Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11004/14.6T8LSB.L1-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAR CONTAS
EXECUÇÃO
MEIO PROCESSUAL
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I.A obrigação de apresentar contas estabelecida em processo especial de prestação de contas, nos termos do artº. 1014-A do CPC, está sujeita a um regime executivo especial, decorrente do disposto no nº. 5 do artº. 1014º-A e nºs. 1 e 2 do artº. 1015º do CPC, não sendo aplicável o processo executivo comum.
II.Podendo a obrigação de apresentar contas ser satisfeita por terceiro (artº. 1015º, nº 1, do CPC) não deve a mesma ser considerada infungível, não sendo o seu cumprimento susceptível de ser compelido através de sanção pecuniária compulsória.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório.


NESTES AUTOS DE EXECUÇÃO ENTRE
P...J...de V...S...(Exequente/pelante)
CONTRA
J...M...D...S...(Executado/Apelado)


O Exequente deu à execução sentença proferida em processo de prestação de contas que determinou a obrigação de o Executado apresentar contas, nos termos do artº 942º, nº 5, do CPC, com vista o obter deste o pagamento de indemnização compensatória e sanção pecuniária compulsória, a liquidar, mas não inferior a 22.950,00 €.

O requerimento executivo foi liminarmente indeferido com o fundamento de que contendo o processo especial de prestação de contas disposições específicas de carácter executivo quanto ao cumprimento da obrigação de apresentação de contas está excluída a aplicação ao caso do processo executivo comum, bem como que a tal obrigação não é aplicável sanção pecuniária compulsória por não se tratar de obrigação infungível.

Inconformado, apelou o Exequente concluindo, em síntese, ser aplicável o processo de execução comum para executar sentença proferida em processo de prestação de contas e de que a obrigação de apresentar contas é infungível na medida em que apenas o devedor está na posse dos elementos essenciais para o seu cumprimento.

Não houve contra-alegação.

II–Questões a Resolver.

Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:

-da aplicabilidade do processo de execução comum;
-da fungibilidade da obrigação.


III–Fundamentos de Facto.


A factualidade relevante é a constante do relatório deste acórdão, para o qual se remete.
      
IV–Fundamentos de Direito.

O processo de prestação de contas visa o apuramento de receitas e despesas e a eventual condenação do saldo que venha a apurar-se; e desdobra-se em duas fases, uma inicial tendente a estabelecer a obrigação de prestação de contas e, concluindo-se pela existência de tal obrigação, uma outra tendente ao apuramento de receitas e despesas e do eventual saldo.

A eventual condenação no pagamento do saldo que se apurou no processo de prestação de contas é executável através do processo executivo comum, como execução para pagamento de quantia certa.

Mas não é essa obrigação que, no caso dos autos, está em causa. A obrigação cujo cumprimento o exequente pretende obter é a obrigação de apresentar contas.

E nesse conspecto, como bem se refere na decisão recorrida, o processo especial de prestação de contas prevê específicas disposições de carácter executivo: a não apresentação de contas implica a possibilidade de o autor as apresentar sem possibilidade de serem contestadas e sendo apreciadas segundo o prudente arbítrio do julgador.

Ou seja, o obrigado a prestar contas fica sujeito, porque impedido de as contestar, àquilo que a contraparte indicar, tendo como único limite a sua razoabilidade, apreciada segundo o prudente arbítrio do julgador. O que é uma situação de sujeição muito mais gravosa do que a simples fixação de um quantitativo monetário tendente a constranger ao cumprimento.

Tal regime executivo, pela sua especialidade, exclui o recurso à execução comum.

E nessa medida, excluída está desde logo a possibilidade de fixação nesse processo de sanção pecuniária compulsória.

De qualquer forma sempre se adiantará que, em nosso entender, a obrigação de apresentar contas é fungível uma vez que a própria lei admite a possibilidade de ser cumprida por terceiro (o autor).

O facto de ser o obrigado quem está em melhor posição de aceder à informação necessária à elaboração (e consequente apresentação) das contas não releva quanto à possibilidade de prestação por terceiro mas apenas quanto ao grau de dificuldade do cumprimento; o que não retira á obrigação a sua fungibilidade.

V–Decisão.

Termos em que, na improcedência da apelação, se confirma a decisão recorrida.
Custas pelo Exequente.



Lisboa, 25OUT2016


(Rijo Ferreira)
(Afonso Henrique)
(Rui Vouga)
Decisão Texto Integral: