Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1447/14.0TMLSB-J.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MAIOR COM INCAPACIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: MANTIDA A DECISÃO
Sumário: I. Tem direito à prestação alimentar substitutiva por parte do FGDAM o jovem maior de 18 anos e menor de 25 que, reunidas as condições de natureza económica para tanto exigidas na lei, prossiga a sua educação ou formação profissional.
II. Não se encontra na situação referida em I, por não se encontrar a completar a sua educação ou formação profissional, o jovem de 24 anos de idade que padece de paralisia cerebral que lhe determina uma incapacidade de 91% e frequenta um Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral, inserido numa Unidade de Reabilitação e Integração Sócio Ocupacional, na Valência Centro de Atividades Ocupacionais.
III. Esse jovem não carece do apoio transitório suprarreferido em I, mas do apoio permanente a que o Estado está obrigado nos termos, v.g., do art.º 63.º n.º 3 da CRP, do art.º 71.º n.º 2 da CRP e da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque em 30.3.2007 e aprovada e ratificada por Portugal.
IV. Esse apoio poderá passar, nomeadamente, pelo acesso à prestação social para a inclusão prevista e regulada pelo Dec.-Lei n.º 126-A/2017, de 06.10.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. Em 09.12.2020, no processo de incumprimento das responsabilidades parentais respeitantes a MM (…), em que é requerente BB (…) e requerido LL (…), a requerente pediu que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos aos Menores fosse notificado para prestar auxílio económico em favor do filho da requerente e do requerido, devendo o Fundo pagar provisoriamente a quantia mensal de € 90,00.
2. Após diversas diligências, em 23.6.2021 foi proferida decisão na qual se indeferiu a intervenção do FGDAM, por não estarem reunidos os respetivos pressupostos.
3. A requerente apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1. A douta Sentença recorrida indeferiu a intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos por entender que não se encontra verificado o requisito relativo à não conclusão do processo de educação ou de formação profissional do MM.
2. Conforme documento junto a fls … dos autos, o jovem MM frequenta o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral (…), inserido na unidade de reabilitação e integração sócio ocupacional.
3. Também como provado, o MM sofre de paralisia cerebral, com um grau de incapacidade de 91%, o que o deixa totalmente dependente de um terceiro, neste caso da mãe, ora Recorrente.
4. Assim, com o devido respeito, entendemos que o MM se encontra a concluir a sua formação profissional, pelo que, a douta Sentença violou o art. 1º, nº 2 Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, na redação da lei nº 24/2017, de 24 de Maio.
5. Caso seja entendido que essa frequência não pode ser classificada de formação profissional, então, a lei deve ser devidamente interpretada, sob pena da mesma ser inconstitucional.
6. O art. 13º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa estipula o seguinte: “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
7. Assim, nesse artigo está formulado o princípio da igualdade na sua vertente negativa, isto é, todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e estabelece a sua igualdade formal perante a lei.
8. O princípio da igualdade consagra também a igualdade em sentido positivo que envolve a obrigação de tratar igualmente o que é igual e desigualmente o que é diferente.
9. O princípio da igualdade admite assim situações fundamentadas de tratamento desigual, radicadas em critérios de justiça.
10. De facto, de entre as tarefas fundamentais do Estado conta-se “Promover (….) a igualdade real entre os portugueses, (…)” – artigo 9º, alínea d) da CRP.
11. Assim, um jovem com um grau de incapacidade de 91% e totalmente dependente de terceiros não pode ser tratado da mesma maneira que um jovem que tem plena capacidade.
12. E se o jovem que tem plena capacidade pode ser ajudado pelo Estado (em substituição do devedor originário) desde que esteja a concluir a sua formação profissional até aos 25 anos de idade, então, um jovem com um elevado grau de incapacidade também deve ser ajudado, nos mesmos termos pelo Estado se estiver a frequentar a formação que lhe é possível, atendendo à sua incapacidade, até aos 25 anos de idade.
13. Assim, o art. 1095º, nº 2, do Código Civil, ao mencionar o processo de educação ou formação profissional tem de ser interpretado extensivamente englobando também os jovens incapacitados que frequentam unidades de reabilitação e de integração sócio ocupacionais, ou unidades equivalentes.
14. Só essa interpretação é admissível com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, e 9º, alínea d) ambos da CRP.
15. Deste modo, a douta Sentença ao interpretar o art. 1095º, nº 2, do CC no sentido de exclusão do jovem MM do acesso ao fundo de garantia dos alimentos, violou os arts. 13º, nº 1, e 9º, alínea d) ambos da CRP, inconstitucionalidade essa que se deixa arguida para todos os efeitos legais.
16. Devendo assim, ser deferido o pedido de intervenção do Fundo de Garantia dos Alimentos.
4. O Ministério Público contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões:
1. O Requerido não pagou a pensão de alimentos que era devida ao filho maior de idade pelo que foi pela Ilustre Mandatária da Requerente solicitada a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos.
2. Por decisão proferida em 19-01-2012, foi fixada uma prestação de alimentos a favor de MM )…), no montante mensal de € 90,00 (noventa euros).
3. Sucedeu que o Requerido não procedeu ao pagamento pelo que a Requerente veio suscitar em 18-11-2020 a intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos .
4. Compulsados os autos (v. certidão de nascimento) constata-se, porém, que MM (…) nasceu em ..., sendo maior de idade.
5. Com efeito, conforme se pode retirar da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro e do Decreto-lei n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação social aí instituída e regulada visa garantir os alimentos devidos a menores, podendo-se apenas prolongar para além da menoridade do beneficiário caso o respectivo processo de educação ou formação profissional do menor não esteja concluído.
6. O FGA apenas pode ser accionado se o menor continuar a estudar mesmo após perfazer a maioridade o que infelizmente não é a situação que se apresenta.
7. A douta decisão em causa, fez correcta aplicação do direito, não merecendo qualquer censura, pelo que deverá ser mantida, nos seus precisos termos, negando-se consequentemente provimento ao recurso
8. Deste modo, afigura-se-nos não assistir razão à recorrente, devendo o recurso interposto ser julgado improcedente.
V. Ex.as, porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça.
5. Foram colhidos os vistos legais.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. O presente recurso tem por objeto verificar se o filho da requerente, maior de 18 anos e com idade inferior a 25 anos, reúne os requisitos para beneficiar de prestação social por parte do FGDAM.
2. Na decisão recorrida foi levada em consideração a seguinte
Matéria de facto
1. MM (…) nasceu em ... e é filho de BB (…) e de LL (…);
2. No apenso C dos presentes autos, foi acordado, entre a requerente e o requerido, a alteração da regulação das responsabilidades parentais do menor MM (…), acordo esse homologado por Sentença de 19.01.2012.
3. Nos termos do citado acordo, ficou o Executado obrigado a entregar à Exequente a quantia de € 90,00 (noventa euros) mensais a favor do menor, até ao dia 8 de cada mês.
4. O requerido não paga alimentos ao filho desde janeiro de 2012.
5. Não são conhecidos rendimentos ao requerido desde agosto de 2020.
6. Na execução especial por alimentos não foram identificados bens do requerido suscetíveis de penhora.
7. MM (…) sofre de paralisia cerebral, com um grau de incapacidade de 91%.
8. A requerente, que vive com o filho MM (…), tem como único rendimento o montante mensal de € 454,80.
9. MM (…) está a frequentar o Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral (…), inserido na Unidade de Reabilitação e Integração Sócio Ocupacional, na Valência Centro de Atividades Ocupacionais.
3. O Direito
Durante a menoridade dos filhos, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens” (n.º 1 do art.º 1878.º do Código Civil, sob a epígrafe “Conteúdo das responsabilidades parentais”).
A obrigação de os pais proverem ao sustento dos filhos menores e de assumirem as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação cessa “na medida em que os filhos estejam em condições de suportar, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos, aqueles encargos” (art.º 1879.º do Código Civil).
Em princípio, dir-se-ia que, atingida a maioridade dos filhos, cessaria a responsabilidade parental dos progenitores em relação àqueles, incluindo a vertente prevista no art.º 1879.º (art.º 130.º do Código Civil).
Porém, o art.º 1880.º do Código Civil estipula, sob a epígrafe “Despesas com os filhos maiores ou emancipados”, o seguinte:
Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o número anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
Este preceito, introduzido pelo diploma que reduziu a idade de obtenção da maioridade dos 21 para os 18 anos de idade (Dec.-Lei n.º 496/77, de 25.11, art.º 130.º do CC), teve em consideração que hoje em dia muitos jovens atingem a maioridade, ou seja, a plena capacidade legal para o exercício dos seus direitos e o cumprimento das suas obrigações, numa fase que é ainda de formação, isto é, de obtenção dos conhecimentos e competências, por via do ensino e aprendizagem, que lhes permitirão futuramente reunir condições pessoais e materiais para regerem com verdadeira autonomia a sua pessoa e os seus bens. Tal situação de formação profissional exige, as mais das vezes, disponibilidade que não é compatível com o ónus de percecionar rendimentos pelo trabalho, que por sua vez nem sempre – e hoje, cada vez menos – está acessível, pelo que, não dispondo o filho de outros rendimentos próprios que lhe permitam fazer face às suas despesas, justifica-se que se prolongue a responsabilidade parental dos pais a este nível. Porém, apenas “na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.”
