Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1483/18.8T8TVD.L2-8
Relator: CRISTINA LOURENÇO
Descritores: PETIÇÃO DE HERANÇA
SENTENÇA ESTRANGEIRA DE ADOPÇÃO
REVISÃO E CONFIRMAÇÃO
CONDIÇÃO SUBJECTIVA
ILEGITIMIDADE MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Assentando a pretensão da Autora na titularidade de direitos adquiridos por via de sucessão mortis causa, nomeadamente, por ser herdeira de sua mãe, e esta por seu turno, herdeira dos seus pais, cuja filiação foi constituída por adoção decretada por tribunal do Estado de Nova Iorque, EUA, não lhe pode ser reconhecida a titularidade de tais direitos se não estiver revista e confirmada a sentença estrangeira que decretou a adoção, condição da respetiva eficácia no nosso país, face ao disposto no  art. 978º, nº 1, do Código de Processo Civil.
2. A falta de tal condição subjetiva consubstancia uma ilegitimidade material e dita forçosamente a absolvição da Ré do pedido, pois que ao conhecer da ilegitimidade material, o tribunal decide de mérito.
3. Tal não obsta, porém, e em face do disposto no art. 621º, do Código de Processo Civil, que verificada a dita condição subjetiva, a autora intente nova ação, renovando os mesmos pedidos que formulou contra a Ré.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
M.T.J., com o nome de registo de nascimento M.M. e que também usa o nome de M…..J.., casada, cidadã norte americana, residente em … Avenue, Warwick, New York, Estados Unidos da América, veio intentar contra M…P…, divorciada, residente na Avenida…, Torres Vedras, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, alegando, para tanto, em síntese, o seguinte:
- J.R.M. nasceu em Lisboa, no dia 9 de dezembro de 1901 e casou com C…no dia 6 de junho de 1940, no Estado de Nova Iorque;
- J.R.M. faleceu em 27 de outubro de 1980, em Nova Iorque, no estado de casado com aquela e seu deixar testamento ou disposições de última vontade;
-  C… faleceu no estado de viúva de J.R.M., em 5 de março de 2006, em Nova Iorque;
- Sobreviveu a J.R.M. e C…a única filha, P…, nascida em 1 de janeiro de 1940 e falecida no Estado de Nova Iorque, no dia 17 de maio de 2013, no estado de divorciada;
-  A Autora é a única filha de P….; nasceu naquele mesmo Estado, em 30 de abril de 1968, e foi registada com o nome de M.M.;
- No dia 21 de março de 2005, perante o Cônsul Geral Adjunto no Consulado Geral de Portugal em Nova Iorque, foi celebrado testamento de C…;
- No dia 10 de setembro de 2012, no Cartório Notarial de Torres Vedras, foi celebrada escritura de Habilitação de Herdeiros, em que foi outorgante a Ré, que nela declarou exercer o cargo de cabeça de casal na herança aberta por óbito de C…., que esta não tinha descendentes nem ascendentes vivos, e que tinha deixado testamento pela qual a instituiu como legatária do seu único bem, o que não corresponde à verdade, já que a Ré não é a única sucessora de C…., a quem sobreviveram a filha P… e a neta M.M., de cuja existência aquela tinha conhecimento;
- O testamento de C… foi outorgado no Consulado de Portugal em Nova Iorque, perante o Cônsul Geral Adjunto, que não tinha competência para o ato, evidenciando ainda o mesmo a preterição de diversas formalidades legais;
- A testadora, C…, tinha 101 anos à data do testamento, estava debilitada fisicamente, com acentuada perda de memória, ouvia mal e tinha dificuldade em reconhecer as pessoas, pelo que ao declarar que não tinha descendentes, tem de se concluir que já não estava no domínio pleno das suas capacidades mentais e que a vontade expressa no testamento não correspondia à sua vontade real.
Termina, pedindo:
I) Seja a Autora reconhecida como única e legitima herdeira de P… e esta, por sua vez, única e legítima herdeira de J.R.M. e de C…., e, nessa qualidade, habilitada e também considerada parte legítima na presente ação; condenando-se a Ré reconhece-la como única, legítima e legal herdeira sobreviva de J.R.M. e de C…;
II) Seja declarada a falsidade das declarações da Ré constantes da escritura de habilitação de herdeiros outorgada no dia 10 de setembro de 2012 no Cartório Notarial de Torres Vedras, a cargo da notária ….; seja declarada a ineficácia da mesma; e seja a Ré condenada a reconhecer tal ineficácia e a abster-se de praticar quaisquer atos com base, ou instruídos pela sobredita escritura de habilitação;
II) Seja declarada a nulidade formal do instrumento notarial – testamento - outorgado por C… no Consulado de Portugal em Nova York, no dia 21 de março de 2005, perante o Cônsul Geral Adjunto no Consulado Geral de Portugal em Nova York, e consequentemente do negócio jurídico que pretende documentar “ad substantiam”, nomeadamente nos termos do disposto no artº 70 nº 1 b) e 71 nºs 1 e nº 2do Código do Notariado, por violação do disposto artº 55 e 56 do DL 381/97, do preceituado nos artºs 46 nº 1 alíneas h) , j) e l), artº 50º, , artº 65 nº1 , artº 66 nº1 e artrº 68 nº 1 alíneas b) e f) todos do Código do Notariado.
IV) Seja a Ré condenada a reconhecer que nenhum direito lhe assiste na herança aberta por óbito de C….. por via testamentária ou outra;
Subsidiariamente, para o caso de improcedência do pedido formulado em III:
A) Seja anulado o instrumento notarial-testamento outorgado por C… no Consulado de Portugal, em Nova York, no dia 21 de março de 2005, perante o Cônsul Geral Adjunto no Consulado Geral de Portugal em Nova York, consequentemente o negócio jurídico que pretende documentar “ad substantiam”, por incapacidade de perceber e entender o conteúdo e alcance da disposição testamentária e vício da vontade da testadora, nomeadamente nos termos do disposto no artº 2199 e 257 do Código Civil.
B) Seja a Ré condenada a reconhecer que nenhum direito lhe assiste na herança aberta por óbito de C…. por via testamentária ou outra.
Ainda subsidiariamente e para a mera hipótese de improcedência dos pedidos formulados em III e IV:
A) Seja a Ré condenada a reconhecer a Autora como única e legítima herdeira de P… e esta de J.R.M. e herdeira legítima de C…, com ela concorrendo à sucessão;
B) Que se proceda à redução da deixa testamentária por forma a preencher a legítima dos herdeiros legitimários.
Requer, ainda, que com a citação seja a Ré notificada para, na pendência da presente demanda se abster da prática de quaisquer atos de disposição ou gestão dos direitos de autor da obra de J.R.M..
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Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, onde se defende por exceção e impugnação, dizendo, em síntese.
- J.R.M. e a sua mulher eram à data das respetivas mortes cidadãos norte americanos; não deixaram descendentes biológicos; a sucessão ou as relações sucessórias são reguladas pela lei norte americana, que não conhece a sucessão legítima ou legitimária e dá primazia à sucessão testamentária, pelo que não é a ordem jurídica portuguesa competente para conhecer ou regular a sucessão hereditária ou testamentária, sendo o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer da matéria da ação;
- P… não é filha biológica do casal falecido, e a Autora não faz a prova necessária para se estabelecerem os vínculos do alegado parentesco, e em consequência, a invocada relação sucessória;
- O testamento foi lavrado perante a entidade competente e de acordo com as leis da nacionalidade da autora da sucessão; pela lei do lugar da celebração; do seu domicílio; e da ordem jurídica portuguesa;
- A autora tinha conhecimento da existência do testamento desde, pelo menos, 5 de março de 2006, pelo que caducou o direito de impugnação da deixa testamentária instituída pela autora da sucessão, bem como do direito de redução da liberalidade.
- Impugna, no demais, a matéria de facto alegada pela Autora, e conclui, pedindo sejam julgadas procedentes, por provadas, as exceções deduzidas. e por não provada a ação, absolvendo-se a ré dos pedidos contra si formulados.
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Conferido à Autora o direito de se pronunciar sobre a exceção de incompetência internacional do tribunal português para julgar a ação, foi a mesma julgada improcedente por não provada (cf. ata de audiência prévia de 6/02/2020).
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No âmbito da realização de nova audiência prévia, em 28/04/2021, foi proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos temos que, por informação da Ré, a mãe da Autora foi adoptada por J.R.M. e por C…, circunstância que a Autora ocultou por completo da p.i..
Nestes termos deverá a Autora, no prazo de 30 dias, juntar aos autos todos os documentos relativos à adopção ou, melhor dizendo, todos os documentos com base nos quais foi lavrado o assento de nascimento constante de fls. 20, emitido pela cidade de Nova Iorque, em 26-04-1961.
Notifique.”
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A autora apresentou os documentos solicitados, após o que foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi fixado como objeto do processo, o seguinte: “Declaração da autora como única herdeira de P.. e esta, por sua vez, ser declarada única herdeira legitimária de J.R.M. e de C…, com a consequente declaração de nulidade do testamento desta última, herdeira de J.R.M., no qual a ré foi instituída como sua única herdeira, ou, subsidiariamente, ser anulado esse mesmo testamento com fundamento na incapacidade da testadora, ou, também subsidiariamente, ser declarado que a autora é herdeira, juntamente com a autora, de C…, com a consequente redução da deixa testamentária
O Mmº juiz do tribunal a quo considerou, então, que tendo presentes os factos comprovados nos autos, que logo enunciou, a ação estava em condições de ser decidida de mérito, no sentido da improcedência, em virtude de fundamentos distintos daqueles até então discutidos nos autos, tendo, por isso, convidado as partes a pronunciarem-se sobre os mesmos, ao abrigo do disposto no art. 3º, nº 3, do Código de Processo Civil, o que ambas fizeram.
                                               *
Após, foi proferida a seguinte sentença, que se transcreve parcialmente:
“(…)
A autora considera que estão verificados todos os requisitos para que a sua mãe seja considerada filha adotiva plena de J… e C…, por ter 4 anos à data da adoção e por à data da morte de J.R.M já estar prevista no ordenamento jurídico português a adoção.
Mais acrescentou que no caso não é necessário proceder ao processo de revisão de sentença por se tratar de um processo meramente formal e tendo ainda em conta as convenções internacionais sobre os direitos das crianças.
A ré pronunciou-se no sentido propugnado pelo Tribunal.
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(…)
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Estão assentes os seguintes factos:
1- No dia 9 de dezembro de 1901 nasceu em Lisboa J.C.R.M. – que também usava o nome de J.R.M., doravante J.R.M.;
2- J.R.M. casou catolicamente com C… no dia 6 de Junho de 1940 no estado de Nova Iorque – igreja de ... – nos Estados Unidos da América – EUA;
3- C… nasceu em Lisboa no dia 14 de Janeiro de 1904, filha de A…e de M.., constando do seu registo de baptismo o nome de C…;
4- Em 27 de Outubro de 1980 na cidade e estado de Nova Iorque, EUA, faleceu J.R.M., no estado de casado com C…;
5- C… faleceu no estado de viúva de J.R.M., em 5 de Março de 2006, em Manhattan, Nova Iorque, EUA;
6- Sobreviveu a J.R.M. e C…, P…., nascida em Manhattan no estado de Nova Iorque, EUA, a 1 de Janeiro de 1940;
7- P… faleceu em Warwick, estado de Nova Iorque no dia 17 de Maio de 2013, no estado de divorciada;
8- A aqui Autora, M.M., é a única filha de P…., nasceu no Hospital …, estado de Nova York no dia 30 de Abril de 1968 e foi registada com o nome de M.M. (mas que também usa o nome de M.T.M. ou M.M.J.).
9- A mãe da autora, P…, foi adotada no Estado de Nova York por J.R.M. e C…., por sentença de um juiz daquele Estado de 6 de junho de 1944.
10- Por testamento de C… outorgado no Consulado de Portugal em Nova Iorque, perante o Cônsul Geral Adjunto no dia 21 de Março de 2005, foi a ré instituída legatária da totalidade dos direitos de autor de todas as obras do escritor J.R.M., falecido marido da testadora.
11- No dia 10 de Setembro de 2012, no Cartório Notarial de Torres Vedras, ….. a cargo da notária….  foi celebrada a escritura de Habilitação de Herdeiros de C…., tendo a ré declarado ser a única herdeira da falecida por via do mencionado testamento.
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Fundamentação jurídica
Conforme resulta da alegação da autora, bem como dos factos acima elencados, a sua pretensão tem como fundamento basilar e fundamental a adoção da sua mãe, P…, por J.R.M. e C…. Os direitos sucessórios que invoca decorrem do facto de ser herdeira de sua mãe e esta, por sua vez, ser a herdeira de J.R.M. e de C…. Tal adoção foi decretada por decisão dos tribunais do Estado Norte Americano de Nova Iorque.
A autora, na sua pronúncia sobre o entendimento do Tribunal levantou uma questão fundamental que é a que decorre do facto de tal sentença não ter sido objeto de revisão e confirmação perante tribunais portugueses.
Nos termos do artº 978º/1 do CPC, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada. Tal procedimento só não é necessário quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa (nº 2 do preceito). No caso dos autos, como facilmente se constata, os direitos sucessórios que a autora pretende exercer baseiam-se, in totum, na sentença dos tribunais norte-americanos mencionada, não sendo, portanto, um mero meio de prova. E nem se venha invocar a questão das convenções relativas aos direitos das crianças porquanto, por um lado, a autora não é menor, não estando em causa a sua proteção enquanto criança, e, por outro lado, em causa no litígio estão direitos de natureza patrimonial que a autora pretende sejam declarados da sua titularidade por via da sucessão mortis causa.
Como consta expressamente do mencionado artº 978º/1 do CPC, a mencionada sentença não pode ter qualquer eficácia na ordem jurídica portuguesa. Por via disso caem por terra todas as pretensões da autora. Mesmo relativamente à pretendida nulidade do testamento de C…, a autora não tem legitimidade material para obter a respetiva declaração na medida em que não pode ser considerada interessada para os efeitos previstos no artº 286º do CCivil.
A questão suscitada no despacho proferido anteriormente e acima mencionada é uma questão posterior. Mesmo que a sentença em causa seja objeto de revisão e seja confirmada, suscita-se o problema de saber que efeitos sucessórios é que dela emanam.
Deste modo, sendo conditio sine qua non da pretensão da autora a eficácia da sentença que decretou a adoção da sua mãe, não tendo tal sentença eficácia na ordem jurídica portuguesa por não ter sido objeto de revisão e confirmação, a ação tem necessariamente de improceder.
DECISÃO
Face ao exposto, julgo a ação improcedente, absolvendo a ré do pedido quanto a tudo que contra ela vinha peticionado.
Custas pela autora (artº 527º/1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”
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A Autora não se conformou com esta decisão, e dela veio recorrer, tendo concluídos as suas alegações nos seguintes termos:
“1- Tanto o Estado Português como os Estados Unidos da América aderiram às convenções de Haia de 5.10.1961, 129.05.1993 e 19.10.1996, não sendo necessária a revisão e confirmação da sentença estrangeira em causa, em matéria de adopção, para que produza efeitos e seja reconhecida na ordem interna do Estado Português. Ao decidir como decidiu o tribunal a quo violou as normas de direito internacional plasmadas em tais convenções e o artº 978 nº 1 do CPC.
