Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19813/16.5T8LSB.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REMUNERAÇÃO
MEDIADOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A decisão da matéria de facto pode estar afectada por deficiência, obscuridade ou contradição ou falta de motivação, sendo que qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, podendo antes originar a actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância, nos termos do artigo 662º, n.º 2, c) e d) do Código de Processo Civil.

II – Não pode haver contradição entre uma resposta negativa e uma positiva, na medida em que a primeira nada afirma, limitando-se a ser uma “não existência”, não afirmando a realidade contrária ao perguntado.

III – No contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de não exclusividade, o pagamento da remuneração ao mediador pelo comitente depende da celebração/conclusão do negócio visado, que este seja eficaz e que tenha sido concretizado em virtude da actividade do mediador.

IV – No contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, o vendedor/comitente pode realizar o negócio projectado, seja por si próprio, seja por intermédio de outra empresa mediadora, assim como pode desistir do negócio visado, sem que qualquer uma dessas situações determine o direito à remuneração por parte do mediador.

V – A qualificação jurídica dos factos, sendo de conhecimento oficioso, não pode deixar de ser conjugada com outras limitações, como as que obstam a que seja modificado o objecto do processo, integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir, que supõe a alegação de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se procura, sendo que a invocação de tais factos se impõe também por via da necessidade do respeito pelo princípio do contraditório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I – RELATÓRIO
EZ… – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA. intentou contra ML… a presente acção declarativa de condenação, com processo comum pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 34 521,89 (trinta e quatro mil quinhentos e vinte e um euros e oitenta e nove cêntimos), correspondente ao capital e juros vencidos e ainda no pagamento dos juros vincendos, à taxa legal, até integral pagamento da dívida.
Alega para tanto, muito em síntese, o seguinte:
² A autora, no exercício da sua actividade, celebrou com a ré um contrato de mediação imobiliária, em 27 de Outubro de 2014, obrigando-se a conseguir interessado para a compra do imóvel de que esta é proprietária (fracção autónoma designada pelas letras “AP”, …º andar esquerdo, do imóvel sito à Av. …, n.ºs … a …-G, Praça …, n.ºs … a …-D, Rua …, n.ºs … a …-G e Rua …, n.ºs … a …-E, Lisboa, freguesia de Belém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número … e inscrito na matriz sob o artigo …), pelo preço de € 550 000,00, ficando a ré obrigada a pagar, a título de remuneração, a quantia correspondente a 5% sobre o valor da venda, acrescida de IVA, ou seja, € 33 825,00;
² Na sequência das diligências da autora, em 6 de Abril de 2016, HC… e RC… apresentaram proposta de aquisição pelo preço de € 520 000,00, após o que o pai da ré comunicou que esta apenas celebraria o contrato por € 700 000,00;
- Os interessados na compra manifestaram interesse em adquirir o imóvel pelo preço de € 550 000,00, que a ré não aceitou;
- A recusa da ré colocou em causa a dignidade profissional e negocial da autora junto daqueles interessados na compra, que não se realizou apenas por culpa da ré;
- A ré incumpriu a sua obrigação e não procedeu ao pagamento da remuneração devida, nos termos da alínea b) do n.º 1, da cláusula 3ª do contrato.
A ré contestou suscitando a nulidade do contrato de mediação imobiliária e impugnando parcialmente o alegado na petição inicial referindo que foi transmitido à autora que aquela já não estava interessada em vender a fracção mas sim em arrendá-la, tanto que o senhor AG…, em 28 de Março de 2016, remeteu correspondência relativa ao processo de arrendamento, estando assim convencida que a alteração ao contrato tinha sido aceite.
Pugnou pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
A autora pronunciou-se quanto ao teor da contestação em articulado autónomo (cf. fls. 43 a 45 dos autos).
Foi suscitada e apreciada a incompetência territorial do Juízo Local Cível de Lisboa, sendo os autos remetidos à Instância Local Cível de Cascais (cf. fls. 58).
Dispensada a audiência prévia, foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Realizada a audiência final, foi a autora convidada a concretizar os valores de despesas tidas com as acções de promoção e publicidade, convite a que acedeu, sobre o que incidiu resposta por parte da ré.
Encerrada a audiência, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido.
É desta sentença que a autora/apelante interpõe o presente recurso concluindo as suas alegações do seguinte modo:
A. Em face do circunstancialismo comprovado nos autos, mostra-se evidente que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de mediação imobiliária para venda de determinado imóvel pelo preço de € 550.000 (por meio do contrato de mediação imobiliária para que se remete no ponto 3. dos factos provados) e que a A. angariou um casal de interessados que se propuseram adquirir o imóvel pelo referido preço (pontos 5. a 8. dos factos provados), ao que a Ré não acedeu, sem que alguma vez tenha também comunicado qualquer alteração de preço à A. (pontos 9 e 10);
B. Como tal, a Autora/Recorrente tem, pois, o direito de receber uma indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato em que se consubstanciou a atuação da Ré, bem patente na matéria de facto dada como provada, nomeadamente nos pontos 7 a 12 dos factos provados);
C. A decisão unilateral da Ré/Recorrida de não vender o imóvel, mesmo depois de a Autora/Recorrente ter angariado interessados dispostos a pagar o preço assumido no contrato de mediação imobiliária, importou para a A. a perda do direito a uma comissão de 5% sobre o valor do preço oferecido pelos interessados, ou seja, o montante de € 33.825,00, acrescido de juros vencidos, como reclamado na petição inicial;
D. Ou seja, contrariamente ao que decidiu a sentença sob recurso, é efetivamente este montante o lucro cessante da Autora e o seu correspondente prejuízo, aferindo-se a indemnização pelo interesse contratual positivo;
E. O incumprimento ou a revogação unilateral, mais precisamente, a denúncia do contrato, que foi o que tacitamente aqui ocorreu da parte da Ré/Recorrida, ao recusar a proposta de compra pelo preço dado em mediação, porque procedeu da parte mandante e se trata de um contrato oneroso, implica para esta o dever de indemnizar o prestador de serviços pelos prejuízos que o mesmo sofreu, sempre que o contrato tenha sido conferido, como aqui sucede, para a realização de uma determinada finalidade, em conformidade com o disposto pelo artigo 1172º c), do CC.
F. Verifica-se, portanto, uma responsabilidade contratual, devendo a Ré pagar à Autora uma indemnização, que se entende conexionada com o interesse positivo, ou seja a Autora pode não ter direito a esta quantia a título de comissão contratual propriamente dita, dado que o negócio não se concluiu e a mediação foi contratada sem exclusividade, mas é justo e legal que seja condenada a pagar o referido valor a título de indemnização pelo interesse contratual positivo, pois houve quebra injustificada do contrato de mediação imobiliária por parte da Ré.
G. Mesmo que assim não fosse – e sem conceder – sempre haveria a pretensão indemnizatória proceder a título de interesse contratual negativo.
H. Pois, como bem discorre a sentença sob recurso a este propósito “Contudo, no caso vertente, o que sucedeu foi que o preço de venda fixado foi de € 550.000,00 euros e a Ré cliente, por intermédio da pessoa do seu pai, declarou não pretender vender por menos de € 750.000,00 euros, apesar de haver um interessado que declarou pretender adquiri-lo pelo preço inicial. O negócio final não foi assim concluído por causa imputável à Ré, que com a alteração de preço frustrou a actividade desenvolvida pela Autora, de aproximação de interessados pelo preço inicialmente proposto (art. 799º do Cod. Civil).Com efeito, no cumprimento da obrigação devem as partes proceder de boa fé, sendo que apenas a realização integral da prestação satisfaz o direito do credor (art.º 762º, nº 2 e art.º 763º do Cod. Civil). Logo só a estabilidade do preço de venda inicial permitiria à Autora continuar a promover o imóvel e a angariar interessados, sob pena de se frustrar a sua prestação contratual e incumprir os deveres de informação e exactidão que sobre ela impendem, e que a obrigam, nomeadamente, a dar toda a informação disponível sobre o imóvel aos interessados”.
I. Ou seja, depois de convite do tribunal nesse sentido e reclamação de prejuízos por parte da Recorrente em requerimento adicional, nomeadamente com despesas havidas e direito à sua imagem e bom nome, a sentença começa por discorrer sobre este enquadramento mas logo retrocede paralisando no suposto facto de que tais despesas e danos ocorreram sobre a pessoa do auxiliar da Recorrente e não desta.
J. Sem razão, porém, também neste ponto.
K. Desde logo porque se verifica aqui uma enorme contradição entre a matéria de facto dada como provada e a dada como não provada, bem como entre os fundamentos e as conclusões a que chega a sentença sob recurso.
L. Pois se ficou provado que (ponto 12):
· A Autora suportou o tempo despendido pelo seu comercial na promoção do imóvel;
· A Autora suportou o investimento em publicidade;
· A Autora ficou com a sua dignidade profissional prejudicada perante os interessados;
M. Como concluir depois que a Autora não teve despesas na promoção do imóvel?? (ponto 17- Factos não provados) ou que “qualquer dano de imagem ocorrido, a ter ocorrido, não radicou na esfera jurídica da Autora, mas sim na esfera jurídica do seu comercial independente “??
N. Aliás, na explanação sobre a prova a sentença é clara ao afirmar que “Os factos 11) e 12) foram dados como provados em face do depoimento de AG…, mediador imobiliário, o qual deu conta que o imóvel acabou por não ser vendido (o que foi também confirmado no depoimento de MA…), o que deixou os interessados aborrecidos pelo tempo perdido e a Autora com as perdas derivadas do tempo perdido pelo seu comercial em visitas longas e investimento de publicidade, sem qualquer retorno, para além da sua dignidade profissional ou imagem comercial afectada perante os interessados”.
O. Pelo que estamos perante uma manifesta contradição entre a matéria de facto dada como provada nos pontos 12. e 17., bem como manifesta contradição em relação às conclusões a que a sentença chega perante a factualidade referida, o que expressamente se invoca. Ademais, resulta do ponto 4 dos factos provados que “No seguimento do negócio celebrado entre as partes a Autora entregou a promoção do imóvel a AG…, que:
· publicitou o imóvel nas páginas de internet da EZ… e BPIexpresso imobiliário;
· expediu cerca de 50 mensagens de correio electrónico;
· tendo atendido mais de 100 telefonemas;
· e realizado 10 visitas ao imóvel, com duração média de meia hora, salvo as últimas que demoraram cerca de três horas”.
P. Neste ponto, mais ficou provado que foi o referido comercial que assumiu as despesas, nomeadamente de publicidade, sendo que existe prova documental nos autos de que o valor daquelas despesas ascendeu a € 1.906,50, conforme facturas a que também alude a sentença sob recurso.
Q. Enfim, o certo é que o comercial actuou por conta da Autora, como seu agente ou auxiliar, pelo que, mesmo se se pensar numa indemnização que integre as despesas com os seus serviços e com as actividades de mediação custeadas diretamente por este, a legitimidade para essa reclamação é da A. que foi a única que contratou com a Ré e que teve o comercial ao seu serviço para esse efeito, assim como foi sobre a imagem da Autora enquanto sociedade imobiliária ao serviço da qual o comercial se encontrava que esta situação repercutiu negativamente, tudo conforme se reclamou na petição inicial e posteriormente, a convite do tribunal a quo, no requerimento de 08/01/2018 e documentos anexos, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
R. De facto, se fosse ao contrário, ou seja, se o mesmo comercial, como agente ou auxiliar mesmo que independente da Autora, tivesse praticado qualquer acto ilícito no âmbito desta mediação, não poderia e deveria a Ré responsabilizar a Autora pelo sucedido?
S. CONCLUINDO, relembremos que o regime do contrato de prestação de serviço, de que o contrato de mediação imobiliária é uma modalidade atípica, está disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos artigos 1155º e 1156º, do CC.
T. O incumprimento ou a revogação unilateral, mais precisamente, a denúncia do contrato, que foi o que tacitamente aqui ocorreu da parte da Ré, ao recusar a proposta de compra pelo preço dado em mediação, porque procedeu da parte mandante e se trata de um contrato oneroso, implica para esta o dever de indemnizar o prestador de serviços pelos prejuízos que o mesmo sofreu, sempre que o contrato tenha sido conferido, como aqui sucede, para a realização de uma determinada finalidade, em conformidade com o disposto pelo artigo 1172º c), do CC.
U. Assim, entende-se que com tal actuação, e desprovida de justa causa, a Ré/Recorrida produziu na prática a destruição do contrato, e daí a lei faz decorrer uma obrigação ressarcitória para com o prestador do serviço, no caso a Autora/Recorrente, que foi quem contratou com a Ré, devendo a Ré pagar à Autora uma indemnização, que se entende, salvo melhor opinião, conexionada com o interesse positivo ou de cumprimento, atinente à culpa na violação de um dever de conclusão de um negócio em conformidade com o contrato a que ambas as partes se vincularam, isto é, ao dano «ex contratu», ou seja, aos lucros (a obtenção do valor da comissão) que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado.
V. E que em qualquer caso, e sem conceder, sempre existirá também no domínio do interesse negativo ou de confiança, relacionado com o dano sofrido e que deveria ter sido mais rigorosamente dado como provado, por haver confiado na validade do contrato.
W. Note-se, a este propósito, que o acordo foi conseguido, a fase da negociação foi concluída, o contrato de mediação foi devidamente celebrado e o negócio angariado só não ocorreu posteriormente, por culpa exclusiva da parte inadimplente, a aqui Ré, pelo que a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento, sendo de todo o modo, de indemnizar todos os danos causados pelo ilícito, independentemente da relevância da distinção que, então, se torna marginal, entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo.
X. Na verdade, ao não atribuir qualquer indemnização à Recorrente por força da resolução ilícita operada pela Recorrida, o Tribunal a quo está a reconhecer que a resolução ilícita tácita havida confere a possibilidade de a Recorrida se eximir livremente às suas obrigações e desrespeitarem o estipulado no contrato, o qual afinal não tem força vinculativa e de nada serve!
Y. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente os artigos 762º, 798º, 799º e 1172º c) do Código Civil, pois o direito a indemnização por resolução ilícita dos contratos dos autos integra a indemnização por lucros cessantes, i.é. o valor correspondente ao que a Recorrente deixou de receber por força da conduta - ilícita – da Recorrida (a comissão) ou, pelo menos, e sem conceder, indemnização pelas despesas e prejuízos decorrentes desta situação, igualmente alegados e documentados em requerimento adicional, e também provados, que basicamente ascenderam a igual montante.
Z. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a lei, ou melhor, o entendimento acerca da interpretação a dar a esta, segundo o qual apenas seria indemnizável o dano contratual negativo e que no caso concreto não foram apuradas despesas custeadas diretamente pela Autora nem prejuízos diretos sobre a imagem desta, como acima já se fez ver.
AA. É esta a conclusão que resulta da interpretação da lei, pois de acordo com uma interpretação teleológica da lei, o interesse contratual negativo visa colocar a parte lesada na posição em que estaria se o contrato não tivesse sido celebrado, sendo que no caso concreto não é possível, nem lícito, "apagar" a circunstância de as partes terem celebrado um contrato, não podendo, por isso, ser equacionada a situação em que a parte lesada estaria caso "não tivesse celebrado um contrato''.
BB. Acresce que a reparação da Recorrente pelo interesse contratual positivo não viola o equilíbrio contratual (nem lhe confere um benefício excessivo), na medida em que o incumprimento definitivo da Recorrida alterou o programa contratual (i.e. o sinalagma inicial), não devendo aquela ser prejudicada pela resolução ilícita do contrato (que lhe foi imposta).
CC. O que interessa, pois, é a justa composição do litígio e essa apenas ocorrerá admitindo-se o ressarcimento da Recorrente pelos lucros que deixou de auferir por força do comportamento - ilícito, reitere-se - da Recorrida, sendo que tal entendimento tem vindo a ser sufragado quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal.
DD. Concluindo, o facto de a Recorrente ter celebrado com a Recorrida contrato de mediação, com direito a determinada comissão e tendo sido injustamente privada desta contrapartida, importa para a Recorrente um prejuízo, a título de lucro cessante, que é atendível, nos termos e para os efeitos dos artigos 564°, 566º e 798° do Código Civil.
EE. Em face do exposto, é forçoso concluir que o Tribunal a quo, ao julgar improcedente o pedido indemnizatório por força do incumprimento operado pela Recorrida, violou os artigos 798°, 564° e 566° do Código Civil, e, ainda, os artigos 406°, 762° e 763° do Código Civil.
FF. Assim, mal andou a decisão recorrida ao absolver a Ré/Recorrida do pedido.
Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, deve ser proferida decisão que, julgando procedente o presente recurso, revogue a douta sentença recorrida e condene a Recorrida no pedido.
A ré/recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida concluindo assim as suas alegações:
A) Tendo o contrato de mediação entre a Recorrente e a Recorrida sido celebrado em regime de não exclusividade não tem aquela direito ao pagamento da remuneração acordada com esta, dado que o negócio apresentado não foi concluído;
B) A Recorrente não tem direito a ser indemnizada pelo seu interesse contratual positivo, dado que no caso dos autos este se traduz no pagamento daquela remuneração a que, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 19º, nº 2 do RJMI aprovado pela DL 15/2013, de 08 de Fevereiro, a Recorrente não tem direito;
C) A Recorrente não tem, igualmente, direito a ser indemnizada pelo seu interesse contratual negativo, uma vez que o contrato de mediação foi celebrado entre as partes em regime de não exclusividade e com a possibilidade da sua não renovação, inexistindo assim não só o direito à remuneração pela comissão acordada, como o direito de ser indemnizada pelo incumprimento contratual, ou pela revogação unilateral tácita do contrato, ou, a título de responsabilidade pré-contratual, pela “culpa in contraendo”;
D) Ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese de raciocínio e sem conceder, nunca teria a Recorrente direito a ser indemnizada pela lesão do seu interesse contratual negativo, dado que não fez prova nos autos de factos que permitissem ao tribunal apreciar e decidir quanto a essa matéria.
Nestes termos […], deverá o presente Recurso ser considerado improcedente e, em consequência, confirmada a decisão recorrida com todas as suas legais consequências.
*
II – OBJECTO DO RECURSO
Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil[1], é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação (cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95).
Assim, perante as conclusões das alegações do autor/apelante há que apreciar as seguintes questões:
a) Da contradição entre factos provados e não provados e inutilidade do respectivo suprimento;
b) Da remuneração devida no âmbito do contrato de mediação imobiliária;
c) Da possibilidade de conhecimento por esta Relação do direito da recorrente a obter indemnização pelos prejuízos decorrentes da cessação do contrato de mediação imobiliária.
Colhidos que se mostram os vistos, cumpre apreciar e decidir.