A Lei n.º 122/2015, de 01.9, aplanou o caminho do jovem para auferir deste apoio na sua formação. Com efeito, este diploma alterou o n.º 2 do art.º 1905.º do Código Civil, aí consignando que “Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.”
Na mesma linha, a Lei n.º 122/2015 alterou o art.º 989.º do CPC, de molde a conferir ao progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas dos filhos maiores que não podem sustentar-se a si mesmos, legitimidade para exigir ao outro, em juízo, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação dos filhos, em termos idênticos ao regime previsto para os menores (n.º 2 do art.º 989.º).
Como é sabido, pese embora a primordial responsabilidade dos pais no sustento dos seus filhos, o Estado não se alheia da sorte das crianças e jovens, maxime quando os pais falham ou faltam.
Assim, o legislador, através da Lei n.º 75/98, de 19.11 e o Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5, que a regulamentou, erigiu o sistema de garantia de alimentos devidos a menores, nos termos do qual, judicialmente verificada a impossibilidade de se obter da pessoa obrigada o pagamento das prestações alimentícias devidas a menor e constatando-se que o rendimento do alimentado e do seu agregado familiar é inferior a um determinado patamar, tido por essencial para garantir um nível de vida minimamente digno da condição humana, o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, assegura determinadas prestações, fixadas pelo tribunal, em substituição do devedor e até ao início do efetivo cumprimento, por este, da sua obrigação.
Este sistema foi alargado aos jovens até aos 25 anos de idade, nos termos da Lei n.º 24/2017, de 24.5, que alterou a redação do n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 75/98 (o n.º 2 fora introduzido pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12), que passou a ser a seguinte:
O pagamento das prestações a que o Estado se encontra obrigado, nos termos da presente lei, cessa no dia em que o menor atinja a idade de 18 anos, exceto nos casos e nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 1905.º do Código Civil.”
Analisemos a situação do jovem MM.
Quanto aos pressupostos de índole económica exigidos pela Lei n.º 75/98, de 19.11 (com as alterações publicitadas) e pelo Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5 (com as alterações publicitadas), são os seguintes: impossibilidade de obtenção, pelos meios previstos no art.º 48.º do RGPTC, da prestação de alimentos a que o respetivo progenitor (o requerido) estava judicialmente obrigado; não ter o alimentado rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficiar nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre (n.º 1 do art.º 1.º da Lei n.º 75/98, de 19.11, com a redação introduzida pela Lei n.º 24/2017, de 24.5), entendendo-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do respetivo agregado familiar não for superior ao valor do IAS (n.º 2 do art.º 3.º do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5, na redação introduzida pela Lei n.º 64/2012, de 20.12).
Sendo certo que o valor do IAS para os anos de 2020 e de 2021 foi de € 438,81 (Portaria n.º 27/2020, de 31.01).
Ora, tendo o agregado familiar do jovem MM, composto por si e pela requerente, como único rendimento a quantia mensal de € 454,80, e mostrando-se impossível obter a execução da obrigação de prestação de alimentos a que o requerido está sujeito, é manifesto que se mostram reunidos os requisitos de carência económica do requerido que pressupõem a intervenção do FGDAM.
Resta apurar se o jovem MM se encontra na situação prevista no n.º 2 do art.º 1905.º do Código Civil.
Como se viu, este preceito, conjugado com o art.º 1880.º do Código Civil, prolonga para lá da maioridade, até aos 25 anos de idade, a obrigação da prestação alimentar a cargo dos progenitores, para permitir que os jovens completem a sua educação e/ou formação profissional, retardando a sua plena entrada no mercado de trabalho.
Ora, o que resulta dos autos é que o jovem MM não provê ao seu sustento porque se encontre ainda a estudar ou a completar a sua formação profissional, mas sim por que padece de uma incapacidade permanente. De facto, MM (…) sofre de paralisia cerebral, com um grau de incapacidade de 91%, estando completamente dependente de terceiros, neste caso da mãe, com quem vive. Assim, não se trata, aqui, de apoiar um jovem para que este possa concluir a sua formação, mas de prover ao sustento de um jovem que, pela sua incapacidade, não tem condições de o fazer por si. É certo que o jovem frequenta um Centro de Reabilitação de Paralisia Cerebral, inserido numa Unidade de Reabilitação e Integração Sócio Ocupacional, na Valência Centro de Atividades Ocupacionais. Mas essa atividade não se insere no âmbito da formação profissional mas da prestação de cuidados de apoio terapêutico e ocupacional, exigidos pela condição neurológica do jovem.
Assim, a prestação alimentar de que MM (…) carece insere-se no regime geral da obrigação de alimentos previsto nos artigos 2003.º e seguintes do Código Civil, máxime art.º 2009.º n.º 1 al. c). Acrescerão os apoios sociais que a sua condição exige, atendendo também à situação económica do seu agregado familiar. Mas nesses apoios não se integra a prestação a cargo do FGDAM ora sub judice, pelas razões explicitadas.
A apelante alega que uma tal interpretação da lei é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa:
“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.”
Segundo a apelante, este princípio consagra também a obrigação de tratar desigualmente o que é desigual, atendendo a critérios de justiça. A essa luz deverá ser interpretado o art.º 9.º, alínea d), da CRP, que impõe ao Estado a tarefa fundamental de “Promover (…) a igualdade real entre os portugueses, (…)”. Assim, um jovem com um grau de incapacidade de 91% e totalmente dependente de terceiros não poderá ser tratado da mesma maneira que um jovem que tem plena capacidade. E se o jovem que tem plena capacidade pode ser ajudado pelo Estado até aos 25 anos de idade (em substituição do devedor originário) desde que esteja a concluir a sua formação profissional, então um jovem com um elevado grau de incapacidade também deve ser ajudado nos mesmos termos pelo Estado se estiver a frequentar a formação que lhe é possível, atendendo à sua incapacidade, até aos 25 anos de idade.
Vejamos.
Parece-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que na realidade a apelante está a equiparar situações que, pelas razões acima expostas, são distintas.
O jovem MM não carece do apoio transitório a que se reporta o n.º 2 do art.º 1.º da Lei n.º 75/98, conjugado com o n.º 2 do art.º 1905.º do Código Civil, mas do apoio permanente a que o Estado está obrigado nos termos, v.g., do art.º 63.º n.º 3 da CRP (“O sistema de segurança social protege os cidadãos na (….) invalidez (…), (…) e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho”) e do art.º 71.º n.º 2 da CRP (“O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais e tutores”).
Proteção essa a que o Estado Português também está vinculado nos termos da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotada em Nova Iorque em 30.3.2007 e aprovada e ratificada por Portugal respetivamente pela Resolução da A.R. n.º 56/2009, de 30.7 e pelo Decreto do Presidente da República, n.º 71/2009, de 30.7.
Esse apoio passará, nomeadamente, pelo acesso à prestação social para a inclusão prevista e regulada pelo Dec.-Lei n.º 126-A/2017, de 06.10, a qual tem em vista a proteção na eventualidade de encargos no domínio da deficiência, no âmbito do subsistema de proteção familiar e, bem assim, a eventualidade de insuficiência de recursos das pessoas com deficiência, no âmbito do subsistema de solidariedade (cfr. art.º 1.º, n.º 2, alíneas a) e b) do diploma). Nessa prestação social se inclui um complemento destinado a apoiar a pessoa com deficiência que se encontre em situação de falta ou insuficiência de recursos económicos (art.º 5.º n.º 3), que tenha idade igual ou superior a 18 anos (art.º 16.º alínea a)) e uma incapacidade igual ou superior a 60% (art.º 15.º n.º 1).
É, pois, à luz deste quadro jurídico, vocacionado para a proteção do jovem MM, que se deve encarar a situação sub judice, concluindo-se que a inaplicabilidade da prestação social prevista pela Lei n.º 75/98, de 19.11 e pelo Dec.-Lei n.º 164/99, de 13.5, após o jovem MM ter atingido a idade de 18 anos, não afronta a Constituição.
A apelação é, pois, improcedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, a existirem, seriam a cargo da apelante, por nela ter decaído, não fora o apoio judiciário de que beneficia (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lisboa, 24.3.2022
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva