIII. O Recorrente não sabe que factos teve o Tribunal a quo por assentes e nos quais se baseou para decidir que o indicado contrato de arrendamento rural está em vigor.
XLVIX. Na verdade, o Tribunal a quo apenas refere que, em 1996, a Casa Agrícola Perestrello, Lda. acordou com o Recorrido a plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio em questão.
L. É que o Recorrente não alegou nenhuma outra vicissitude atinente ao específico contrato de arrendamento celebrado entre o réu e a Casa Agrícola Perestrello, quanto à sua génese, execução ou cessação, de modo a que se pudesse concluir que o mesmo não se encontraria vigente.
LI. Entende, pois, o Recorrente que o Tribunal a quo devia ter especificado quais os fundamentos de factos ou de direito que foram relevantes para concluir que o citado contrato de arrendamento se encontra vigente.
LII. Verifica-se, assim, que a douta Sentença recorrida é nula pois o Tribunal a quo não identificou qual o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural, nem enumerou as razões que conduziram ao entendimento que o indicado contrato encontra-se em vigor.
LIII. De acordo com o previsto no artigo 668.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
LIV. Ora, o Tribunal a quo devia ter especificado quais os fundamentos de factos ou de direito que foram relevantes para concluir que o citado contrato de arrendamento se encontra vigente.
LV. E ter identificado o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido.
LVI. Face ao exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 154.°, 607.° e 615.°, n.° 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil e artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.
Por todo o exposto, pretende-se que a douta Sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que:
- Identifique o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido;
- Concretize os fundamentos de facto e direito que conduziram ao entendimento que o indicado contrato encontra-se em vigor ;
- Que considere o facto vertido na alínea c) dos factos provados como parcialmente provado, nos seguintes moldes:
“ O Recorrente teve conhecimento do negócio referido na alínea b) dos factos provados — ou seja, o contrato de arrendamento rural - mas desconhecia que a Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se a pagar ao Recorrido a quantia que aquela sociedade iria receber do IFADAP, por se tratar de um negócio à parte do contrato de arrendamento rural
NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve ser julgado procedente o presente Recurso, substituindo-se a douta Sentença recorrida nos termos constantes das Conclusões. E assim se fará a tão costumada...JUSTIÇA!
1.6.- Tendo o Réu B, contra-alegado, veio o mesmo impetrar que seja a apelação do Autor julgada improcedente, porque não é a decisão recorrida merecedora de qualquer censura, seja de facto e/ou de direito, razão porque deve a mesma ser confirmada in totum.
Para tando, concluiu o Réu do seguinte modo:
1- Percorridas as extensas e confusas conclusões do Recorrente com que este delimita o recurso, verificamos que o faz com dois argumentos:
a) - Nulidade da decisão de direito;
b) - Pedido de alteração da resposta dada na alínea c) dos factos provados.
2- Quanto à nulidade da decisão de direito temos o seguinte: O A. ora recorrente intentou acção de reivindicação contra o R. ora recorrido, invocando o seu direito de propriedade sobre uma parcela de terreno com 22 hectares, explorada pelo R..
3- O R. ora recorrido explicou e provou as condições que o levaram a estar na posse da parcela sem contestar a propriedade do A..
4- O Tribunal reconheceu a propriedade do A. sobre a parcela e julgou a acção de reivindicação improcedente quanto ao mais, por considerar que da matéria de facto provada resulta que o R. tem um título legítimo para "ocupar" o imóvel - arrendamento.
5- O A. ora Recorrente acabou por reconhecer o R. como arrendatário da parcela primeiro em sede de audição prévia, tendo tal facto ficado exarado em acta, e depois nas suas conclusões de recurso — vide conclusão XLVI. Isto é, o A. ora recorrente conformou-se com o facto da acção de reivindicação ter sido julgada improcedente.
6- Todavia, solicita a nulidade da sentença com o argumento de que a mesma não especifica o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento, nem concretiza os fundamentos de facto e de direito que conduziram ao entendimento de que o indicado contrato se encontra em vigor. E solicita que seja substituída por outra que fixe tais requisitos, continuando a conformar-se com a improcedência do seu pedido. Confessadamente não entendemos o recurso e a sua motivação.
7- Para quem intentou uma acção de reivindicação alegando que o R. ocupava abusivamente o imóvel, e acaba confessando que o reconhece como arrendatário, este pedido para que o Tribunal elabore os termos de um contrato de arrendamento cujas cláusulas não foram objecto de discussão, afigura-se-nos no mínimo estranho, contraditório e ilegal. Esse não era o pedido da acção.
8- Por outro lado, a sentença, contrariamente ao que alega o Recorrente, explica exactamente os fundamentos que levaram à decisão, partindo dos factos assentes.
9- Entendemos assim que a sentença posta em crise não está ferida de nulidade contrariamente ao que defende o Recorrente, e que o seu recurso não é legalmente admissível atentas as conclusões em que o delimita.
10 - Quanto à alteração da matéria de facto, o recurso do A. não cumpre o estatuído no artigo 640° do C. P. Civil pelo que deve desde logo ser rejeitado; vejamos:
a) - Aponta um facto que considera incorrectamente julgado.
b) - Os meios probatórios que indica para impor decisão diversa são testemunhos prestados por quem em sequer depôs sobre os factos que o Recorrente pretende ver alterados. Basta ler a transcrição dos depoimentos e ouvir os mesmos nas passagens indicadas para assim se concluir.
c) - Mas ainda que assim não fosse, chegados ao fim da impugnação, o Recorrente não indica a decisão, que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
11- Pelo que somos forçados a concluir que o pedido à alteração da matéria de facto é inconsequente, e foi só para justificar o prazo do recurso de 30 + 10. Logo, deve o mesmo ser liminarmente rejeitado.
12- Finalmente a matéria de facto que o Recorrente pretendia discutir foi confirmada pela testemunha Marina ….. ouvida no dia e nas passagens indicadas na motivação da presente resposta, cujo depoimento o Recorrente não põe em causa.
13- A significar que mesmo que o recurso relativamente à alteração da matéria de facto fosse aceite, sempre deveria ser julgado improcedente por não provado.
14- Termos em que deve ser rejeitado o recurso.
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Thema decidendum
1.7. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir no presente Ac. são as seguintes  :
I - Na Apelação do Autor A,
A) Aferir se a Sentença do tribunal a quo é NULA , porque :
i - Integra vício subsumível na alínea b), do artº 615º, do Cód. Proc.Civil;
ii - Integra vício subsumível na alínea c), do artº 615º, do Cód. Proc.Civil;
B) Indagar se importa Alterar a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, em razão de competente impugnação deduzida por A e tendo por objecto o item de facto nº 2.3. [“ O autor teve conhecimento do negócio referido em 2.2, bem como consentiu a ocupação e exploração do terreno pelo réu”];
C) Aferir se incorre a Sentença do tribunal a quo em error in judicando ao julgar a acção parcialmente procedente.
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2. - Motivação de Facto
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1. - Na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, consta inscrita, sob a Ap. 2 de 1943/02/15, a aquisição a favor de A, por sucessão testamentária, do prédio rústico designado "Quinta Velha do Hespanhol", sito na Quinta do Hespanhol, freguesia de Dois Portos, concelho de Torres Vedras, descrito sob o n.° 772, da dita freguesia e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 1.°, secção C C1, da mesma freguesia e concelho.
2.2. - Em 1996, a Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião …. que, ao tempo, administrava a propriedade referida em 2.1., acordou com o réu a plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio referido em 2.1. .
2.3. - O autor teve conhecimento do negócio referido em 2.2, bem como consentiu a ocupação e exploração do terreno pelo réu.
2.4. - O autor, através das suas mandatárias, remeteu ao réu em 18-12-2013, carta registada com aviso de recepção, a notificá-lo para proceder ao pagamento de um montante indemnizatório ao autor pelo tempo de ocupação do terreno e à desocupação do mesmo de pessoas e bens, sob pena de procedimento judicial.
2.5. - À referida carta, respondeu o réu, através da sua mandatária, por carta de 30-12-2013, a informar que a propriedade é ocupada com autorização do autor, que é seu devedor.
2.6. - Apesar de interpelado, o réu, até à presente data, não procedeu a qualquer pagamento, nem desocupou o terreno.
2.7. -  O réu não paga ao autor remuneração ou compensação (valor mensal/renda) pela ocupação do terreno.
2.8. - A plantação foi orçamentada em € 220 000,00, montante que seria necessário para plantar a vinha com as castas escolhidas, aramá-la, cuidá-la, até começar a produzir o que demoraria cerca de dois/três anos, tarefa que ficou a cargo do réu contra o pagamento daquela quantia.
2.9. - A Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se a pagar ao réu a referida quantia do seguinte modo: a quantia aproximada de € 100 000,00, que iriam receber do IFADAP, ao tempo, e o restante anualmente, correspondente a 25% da produção.
2.10. - O réu plantou alicante bouschet, periquita, caladoc e tinta Roriz, e preparou a vinha para começar a produzir, em duas fases, entre 1996 e 1998, em cerca de metade da área do terreno cada, tendo começado a produzir cerca de dois/três anos depois.
2.11. - No período de tempo que decorreu até as vinhas começarem a produzir, o réu tomou conta das mesmas a expensas suas.
2.12. - A Casa Agrícola Perestrello, Lda. não pagou ao réu a quantia de € 100 000,00, tendo ficado acordado que o réu ficaria a explorar as vinhas, a expensas suas, e 25% da produção em cada ano seria destinada à Casa Agrícola Perestrello, Lda., para abater na dívida ao réu, até este reaver o seu investimento.
2.13. - No final do ano de 2003, o réu acordou com a Casa Agrícola Perestrello, Lda., em concreto, com Sebastião ..., que se encontrava em dívida a quantia não concretamente apurada de cerca de € 170 000,00, descontando as quantias entregues e o que já tinha recebido da produção.
2.14. - As contas foram certificadas pelo contabilista da Casa Agrícola Perestrello, Lda., o que foi confirmado por Sebastião …..
2.15. - Desde então e até 2013, no final de cada ano, o réu enviava ao mesmo contabilista e a Sebastião …, o valor da produção, deduzindo ao valor em dívida a quantia de 25%.
2.16. - À data de 2013, ainda se encontra em dívida ao réu a quantia não concretamente apurada de cerca de € 75 000,00.
2.17. - Em 1996, a terra estava inculta e, assumindo a sua exploração como vinha em infinitos ciclos de 35 anos, tinha um valor potencial estimado aproximado, de € 395538,00 (€ 17 979 €/ha x 22 ha),
2.18. - Com base no investimento inicial de € 220 000, 00, sem repetição futura ou reinvestimento previstos, a "mais valia" ou " lucro" gerada no terreno corresponde a €13 423/€ha x 22ha, perfazendo € 295 306,00.
2.19. - Em 2017, o "lucro acumulado" ou o "fluxo de caixa acumulado", caso os rendimentos anuais provenientes da exploração da vinha ficassem na totalidade para o réu, cifra-se no valor de € 82 512,00.
B) NÃO PROVADA
2.20. - Que, em 01-10-1996, o autor celebrou com a Casa Agrícola Perestrello, Lda. - gerida por Sebastião … - um acordo mediante o qual declarou arrendar-lhe 50 hectares do prédio rústico referido em 2.1., o qual foi revogado em 14-07-2009, tendo a Casa Agrícola Perestrello, Lda. desocupado o imóvel;
2.21. - Que o réu tivesse sido contratado pelo autor;
2.22. - Que a área de exploração contratada tivesse cerca de 25 ha;
2.23. - Que, na sequência da revogação do contrato referido em 2.20., o autor tomou conhecimento de que o réu ocupava e continuava a ocupar o referido imóvel;
2.24. - Que o réu não suporta encargos com a manutenção do mesmo (impostos, taxas, seguros e outras despesas).
2.25. - Que o autor propôs ao réu a celebração de um contrato de arrendamento, o que não teve a concordância do réu, que o não assinou, seguindo-se várias tentativas de resolução amigável da situação levadas a cabo pelo mandatário do autor, à data, com vista à desocupação do terreno que não vieram, no entanto, a ser bem-sucedidas.
2.26. - Que o referido imóvel, se fosse arrendado às condições de mercado, poderia render uma quantia mensal aproximada de € 100/hectare.
2.27. - Que o réu sabe que, com a sua conduta está a lesar o direito do autor, actuando com dolo ou má fé;
2.28. - Que o autor se tivesse obrigado a pagar a quantia referida em 2.8.;
2.29. - Que o início da produção, referida em 2.8 demoraria cerca de quatro anos;
2.30. - Que o réu, entre 1996 e 2002, tivesse plantado, primeiro 10 hectares, com alicante bouschet, periquita, caladoc, e depois 12, com tinta roriz e periquita;
2.31. - Que autor e filho receberam o dinheiro referente ao subsídio comunitário;
2.32. - Que tivesse ficado acordado que 25% da produção em cada ano seria destinada ao autor;
2.33. - Que o réu acordou com o autor, por intermédio do filho deste, que se encontrava em dívida a quantia de € 169 160,45;
2.34. - Que a certificação das contas foi facto sempre confirmado pelo autor ao réu, na presença de várias pessoas;
2.35. - Que o autor conversava com o réu, na propriedade, e sempre mostrou conhecimento e concordância com as referidas contas;
2.36. - Que, desde então e até 2013, apuraram-se os seguintes valores: 2004: € 12 228, 31 (25% da produção); 2005: € 8 869, 50 (25% da produção); 2006: € 13 062, 94 (25% da produção); 2007: € 5 095,41(25% da produção); 2008: € 7 296,33 (25% da produção); 2009: € 11837, 81 (25% da produção); 2010: € 8 951, 55 (25% da produção); 2011: € 8374, 98 (25% da produção); 2012: € 11 502, 84 (25% da produção); 2013: € 7 623, 28 (25% da produção); no total de € 94 842, 95.
2.37. - Que, à data de 2013, ainda se encontra em dívida ao réu a quantia de € 74 317,50.
2.38. - Que os actos praticados pelo réu foram sempre do conhecimento do autor, que inúmeras vezes conversou com o réu sobre o assunto, confirmando que era o seu filho que tomava conta de tudo e o que ele acordasse tinha o seu assentimento, inclusivamente lamentando e imputando ao seu filho a responsabilidade de não ter entregue ao réu o dinheiro do IFADAP, contrariamente ao acordado.
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3. - Da apelação de A.
3.1. - Das invocadas nulidades da sentença.
A) Do vício subsumível na alínea b), do artº 615º, do Cód. Processo Civil.
Discordando do entendimento vertido na sentença apelada na parte em que na mesma se considera existir um contrato de arrendamento que se encontra vigente, mas sem que ( alegadamente) da mesma sentença [ em termos de facto e de direito ] se mostre identificado qual o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido, diz o recorrente A que padece a sentença recorrida do vício de NULIDADE do artº  615.°, n.° 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil.
Consequentemente, e em sede de suprimento dos vícios de NULIDADE acima identificados, impetra o recorrente que deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que identifique o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido, em suma, concretize os fundamentos de facto e direito que conduziram ao entendimento que o indicado contrato encontra-se em vigor.
Qualquer das aludidas NULIDADES, e adiantando desde já o nosso veredicto, são vícios formais dos quais não padece de todo – e manifestamente - a sentença recorrida
No essencial, mais uma vez [porque em causa está um erro que recorrentemente se verifica no âmbito de instâncias recursórias, e que é confrangedoramente repetitivo, confundindo as partes o erro material ou erro no julgar – vg. em sede de interpretação da lei e/ou de subsunção dos factos ao plano abstracto da norma aplicável – com o mero “error in procedendo” ou erro formal] e ostensivamente, vem também o recorrente subsumir na previsão do nº1, do artº 615º, do CPC, um pretenso vício que nele não cabe de todo.
É que, e além de o mero vício formal do artº 615º, nº.1, al. b), do Código de Processo Civil [a qual reza que é nula a sentença quando “ Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”] apenas ter lugar quando seja a parte confrontada com uma falta absoluta de motivação [quando a mesma não existe de todo, já não sendo a sentença NULA quando existe alguma fundamentação, mas é ela exígua, escassa, ou até mesmo pobre], acresce também que o vício de nulidade a que se refere o artº 615º, nº.1, al. c), do Código de Processo Civil [quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”] “não se confunde com o erro de subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta”, ou seja, “quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”. (1)
Ora, se atentarmos à sentença recorrida, é manifesto que da mesma constam quais os fundamentos de facto e de direito que conduzem ao respectivo comando decisório, ou seja, à mera procedência parcial da acção.
Na verdade, consta da sentença apelada que o Autor logrou provar, ainda que com base em mera presunção registral, o direito de propriedade sobre o imóvel objecto da acção, isto por um lado,  e , por outro, que logrou também o réu provar ser titular de titulo que legitima continuar/manter-se  na ocupação do aludido imóvel, razão porque não pode proceder  o pedido do autor no tocante à solicitada restituição do prédio.
Discordando o Autor da aludida fundamentação [ que é clara, coerente, logo, acessível e de todo não ininteligível ] , máxime considerando que em face dos factos provados, não podia o Exmº julgador a quo concluir pela prova da existência de título que permite ao réu permanecer na ocupação do prédio do Autor, não o restituindo, então o erro que afectará a sentença será já um erro de julgamento, erro material, e não um  qualquer erro formal, ou erro gerador de nulidade “.
Sem necessidade de mais considerações, porque despiciendas, e porque ostensivo é que integra a sentença apelada a pertinente FUNDAMENTAÇÃO de facto e de direito [concorde-se, ou não, com a mesma, e ainda que tenha o Autor razão nas críticas de julgamento que lhe dirige], tanto basta para julgar que a mesma não padece de todo de qualquer vício formal de NULIDADE [vício este – isto é, subsumível no nº1, do artº 615º, do CPC] , insiste-se, que nada tem que ver com eventual erro de julgamento.
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3.2- Se in casu se impõe a alteração da decisão do tribunal a quo relativa à matéria de facto.
              Analisadas as alegações e conclusões do apelante A, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, inquestionável é que impugna o recorrente uma resposta/julgamento da primeira instância no tocante a concreto ponto de facto da referida decisão [ o vertido no item 2.3. do presente acórdão ] , considerando para tanto ter sido o mesmo – em termos parciais - incorrectamente julgado.
Por outra banda, tendo presente o conteúdo das apontadas peças recursórias, impõe-se reconhecer, observou e cumpriu o apelante as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando o concreto ponto de facto que considera como tendo sido incorrectamente julgado, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente , indicando qual a diferente resposta que deveria o tribunal a quo ter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das testemunhas pelo apelante indicadas, procedeu o mesmo, outrossim, à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada e nas quais ancora a ratio da impugnação deduzida.
Destarte, na sequência do exposto, nada obsta [ao invés do entendimento do apelado] , portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração da  resposta ao ponto de facto impugnado [ que é o reproduzido no item  2.3 do presente Ac. ] .
3.2.1. - Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Tendo o tribunal a quo julgado provado [no item 2.3.] que O autor teve conhecimento do negócio referido em 2.2, bem como consentiu a ocupação e exploração do terreno pelo réu”, entende o Autor recorrente que em face da prova produzida, máxime de natureza testemunhal, forçoso era que tivesse a primeira instância , e no âmbito do aludido ponto de facto, considerado apenas provado que “O Recorrente teve conhecimento do negócio referido na alínea b) dos factos provados — ou seja, o contrato de arrendamento rural - mas desconhecia que a Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se a pagar ao Recorrido a quantia que aquela sociedade iria receber do IFADAP, por se tratar de um negócio à parte do contrato de arrendamento rural”.
Com referência à pretensão do apelante A, importa começar por precisar que, naturalmente, não faz qualquer sentido que concreto ponto de facto inclua conceitos e qualificações de natureza jurídica [v.g. contrato de arrendamento rural], isto por um lado e, por outro, que se transporte para item da fundamentação de facto meros “juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios e valorações de factos“, pois que, todos eles importam uma actividade que é de todo “estranha e superior à simples actividade instrutória. (2)
De resto, ainda que o actual CPC não inclua uma disposição legal com o conteúdo do artº 646º n.º 4 do pretérito CPC (o qual considerava não escritas as respostas sobre matéria de direito), é todavia nossa convicção que tal não permite concluir que pode agora o juiz incluir no elenco dos factos provados meros conceitos de direito e/ou conclusões normativas, e as quais, a priori e comodamente [porque têm a virtualidade de, por si só, resolverem questões de direito a que se dirigem (3)], acabem por condicionar e traçar desde logo o desfecho da acção ou incidente, resolvendo de imediato o thema decidendum.
Ou seja, continua para nós a ser válido o entendimento de que o que importa é que a decisão de direito venha a ser resolvida no momento adequado, e tendo ela por base e objecto a realidade concreta apurada - factos concretos - e revelada nos autos por via da instrução, sendo então e de seguida - após aquela fixada - os subjacentes factos concretos objecto de valoração jurídica.
Outrossim, importa também que, no âmbito de impugnação de decisão de acto proferia pelo tribunal a quo, e almejando v.g o recorrente que a concreto ponto de facto seja conferida uma decisão diversa e restritiva, que a nova redacção do mesmo se circunscreva ao âmbito da matéria de facto vertida/incluída na resposta inicial.
Ou seja, vedado está à parte, através da faculdade da impugnação de ponto de facto, pretender que passe o mesmo a incluir matéria que excede e exorbita de todo o âmbito da matéria de facto da resposta primitiva.
Isto dito, porque o item de facto nº 2.3. apenas alude ao conhecimento do negócio referido em 2.2, e, bem assim, ao consentimento pelo Autor da ocupação e exploração do terreno pelo réu [mais exactamente na plantação pelo réu de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio referido em 2.1.], nenhum sentido faz que deva agora o ponto de facto nº 2.3. passar a aludir a conhecimento/desconhecimento pelo Autor de especifica obrigação da Casa Agrícola Perestrello, Lda. perante o Réu Recorrido.
Ademais, e porque também de natureza conclusiva [“ a Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se a pagar ao Recorrido a quantia que aquela sociedade iria receber do IFADAP, por se tratar de um negócio à parte do contrato de arrendamento rural”] ¸ temos assim que no âmbito da impugnação pelo Apelante do ponto de facto nº 2.3., apenas importa aferir se deve o respectivo conteúdo deixar de integrar a alusão/referência ao consentimento pelo autor da ocupação e exploração do terreno pelo réu.
Ora Bem
A justificar o julgamento pelo apelante impugnado, consta da sentença recorrida [em obediência ao nº4, do artº 607º, do CPC], que:
“ - Factos sob b) e c) - resultou provado em função do acordo das partes (quanto à data da contratação) e ainda do teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência: Sofia …, filha do autor e irmã do falecido Sebastião …., que referiu ser este que, à data, geria a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e que, nessa qualidade, contratou o réu para plantar uma vinha em cerca de 21/23 hectares da propriedade, do que o seu pai, pese embora não tivesse contacto directo com o réu, tinha conhecimento, sabia que as terras estavam ocupadas, e inclusivamente pretendia receber uma renda por essa ocupação, renda que não recebia, pelo que, por várias vezes, manifestou não perceber se o réu pagava ou não alguma renda, posto que o filho Sebastião sempre lhe disse que não pagava; Fernanda …., que trabalhou para o autor, de 1994 até 2012, no secretariado da Abalada, S.A., empresa que se dedicava à realização de eventos, confirmou que a Casa Agrícola Perestrello era o nome da empresa do filho do autor, Sebastião ……, e "ouvia falar", mas sem estar "por dentro do assunto", que o réu ocupava terrenos da Quinta do Hespanhol e não pagava nada ao autor, e não sabiam a quem o réu pagava a renda; Eduardo ….., irmão do autor, que referiu que foi do sobrinho, Sebastião …., a iniciativa de "amanhar" a quinta, vindo a saber que este tinha cedido a exploração ao réu B e que o autor, que tinha uma relação de "altos e baixos" com o filho, comentava que não recebia nenhuma renda da terra, referindo ainda que "o problema" só se levantou depois do sobrinho ter falecido, há 4 anos ; Maria …., que foi trabalhadora da Quinta do Hespanhol, desde os 11 anos de idade e até 2004/2005 e afirmando desconhecer não saber da existência de nenhum contrato, referiu que era Sebastião ….., o filho do autor, que geria uma parte da Quinta, na parte agrícola, com o nome Casa Agrícola Perestrello ; Carlos ……., que foi trabalhador agrícola do réu durante 20 anos, sempre na Quinta do Hespanhol, tendo-se reformado em 2012, tendo referido que o réu explora 22 ha nesta Quinta e que, apesar de ser neste local onde o autor reside e por cuja residência os trabalhadores das vinhas passavam para se dirigirem a estas, nunca viu o mesmo a passar por lá, ao contrário do que sucedia com o filho Sebastião …., que passava várias vezes, mais referindo nada saber de contratos ou de rendas; Marina …., empregada de escritório do réu desde 2009, sendo a responsável pela contabilidade, referiu que este explorava 22 ha na Quinta do Hespanhol, tendo sido contratado para fazer a plantação da vinha, sendo as "contas" feitas sempre com a Casa Agrícola Perestrello, entidade que entrava em "lançamento contabilístico"; António ….., trabalhador agrícola do réu, desde há 25 anos, na Quinta Hespanhol, referiu trabalhar na exploração de vinha numa área de 22 ha e ainda saber que o dono da Quinta é o Sr. João, aqui autor, onde reside ( no solar ) passando por perto os trabalhadores que pretendiam dirigir-se às vinhas, mas era o filho, Sebastião ….. que viam mais vezes na exploração.
Os depoimentos acima expostos na parte relevante e as regras da experiência da normalidade e do comum, permitem-nos alcançar a prova dos factos em apreço, em especial que a contratação da exploração da vinha, em cerca de 22 ha, apesar de ter ocorrido entre o réu e a Casa Agrícola Perestrello, era do conhecimento do autor, e mais do que isso, era exploração e ocupação consentida pelo autor, revelada no comportamento concludente que adoptou ao manifestar por várias vezes que pretendia receber renda da exploração da vinha e que isso não acontecia, desconhecendo, no entanto, se a mesma era ou não recebida pelo filho, Sebastião ….., sendo questão que, de resto, só passaria a ser verdadeiro problema após o falecimento do filho há cerca de 4 anos.”
Conhecida a ratio do julgamento de facto do tribunal a quo, e , bem assim, os fundamentos da discordância do apelante,  e analisada/ouvida a prova pelo recorrente invocada para justificar a alteração da redacção do ponto de facto impugnado, temos para nós que está longe a mesma de evidenciar um qualquer erro de julgamento da primeira instância, nada apontando para uma incorrecta apreciação da prova por parte da Exmª Juiz a quo .
De resto, e algo paradoxalmente, socorre-se o apelante dos depoimentos prestados e por si invocados essencialmente [ questão na qual o apelante coloca o acento tónico ] para sustentar/corroborar que o recorrente nada recebia pela ocupação da Quinta pelo recorrido, que não especificamente para ancorar e alicerçar a desadequação da resposta do tribunal a quo no tocante à decisão/prova do seu consentimento pela ocupação e exploração do terreno pelo réu.
Acresce que, além de dos depoimentos pelo apelante invocados não resultar a infirmação do consentimento do Autor pela ocupação e exploração do terreno pelo réu, é igualmente a mesma perfeitamente inócua para ancorar, não apenas a prova da ausência do seu consentimento pela ocupação e exploração ( a se ) do terreno pelo réu, mas designadamente a prova do desconhecimento pelo recorrente do acordo [ estabelecido entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o réu] a que se refere o item de facto nº  2.9.
Aqui chegados, recorda-se que a impugnação de decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo não obriga à realização de um segundo ou um novo julgamento [ sendo nesta matéria a competência do tribunal ad quem meramente residual, circunscrevendo-se os respectivos poderes à reapreciação de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados (4) ], ou seja, a referida impugnação não transforma o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes , antes incumbe tao só à “ segunda instância proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.” (5)
Consequentemente, aquando da formação da convicção pelo ad quem, importante é não esquecer que, se é certo que o princípio da imediação não pode constituir obstáculo à efectivação do recurso da matéria de facto, a pretexto de, na respectiva decisão, intervirem elementos não racionalmente explicáveis (6), a verdade é que [ o que ninguém ousa questionar ] muito do apreendido pelo Julgador da primeira instância nunca chega - porque não é gravado ou registado - ao ad quem, sempre existindo inúmeros factores difíceis de concretizar ou verbalizar e que são importantes e decisivos em sede de formação da convicção , e , coerentemente, deve assim a Relação evitar introduzir alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados. (7)
Ora,  porque a prova pelo apelante invocada e que por nós foi escalpelizada está longe de evidenciar um qualquer erro de julgamento de facto em relação ao item 2.3., inevitável se mostra a improcedência da impugnação do apelante.
Em suma, a factualidade  a atender no âmbito do mérito da apelação é aquela que o tribunal a quo fixou.
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4. - Se incorre a Sentença do tribunal a quo em error in judicando ao julgar a acção, apenas, parcialmente procedente.
Rememorando, analisadas as alegações recursórias do apelante, obviamente que não questiona  o recorrente o acerto da sentença apelada no tocante à decisão do reconhecimento de que é o autor A , o dono e legítimo proprietário do prédio rústico designado " Quinta Velha do Espanhol", sito na Quinta do Hespanhol, freguesia de Dois Portos, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.° 772, da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1.°, secção CC1 .
Porém, quando tudo apontava para que a discordância do apelante A se dirigisse para a sentenciada -  pelo tribunal a quoimprocedência da acção no tocante a tudo o demais que peticionou na acção, máxime no tocante ao pedido formulado de condenação do Réu  a restituir-lhe o supra referido imóvel livre de pessoas e bens, eis que algo paradoxalmente vem o apelante, em sede de alegações recursórias, a reconhecer e a admitir expressis verbis ( sic) que :
É verdade que o Recorrido tem título válido e legítimo para ocupar a área de 22 hectares do prédio em causa nos presentes autos”.
(…)
O Recorrente aceita que o acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido se subsume a um contrato de arrendamento rural.
Inclusivamente, o Recorrente concorda que a Casa Agrícola Perestrello, Lda. tinha legitimidade para celebrar o contrato de arrendamento rural em apreço, devido aos poderes de administração que detinha sobre a propriedade, na pessoa em concreto de Sebastião ….. “.
Mais adiante, e como que a infirmar o reconhecimento acabado de aludir, vem já o apelante A a manifestar a sua incompreensão para o entendimento do tribunal a quo no sentido de permanecer o supra aludido contrato de arrendamento rural ainda em vigor, quando para tanto nem sequer menciona a primeira instância quaisquer factos [ vg data do início e do termo do contrato, e o valor da renda ] provados susceptível de alicerçar uma tal conclusão.
Termina assim o apelante , já em sede de conclusões, por impetrar que deva a sentença apelada ser revogada e substituída por outra que “  Identifique o valor da renda, início e termo do contrato de arrendamento rural celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o Recorrido, ou seja, que concretize os fundamentos de facto e direito que conduziram ao entendimento que o indicado contrato encontra-se em vigor.
Não sendo, como manifestamente o não é, a peça recursória do apelante um exemplo de cumprimento, com clareza e objectividade, do ónus a que alude o nº1, do artº 639º, do CPC , temos para nós que [  e não olvidando o disposto no nº 3, do artº 5º, do CPC , nos termos do qual , o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito ] tudo  indica que o apelante discorda [ o que manifesta de uma forma no mínimo pouco feliz ] no essencial e em rigor do entendimento do tribunal a quo no sentido de dispor o Réu de título que lhe permite obstar à impetrada condenação a restituir ao autor o imóvel livre de pessoas e bens.
Vejamos, portanto, se bem andou o tribunal a quo em julgar a acção improcedente no tocante ao pedido formulado pelo autor/apelante de condenação do Réu a restituir-lhe o imóvel livre de pessoas e bens;
Ora bem
Importa, antes de mais, começar por precisar que, para nós, é pacífico que a acção pelo apelante intentada consubstancia uma efectiva e típica acção de reivindicação ( acção real ), e isto porque, como ensina o Prof. Manuel Rodrigues (8),“há na acção de reivindicação um indivíduo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade e há finalmente um fim, que é constituído pela declaração de  existência da propriedade e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade  incide “.
Alinhando por coincidente entendimento, também para Manuel Salvador (9), e Pires de Lima e Antunes Varela (10), na acção de reivindicação, que é uma acção condenatória, compreendem-se essencialmente dois pedidos concomitantes, a saber: o pedido de reconhecimento de determinado direito de propriedade e o pedido de entrega da coisa objecto desse mesmo direito ( cfr. de resto o disposto do nº1, do artº 1311º, do CC ), nada impedindo, porém, que o autor da reivindicação junte ainda aos dois pedidos referidos o pedido de indemnização. (11)
Em face do referido, e concluindo como o faz o Prof. Manuel Rodrigues (12), dir-se-á que é da sua causa petendi e do seu fim que resulta imediatamente a natureza da acção de reivindicação, sendo que, reconhecendo-se ao reivindicante o direito real de propriedade invocado, a restituição do bem que constitui o seu objecto mediato só poderá ser-lhe recusada nos casos expressamente previstos na lei (artº 1311º, nº 2, do Código Civil).
Daí que, na sequência do acabado de expor, tem-se inclusive já entendido que o verdadeiro e específico pedido, na acção de reivindicação, é o de condenação a restituir - daí o nome latino rei vindicatio” - funcionando o primeiro pedido como preparatório ou premissa do segundo, tanto assim que se tem considerado o mesmo como implícito e quando não expressamente formulado.(13)
Em suma, como se decidiu no Ac. do STJ de 8/2/2011,“ demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a entrega/restituição surge como consequência, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela “. (14)
Impondo-se de seguida tecer ainda breves considerações sobre a causa de pedir da acção de reivindicação, recorda-se que, tendo o nosso legislador sufragado a teoria da substanciação [ diz-nos o nº 4, do artº 581º, do CPC que, “ Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real“ ], é consensual ( na doutrina e jurisprudência ) o entendimento de que, na acção de reivindicação, a causa de pedir não é o direito de propriedade em si mesmo, sendo antes o facto jurídico de que tal direito real deriva/emerge.
Tal equivale a dizer que, para preencher a causa petendi de uma acção Real, não basta a invocação pelo demandante de um negócio translativo de propriedade (pelo menos quando não beneficiar o demandante de uma qualquer presunção legal de propriedade), antes terá ele de alegar/invocar os factos dos quais resulte a aquisição originária do domínio por parte dele ou de um transmitente anterior. (15)
Ou, dito de uma outra forma (16), " Se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito".
Mas, acrescentam os mesmos e ilustres autores citados, “Se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (...). É preciso provar que o direito já existia no transmitente, o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir. Para esse efeito, podem ter excepcional importância as presunções legais resultantes da posse ( ... ) e do registo ( ... )". (17) (18)
Postas estas breves considerações, se atentarmos aos fundamentos da presente acção [invoca o Autor/apelante o direito de propriedade sobre determinado imóvel, alegando que o  Réu não o entrega , e isto apesar de não dispor de título – como o alega na petição inicial, peça em que a parte expõe os fundamentos que constituem a causa de pedir ,cfr artº 552º,nº1, alínea d), do CPC - que lhe permita mantê-lo sob a sua alçada e a dele poder usufruir] e , bem assim, ao conteúdo dos pedidos que na mesma deduz o Autor [vg o de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que o A identifica na p.i. , sendo o Réu condenado a restituí-lo], forçoso é pois concluir que a acção da qual emerge a presente instância recursória, é, manifestamente, uma acção de reivindicação.
Em face do acabado de expor, e perante a factualidade provada, e, de resto porque nesta parte não existe sequer uma qualquer discordância das partes sobre tal decisão, não é assim a sentença apelada merecedora de qualquer censura na parte em que (e com base na presunção derivada do registo - cfr. artº 7º, do CRP) se mostra Declarado que é “o autor João Luís Perestrello o dono e legítimo proprietário do prédio rústico designado " Quinta Velha do Espanhol", sito na Quinta do Hespanhol, freguesia de Dois Portos, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.° 772, da referida freguesia e inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1.°, secção CC1.
E quanto ao demais sentenciado ?.
Será que, também bem andou o tribunal a quo em absolver o Réu do pedido de condenação em restituir ao autor o referido imóvel livre de pessoas e bens ?
Vejamos.
Configurando a presente acção uma típica acção de revindicação, intentada pelo apelante ao abrigo do disposto no art. 1.311º, do Código Civil, pacífico é que, logrando o autor a prova do seu direito de propriedade sobre o imóvel reivindicado, e impondo-se o reconhecimento judicial do mesmo, a restituição do bem objecto do direito real só pode ser recusada nos casos previstos na lei (cfr. nº 2, do artº 1311º, do Código Civil).
Ou seja, e dito de uma outra forma, sendo atendido o pedido de reconhecimento judicial do direito de propriedade deduzido pelo autor sobre a coisa reivindicada, inevitável é em regra a condenação do demandado a restituir esta última (ipsam rem), a menos que, tendo o demandado invocado ser titular de algum direito que o legitime a continuar a manter a coisa em seu poder, consiga efectuar a prova da subjacente facti species (cfr. artº 342º, nº2, do Código Civil).
Com relevância para a referida matéria, recorda-se, discreteou o tribunal a quo, nos seguintes termos:
“ (…)
Nesta parte, provou-se que, em 1996, a Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião …., que, ao tempo, administrava a propriedade do autor, acordou com o réu a plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio referido em a), que a plantação foi orçamentada em €220.000,00, quantia que a Casa Agrícola Perestrello, Lda. se obrigou a pagar ao réu a referida quantia do seguinte modo: a quantia aproximada de € 100.000,00, que iriam receber do IFADAP, ao tempo, e o restante anualmente, correspondente a 25% da produção (factos b), h) e i)).
Não oferece dúvida que o acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o réu se subsume a um contrato de arrendamento rural - isso mesmo se evidencia da enunciação dos temas da prova, mais concretamente na segunda parte do tema 1.
O contrato em apreço não foi celebrado por quem figurava como proprietário do prédio rústico, nem o autor provou o alegado contrato de arrendamento celebrado com a referida Casa Agrícola Perestrello.
No entanto, esta constatação não tem a virtualidade de obstaculizar à legitimidade substantiva da referida sociedade adveniente dos poderes de administração que detinha sobre a propriedade, na pessoa em concreto de Sebastião ….., conforme provado sob b), a par da demonstração do conhecimento e consentimento da ocupação manifestados pelo autor (facto sob c)).
Este contrato foi celebrado na vigência do DL n.° 385/88, de 25-10, diploma entretanto revogado pelo DL n.° 294/2009, de 13-10 (em vigorem 11-01-2010).
No quadro das condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, rege o disposto no art. 12.°, n.° 1, e n.° 2, do CCivil, devendo atender-se à lei em vigor à data da sua celebração, sem prejuízo das regras especiais previstas em cada um dos diplomas subsequentes.