*
III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. – FUNDAMENTOS DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provados os seguintes factos, a que este Tribunal introduziu correcção/aditamentos em função dos elementos documentais existentes nos autos, concretamente, nos pontos 3. (aditamento do preço fixado no contrato de mediação – cf. documento de fls. 8) e 6. (correcção da redacção), considerando que nos termos do art.º 662º, n.º 1 do CPC, a Relação pode/deve corrigir, mesmo a título oficioso, patologias que afectem a decisão da matéria de facto - cf. A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 245; Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 2015, pág. 468:
1.1 Da petição inicial:
1. A Autora EZ… – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda. dedica-se à mediação imobiliária.
2. A Ré ML…, é dona e legítima possuidora da fracção autónoma designada pelas letras “AP”, destinada à habitação, correspondente ao …º andar esquerdo do imóvel sito a Av. …, nºs … a … G, Praça …, nºs … a …-D, Rua … nºs … a ...-G e Rua … nºs … a …-E, …-… Lisboa, freguesia de Belém, concelho de Belém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº … e inscrito na matriz sob o artigo …, da referida freguesia de Belém, com origem no artigo … da extinta freguesia de Santa Maria de Belém, cf. caderneta predial junta (fls. 7).
3. Por documento particular, datado de 27-10-2014, denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, a Autora obrigou-se, durante o prazo de 180 dias, renováveis, a diligenciar no sentido de conseguir interessado na venda, trespasse ou arrendamento do imóvel identificado em 2., em regime de não exclusividade, contra o pagamento de uma remuneração de 5% sobre o valor da venda, que ali foi fixado em € 550 000,00.
4. No seguimento do negócio celebrado entre as partes, a Autora entregou a promoção do imóvel a AG…, que publicitou o imóvel nas páginas internet da EZ… e BPIexpressoimobiliário, expediu cerca de 50 mensagens de correio electrónico, tendo atendido mais de 100 telefonemas e realizado 10 vistas ao imóvel, com duração média de meia hora, salvo as últimas que demoraram cerca de três horas, assumindo todas as despesas.
5. Por comunicação electrónica de 06.04.2016, HB… e esposa RC…, apresentaram à Autora proposta de aquisição do imóvel, pelo preço de € 520 000,00 euros.
6. No seguimento da proposta apresentada, a Autora, por telefone e por comunicação electrónica, através do seu comercial AP…, deu conhecimento à Ré da proposta apresentada, tentando, junto da Ré, agendar uma marcação de reunião com a presença de todos os interessados para discutir os termos do negócio.
7. No seguimento de novas visitas ao imóvel por parte dos interessados, MA…, pai da Ré, comunicou verbalmente aos interessados que a venda só seria celebrada por € 750 000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).
8. Por comunicação electrónica de 14.04.2016, os interessados manifestaram por intermédio da Autora, o seu interesse em adquirir o imóvel pelo preço de € 550 000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros).
9. A Ré não respondeu à comunicação electrónica 14.04.2016.
10. A Ré nunca comunicou qualquer alteração de preço à Autora.
11. A Ré não procedeu ao pagamento de qualquer quantia à Autora.
12. A fracção não foi vendida, tendo a Autora suportado o tempo despendido pelo seu comercial na promoção do imóvel, bem como o investimento em publicidade, ficando com a sua dignidade profissional prejudicada perante os interessados.
1.2. Da contestação:
13. O documento particular denominado “contrato de mediação imobiliária” contém no anverso um formulário para a colocação do nome do proprietário, identificação do imóvel, tipologia, área, observações e valor de venda, e no verso contém sete cláusulas contratuais previamente impressas, com quadrículas e espaços em branco.
14. A Ré comunicou à Autora, que também pretendia arrendar a fracção, o que esta sabia, cf. Doc.3 (fls.26-v) e Doc.4 (fls.29 e segs) que aqui se dá por reproduzida.
15. A Ré celebrou contratos com outras empresas de mediação imobiliária com o fim de conseguir interessados para o arrendamento, cf. contrato celebrado com a imobiliária SA…, Mediação Imobiliária, Unipessoal, Lda., em 14.11.2014 junta como Doc. 1 (fls.24 e segs) que aqui se dá por reproduzida e contrato celebrado com a LC…, Mediação Imobiliária, Lda., em 25.11.2014, junto como Doc. 6 e contrato celebrado com a ND…, Property Portfolio & Managment, Mediação Imobiliária, Lda., em 01.06.2016 junta como Doc. 7 (fls. 98 e segs) que aqui se dá por reproduzido.
16. As fracções semelhantes à da Ré, no mesmo prédio, foram propostas para venda pelo construtor BG…, por cerca de € 700 000,00 euros.
*
O Tribunal a quo julgou não provados os seguintes factos:
1.3. Da petição inicial:
17. A Autora teve despesas na promoção do imóvel.
1.4. Da contestação:
18. A Ré comunicou à Autora, quinze dias após ter celebrado o contrato de mediação imobiliária, que tinha desistido de vender o imóvel, estando apenas interessada em arrendá-lo.
*
3.2. – APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO
Da contradição entre o facto provado sob o ponto 12. e o facto não provado sob o ponto 17.
Alega a recorrente que a sentença padece de erro e contradição na apreciação da matéria de facto por ter julgado mal a matéria do ponto 17. dos factos não provados, que deveria ter sido dada como provada, o que fez em contradição com o ponto 12. da matéria de facto provada.
Neste segmento, a ré/recorrida entendeu que está em causa recurso que versa sobre a matéria de facto e que em parte alguma da sua argumentação a recorrente remete para a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas ou para as declarações de parte.
A questão que a apelante introduz nesta sede recursória contende, especificamente, com a contradição que sustenta existir entre o facto provado sob o ponto 12. e o facto não provado sob o ponto 17. e é com esse fundamento que pretende ver erradicado dos factos não provados este último. Ou seja, não se trata, propriamente, da impugnação do facto em virtude da prova produzida dever conduzir a resultado diverso, mas antes de respostas que entende serem contraditórias e que não podem subsistir como tal.
As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem causa de nulidade da sentença. Assim, uma coisa é a sentença não estar motivada ou fundamentada e outra é essa motivação ou fundamentação serem deficientes. No primeiro caso, ocorre a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 615º do CPC e no segundo, há lugar a recurso por erro de julgamento, de direito ou de facto – cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, pág. 178; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-01-2015, relator Henrique Antunes, processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1 disponível na Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt[2] – Os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último acto decisório. Realmente a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de lugar (sic) à actuação por esta Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662 nº 2 c) e d) do nCPC). Assim, no caso de a decisão da matéria de facto daquele tribunal se não mostrar adequadamente fundamentada, a Relação deve – no uso de uma forma mitigada de poderes de cassação – reenviar o processo para a 1ª instância para que a fundamente (artº 662 nº 2 do nCPC).”
Com a actual redacção do art. 662º do CPC resulta claro que a Relação tem autonomia decisória no âmbito da apreciação da matéria de facto, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. O legislador pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2013, apud A. Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 245, nota 343.
A alínea c) do n.º 2 do art.º 662º do CPC estipula que a Relação deve anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto.
A decisão pode manifestar-se total ou parcialmente deficiente, obscura ou contraditória[3], por via da falta de pronúncia sobre factos essenciais ou complementares, da sua natureza ininteligível, equívoca ou imprecisa ou reveladora de incongruências, inviabilizando uma consistente integração jurídica do caso em apreço.
Assim, se a decisão de facto for deficiente, obscura ou contraditória, a Relação, em recurso, oficiosamente ou a requerimento da parte, conhece o vício, anulando a decisão, se for o caso – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª edição, pág. 708.
A anulação da decisão de 1ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes, pois que os mencionados vícios poderão ser supridos pela apreciação oficiosa da Relação, desde que constem dos autos os elementos em que o tribunal a quo se fundou.
Sob o ponto 12. da matéria de facto provada o Tribunal a quo deu como provado o seguinte:
“A fracção não foi vendida, tendo a autora suportado o tempo despendido pelo seu comercial na promoção do imóvel, bem como o investimento em publicidade, ficando com a sua dignidade profissional prejudicada perante os interessados.”
Por sua vez, considerou não provado sob o ponto 17. o seguinte facto:
“A autora teve despesas na promoção do imóvel.”
A jurisprudência propende por regra para a consideração de que a não prova de um facto equivale à não articulação desse facto, ou seja, tudo se passa como se tal facto não existisse, não se podendo retirar da não prova de certo facto a prova do facto contrário.
Tendo presente esta circunstância considera-se, em consonância, que não pode ocorrer contradição entre respostas negativas, dado que estas podem resultar do facto de nenhuma prova ter sido produzida quanto à matéria em causa ou ainda da prova produzida não ter sido convincente quanto a todos os pontos de facto em apreço, o que determina que a não prova de certo segmento factual não constitui base segura para que se dê como provada a factualidade oposta, também controvertida.
No entanto, se a resposta negativa a um determinado ponto de facto decorre da prova do contrário, então, estando este facto contrário abrangido pelos temas de prova, tal matéria terá, necessariamente, de obter resposta positiva. Contudo, ainda que esse facto contrário receba do tribunal uma resposta negativa, não se estará perante uma contradição entre respostas negativas, mas antes perante um erro de julgamento da matéria de facto.
Distinta desta situação, é a existência de contradição entre respostas negativas e positivas, como sustenta a recorrente que se verificada quanto aos apontados factos acima reproduzidos.
Mesmo nesta situação mantém-se válida a afirmação que um facto não provado corresponde à inexistência desse facto, dele não se podendo retirar a prova do contrário, pelo que “um nada em que se traduz uma resposta negativa” não pode “colidir com algo em que se traduz uma resposta positiva.”
Excepcionalmente, porém, essa contradição poderá existir se no concreto caso em apreciação, os pressupostos da resposta negativa implicarem, necessariamente, a não prova de outro facto sujeito à instrução, ou seja, se a resposta negativa não acolheu o facto que constitui ou integra um antecedente lógico necessário da resposta afirmativa, ou se se verificar a situação inversa – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14-12-2017, relator Carlos Gil, processo n.º 3180/16.0T8STS-A.P1; acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2005, relator Oliveira Barros, processo n.º 04B4347; de 15-04-2010, relator Bettencourt Faria, processo n.º 9810/03.6TVLSB.S1 – “não pode haver contradição entre uma resposta negativa e uma positiva, na medida em que a primeira nada afirma, limitando-se a ser uma “não existência”, não afirmando a realidade contrária ao perguntado. Pelo que não pode ocorrer a referida contradição.”; e de 20-05-2010, relator Alves Velho, processo n.º 2655/04.8TVLSB.L1. S1.
No caso em apreço, o facto não provado sob o ponto 17. reporta-se a despesas que a autora teria suportado com a promoção do imóvel, não resultando dessa resposta negativa qualquer existência factual a ser relevada.
Assim, porque tal facto não integra ou pressupõe quaisquer outros que devam ser considerados antecedente lógico ou pressuposto do vertido no ponto 12., impõe-se aplicar a regra acima mencionada de que entre factos positivos e factos negativos não existe contradição.
Improcede, pois, nesta parte, a argumentação recursória.
Cumpre, contudo, notar que sob o ponto 4. o Tribunal recorrido deu como provado o seguinte facto:
No seguimento do negócio celebrado entre as partes, a Autora entregou a promoção do imóvel a AG…, que publicitou o imóvel nas páginas internet da EZ… e BPIexpressoimobiliário, expediu cerca de 50 mensagens de correio electrónico, tendo atendido mais de 100 telefonemas e realizado 10 vistas ao imóvel, com duração média de meia hora, salvo as últimas que demoraram cerca de três horas, assumindo todas as despesas.”
Simultaneamente, no ponto 12. ficou provado o seguinte:
“A fracção não foi vendida, tendo a Autora suportado o tempo despendido pelo seu comercial na promoção do imóvel, bem como o investimento em publicidade, ficando com a sua dignidade profissional prejudicada perante os interessados.”
Ao afirmar-se, por um lado, que a promoção do imóvel, a sua publicidade e as visitas efectuadas no contexto dessa promoção foram realizadas por AG…, que assumiu todas as despesas, e, por outro, que a autora suportou o tempo despendido com o seu comercial na promoção do imóvel e o investimento em publicidade, não se pode deixar de reconhecer que o respectivo conteúdo é, em termos de lógica, incompatível.
Ou seja, não se pode dar como provado que foi a pessoa encarregada da promoção que suportou as despesas inerentes a tal promoção, publicidade e tempo despendido nas visitas e, em simultâneo, afirmar que a empresa autora suportou esse tempo despendido e o investimento em publicidade.
A palavra “suportado” contida no ponto 12. só pode ter o significado de “ter sobre si” “arcar”, ou seja, se AG… assumiu (isto é, tomou sobre si) as despesas com a promoção, publicidade e visitas, tais despesas não podem ter sido suportadas pela autora, porque se o foram, então aquele, ainda que as haja eventualmente pago, terá depois delas sido ressarcido.
Significa isto que as respostas positivas contidas nos pontos 4. e 12. são, em tais concretos aspectos, contraditórias, porque não podem subsistir ambas utilmente.
Tal contradição, conforme o acima expendido, determinaria que esta Relação procedesse à respectiva superação com reponderação dos meios de prova disponíveis e nos quais o Tribunal a quo se tenha baseado ou, não constando do processo todos os elementos que a permitissem, anulasse a decisão.
Contudo, colhem aqui aplicação, tal como no âmbito do direito à impugnação da decisão de facto, os princípios da utilidade, economia e celeridade processual que justificam que o Tribunal ad quem não deva reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(veis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente – cf. neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27-05-2014, relator Carlos Moreira, processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1; acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-07-2017, relatora Maria João Matos, processo n.º 5527/16.0T8GMR.G1 e de 15-02-2018, relator Jorge Teixeira, processo n.º 1065/14.3TJVNF.G1.
Conforme se verá infra a alteração que se houvesse de introduzir nos referidos factos não assume relevância jurídica face à solução que o presente caso deve obter, pois que não terá a virtualidade de interferir, por si só, com a solução de direito a encontrar.
Por essa razão, não se procederá à reponderação dos meios disponíveis para efeitos de supressão da aludida contradição, passando-se ao conhecimento do mérito do recurso.
Do direito à remuneração no contexto do contrato de mediação imobiliária e da indemnização decorrente da sua cessação
Fazendo apelo aos factos vertidos nos pontos 4., 7., 10. e 12. da matéria de facto provada, a apelante pugna pela modificação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene a ré no pagamento da quantia peticionada argumentando que o facto de ter recorrido aos serviços de um intermediário para concretizar a venda, sendo este quem realizou as visitas e suportou directamente algumas despesas, não afasta o facto de ele ter actuado por conta da autora, que foi quem se obrigou perante a ré a promover o imóvel; mais sustenta que a ré, ao recusar a celebração do contrato por pretender vender a fracção por um preço superior ao consignado no contrato de mediação imobiliária, procedeu, tacitamente, à denúncia deste último, o que a obriga a indemnizar o mediador pelos prejuízos que suportou, por existir culpa na violação de um dever de conclusão de um negócio, em conformidade com o contrato a que ambas as partes se vincularam.
Em reforço desta posição, a apelante refere que não releva a distinção entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, porque o direito a indemnização por resolução ilícita integra a indemnização por lucros cessantes que, no caso, correspondem ao valor que aquela deixou de receber por força da conduta da ré (a comissão) ou, pelo menos, ao valor das despesas e prejuízos decorrentes daquela situação que “basicamente ascenderam a igual montante”.
Por sua vez, a ré/recorrida defende que tendo o contrato de mediação imobiliária sido celebrado em regime de não exclusividade e não tendo existido a conclusão do negócio, a recorrente não tem direito à remuneração acordada, assim como não tem por via de uma eventual indemnização pelo interesse contratual positivo, dado que esta visa colocar o contraente na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido, o que, no caso, só poderia ser o pagamento da remuneração a que, conforme referiu, aquela não tem direito; e também não a tem por via do interesse contratual negativo, porque esta depende de culpa e no contrato em apreço a ré era livre de o revogar, porque a possibilidade de optar por vender a outrem o imóvel contém e não exclui a possibilidade de o cliente se recusar a vender ao interessado angariado.
A sentença recorrida entendeu que se estava perante um contrato de mediação imobiliária celebrado entre a autora e a ré e a propósito da remuneração devida à primeira efectuou a seguinte ponderação:
“[…] para haver lugar à remuneração, não basta à mediadora procurar destinatários interessados e com vontade para a realização do negócio, sendo necessário que para além da conclusão do negócio, o mesmo seja válido e eficaz (perfeito) o que afasta a remuneração nos casos de nulidade do negócio.
Nesse sentido Fernando Baptista de Oliveira, é “(…) entendimento pacífico, na doutrina e jurisprudência, que no contrato de mediação imobiliária a regra é a de que a remuneração da empresa mediador só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito”.
De outro modo, caso o negócio não se concretizasse, o cliente teria de remunerar a mediadora por cada interessado com vontade de celebrar o negócio que aquela lhe indicasse, quando as negociações podem frustrar-se por vezes, até por simples aspectos fiscais.
Assim sendo, não obstante a mediadora tenha apresentado interessados, que com ela visitaram o imóvel e apresentaram propostas de compra, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando o mediador o risco da sua actividade comercial, salvo no caso das excepções do art. 19.º do RJAMI, isto é, dos contratos em regime de exclusividade.
Assim, no caso dos contratos celebrados em regime de exclusividade, o art. 19.º, nº 2 do RJAMI, dispõe que é igualmente devida à mediadora a remuneração acordada, caso o negócio não se concretize por causa imputável ao cliente.”
Após concluir pela não verificação do pressuposto da remuneração devida à entidade mediadora, a sentença recorrida abordou o facto de a ré, cliente, a aqui recorrida, ter alterado o preço da venda de € 550 000,00 para € 750 000,00, inviabilizando a concretização do negócio com o interessado angariado pela apelante, por facto que lhe é imputável e a esse propósito teceu ainda as seguintes considerações, concluindo pela improcedência da acção:
“Com efeito, nos casos em que não existe obrigação de exclusividade, a indemnização a reclamar não é coincidente com o valor da comissão devida caso o negócio fosse concluído, ou seja com o interesse contratual positivo, mas deve sim coincidir com o interesse contratual negativo ou dano de confiança.
No dizer de Almeida Costa, "a indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu comprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciadas as conclusões com vista à respectiva conclusão".
Por outras palavras, a Autora apenas poderá reclamar o valor do prejuízo que evitaria, se nunca tivesse celebrado o contrato de mediação imobiliária, isto é, o valor das horas desenvolvidas pelo comercial na promoção e eventual inserção publicitária em revistas da especialidade.
Contudo, resultou provado da matéria de facto, que quem assumiu o ónus da promoção do imóvel não foi a Autora, mas um colaborador seu, com o qual detinha um modelo de colaboração, em que apenas lhe pagava a comissão no caso de sucesso e nunca as despesas, no caso de insucesso.
O comercial seria sempre quem suportava o risco das despesas, no caso de insucesso.
Logo, no caso concreto, pese embora alegado, não foi apurada qualquer matéria de facto consubstanciadora da realização de despesas, pela Autora, na promoção do imóvel.
O mesmo se diga do alegado dano de imagem, já que quem promoveu o imóvel não foi a Autora, a qual se limitou, como que a subconcessionar a venda, permitindo ao comercial, exercer a actividade de mediação imobiliária, por interposta pessoa, sem alvará para o efeito.
Por conseguinte, qualquer dano de imagem ocorrido, a ter ocorrido, não radicou na esfera jurídica da Autora, mas sim na esfera jurídica do seu comercial independente, que foi quem verdadeiramente exerceu a actividade de promoção e mediação imobiliária.
Pelo que não existe qualquer valor a indemnizar.”
No presente recurso não vem questionada a qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes efectuada pela 1ª instância, pelo que se tem por adquirido que entre estas foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, com data de 27 de Outubro de 2014, com vista a obter interessado na venda ou arrendamento do imóvel identificado no ponto 1. da matéria de facto provada, em regime de não exclusividade, mediante o pagamento de uma remuneração de 5% sobre o valor da venda, fixado em € 550 000,00 (cf. ponto 3. da matéria de facto provada), a que se aplica o regime jurídico decorrente da Lei n.º 15/2013, de 8-02.
O contrato de mediação constitui um contrato atípico com natureza similar a uma subespécie do contrato de prestação de serviços. No ordenamento jurídico português, o contrato de mediação encontra-se regulado apenas em relação a algumas categorias de actividade, tais como: a mediação de seguros (DL 144/2006, de 31 de Julho), imediação imobiliária (Lei 15/2013, de 8-02) e mediação financeira (artigos 289º e seguintes do CVM).
No contrato de mediação uma das partes (o mediador) obriga-se, em troca de uma remuneração, a promover ou facilitar a celebração de um determinado contrato entre outra parte e um terceiro que terá de buscar o efeito, ou seja, a mediação visa colocar duas partes numa relação entre si para efeitos de celebração futura de um contrato qualquer que este seja (compra e venda, mútuo, seguro, etc.) – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-09-2014, relator Carlos Moreira, processo n.º 1421/12.1TBTNV.C1.
Pedro Pais de Vasconcelos caracteriza a mediação como a «intermediação entre o comprador e o vendedor, ou entre as partes num outro tipo de negócio, em que o intermediário – o mediador – aproxima as partes no negócio, põe-nas em presença, por vezes até intervém na negociação para o promover, mas não participa no negócio. O mediador é um facilitador……não actua por conta de nenhuma das partes, embora contratado por uma delas… mas nunca representa qualquer delas no negócio que vem a ser celebrado» - cf. Direito Comercial, Volume I, 2011, Parte Geral, Contratos Mercantis, Almedina, pág. 197 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2012, relator Sebastião Póvoas, processo n.º 5223/05.3TBOER.L1.S1.
António Menezes Cordeiro refere também que a “mediação significa o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas, de modo a que, entre elas, se estabeleçam negociações que possam conduzir à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação reclama ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar […]” – cf. Do contrato de mediação, na revista, “O Direito”, ano 139º, 2007, Tomo III, pág. 517 apud acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-05-2012 acima referido.
À luz dos diplomas anteriores à Lei 15/2013, de 8-02, que regulavam o contrato de mediação imobiliária (DL 77/99, de 16-03 e DL 211/2004, de 20-08), entendia-se a prestação característica do contrato de mediação imobiliária como uma obrigação de actividade ou de meios, mas a doutrina e a jurisprudência mantinham-se divididas nessa matéria, como disso dá nota Higina Orvalho da Silva Castelo, in Contrato De Mediação - Estudo Das Prestações Principais, Dissertação de Doutoramento em Direito Privado, Setembro de 2013, pp. 356-357 acessível em https://run.unl.pt/bitstream/10362/13121/1/Castelo_2013.pdf, onde elenca decisões jurisprudenciais que identificam a obrigação do mediador como uma obrigação de meios e outras que a qualificam como uma obrigação de resultado, onde se faz corresponder tal resultado à obtenção ou concretização de um negócio atinente a um determinado imóvel.
Aquela autora refere, contudo, que o entendimento da prestação do mediador como uma obrigação de resultado incorre quer no erro da identificação entre o conteúdo da obrigação do mediador e um evento futuro e incerto do qual as partes fazem depender a remuneração; quer no do entendimento de que o resultado contido na noção de contrato de prestação de serviço, constante do art. 1154º do Código Civil, implica que o prestador de serviço assume uma obrigação de resultado (os contratos de prestação de serviço, implicando sempre obrigações de facere, comportam quer obrigações de resultado quer obrigações de meios).
Todavia, face à amplitude dos negócios hoje visados pelo contrato de mediação imobiliária (cf. art. 2º da Lei n.º 15/2013) a prestação do mediador passou a ser encarada de outro modo, ou seja, o mediador “obriga-se a diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas... não se obriga a encontrar mesmo esse interessado que leve a cabo o negócio. É que não depende do mediador a realização do negócio visado, pois isso depende das vontades do cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo (se fará, ou não, o negócio, logo se verá; mas isso já nada tem a ver com o contrato de mediação imobiliária).” – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Direito dos Contratos - O Contrato de Mediação Imobiliária na Prática Judicial: uma abordagem jurisprudencial, pág. 45, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Outubro de 2016, acessível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/civil/eb_Direito_dos_Contratos_O_Contrato_de_Mediacao_Imobiliaria.pdf.
No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 3-11-2015, relator Jorge Arcanjo, processo n.º 115257/14.5YIPRT.C1 identifica-se a obrigação principal do mediador com a aproximação de diferentes pessoas, através da sua intermediação, “na busca comum e convergente para a celebração de um contrato entre ambas (obrigação de fazer), numa relação de causa/efeito (obrigação de resultado)” tendo o comitente, por contrapartida, a obrigação de remunerar os serviços prestados, através de uma comissão, concluindo que se está perante um contrato oneroso, “já que tanto o mediador (que é remunerado), como o comitente (que encontra no terceiro interessado aproximado pelo mediador a possibilidade concreta de realização do negócio visado), auferem vantagens ou benefícios patrimoniais.”
Mais se refere em tal aresto que:
“[…] o contrato de mediação, ainda que autónomo, é acessório ou preparatório de um outro contrato, a ser concluído entre o comitente (que contratou previamente com o mediador) e terceiro interessado (identificado e aproximado pelo mediador ao comitente).
Na vigência do DL n.º 285/92, de 25/9, algumas dúvidas se suscitavam no sentido de saber o momento em que nasce a obrigação de o cliente remunerar o mediador, sustentando a jurisprudência ser necessário uma relação de causa/efeito entre a actividade do mediador e o negócio realizado, exigindo-se que o negócio se concluísse como consequência adequada da actividade do mediador (…). Por isso, o DL n.º 77/99, entre cujas motivações esteve a de “clarificar o momento e estabelecer as condições em que é devida a remuneração pela actividade de imediação imobiliária” (Preâmbulo), veio estabelecer no seu art. 19, n.º 1 que “a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, e que passou para o art. 18º n.º 1 do DL nº 211/2004 de 20/10 e agora para a norma do art. 19º da Lei nº 15/2013.
Continua, assim, a ser válida a orientação jurisprudencial sobre a exigência do nexo causal entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.”
Em síntese, o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector do imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado, o que confere a este tipo de contrato a natureza de contrato bilateral e oneroso.
Quanto à obrigação essencial do mediador esta será a de angariar interessado para o negócio, ou seja, não constitui sua obrigação fundamental concluir o contrato, que, aliás, raramente concluirá ele próprio – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados – Das Noções à Prática Judicial, Vol. III, pág. 74.
Quanto à remuneração dispõe o art. 19º da Lei n.º 15/2013, de 8-02 nos seguintes termos:
“1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize. […]”
Em face do assim estatuído, salvo as excepções mencionadas, o mediador só pode reclamar a remuneração quando entre o comitente e a entidade angariada for concluído o negócio visado pelo exercício da mediação.
À luz dos regimes anteriores era discutida a questão sobre se para efeitos de remuneração, bastava que o mediador fizesse diligências no sentido de aproximar os interessados ou se era necessário que o negócio visado se concretizasse, dúvida que se dissipou com os DL 77/99, de 16-03 e 211/2004, cujas normas continham a expressa exigência da conclusão e perfeição do negócio e que decorre actualmente do n.º 1 do art. 19º da Lei 15/2013, acima transcrito.
Para haver lugar à remuneração, não basta, então, à mediadora a “procura de destinatários para a realização de negócios” e, mais do que isso, não basta que o contrato visado seja, de facto, concluído. “Exige-se, agora – para além da conclusão do negócio –, ainda, que o negócio (concluído) esteja perfeito (ut artº 19º/1 do RJAMI), isto é, que seja... eficaz (não ferido de invalidade absoluta ou pendente de condição suspensiva ou em que se venha a verificar a condição resolutiva de que estava dependente). Daí que (por princípio...), sendo nulo o contrato, não haver lugar à remuneração.” – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Direito dos Contratos…, pág. 48.
A relação entre o pagamento da comissão e a celebração do negócio pretendido assume especial expressão nos casos em que a mediadora não tem a exclusividade da mediação. Com efeito, nessa situação, os vendedores podem realizar o negócio projectado, quer por eles próprios, quer através de outra empresa mediadora, pelo que então mais se justifica a exigência da conclusão enquanto pressuposto do direito à remuneração por parte da mediadora.
Como tal, o pagamento da comissão acordada encontra-se ligado à conclusão de negócio pretendido, no caso a projectada venda ou arrendamento, tanto mais que, conforme decorre dos factos provados, a apelante não tinha a exclusividade da mediação, o que significa que a vendedora, a aqui recorrida, podia realizar o negócio projectado quer por si própria, quer através de outra empresa mediadora.
De notar ainda, que a obrigação de remunerar o mediador depende de o negócio visado ser concretizado “em virtude da actividade do mediador”, ou seja, a obrigação de meios que sobre este recai há-de conduzir ao resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador –, sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial – não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador – cf. Fernando Baptista de Oliveira, Contratos Privados…, pág. 75 – “[…] o direito do mediador à remuneração depende de a conclusão do negócio ser efeito da sua intervenção.”; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14-04-2011, relatora Maria Manuela Gomes, processo n.º 5500/05.3TJLSB.L1-6; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010, relator Hélder Roque, processo n.º 9934/03.0TVLSB.L1.S1.
Sendo este o enquadramento jurídico a atender e demonstrada a não exclusividade do contrato de mediação celebrado entre as partes e a circunstância do negócio proposto não se ter realizado (ao que se sabe, nem com o interessado conseguido por intermédio da recorrente, nem com qualquer outro), não tem a autora direito a receber a quantia pedida a título de remuneração.
Outra questão que se suscita neste tipo de contratos é a de saber se o mediador tem o direito ao reembolso das despesas.
A doutrina tem propendido para a reposta negativa, isto é, o reembolso das despesas só é devido e deve ser recebido pelo mediador se tal situação tiver sido acordada no contexto do contrato celebrado entre as partes. Se assim não suceder, nenhum direito assiste ao mediador a apresentar e fazer-se pagar por despesas efectuadas no decurso da actividade que desenvolve para obtenção do resultado pretendido e de que haja sido incumbido – cf. neste sentido, Higina Castelo, op. cit., pp. 368-369[4]; cf. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 1-04-2014, relator Gabriel Catarino, processo n.º 894/11.4TBGRD.C1.S1 e de 28-04-2009, relator Fonseca Ramos, processo n.º 29/09.3YFLSB.
Compulsados os autos e analisada a petição inicial verifica-se que o pedido da autora/apelante consistia – e assim se manteve até ao encerramento da audiência final, por não ter sido objecto de ampliação, não obstante o articulado de aperfeiçoamento apresentado a convite do Tribunal a quo incidente sobre as despesas suportadas pela autora com acções de promoção e publicidade (cf. despacho proferido em acta de 27 de Novembro de 2017, a fls. 104 e requerimento de fls. 110 a 117 dos autos) – em obter a condenação da ré no pagamento da quantia de € 34 521,89, acrescida de juros, que aquela entendia ser-lhe devida por corresponder ao pagamento da remuneração acordada na cláusula 3ª, n.º 1, b) do contrato de mediação imobiliária (onde as partes estipularam: “Pela prestação dos serviços descritos na cláusula 1ª, o Proprietário (ou o seu representante legal) obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração 5% sobre o valor da venda, acrescida do IVA à taxa legal de 23%.”).
O valor peticionado - € 34 521,89 – corresponde, precisamente, ao valor equivalente a 5% sobre o montante de € 550 000,00 (€ 27 500,00), acrescido de 23% (€ 6 325,00) e do valor dos juros vencidos (€ 696,89). Ou seja, a autora pede na presente acção o valor da remuneração que foi acordada no contrato de mediação, sustentando que cumpriu a sua parte do acordo, ou seja, a obrigação de diligenciar no sentido de encontrar um interessado na aquisição do imóvel referido em 1., pelo preço de € 550 000,00, que encontrou e apresentou à ré, que se recusou a celebrar o negócio, porque modificou o preço acordado, passando a exigir € 750 000,00.
A sentença recorrida, tendo apreciado o direito da autora a obter a remuneração acordada e concluído que esta não seria devida porque o negócio não chegou a ser celebrado, enveredou depois para a apreciação de um eventual direito a indemnização, considerando, ao que se depreende, que a conduta da ré, ao aumentar o preço da venda, frustrou a actividade da autora e por essa razão esta tinha direito a obter a resolução do contrato com justa causa, mas prosseguiu referindo que, não havendo direito à comissão, a indemnização  devida à autora seria a correspondente ao seu interesse contratual negativo (reposição da situação em que o lesado estaria se não fosse a celebração do contrato).
Nesse âmbito, considerou o tribunal recorrido que, apesar disso, a autora não tinha direito a qualquer indemnização porque não provou ter realizado quaisquer despesas por força do contrato de mediação imobiliária, nem que tivesse suportado quaisquer danos na sua imagem.
Confrontada com esta decisão, a recorrente interpôs o presente recurso abandonando aquela que era a sua pretensão inicial - obter a remuneração acordada no âmbito do contrato de mediação imobiliária – vindo agora sustentar que deve ser ressarcida das despesas suportadas pelo auxiliar/“intermediário” que contratou para concretizar a venda, pois que quem assumiu perante a ré a obrigação de promover o imóvel foi a autora, ainda que tenha entregado essa promoção a AG…, mencionando despesas com publicidade que teriam ascendido a € 1 906,50 (sem que tenha impugnado a matéria de facto nessa sede com vista a obter a prova desse facto).
Para além disso, vem também a recorrente pugnar no sentido de que terá existido uma resolução ou denúncia tácita do contrato de mediação imobiliária, decorrente do facto de a ré/recorrida ter recusado celebrar o contrato com a pessoa por ela angariada, pelo valor anunciado de € 550 000,00, o que lhe conferiria o direito a ser indemnizada pelos danos que lhe foram causados pelo facto ilícito da ré.
Em face disto, pretende a recorrente ser indemnizada pelos prejuízos causados pela violação do dever de conclusão de um negócio em conformidade com o contrato, indemnização que corresponde aos lucros cessantes, ou seja, ao valor da comissão.
É sabido que a identificação da acção ou a determinação do objecto do pedido afere-se em função da identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir (cf. art. 581º, n.º 1 do CPC).
O art. 552º do CPC, nas alíneas d) e e) do respectivo n.º 2, impõe ao autor o ónus de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção e o de formular o pedido.
Ora, “[] o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido, ou seja, indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida - definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida.” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-04-2016, relator Lopes do Rego, processo n.º 842/10.9TBPNF.P2.S1.
O pedido corresponde ao efeito jurídico que se pretende obter com a acção e, como tal, circunscreve o âmbito da decisão final pois que desenha “o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir” (cf. art. 609º, n.º 1 do CPC) – cf. A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, pág. 201.
O pedido abrange dois elementos: uma pretensão material (afirmação de um interesse juridicamente tutelado, ou seja, de um direito subjectivo) e uma pretensão processual (solicitação de uma actuação judicial determinada) – cf. J. Castro Mendes, Direito Processual Civil, IIº vol., 1987, pág. 358.
O pedido corresponde ao objecto da acção e o autor deve enunciá-lo na conclusão da sua petição inicial, peticionando ao Tribunal uma concreta providência, na qual verterá o efeito jurídico que pretende obter. A pretensão tem de ser concreta e determinada e o autor deve indicar o tipo de tutela que visa alcançar - cf. J. Castro Mendes, ob. cit., Iº vol., pág. 67.
Mas aquele que dirige uma pretensão ao Tribunal terá ainda de expor a situação de facto com base na qual se afirma a titularidade do direito que pretende ver tutelado. É a causa de pedir, entendida como “o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida”, que assume uma função individualizadora do pedido e, como tal, do objecto do processo – cf. art. 581º, n.º 4 do CPC.
A causa de pedir, independentemente do entendimento que se perfilhe acerca dos factos que a integram (nomeadamente se abrange todos os necessários à procedência da acção ou apenas aqueles que se reconduzam aos elementos essenciais de um determinado tipo legal), cumpre sempre uma função individualizadora do pedido e, portanto, do objecto do processo. Por isso, há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido – cf. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume II, 3ª edição, 1981, pág. 351.
In casu, o objecto do processo, tal como a autora o configurou na petição inicial com que introduziu em juízo a presente acção radica, como se afigura cristalino da sua leitura, num contrato de mediação imobiliária celebrado entre as partes em que a mediadora cumpriu a obrigação assumida – angariação de uma pessoa interessada na aquisição do imóvel – incumbindo à ré proceder ao pagamento da remuneração acordada.
Está em causa, assim, a celebração de um contrato e a falta de cumprimento da prestação que cabe ao cliente vendedor, a aqui ré/recorrida, relativamente à qual esta se encontra em mora (cf. artigos 21º da petição inicial).
Estes são os factos jurídicos alegados e que suportaram o pedido deduzido pela autora: pagamento do montante atinente à remuneração acordada, a que a aquela entende ter direito pelo facto de o negócio de compra e venda não ter sido concluído apenas por culpa da ré.
Em momento algum da sua petição inicial a recorrente alega ter existido uma revogação unilateral ou uma denúncia do contrato de mediação imobiliária por parte da ré que, de algum modo, lhe conferisse o direito a ser indemnizada pelos prejuízos causados em virtude desse rompimento contratual sem causa bastante.
De igual modo, não formulou qualquer pedido de ressarcimento de despesas em que haja incorrido em virtude do contrato de mediação imobiliária em que, cumprindo a sua obrigação, diligenciou pela angariação de um interessado e cujo negócio se gorou apenas por facto imputável à ré, sustentando assim um direito a obter a reparação dos prejuízos suportados.
Pelo contrário, a causa de pedir em que a autora assenta o seu pedido cinge-se à celebração do contrato de mediação imobiliária, ao cumprimento da obrigação por parte da mediadora e ao incumprimento da obrigação por parte da comitente, cujo pagamento em falta vem reclamar.
Certo é que o juiz pode proceder livremente à qualificação jurídica da factualidade invocada pelas partes como fundamento das suas pretensões, uma vez que não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. art. 5º, n.º 3 do CPC).
No entanto, uma coisa são as várias possíveis configurações ou qualificações, situadas num plano puramente normativo, dos factos concretos alegados e outra é a configuração distinta dos próprios factos que fundamentam o pedido.
De igual modo, a identidade e individualidade da causa de pedir não será alterada por qualquer alteração ou ampliação factual que não afecte o núcleo essencial da causa de pedir (o Prof. Miguel Teixeira de Sousa alude aos factos necessários à procedência da acção, que qualifica de factos principais e que abrangem os factos essenciais e os factos complementares, sendo que os primeiros permitem individualizar a situação jurídica alegada na acção ou na excepção e os segundos são indispensáveis à procedência dessa acção ou excepção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte – cf. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 1997, pág. 71).
Apenas será viável apreciar a pretensão da recorrente sob a perspectiva da revogação/denúncia ilícita do contrato de mediação imobiliária e eventual direito a indemnização pelos prejuízos daí decorrentes, se se puder entender que os factos que subjazem a tal pretensão são ainda aqueles que foram alegados na petição inicial, ainda que aditados por outros que deles sejam meramente complementares ou secundários, circunstanciais ou acessórios, não contribuindo para transformar a causa de pedir invocada numa outra causa de pedir – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-12-2016, relator Lopes do Rego, processo n.º 219/14.7TVPRT-C.P1.S1.
Ora, a pretensão material formulada inicialmente na acção é a de obter o pagamento do valor devido, em cumprimento da obrigação assumida pela ré no contexto do contrato de mediação imobiliária, que se supõe cumprido por parte da mediadora.
A pretensão que a autora introduz em sede de recurso representa uma via jurídica estruturalmente diferenciada para alcançar a tutela jurídica dos seus interesses patrimoniais e assenta num pressuposto perfeitamente autónomo face àquele que foi invocado na petição inicial, qual seja, uma denúncia tácita injustificada do contrato de mediação imobiliária (e não já um incumprimento da obrigação de proceder ao pagamento da remuneração), de tal modo que tal pressuposto implica a formulação também de um pedido estruturalmente diferente (pagamento de uma indemnização em ressarcimento dos prejuízos causados, não alegados mas que a recorrente faz equivaler ao valor da remuneração, sem qualquer suporte factual para tanto).
Na verdade, a qualificação jurídica dos factos, sendo de conhecimento oficioso, como se disse, não pode deixar, contudo, de ser conjugada com outras limitações, “designadamente daquelas que obstam a que seja modificado o objecto do processo (integrado tanto pelo pedido como pela causa de pedir) ou daquelas que fazem depender um determinado efeito como o da anulabilidade […], da prescrição ou da caducidade da sua invocação pelo interessado.” – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 727.
E tanto assim é que, se bem se atentar, a ré não se pronunciou em momento algum sobre a agora invocada denúncia tácita do contrato de mediação imobiliária, que a recorrente faz corresponder à recusa daquela em celebrar o negócio com a pessoa por si angariada.
Tendo presente que os limites objectivos da sentença estão condicionados pelo objecto da acção, integrado não só pelo pedido formulado mas também pela causa de pedir, o preenchimento da causa de pedir, independentemente da qualificação jurídica apresentada, supõe a alegação de factos essenciais que se inserem na previsão abstracta da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se procura através do processo civil, sendo que a invocação de tais factos se impõe também atenta a necessidade do respeito pelo princípio do contraditório – cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15-09-2010, relator António Manuel Ribeiro Cardoso, processo n.º 327/06.8TBLGS.E1.
Logo, se a causa de pedir é integrada pelos factos que produzem o efeito jurídico pretendido, o que não corresponde à valoração jurídica atribuída pelo autor, não se pode deixar de reconhecer que a materialidade invocada pela autora na sua petição inicial é integrada pela alegação de um contrato de mediação imobiliária e pelos factos integradores do seu incumprimento por parte da ré, que é coisa distinta da alegação de factos reveladores da extinção de tal contrato por revogação unilateral/denúncia não justificada.
De todo o modo, a assim não se entender, sempre a pretensão da apelante deveria improceder.
Com efeito, o contrato de mediação imobiliária pode cessar por várias formas, tal como sucede com os demais contratos, tais como a revogação em sentido próprio (acordo das partes no sentido de colocarem fim à relação contratual), a caducidade (o prazo do contrato atinge o seu termo e não está sujeito a renovação automática), a oposição à renovação (declaração unilateral para produzir efeitos no fim do prazo, também designada de denúncia para o termo do prazo), ou a resolução (declaração unilateral condicionada à verificação de uma causa, prevista na lei ou no contrato, em geral, o incumprimento da parte contrária) – cf. Higina Orvalho Castelo, Contrato de Mediação Imobiliária, pág. 19 disponível em https://www.verbojuridico.net/ficheiros/doutrina/comercial/higinacastelo_mediacaoimobiliaria.pdf.
Em contratos de execução duradoura e por tempo indeterminado é, por regra, admitida a cessação por declaração unilateral, imotivada e para produzir efeitos imediatos ou em momento anterior ao termo do prazo contratual, que equivale à denúncia em sentido próprio.
A doutrina tem vindo a aceitar a revogação do contrato de mediação com o argumento de que o cliente é sempre livre de desistir de celebrar o contrato ou de o celebrar com outra pessoa, sem que isso lhe acarrete responsabilidade (salvo existência de cláusula de exclusividade), ou ainda, por aplicação extensiva do regime do mandato às modalidades do contrato de prestação de serviço não reguladas por lei (cf. art. 1170º do C. Civil).
Higina Orvalho Castelo considera, pelo contrário, que o contrato de mediação imobiliária não é de execução duradoura nem vigora por tempo indeterminado, pelo que a existência de um prazo contratual – o contrato de mediação está sempre sujeito a prazo, sendo de seis meses, quando as partes nada digam (art. 16º, n.º 3 da Lei 15/2013) – impede que as partes possam pôr termo ao contrato antecipadamente por declaração discricionária de uma das partes – cf. Contrato de mediação…, pág. 19.
Realça também que coisa distinta da não revogabilidade do contrato de mediação a todo o tempo é a livre desistência da celebração do contrato visado, sendo que desta não resulta, de modo imediato, a revogação do contrato de mediação.
Com efeito, a celebração do contrato visado não faz parte da prestação contratual da mediadora, como se referiu, correspondendo apenas à circunstância (eventual) que faz nascer o direito à remuneração.
Logo, “o cliente da mediadora num contrato de mediação imobiliária é sempre livre de desistir da celebração do contrato visado (sem prejuízo de, em alguns casos de contrato de mediação em regime de exclusividade, poder ter de pagar a remuneração […]), mas não é livre de pôr fim ao contrato antes do seu aprazado termo, por declaração unilateral e imotivada.”
Assim, o alcance da impossibilidade de pôr termo ao contrato de mediação antecipadamente por declaração unilateral de uma das partes significa, no contrato de mediação simples, que “se o cliente vier a celebrar o contrato visado graças à atividade desenvolvida pela empresa de mediação durante o prazo contratual (nomeadamente por o celebrar com interessado que a mediadora lhe apresentou durante o prazo do contrato), ainda que a celebração ocorra fora do período do contrato, o cliente tem de pagar a remuneração. Ou seja, o cliente é livre de desistir de celebrar o contrato visado, pode não o celebrar, sem que daí resulte qualquer efeito nefasto; mas se o celebrar (ainda que decorrido o período de vigência do contrato de mediação), graças à atividade da mediadora desenvolvida no decurso daquele período, tem de remunerar.” - cf. Higina Orvalho Castelo, Contrato de Mediação Imobiliária, pág. 20.
Na situação sub judice, os factos apurados revelam apenas que a autora e a ré celebraram um contrato de mediação imobiliária pelo período de 180 meses, renováveis, tendo por objecto a fracção identificada no ponto 1., cujo preço de venda foi fixado em € 550 000,00 (cf. fls. 8); a autora, por intermédio de AG…, obteve um casal interessado na aquisição do imóvel, que apresentou a proposta de aquisição pelo preço de € 520 000,00, e a ré, por intermédio do seu pai, deu conta que a venda só seria celebrada, afinal, por € 750 000,00, na sequência do que os interessados propuseram o preço de € 550 000,00, proposta a que a ré não respondeu, sendo que a fracção não foi vendida – cf. pontos 3., 5., 7., 8., 9. e 12. da matéria de facto provada.
Tais factos consubstanciam uma desistência por parte da ré da celebração do negócio visado em face do possível comprador angariado pela recorrente, não revelando, nem deles emergindo qualquer comportamento susceptível de ser tido como manifestação de vontade de pôr termo ao contrato de mediação imobiliária.