2- A sentença recorrida considerou que a A carecia de legitimidade para obter a declaração de nulidade do testamento de C… não podendo ser considerada interessada para efeitos do artº 286 do C.C. (consequentemente ao reconhecimento de ineficácia na ordem interna da sentença de adopção da mãe da A pelo Tribunal do Estado de Nova York). A ser assim considerado, deveria a decisão ter sido no sentido da absolvição da R. da instância e não do conhecimento do mérito e improcedência dos pedidos da A.. ao encontro do preceituado no art 278 nº1 d) do CPC, disposição violada na decisão recorrida.
3- Considerando-se- como se pronuncia a decisão recorrida - que A carece de legitimidade por se entender não poder ser considerada a sua qualidade de herdeira de J.R.M. e C…, a decisão recorrida deveria ter sido no sentido da absolvição da Ré da instância.-art 278 do CPC. E não faz sentido, assim se entendendo conhecer do mérito ao dar por assentes determinados factos, que nos autos se apresentam controvertidos.
Efectivamente
B- Não deveriam ter sido dados como assentes os factos elencados em 10 (dos factos assentes) porquanto tal matéria é controvertida, com a posição da A. a invocar a nulidade (e anulabilidade) do testamento e consequentemente a sua eficácia para a produção de efeitos, os quais vieram a ser fixados ao dar estes factos por assentes. E, Consequentemente e previamente à fixação dos factos assentes em 10, deveria a decisão recorrida ter apreciado e conhecido das nulidades invocadas, as quais radicam na preterição de requisitos de forma exigidos pelo Código do Notariado e condicionantes da validade do acto-testamento- o tribunal já que conheceu de mérito, não obstante entender a ilegitimidade da A. poderia e deveria deles conhecer, bastando a simples análise do documento e verificação da sua conformidade aos requisitos de forma exigidos pelo código do Notariado (nos termos do disposto no artº 70 nº 1 b) e 71 nºs 1 e nº 2do Código do Notariado, por violação do disposto artº 55 e 56 do DL 381/97, do preceituado nos artºs 46 nº 1 alíneas h) , j) e l), artº 50º, , artº 65 nº1 , artº 66 nº1 e artrº 68 nº 1 alíneas b) e f) todos do Código do Notariado) -art 615 nº 1 al.d) do CPC.
5- Uma que decidiu de mérito e conheceu do pedido, tendo considerado facto assente ser a Ré legatária da autora do testamento, C…, matéria jamais assente ou aceite pela A., deveria, porque com elementos suficientes para decisão, ter decidido quanto à invocada nulidade do testamento-artº 595 nº 1 b) do CPC, disposição que foi violada.
6- Ao reconhecer e entender que a A. não tem legitimidade deveria o tribunal a quo ter decidido no sentido da absolvição da Ré da instância, abstendo-se de conhecer de mérito. A decisão torna-se assim pouco clara e ambígua quanto ao sentido da decisão e fundamentos , em desacordo como disposto no art.615 nº 1 al c) do CPC
7- Ao conhecer de mérito e fixar a matéria assente em 10 dos factos dados como assentes, considerando a Ré legatária da autora do inquinado testamento, o tribunal a quo omitiu apreciação da validade/nulidade do testamento que estava em condições de apreciar e decidir, sem necessidade de mais provas, artº 595 nº1 b) do CPC e que era condição para considerar a Ré legatária instituída por testamento.
8- A sentença recorrida não é conforme ao disposto no artº 595 nº 1 al. b) e 278 nº 1 d) do CPC e ainda ao disposto nas al c) e d) do nº 1 do artº 615 do CPC, o que gera nulidade da sentença, o que se invoca
9- Pelos fundamentos invocados, e no mais aplicável, deve a decisão ora recorrida ser anulada e ser substituída por outra que considere a A parte legítima, que conheça da nulidade do testamento, ou, se assim se não entender, ser substituída por decisão no sentido da absolvição da Ré da instância, como é de Justiça.”
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A Ré respondeu e culminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1.- A Autora, ora Recorrente, limita-se, nas suas alegações de recurso (motivação e conclusões), a transcrever o “tema da prova”, fixado pela douta decisão a quo”, não alegando nada de novo em abono da posição defendida.
2.- nem tão pouco indica ou enumera os fundamentos pelos quais pugna pela revogação da decisão recorrida, como era sua obrigação (Cód. de Proc. Civil, art. 639º);
3.- não indica a(s) norma(s) jurídica(s) que entende tere(em) sido violada(s) pela decisão recorrida, violando as alegações apresentadas,
4.- o ónus de alegar e até o ónus de formular conclusões, contendo ou indicando a matéria de facto e de direito, cuja decisão recorrida decidiu ou interpretou incorrectamente (Cód. de Proc. Civil, arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, 641º, nº 2, al. b)).