No caso, por efeito do disposto no art. 39.°, n.° 1, do DL n.° 294/2009, não oferece dúvida que é o regime instituído pelo DL n.° 385/88, de 25-10, vigente à data da celebração do contrato em apreço, o aplicável.
Por força do disposto no art. 3.°, n.° 1, conjugado com o art. 36.°, n.° 1, do vigente DL n.° 385/88, de 25-10 (que ocorreu em 01-07), o contrato de arrendamento rural celebrado deveria ter sido reduzido a escrito, não havendo alegação ou demonstração nos autos que assim o tenha sido.
No entanto, como tem sido entendimento pacífico, o não cumprimento desta prescrição era, com efeito, a nulidade, mas atípica ou mista (arts. 286.° e 287.° do CCivil), por ser a exigência de redução a escrito uma garantia ditada para proteger as partes.
Embora pudesse ser invocada a todo o tempo, as suas particularidades eram precisamente as definidas no art. 3.°, n.os 3 e 4, do citado DL n.° 385/88, aí se prevendo a faculdade de qualquer das partes exigir da outra, notificando-a, a redução a escrito, sob pena da nulidade não poder ser invocada pela parte que tivesse recusado a redução, na sequência dessa notificação.
Nessa sequência o legislador estatuiu no n.° 5, do artigo 35.°, do mesmo diploma que: "nenhuma acção judicial pode ser recebida ou prosseguir, sob pena de extinção da instância, se não for acompanhada de um exemplar do contrato, quando exigível, a menos que logo se alegue que a falta é imputável à parte contrária".
Em suma, os contratos de arrendamento rural são obrigatoriamente reduzidos a escrito, não estão sujeitos a registo e qualquer das partes tem a faculdade de exigir, mediante notificação à outra parte, a sua redução a escrito (art. 3.°, n.°s 1, 3 e 5 do DL n.° 385/88, de 25-10). A nulidade do contrato de arrendamento rural não pode ser invocada pela parte que, após notificação, tenha recusado a sua redução a escrito (art. 3.°, n.° 4, do DL n.° 385/88, de 25-10).
No caso da presente acção de reivindicação, serve o exposto para enfatizar a incognoscibilidade a título oficioso da nulidade decorrente da falta de redução a escrito do contrato de arrendamento.
Ademais, sendo nulidade atípica justamente para evitar que o tribunal decida em benefício da parte que se tornou responsável pela não redução do contrato de arrendamento rural à forma escrita, igualmente não pertenceria ao autor, enquanto terceiro a este contrato, a legitimidade da respectiva arguição, certo que esta não se manifestaria favorável à posição do réu, pelo que naquela também este não teria interesse.
Neste contexto, não tendo sido invocada por nenhuma das partes, nem podendo sê-lo, a nulidade apontada, nem podendo o tribunal dela conhecer, entende-se que o contrato em apreço consubstancia título válido e legítimo, detido pelo réu - possuidor em nome alheio (art. 1253.°, al. c), segunda parte, do CCivil), para ocupação e exploração da área de 22 hectares integrante do prédio do autor.
Além de válido e, por isso, legítimo, é o mesmo oponível ao autor, dado que dele teve conhecimento, bem como consentiu na ocupação e exploração do terreno pelo réu, conforme se deu como provado sob c), ocupação que perdura desde 1996, ou seja, há, pelo menos, cerca de 18 anos contados até à propositura da acção (Janeiro de 2014), assumindo comportamento concludente de aceitação da realidade fáctica em que a ocupação e exploração se traduziu, que, pelo tempo em que se manifestou, autoriza a colação do princípio da confiança em que se edificam as relações situacionais de facto e em que necessariamente deve esbarrar o pedido de restituição da área ocupada.
Acresce que, para além da alegação da celebração do contrato de arrendamento com o filho Sebastião ……, ao abrigo do qual este terá celebrado contrato de subarrendamento com o réu, vindo aquele a cessar por revogação em Julho de 2009, factualidade que, como se vê do elenco dos factos não provados, não logrou demonstrar, não alegou nenhuma outra vicissitude atinente ao específico contrato de arrendamento celebrado entre o réu e à Casa Agrícola Perestrello, quanto à sua génese, execução ou cessação, de modo a que se pudesse concluir que o mesmo não se encontraria vigente.
Neste contexto, indo declarar-se reconhecido o direito de propriedade do prédio rústico a favor do autor, julgar-se-á improcedente tudo o mais peticionado por sucessiva falta de fundamento legal: contra o direito à restituição do prédio, viu-se que o réu tem título válido e legítimo para ocupar a área de 22 ha do prédio em causa”.
Em suma, para o tribunal a quo, “ Não oferece dúvida que o acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o réu se subsume a um contrato de arrendamento rural ” , sendo este último o vínculo/título que lhe permite obstar á procedência do pedido formulado pelo autor de restituição do imóvel livre de pessoas e bens, para tanto ancorando-se fundamentalmente a primeira instância na factualidade assente em 2.2., 2.8., e 2.9   [ porque considera-se que foi o contrato em causa celebrado na vigência ainda do DL 385/88, ou seja, antes de 11/1/2010, data em que entrou em vigor o DL nº 294/2009, de 13/10 ] .
Ora, não obstante o posicionamento do apelante [ em sede de instância recursória, e que contradiz o transportado para a acção no âmbito da petição inicial ], é todavia nossa convicção que não é de todo a factualidade assente e vertida nos itens 2.2., 2.8., e 2.9 , inequívoca no tocante à outorga entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o réu de um contrato de arrendamento rural e tendo por objecto parte do prédio pertencente ao autor.
Senão, vejamos.
Vigorava à data [em 1996] o DL n.º 385/88, de 25 de Outubro [diploma que disciplinava o regime geral do arrendamento rural], diploma do qual decorria que o arrendamento rural consubstancia a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola, nas condições de uma regular utilização [ cfr artº 1º, nº1, do DL n.º 385/88, de 25 de Outubro ].
Por locação, diz-nos agora o artº 1022º, do CC, entende-se o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição: dizendo-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel – art 1023º do CC. .
A locação, portanto, constitui um contrato oneroso, envolvendo uma retribuição por parte do locatário, sendo, pois, essencial à perfeição do arrendamento que as partes tenham acordado no montante de retribuição que deve ser paga pelo locatário ou no critério que permita a sua fixação. (19)
Em rigor, são assim elementos essenciais [cfr Manuel Januário Gomes (20)] da locação/arrendamento, a obrigação de proporcionar a outrem o gozo de uma coisa imóvel [ Presumindo-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respectivas circunstâncias não resulte destino diferente -  art. 1, nº2 do DL n.º 385/88, de 25 de Outubro, a temporalidade/prazo do gozo do imóvel  e a existência de uma retribuição/contrapartida, sendo que, no tocante a este último elemento, e devendo a renda ser  sempre estipulada em dinheiro, podem porém as partes estabelecer uma renda, parcialmente [ simultaneamente em dinheiro e em géneros ] em géneros - art. 7º DL n.º 385/88, de 25 de Outubro.
Isto dito, e descendo de imediato à factualidade provada, a verdade é que não se descobre de todo nos itens de facto com os nºs 2.2., 2.8., e 2.9., quaisquer dos elementos típicos do contrato de arrendamento rural , supra indicados, e , designadamente, a assunção pelo autor da obrigação de  proporcionar ao réu o gozo de parte de  prédio rústico de que é proprietário, e mediante o pagamento pelo réu ao autor de uma retribuição/contrapartida decorrente da aludida cedência do gozo do prédio.
Mais especificamente, é manifestamente a factualidade acima referida em absoluto inócua e não reveladora do estabelecimento entre os outorgantes Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião ….. e o réu,  de uma qualquer retribuição/contrapartida – v.g em quantia certa, e ainda que simultaneamente com prestação em espécie ou géneros – como correspondente ao preço locativo ( renda ) decorrente da cedência do gozo da coisa.
Consequentemente, porque a subsunção de concreto negócio a determinado e concreto tipo contratual, sendo necessária para determinar qual o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente, isto por um lado e, por outro, porque como é pacífico, constitui matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente e sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregado ou acordado – cfr. artigo 5.º, nº3, do Código de Processo Civil – , estando em causa a apreciação de matéria em relação á qual não está o Tribunal vinculado pela qualificação jurídica sustentada pelas partes (20), não descortinamos como concluir [ como o concluiu o tribunal a quo e até o próprio apelante ] que entre as partes do negócio identificado em 2.2. foi ajustado um contrato de arrendamento rural.
Ao invés, e lançando mão das regras de interpretação das declarações negociais a que aludem as normas dos artigos 236.º a 238.º , todos do Código Civil, é antes a factualidade vertida nos itens de facto nºs 2.2., 2.8., e 2.9, mais consentânea com a outorga entre as partes de um contrato de prestação de serviços ( artº 1154º, do CC ), mais exactamente na modalidade de empreitada ( artºs 1155º e 1207º, ambos do CC),  e no âmbito do qual obrigou-se o réu a realizar determinada obra ( empreitada de plantação de uma vinha em cerca de 22 hectares do prédio )  e mediante o pagamento de um preço ( tal como consta do item 2.8. A plantação foi orçamentada em € 220.000,00, montante que seria necessário para plantar a vinha com as castas escolhidas, aramá-la, cuidá-la, até começar a produzir o que demoraria cerca de dois/três anos, tarefa que ficou a cargo do réu contra o pagamento daquela quantia).
Ou seja, o montante acordado [ de € 220.000,00 ], mostra-se fixado a título de preço [ nos termos do artº 883º, ex vi, do artº 1211º, do CC ] , que não de renda, logo, razoável não é considerar-se que em 1996, a Casa Agrícola Perestrello, Lda., gerida por Sebastião ….. que, ao tempo, administrava a propriedade referida em 2.1., acordou com o réu um contrato de arrendamento rural [no tocante à qualificação, como sendo um contrato de prestação de serviços/empreitada, aquele em que as partes acordam na plantação de árvores de frutos e/ou vinhas, vide vg os Acs do Tribunal da Relação do Porto, de 09-11-2010 (21) e de 10-07-2013 (22)].
  A mesma factualidade, e pelas mesmas razões [ausência do elemento renda], não pode outrossim corresponder à outorga verbal de um contrato de parceria agrícola [ o contrato pela qual uma parte dá ou entrega a outrem um ou mais prédios rústicos para serem cultivados ou explorados por quem os recebe, em troca do pagamento de uma quota parte da respectiva produção ou da prestação de qualquer forma de trabalho (23) ], contrato este último que, de resto, e como bem se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra e de 01-07-2014 (24) , foi pelo Decreto-Lei n.º 201/75, de 15/4, expressamente proibido e, se é verdade que o DL nº 385/88, de 25.10 , e que instituiu um novo regime de arrendamento rural, continuou ao mesmo a referir-se [ art.º 34º ], tal alusão “ só pode ser entendida relativamente aos contratos ainda existentes, pois não fazia sentido e violaria até o imperativo constitucional da abolição desta figura contratual, que tal significasse uma inversão de marcha, voltando a permitir-se a celebração de contratos de parceria agrícola, contrariando a obrigatoriedade da fixação da renda em dinheiro, imposta no artigo 7º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25.10”.
Em suma, não se subscreve assim o entendimento perfilhado pela Exmª Juiz a quo, na sentença apelada, no sentido de que “Não oferece dúvida que o acordo celebrado entre a Casa Agrícola Perestrello, Lda. e o réu se subsume a um contrato de arrendamento rural - isso mesmo se evidencia da enunciação dos temas da prova, mais concretamente na segunda parte do tema 1.”, antes é nossa convicção que não permite a factualidade provada concluir pela outorga entre as referidas partes de um vínculo jurídico subsumível à previsão do artº 1022º, do CC.
Consequentemente, prima facie, tudo aponta para a ausência de prova [necessariamente a cargo do Réu/apelado] de ser o Réu titular de um direito que o legitima a continuar a manter a coisa/prédio em seu poder (cfr. artº 342º, nº2, do Código Civil e 1311º, nº2, igualmente do CC).
Ocorre que, diz-nos ainda e também a factualidade provada que:
2.12. - A Casa Agrícola Perestrello, Lda. não pagou ao réu a quantia de €100 000,00, tendo ficado acordado que o réu ficaria a explorar as vinhas, a expensas suas, e 25% da produção em cada ano seria destinada à Casa Agrícola Perestrello,Lda., para abater na dívida ao réu, até este reaver o seu investimento.
2.13. - No final do ano de 2003, o réu acordou com a Casa Agrícola Perestrello, Lda., em concreto, com Sebastião ….., que se encontrava em dívida a quantia não concretamente apurada de cerca de €170 000,00, descontando as quantias entregues e o que já tinha recebido da produção.
2.14. - As contas foram certificadas pelo contabilista da Casa Agrícola Perestrello, Lda., o que foi confirmado por Sebastião ….  .
2.15. - Desde então e até 2013, no final de cada ano, o réu enviava ao mesmo contabilista e a Sebastião ……., o valor da produção, deduzindo ao valor em dívida a quantia de 25%.
2.16. - À data de 2013, ainda se encontra em dívida ao réu a quantia não concretamente apurada de cerca de € 75 000,00.
Ou seja, em meados de 2003, o réu e a Casa Agrícola Perestrello,Lda., acordaram no modo/forma de o primeiro se fazer pagar do preço da prestação de serviços [no valor de €220.000,00, e fixado no item 2.8.], alterando o que relativamente a tal matéria estabeleceram em 1996 [A Casa Agrícola Perestrello, Lda. obrigou-se à data a pagar ao réu a referida quantia do seguinte modo: a quantia aproximada de €100 000,00, que iriam receber do IFADAP, ao tempo, e o restante anualmente, correspondente a 25% da produção], sendo a partir de 2003 atribuída ao Réu a exploração das vinhas que plantara, e ficando doravante e anualmente com parte da respectiva produção em cada ano até lograr o ressarcimento total [ como resulta do item 2.16. , “ À data de 2013, ainda se encontra em dívida ao réu a quantia não concretamente apurada de cerca de € 75 000,00” ] da quantia despendida em execução do acordo a que se referem os itens 2.2  e 2.8., ambos da motivação de facto.
Ora, será que consubstancia a referida factualidade, outrossim, fundamento legal subsumível à previsão do nº2, in fine, do artº 1311º, qual situação especial que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (25), facultem ao Réu, por exemplo, o direito de retenção da coisa ?
Vejamos.
Como bem se mostra elucidado em douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-01-2014 (26), é largamente maioritário o entendimento doutrinal (27) no sentido de reconhecer ao “empreiteiro”, na qualidade de credor do preço da obra, o gozo do direito de retenção relativamente a esta, entendimento que igualmente vem sendo sufragado – por unanimidade - pelo próprio STJ (28).
Tal entendimento, salienta-se no referido Acórdão do Supremo, mostra-se de todo compreensível e ajustado, pois que, se de acordo com a definição do artigo 1207.º do Código Civil, a empreitada pressupõe a realização de “certa obra”, então a intervenção do empreiteiro é, assim, “mais profunda do que a vulgar situação em que se fazem despesas “por causa da coisa” ou de “danos por ela causados” [recorda-se que, sob a epígrafe de “Quando Existe”, reza o artº 754º, do CC, que “ O devedor que disponha de um crédito contra o seu credor goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar certa coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela ou de danos por ela causados”].
Merece, por isso, diz-se no citado Acórdão, maior protecção garantística o empreiteiro, mal se compreendendo que assistisse – o direito de retenção - ao que leva a cabo benfeitorias na coisa tal direito e fosse já o mesmo recusado ao que a cria, a que acresce que “ importa sempre ter em conta a razão de ser garantística da figura do direito de retenção”, pois que, visando o mesmo “ tutelar o interesse do credor, em ordem a compelir o devedor ao cumprimento e, concomitantemente, a considerar o crédito como privilegiado, ficaria sem se compreender que deste se excluísse o motor que, não obstante as ressalvas supra referidas, está na base da celebração dos contratos de empreitada”.
Estando o jus retentionis regulado no Código Civil [artºs 754º e segs], vg estabelecendo o supra transcrito artº 754º, uma cláusula geral atinente aos pressupostos gerais de admissibilidade, e o art. 755.º, casos especiais/típicos do direito de retenção, vemos que no âmbito dos primeiros importa sobremaneira salientar a exigência de: a) estar o detentor de uma coisa alheia obrigado a entregá-la a outrem; b) apresentar-se o referido detentor da coisa, simultaneamente, credor da pessoa a quem esteja obrigado a entregar a coisa, e sendo o seu crédito exigível; c) verificar-se uma conexão causal entre a coisa detida e o crédito garantido, podendo tal conexão decorrer v.g. de despesas feitas por causa da coisa ou de danos por ela causados (art. 754.º).
Ou seja, estando o instituto do direito de retenção consagrado no Código Civil de 1966 como um instituto de âmbito geral, prima facie deverá o mesmo ser concedido a qualquer credor [v.g. ao empreiteiro] desde que preenchidos os requisitos gerais do artº 754º, do CC [cfr Pedro Romano Martinez (29)], máxime quando existe inequívoca conexão material e directa entre o crédito e a coisa.
Por último, e ainda que relativamente a tal possibilidade não seja já o entendimento da Doutrina granjeador de uma opinião muito convergente, certo é que vg Pedro Romano Martinez (30) vem admitindo que nada obsta a que o Direito de retenção recaia tanto sobre coisas propriedade do dono da obra como de terceiro, antes decorre dos casos especiais de direito de retenção estabelecidos no artº 755º que não é pressuposto do aludido direito real de garantia o facto de o devedor ser proprietário do bem.
Em suma, e para Pedro Romano Martinez, “de iure condito, o direito de retenção pode recair sobre bens propriedade de terceiro, desde que o dono da obra os possua com base em título legitimo”.
Aqui chegados, manifesto é que, em face da factualidade provada, é o réu/apelado titular de um crédito [vide item de facto nº 2.16. - À data de 2013, ainda se encontra em dívida ao réu a quantia não concretamente apurada de cerca de € 75 000,00“] perante a Casa Agrícola Perestrello, Lda., relacionado com parte do preço – ainda por liquidar - do contrato de prestação de serviços/empreitada outorgado em 1996 [cfr. itens de facto nºs 2.8, 2.9, 2.12 e 2.13].
Pacífico é outrossim que decorre da mesma factualidade provada que, estando é certo o réu obrigado a entregar a coisa/prédio propriedade do Autor/apelante, é porém ele – Réu – titular de crédito exigível e, ademais, existe evidente conexão causal entre o prédio detido e o aludido crédito, pois que relaciona-se o mesmo com “obras” no mesmo realizadas.
Em suma, ainda que com base em diversos fundamentos/pressupostos dos explanados na sentença apelada, assiste em consequência ao Réu/apelado B o direito [qual situação especial a que aludem Pires de Lima e Antunes Varela] a recusar a restituição ao autor A [com base no direito de retenção da coisa] do imóvel cujo Direito de Propriedade se lhe impõe ainda assim reconhecer.
Em conclusão, a apelação improcede.
                                   *
5 - Concluindo (cfr. nº 7, do artº 663, do CPC):
5.1. - O empreiteiro goza do direito de retenção para pagamento do crédito decorrente do preço da obra, nos termos do disposto no artigo 755º, do Código Civil;
5.2. - Para efeitos do referido em 5.1., exigível é que se verifique uma inequívoca conexão material e directa entre o crédito e a coisa/imóvel.
5.3.- O direito referido em 5.1. e .5.2., é pelo empreiteiro oponível ao titular do direito de propriedade [em acção de reivindicação] do imóvel onde o empreiteiro executou/incorporou determinada plantação objecto da empreitada e da qual deriva o crédito de que é titular.
                                          ***
6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível, do Tribunal da Relação de Lisboa, em , não concedendo provimento ao recurso interposto por A :
6.1. -  Manter/confirmar [ ainda que com base em fundamentação essencialmente diferente ] e in totum,  a sentença recorrida.
                                             *
As Custas da apelação são suportadas pelo apelante.
                                         
                                   *
LISBOA, 16/5/2019

António Manuel Fernandes dos Santos  ( O Relator)
Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)
Cristina Isabel Ferreira Neves ( 2ª Adjunta)
 
***
(1) Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil, Anotado, Coimbra Editora, vol. II, pág. 670.
(2) Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Vol. III, 3 ª Edição, 1981, pág. 212.
(3) Cfr. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2°, 605­.
(4)  Cfr. António Santos Abrantes Geraldes , in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 309.
(5) Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(6) Cfr. Ac. do STJ de 8/6/2011, Proc. nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt.
(7)  Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 318.
(8) In Revista de Legislação e Jurisprudência,  nº 57/114.
(9)  In “Elementos da Reivindicação”, Lisboa, 1958, pág. 21.
(10) In CC anotado, Volume III, 1972, pág. 100 e segs.
(11) Cfr. o Prof. Paulo Cunha in “Processo Comum de Declaração”, I , pág. 208.
(12) ibidem , pág. 114.
(13) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 113.
(14) Sendo Relator o Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas, e in www.dgsi.pt..
(15)  Cfr., de entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2/12/2008 e de 28/5/2009, ambos in www.dgsi.pt.
(16)  Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, III, pág. 101.
(17)  Ibidem, pág. 102.
(18) No mesmo sentido, pode ver-se ainda, de entre muitos outros e conceituados autores, António Menezes Cordeiro, in "Direitos Reais", vol. II, págs. 846 e segs. e Oliveira Ascensão, in “A Acção de Reivindicação”, ROA, Abril 1997, pág. 511.
(19) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in CC anotado, II, 2 dª edição, págs. 329 e seguintes.
(20) Cfr. Ac. do STJ, de 20-03-2012, proferido no Processo nº 1903/06.4TVLSB.L1.S1 e sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro GREGÓRIO SILVA JESUS, e in www.dgsi.pt..
(21) Proferido no Processo nº 128/04.8TBVLP.P1 e in www.dgsi.pt.
(22)  Proferido no Processo nº 4/12.0TBMSF.P1 e in www.dgsi.pt.
(23) Cfr. Ac. do STJ, de 18-09-2003, proferido no Processo nº 03B2110, sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro LUÍS FONSECA, e in www.dgsi.pt..
(24) Proferido no Processo nº 978/13.4TBCVL-A.C1, sendo Relatora SÍLVIA PIRES, e in www.dgsi.pt..
(25) in CC anotado, III, 1972, pág. 103.
(26) Proferido no processo nº 1407/09.3TBAMT.E1.S1, sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro JOÃO BERNARDO, e in www.dgsi.pt..
(27) Vg, e tal como se alude no Ac. do STJ citado e que antecede, Galvão Telles, O Direito de Retenção no Contrato de Empreitada, em O Direito, 106.º-119.º, páginas 13 e seguintes, Ferrer Correia e Sousa Ribeiro, Direito de Retenção, CJ XIII, I, 16 e seguintes, Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 342 e seguintes, Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial (Contratos), 2.ª edição, 376 e seguintes, Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, 2.ª edição, 361 e seguintes e Pedro Albuquerque e Miguel Raimundo, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, II, 299.
(28) Vg o Acórdão de 10.5.2011, proferido no processo n.º 661/07.0TBVCT-A.G1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
(29) In  Contrato de Empreitada, Almedina, 1994, pág 85.
(30) Ibidem, págs 86 e segs  ..