Em consonância com o acima expendido, a ré era livre de desistir da celebração do negócio sem que dessa desistência decorra para ela qualquer efeito negativo, ou seja, a desistência não dá direito seja ao pagamento da remuneração acordada (porque não se verifica o seu pressuposto), seja ao pagamento de qualquer indemnização.
Já a denúncia ilícita, ou seja, comunicada sem observância do prazo previsto para a duração do contrato, poderia determinar, verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o pagamento de uma indemnização.
Essa, contudo, é questão que, como se referiu, não só não foi suscitada nos articulados, como não foi objecto de apreciação pelo tribunal de 1ª instância, sendo que a fase de recurso não é o momento adequado para suscitar questões novas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, o que não é o caso – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, pp. 399-400.
Todavia, sempre dirá também que, em face dos factos apurados, não se constata qualquer dever de indemnização por parte da ré.
Com efeito, ainda que se fizesse apelo às regras do mandato (nomeadamente o vertido no art. 1172º, c) do C. Civil), como sustenta a recorrente, sempre se teria de concluir que estando em causa a celebração de um contrato de mediação imobiliária em regime de não exclusividade, sendo a ré/recorrida livre de concretizar ou não o negócio, com a pessoa angariada pela autora ou com entidade terceira, a recusa em celebrar o negócio visado seja por desistência do negócio, seja por exigência de um novo preço superior ao indicado, não dá lugar a qualquer indemnização – cf. neste sentido, Fernando Baptista de Oliveira, Direito dos Contratos…, pág. 92 – “Sem embargo do estatuído no art.º 406º, nº 1, do Código Civil – regra de que os contratos só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos por lei –, há quem entenda que, “salvo estipulação em contrário, o contrato de mediação deve considerar-se revogável. Não se trata de uma aplicação analógica das regras do mandato e da comissão, mas de uma consequência da própria natureza do contrato, tal como ela é de presumir ser querida pelos contraentes, pois parece de presumir que o autor do encargo, ao celebrar o contrato de mediação, não quer privar-se da faculdade de prescindir dos serviços do mediador, já que pode oferecer-se-lhe oportunidade de realizar o negócio sem intermediário, ou aparecer-lhe outro intermediário mais conveniente, ou perder a confiança que depositara no primeiro, ou desistir do propósito de concluir o negócio; por outro lado, desde que o mediador só adquire direito à remuneração quando o negócio é concluído por efeito da sua intervenção...e a conclusão depende do autor do encargo, tem este o direito de revogação” […]. Aceita-se perfeitamente.”
Este é também o sentido que se retira do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-2010, relator Hélder Roque, processo n.º 9934/03.0TVLSB.L1. S1 em que se apreciou um contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de não exclusividade (ainda que nulo) e se concluiu pela inexistência de qualquer direito a indemnização precisamente pela constatada possibilidade de o comitente desistir do negócio em face do regime de não exclusividade:
““O regime do contrato de prestação de serviço, de que o contrato de mediação imobiliária é uma modalidade atípica, está disciplinado, extensivamente, pelas disposições sobre o mandato, de acordo com o previsto nos artigos 1155º e 1156º, do CC.
A revogação unilateral, mais precisamente, a denúncia do contrato, que é uma figura própria dos contratos duradouros e que se traduz na declaração, feita por um dos contraentes ao outro, no sentido de que não quer a renovação ou a continuação do contrato, quando procede do mandante, tratando-se de contrato oneroso, implica para este o dever de indemnizar o prestador de serviços pelos prejuízos que o mesmo venha a sofrer, sempre que o contrato tenha sido conferido, como sucede na hipótese em presença, para a realização de uma determinada finalidade, em conformidade com o disposto pelo artigo 1172º, c), do CC.
A revogação que não observe a finalidade contratual para a qual a prestação de serviços foi convencionada produz, pois, os seus efeitos de destruição do contrato, «ex nunc», embora a lei daí faça decorrer uma obrigação de finalidade ressarcitória, a cargo do recebedor do serviço, tão-só, excluída, na hipótese de existência de justa causa). Porém, tendo sido, expressamente, clausulada a resolução contratual convencional, está, por conseguinte, afastada a obrigação de indemnizar o prestador de serviços, por parte do comitente.
Subsistirá, contudo, a responsabilidade civil dos réus, em sede pré-contratual, como fundamento da pretensão indemnizatória da autora?
A propósito da responsabilidade pré-contratual, estipula o artigo 227º, do CC, no seu nº 1, que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
A autora reclama dos réus o pagamento de uma indemnização conexionada com o interesse positivo ou de cumprimento, atinente à culpa na violação de um dever de conclusão de um contrato, isto é, ao dano «ex contratu», ou seja, aos lucros que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado, e não de uma indemnização que contende com o interesse negativo ou de confiança, relacionado com um hipotético dano sofrido, por haver confiado na validade do contrato. É que não é lícito a uma parte romper, arbitrariamente, as negociações depois de estas terem alcançado um tal desenvolvimento que a outra podia julgar-se autorizada a confiar na conclusão do contrato, sob pena da correspondente obrigação de indemnização, como acontece, v. g., no caso de se ter atingido um acordo sobre todas as questões essenciais e apenas faltar a concretização ou celebração do mesmo, através da forma legal.
Quando o acordo está conseguido, a fase da negociação foi concluída, as negociações atingiram um desenvolvimento tal que justifica a confiança na celebração do negócio e apenas falta formalizar o contrato, através da outorga da correspondente escritura pública, que só não ocorreu, por culpa exclusiva da parte inadimplente, a indemnização deve corresponder ao interesse contratual positivo ou de cumprimento, sendo de indemnizar todos os danos causados pelo ilícito pré-contratual, independentemente da relevância da distinção que, então, se torna marginal, entre interesse contratual positivo e interesse contratual negativo.
Ora, a obrigação de indemnização pela culpa na formação do contrato depende, não só da produção de um dano, mas, também, da existência dos demais elementos constitutivos da responsabilidade civil.
A determinação da indemnização devida pela violação das regras da boa fé depende, obviamente, da natureza do dever de conduta infringido, só existindo responsabilidade pré-negocial quando se verifica o propósito de não concluir ou de romper as negociações encetadas, sendo condição «sine qua non» da sua existência a verificação do facto específico da criação da expectativa e confiança, relativamente à qual a ruptura injustificada, manifestada através de um comportamento incoerente e contraditório, está em oposição com a boa-fé.
Contudo, […] “os factos não permitem concluir pela ilicitude desta conduta dos réus, uma vez que se apurou que o contrato de mediação firmado entre as partes não previa um regime de exclusividade, pelo que os réus eram livres de alienar o imóvel em apreço a terceiros, não angariados pela autora (…)”.
Finalmente, se a entidade mediadora só tem direito à remuneração pela comissão de mediação com a conclusão do negócio com o angariado, calculada sobre o preço pelo qual a compra e venda é, efectivamente, concretizada, tendo sido contratado entre as partes um regime de não exclusividade, com a faculdade da não renovação do contrato, e celebrando-se este com uma entidade terceira, por iniciativa dos comitentes, inexiste o reclamado direito de remuneração pela comissão de mediação, nem o direito de indemnização pelo incumprimento contratual ou pela revogação unilateral tácita do contrato ou, finalmente, a título de responsabilidade pré-contratual, por «culpa in contrahendo».”
Em síntese, quer porque a relação material controvertida, tal como a configurou a apelante, aferida em função do pedido e respectiva causa de pedir não permite a apreciação da pretensão sob a perspectiva de uma cessação unilateral ilícita do contrato de mediação imobiliária, quer porque, ainda que se admitisse estar em causa apenas uma qualificação jurídica distinta dos factos, sempre estes não conduziriam à imputação à ré de uma conduta ilícita decorrente da recusa em celebrar o negócio visado, não há que reconhecer à recorrente o direito a qualquer indemnização, não lhe sendo devido o valor peticionado.
Improcede, assim, na íntegra, a apelação.
*
Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Nos termos do art. 1º, n.º 2 do RCP, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.
O recorrente decai em toda a extensão quanto à pretensão que trouxe a juízo, pelo que as custas (na vertente de custas de parte) ficam a seu cargo.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo, em consequência, a decisão recorrida.
As custas ficam a cargo da apelante.
*
Lisboa, 26 de Março de 2019

Micaela Sousa

Maria Amélia Ribeiro

Dina Maria Monteiro

[1] Adiante mencionado pela sigla CPC.
[2] Todos os arestos mencionados adiante sem indicação de origem encontram-se disponíveis no Base de dados Jurídico-documentais do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, IP em www.dgsi.pt.
[3] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume IV, pág. 553 – “as respostas são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente. São obscuras quando o seu significado não pode ser apreendido com clareza e segurança. São deficientes quando aquilo que se respondeu não responde a tudo quanto foi quesitado.”
[4]O RJAMI, tal como todos os seus antecessores, não dispõe sobre o pagamento das despesas suportadas no exercício da atividade de mediação. Não é, por certo, uma lacuna. A questão do ressarcimento das despesas do mediador pode dizer-se clássica, sendo tradicional o entendimento de que correm por sua conta as despesas feitas na busca de interessado. A nossa jurisprudência tem seguido essa regra. A remuneração acordada nos contratos de mediação corresponde, em regra, a um valor consideravelmente elevado, se olharmos apenas aos esforços da atividade no caso concreto. Tal valor justifica-se pelos avultados riscos inerentes ao contrato e suportados pelo mediador, entre eles, o risco de não conseguir interessado e, principalmente, o de o cliente desistir de concretizar o negócio. Nada impede as partes, no entanto, de estipularem o pagamento de despesas.”