5.- Os Estados Unidos da América, nos seus territórios ou possessões, mais concretamente o Estado de Nova Iorque, não aderiu às Convenções de Haia de 05.10.1961, 29.05.1995 e 19.10.1996, ao invés do que a Autora, ora Recorrente alega. Mas,
6.- mesmo que tais “Convenções e Haia” acerca da defesa dos direitos das crianças tivessem sido ratificadas “in totum”, quer pelos Estados Unidos da América, incluindo o Estado da naturalidade e residência da Autora e da sua falecida mãe, a invocada decisão do Tribunal do Estado de Nova Iorque, caso tenha sido proferida, sempre teria que ser revista e confirmada pelo Tribunal Português (Cód. Processo Civil, art. 978º, nº 1).
7.- Pela mesma razão, a Autora carece de legitimidade de suscitar qualquer questão quanto à validade e/ou nulidade da disposição testamentária deixada por C…, como muito bem decidiu a decisão recorrida,
8. mostrando-se a decisão recorrida clara e fundamentada de acordo com o disposto nos artigos 278º, e 595º, e 615º, do Cód. Processo Civil.    
Termos em que, assiste toda a razão ao Mtº. Juiz, devendo ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a douta decisão recorrida, fazendo-se Justiça”.  
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O recurso foi admitido e mostrando-se cumpridos os vistos legais, cabe apreciar e decidir.
Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do Código de Processo Civil), sendo que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código).
No caso cumpre decidir das seguintes questões:
A) Nulidade da sentença;
B) Impugnação da decisão de facto;
C) Se a revisão de sentença proferida nos EUA, que decretou a adoção da mãe da Autora, constitui condição necessária para apreciar e decidir da titularidade dos direitos que aquela pretende ver reconhecidos por via da sucessão mortis causa e consequências da falta de verificação de tal condição.
Fundamentação de Facto
Os factos com relevância para a apreciação do presente recurso são os elencados no relatório que antecede.
Fundamentação de Direito
A) Da nulidade da sentença
A recorrente alega, em sede de conclusões, que a sentença é nula nos termos previstos no art. 615º, nº 1, als. c), e d), do Código de Processo Civil.
No corpo das alegações, alude, efetivamente, à omissão de pronúncia e conclui, dizendo que previamente à fixação dos factos assentes em 10, o tribunal recorrido deveria ter apreciado e conhecido das nulidades invocadas relativas ao testamento, radicadas na preterição de requisitos de forma exigidos pelo Código do Notariado e condicionantes da sua validade, e porque conheceu de mérito - não obstante tenha considerado a Autora parte ilegítima -  poderia e deveria delas ter conhecido, concluindo, assim, pela ocorrência da nulidade prevista na alínea d), do nº 1, do referido art. 615º (conclusão 4ª, a final).
As nulidades da sentença constituem um vício da própria decisão. São únicas e típicas, e encontram-se descriminadas nas alíneas a), a e), do nº 1 do art. 615º, do Código de Processo Civil, que sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, e na parte que ora importa considerar, dispõe:
1-É nula a sentença quando:
(…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
(…)”.
A nulidade a que se refere a alínea d), do nº 1, do art. 615º, está relacionada com o disposto no art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil, nos termos o qual, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
As questões a que alude o nº 2, daquele art. 608º, “(…) reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar ou fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumentário cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões”.[1]
E como é também pacificamente aceite na nossa jurisprudência, de que se apresenta, como exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3/11/2020 (proferido no processo nº 2057/16.3T8PNF.P1S1), “Apenas existe omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação, mas já não quando deixe de apreciar os argumentos invocados a favor da posição por si sustentada, não sendo de confundir o conceito de “questões” com o de “argumentos” ou “razões”.
Constitui igualmente entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, que a noção de “questões” em torno das quais gravita a referida infração processual se reporta aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas exceções e, também, aos pedidos formulados.”
Retomando o caso dos autos, é manifesta a não verificação da referida nulidade.
Em primeiro lugar, a fixação dos factos provados ou não provados nunca é antecedida da apreciação de mérito, como não pode desconhecer a recorrente.
Da impugnação do facto nº 10, trataremos oportunamente.
Em segundo lugar, o Mmº juíz do tribunal a quo, e como resulta da sentença, entendeu que as pretensões da autora não poderiam vir a ser julgadas procedentes, mormente, a pretendida nulidade do testamento de C.., por entender que também relativamente a tal questão a Autora não tem legitimidade material para obter a respetiva declaração, por não poder ser considerada interessada para os efeitos previstos no artº 286º do Código Civil, em virtude de ter sido sufragado o entendimento de que a eficácia na ordem jurídica portuguesa da sentença estrangeira que decretou a adoção da mãe da Autora constitui conditio sine qua non das pretensões da Autora, e que tal eficácia está dependente de revisão e confirmação da dita sentença, ainda não verificada.
E deste modo, em face do entendimento perfilhado, o Mmº juiz conheceu de todas as questões que importava conhecer e que fundamentaram a sua decisão. Saber se esta é acertada do ponto de vista do direito constitui já questão distinta - eventual erro de julgamento - a tratar oportunamente. 
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Diz, ainda, a recorrente, que o tribunal ao reconhecer e entender que a Autora não tem legitimidade, deveria ter decidido no sentido da absolvição da Ré da instância, abstendo-se de conhecer de mérito, pelo que a decisão é pouco clara e ambígua quanto ao sentido da decisão e fundamentos, em desacordo com o disposto no art. 615 nº 1 al c) do CPC.
No corpo das alegações a recorrente nunca classificou a sentença como ambígua ou obscura, ainda que de forma meramente implícita, e só nas conclusões veio suscitar a dita nulidade.
As conclusões são a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações e só devem ser objeto de conhecimento as questões suscitadas nas alegações e posteriormente levadas, sucintamente, às conclusões, não servindo estas para invocar novos fundamentos de recurso.
Deste modo, não se pode conhecer da dita nulidade de sentença.
De todo o modo, a sobredita situação que a recorrente qualifica como nulidade da sentença, traduz, na realidade, a invocação de erro de julgamento, a apreciar oportunamente.
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B) Impugnação da decisão de facto
Diz a recorrente que não deveriam ter sido dados como assentes os factos elencados em 10, por se tratar de matéria controvertida – ou seja, por não estar demonstrada – em virtude de a Autora ter invocado a nulidade e anulabilidade do testamento e, consequentemente, a sua eficácia para a produção de efeitos, os quais vieram a ser fixados ao dar estes factos por assentes.
Incorre a recorrente em erro.
O facto nº 10 tem a seguinte redação: “Por testamento de C… outorgado no Consulado de Portugal em Nova Iorque, perante o Cônsul Geral Adjunto no dia 21 de Março de 2005, foi a ré instituída legatária da totalidade dos direitos de autor de todas as obras do escritor J.R.M., falecido marido da testadora”.
Deste modo, sob o nº 10, está apenas provada a existência e o teor do documento nele referenciado. Trata-se, aliás, de factualidade alegada pela Autora – a existência do documento – e por ela demonstrada mediante a respetiva apresentação.
A validade ou não do testamento só poderia ser apreciada em sede de decisão de mérito, depois de submetidos a prova, e se apurados, quaisquer factos suscetíveis de revelarem a invocada nulidade do testamento, sendo que como resulta dos autos não houve lugar a julgamento e a facticidade dada como provada e que é evidenciada pela documentação dos autos, teve única e exclusivamente por escopo demonstrar a improcedência da ação à luz do enquadramento jurídico invocado na sentença, designadamente, a falta de titularidade na esfera jurídica da Autora dos direitos invocados, e nessa medida, a impossibilidade de os fazer exercer contra terceiros.
Deste modo, improcede a dita impugnação.
*
Importa, agora, aferir sobre o invocado erro de julgamento, porquanto a recorrente identificou o objeto do recurso e identificou as normas e convenções que entende terem sido violadas com a decisão, dando deste modo cabal cumprimento aos ónus contidos no art.639º, nº 2, do Código de Processo Civil, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso.  
Vejamos.
J.C.R.M. – que também usava o nome de J.R.M. – nasceu em Lisboa e casou com C…. (também ela nascida em Lisboa) no dia 6 de junho de 1940 no estado de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América.
A aqui Autora, M.M., é a única filha de P…, que foi adotada no Estado de Nova York por J.R.M. e C…, por sentença de um juiz daquele Estado de 6 de junho de 1944.
De acordo com o disposto no nº 1, do art. 978º, do Código de Processo Civil, “Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada”.
“As decisões dos tribunais estaduais são actos de soberania, pelo que só podem produzir efeitos fora do Estado no qual são proferidas através de um acto de reconhecimento realizado por um outro Estado. O reconhecimento de decisões estrangeiras consiste na aceitação por um outro Estado (Estado do reconhecimento, segundo Estado ou Estado requerido) dos efeitos que produzem nos seus Estados de origem.
O direito internacional público comum não impõe nenhuma obrigação de um Estado reconhecer as decisões proferidas pelos tribunais de um outro Estado. A situação é, naturalmente, distinta no âmbito do direito internacional público convencional, bem como no âmbito das organizações regionais de integração económica, como é o caso da EU”.[2] 
E como também refere António Marques dos Santos,[3], a confirmação de uma sentença estrangeira, após revisão, “(…), é reconhecer-lhe, no Estado do Foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como ato jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado”.
Nos termos do sobredito art. 978º, na definição do regime de reconhecimento têm precedência sobre a fontes de direito interno, as fontes internacionais (convenções multilaterais e bilaterais) e as fontes de direito europeu.
A recorrente alega que a decisão judicial de adoção proferida nos EUA, não carece de ser revista em Portugal, para aqui produzir efeitos, por força das Convenções de Haia de 5 de outubro de 1961; 29 de maio de 1993 e de 19 de outubro de 1996.
Independentemente dos EUA e/ou o Estado de Nova Iorque terem subscrito, ou não, cada uma das ditas Convenções, adianta-se que nenhuma delas é aplicável ao caso dos autos, posto que de nenhuma delas resulta a invocada desnecessidade de revisão da sentença de adoção da mãe da Autora, proferida num tribunal de Nova Iorque, como sucintamente passamos a demonstrar.
A primeira das citadas Convenções (1961) está relacionada com a autenticação de documentos públicos emitidos no estrangeiro. Visou a supressão da exigência de legalização diplomática ou consular dos atos públicos estrangeiros, o que foi alcançado com a convenção de aposição duma apostilha em tais documentos, constituindo a mesma a certificação de que a assinatura e o selo/carimbo aposto num documento público estrangeiro foram emitidos pela entidade competente designada no âmbito da Convenção de Haia, não estando, assim, relacionada com o conteúdo desse documento.
A Convenção de Haia de 29 de maio de 1993, é relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em matéria de Adoção Internacional (a adoção da mãe da Autora não foi, sequer, uma adoção internacional, na medida em que nasceu nos EUA; os adotantes residiam em Nova Iorque e a adoção foi decretada por um tribunal daquela cidade norte americana) e teve por objetivos, os seguintes:
“Artigo 1
A presente Convenção tem por objetivo:
a) estabelecer garantias para que as adoções internacionais sejam feitas segundo o interesse superior da criança e com respeito aos direitos fundamentais que lhe reconhece o direito internacional;
b) instaurar um sistema de cooperação entre os Estados Contratantes que assegure o respeito às mencionadas garantias e, em consequência, previna o sequestro, a venda ou o tráfico de crianças;
c) assegurar o reconhecimento nos Estados Contratantes das adoções realizadas segundo a Convenção.
Artigo 2
1. A Convenção será aplicada quando uma criança com residência habitual em um Estado Contratante ("o Estado de origem") tiver sido, for, ou deva ser deslocada para outro Estado Contratante ("o Estado de acolhida"), quer após sua adoção no Estado de origem por cônjuges ou por uma pessoa residente habitualmente no Estado de acolhida, quer para que essa adoção seja realizada, no Estado de acolhida ou no Estado de origem.
(…)” – sublinhado nosso.
Finalmente, a Convenção de 19 de outubro de 1996 é relativa à Competência, à Lei aplicável, ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em matéria de Responsabilidade Parental e de medidas de Proteção das Crianças, e de cujos objetivos, definidos no seu art. 1º, tem de excluir-se a aplicação ao caso em apreço, desde logo, porque a Autora é uma mulher adulta e estão em discussão matérias de natureza sucessória e patrimoniais que não se enquadram nos objetivos da dita Convenção (tais objetivos são: “a) determinar o Estado cujas autoridades têm a jurisdição para tomar medidas dirigidas à proteção da pessoa ou patrimônio da criança; b) determinar que lei deve ser aplicada por tais autoridades no exercício de sua jurisdição; c) determinar a lei aplicável à responsabilidade parental; d) prover o reconhecimento e a aplicação de tais medidas de proteção em todos os Estados-Membros; e) estabelecer tal cooperação entre as autoridades dos Estados-Membros tanto quanto necessária a fim atingir as finalidades desta Convenção.”
Deste modo, não sendo aplicável qualquer das referidas Convenções, ou outros instrumentos, a sentença de adoção proferida por um tribunal do Estado de Nova Iorque, tem de ser revista e confirmada no nosso país, para que aqui possa produzir efeitos, tendo o nosso ordenamento jurídico acolhido, no essencial, um sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, decorrendo do art. 980º do Código de Processo Civil que a sentença estrangeira será confirmada, caso se verifiquem os  seguintes requisitos:
“(…)
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.”
A decisão de revisão e confirmação carece, inclusivamente, de ser levada ao registo civil português, como se alcança do disposto nos arts. 7º, nº 2, 11º, nº 3, 69º, al. d), e 78º, nºs 1, e 2, do Código de Registo Civil.
Em face do exposto, e considerando que só depois de revista e confirmada é que poderá ter eficácia no nosso país a sentença por via da qual foi estabelecida a relação de filiação de J.R.M. e sua mulher C…., relativamente a P…., mãe da Autora, a decisão recorrida não merece reparo, porquanto a  revisão e confirmação da sentença é essencial à definição da qualidade de sucessora de que se arroga a Autora, à definição dos seus direitos sucessórios, e à qualidade de interessada para efeitos do pedido  de nulidade do testamento de C…..
E, por isto, tem forçosamente de se concluir que neste momento a Autora não pode ser reconhecida como titular dos direitos de que se arroga, e nesta medida, falta-lhe uma condição subjetiva necessária para exercer, contra a Ré, os direitos subjacentes aos pedidos contra ela deduzidos. A falta de tal condição subjetiva consubstancia uma ilegitimidade material, que se distingue da ilegitimidade processual, que não foi discutida nem apreciada, nem se impunha fazê-lo.
Como resulta do disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 30º do Código de Processo Civil, “o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar”; “o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer”, exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
“A legitimidade representa (…) uma posição da parte em relação a certo processo em concreto – melhor, em relação a certo objecto do processo, à matéria que nesse processo se trata, à questão de que esse processo se ocupa.
(…)
A legitimidade é uma posição de autor e réu, em relação ao objecto do processo, qualidade que justifica que possa aquele autor, ou aquele réu ocupar-se em juízo desse objecto do proceso”.[4]
Nesta conformidade, “(…) a legitimidade, como uma das condições necessárias ao proferimento (…) [da] decisão, isto é, como pressuposto processual (geral), exprime a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o.
(…) Há que aferir, em regra, pela titularidade dos interesses em jogo (no processo), isto é, como dizem os nºs 1 e 2, pelo interesse directo (e não indirecto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção, e pelo interesse directo em contradizer, exprimido pela desvantagem jurídica que resultará para o réu da sua perda (ou, considerando o caso julgado material formado pela absolvição do pedido, pela vantagem jurídica que dela resultará para o réu). Esta titularidade do interesse em demandar e do interesse em contradizer apura-se, sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica (…), pela titularidade das situações jurídicas (…) que a integram: legitimados são então os sujeitos da relação jurídica controvertida, como estatui o nº 3”[5], (sublinhado nosso) ou seja, os sujeitos da causa concretamente apresentada pelo autor.
A utilidade (ou prejuízo) que a procedência (ou improcedência) da ação possa ter para as partes é, assim, aferida em função dos termos em que o Autor configura a sua pretensão e a posição que as partes, face ao pedido formulado e à causa de pedir, têm na relação jurídica controvertida, tal como esta foi apresentada pelo Autor.
  A legitimidade processual distingue-se, assim, da legitimidade em sentido material (legitimidade substancial ou substantiva), que está relacionada com a titularidade do(s) direito(s) invocados, o que significa que só o titular efetivo do direito goza da condição subjetiva necessária ao seu exercício contra terceiro.
 Neste campo, “(…) a lei e a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas condições subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade (…); quem não é proprietário da coisa é parte ilegítima para pedir em juízo indemnização pela sua destruição; etc…). (…) Assim, se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa (…) e profere uma absolvição do pedido”[6].
 “A legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se em face da relação jurídica controvertida, tal como o autor a desenhou. A legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa.”[7]
Ainda conforme decisão recente do Tribunal da Relação do Porto[8], “A legitimidade processual, enquanto pressuposto adjetivo para que se possa obter decisão sobre o mérito da causa, não exige a verificação da efetiva titularidade da situação jurídica invocada pelo A., bastando-se com a alegação dessa titularidade[9]. Já a ilegitimidade substantiva configura uma exceção perentória inominada que tem a ver com a relação material, com o mérito da causa.”
Ora, na sentença recorrida considerou-se, precisamente, que a Autora, em virtude de não estar revista e confirmada em Portugal a sentença estrangeira que estabeleceu a relação de filiação entre a sua mãe e a autora da sucessão, não reunia as qualidades para ser considerada titular dos direitos, nomeadamente, os direitos sucessórios que fundamentam os pedidos que deduziu contra a Ré. E foi em consequência da ilegitimidade material da Autora que o tribunal a quo decidiu pela absolvição da Ré do pedido, o que se lhe impunha, pois ao conhecer de tal ilegitimidade, o tribunal decide efetivamente de mérito e tem, consequentemente, de proferir uma absolvição do pedido.[9] Porém, e como foi devidamente salvaguardado na sentença recorrida, em nota de roda pé, “Apesar de se tratar de uma decisão de mérito, o efeito de caso julgado está sempre condicionado pela fundamentação que foi invocada. Se, eventualmente, a sentença proferida pelos tribunais do Estado de Nova Iorque vier a ser objeto de revisão e de confirmação em Portugal, aplica-se o disposto no art. 621º do CPC”.
Dispõe este preceito legal:
“A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo
ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
O referido preceito “está ligado aos pressupostos do caso julgado previstos no art. 581º: o caso julgado apenas se verifica entre os mesmos sujeitos (sob uma perspetiva qualitativa), relativamente à mesma pretensão material e a partir do mesmo fundamento substancial.
(…) a restrição decorrente do caso julgado material deixa de se verificar perante modificação das circunstâncias objetivas conexas com a verificação de uma condição, o decurso de um prazo ou a prática de um facto que esteve na génese da improcedência da pretensão (…)[10].
Serve o exposto para reiterar que a decisão proferida e que pelos motivos expostos se impõe confirmar, não impede que a Autora, verificada a condição referenciada, venha a intentar futuramente uma nova ação contra a mesma Ré, e no mais idêntica à ora intentada.

Decisão
Na sequência do que se deixou exposto e no âmbito do enquadramento jurídico traçado, acordam as Juízas da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente por não provada a apelação e em manter a decisão proferida em 1ª instância.
Custas pela apelante (art. 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Notifique.

Lisboa, 29 de novembro de 2022
Cristina Lourenço
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
Ana Paula Nunes Duarte Olivença
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[1] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 753.
[2] João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, “Manual de Processo Civil”, Volume II, AAFDL Editora, pág. 321.
[3] In, “Aspectos do Novo Processo Civil”, 1997, pág. 105.
[4] João de Castro Mendes, in “direito processual civil IIº Vol.”Edição AAFDL, 1987, pág. 187.
[5] Vide Freitas, José Lebre de, “Código de Processo Civil anotado”, vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 51.
[6] João de castro Mendes, ob. cit., pág. 215.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/10/2018, proferido no processo nº 5297/12.0TBMTS.P1.S2, acessível  no sítio da internet dgsi.pt.
[8] Acórdão de 4/10/2021, proferido no processo 1910/20.4T8PNI.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] João de Castro Mendes, “direito processual civil” IIº Vol. Edição AAFDL, 1987, págs. 214-215.
[10] António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Pires de Sousa, “O Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 2ª Edição, pág. 772.