Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3325/18.5T9AMD.L1-3
Relator: RUI MIGUEL TEIXEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO ALARGADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: –A impugnação alargada da matéria de facto faz recair sobre o recorrente o ónus de apontar, com referência à prova produzida, os elementos probatórios tidos como relevantes para que o Tribunal Superior altere a matéria de facto;

–Tal ónus não se baste com a remissão genérica para os depoimentos de "A" ou "B" competindo ao recorrente indicar especificamente qual o momento do depoimento que reputa relevante e porque é que o é;


–No fundo, o recorrente tem de, em sede recursal, recriar todos os passos de fundamentação da decisão na parte em que recorre fornecendo ao Tribunal ad quem todo o iter probatório que considera correcto;

–Os recursos servem não para produzir novas decisões ou emitir segundas opiniões mas sim para corrigir ou ordenar a correcção de erros jurídicos ou procedimentais.

Segue-se, que aos recorrentes compete dizer onde está o erro, porque é que é um erro e referir, no caso do mesmo não ser no texto da decisão, onde é que no processo estão os elementos que o Tribunal a quo se deveria ter socorrido e não o fez.



(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


 
I–Relatório:


 
Inconformados com a decisão de não pronúncia do arguido RMS ______ formulada pela Mmª JIC do Juízo de Instrução Criminal da Amadora do Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste apresentaram-se a recorrer perante este Tribunal da Relação o Ministério Público e o assistente sustentando, após motivações, as seguintes conclusões:

O Ministério Público:
A-O Ministério Público fez uma apreciação crítica da prova recolhida, de acordo com os critérios legais de estrita objectividade e legalidade bem como o recurso às regras de experiência comum.
B-O Ministério Público expôs de forma clara na acusação, os factos e as circunstâncias da prática do crime, alegou e imputou os elementos do tipo nas vertentes objectiva e subjectiva.
C-O Tribunal a quo violou, assim, o disposto no art. 308.º, n.º 1, 1ª parte, do CPP.
D-Deverá, pois, revogar-se a decisão judicial de não pronuncia, ora sob censura e, em consequência, ser proferido despacho de pronúncia pelos factos e qualificação jurídica imputada na acusação formulada pelo Ministério Público contra o arguido.
No entanto, V. Exas., Venerandos Desembargadores, decidindo, farão, como sempre, JUSTIÇA”

O assistente:
a)-A acusação pública consagra todos os elementos necessários para que seja proferido despacho de pronúncia;
b)-Designadamente, o Ministério Público fez uma apreciação crítica da prova recolhida, de acordo com os critérios legais de estrita objectividade e legalidade bem como o recurso às regras de experiência comum;
c)-A acusação particular também consagra todos os elementos necessários para que seja proferido despacho de pronúncia;
d)-Quer o Ministério Público quer o assistente expuseram de forma clara, na acusação pública e na acusação particular, respectivamente, os factos e as circunstâncias da prática do crime, alegaram e imputaram os elementos do tipo nas vertentes objectiva e subjectiva;
e)-Com o despacho de não pronúncia, o Tribunal a quo violou o disposto no n.° 1, 1 ,a parte, do artigo 308.° do CPP.
Deve, pois, revogar-se a decisão judicial de não pronuncia e, em consequência, ser proferido despacho de pronúncia do arguido pelos factos e qualificação jurídica imputada na acusação formulada pelo Ministério Público contra o mesmo, posição secundada pela acusação particular apresentada pelo assistente.”

A tais arrazoados veio responder o arguido concluindo que:
I.–Uma acusação válida deve narrar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, sob pena de nulidade;
II.–A simples indicação numa acusação de que o denunciado agiu livre, voluntária e conscientemente não é legalmente suficiente para se considerarem descritos os elementos subjetivos de um qualquer tipo de crime;
III.–O artigo 194.° do CP pretende punir quem abra correspondência que se encontre fechada e não lhe seja dirigida, sendo que pretende também punir quem tomar conhecimento do conteúdo da correspondência por meios técnicos.
IV.–Um jornalista que tem conhecimento de correspondência já após esta ter sido colocada na internet, ou seja, tendo ela caído no domínio público, configura comportamento que não se enquadra dentro da previsão do artigo 194° do C.P.;
V.–A decisão recorrida deve ser integralmente mantida na ordem jurídica, por ter corretamente interpretado e aplicado a Lei ao caso dos autos.”

Os recursos foram admitidos e os autos subiram a este Tribunal.

No mesmo a Exmª PGA emitiu parecer no sentido de ser dado provimento aos recursos.

Os autos foram a vistos e à conferência.

***

É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição na parte relevante):
Da nulidade das acusações pública e particular por serem as mesmas omissas a qualquer referência concreta e factual adequada quanto à representação, vontade e consciência do arguido em divulgar o teor da mensagem electrónica em causa nos autos : 
Nos termos do artº 283º, nº 3, al. b) do C.P.P.,  a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada. 

Nos termos do artº 194º, nº 3 do C.P., quem, sem consentimento, divulgar o conteúdo de cartas, encomendas, escritos fechados, ou telecomunicações a que se referem os números anteriores, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias. 

Para a verificação da conduta típica é necessário, ao nível objectivo, que o agente, sem consentimento do titular do conteúdo da correspondência ou da telecomunicação, a divulgue, sendo que ao nível subjectivo, mostra-se essencial que o agente saiba e queira divulgar esse conteúdo, assim actuando encontrando-se livre e consciente e actuando com esse propósito concreto .

No que respeita à factualidade integradora dos elementos subjectivos típicos do crime imputado ao arguido temos que o M.P. imputou o seguinte: “ O arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta. ”  

Olhando à acusação particular, o assistente optou por reproduzir a formulação que o M.P. havia imputado na acusação pública, sendo que, caso melhor tivesse completado a imputação do dolo, certo é que o assistente não o poderia fazer já que tal importaria numa alteração substancial dos factos narrados na acusação pública, tratando-se de procedimento por crime de natureza semi-pública, bem como não pode o Tribunal sanar tal omissão, seja em audiência de julgamento, seja mesmo na fase de instrução, sob pena de nulidade – artºs 113º, 194º, nº 3 e 198º do C.P., 48º, 49º, 284º, nº 1, parte final, 309º, nº 1, 359º do C.P.P. e Ac. STJ nº 1/2015. 

Assim reza o aludido Ac. do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015, publicado  in DR, I Série de 27-01-2015: A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal .

Ora, olhando à acusação pública e ainda à particular, verifica-se, como, bem, alegado foi pelo arguido, a omissão da completa alegação e imputação da matéria factual integradora dos elementos subjectivos do tipo imputado. 

Demonstra-se evidente inexistir factualidade integradora do elemento subjectivo quanto o acusador se limita a imputar que o arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta, aqui nos bastando a singela citação do insigne Professor Manuel da Costa Andrade, n’O Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, em anotação ao crime objecto dos autos, a pág. 766: “O conteúdo do dolo depende das singulares modalidades de conduta típica. Se o que se pune é abrir uma carta, é indiferente que o agente queira ou não tomar também conhecimento do conteúdo. De todo o modo o agente tem pelo menos de representar que o facto de abrir a carta torna possível a tomada de conhecimento.”, ou seja, tornando ao caso que nos ocupa, ao M.P. impunha-se ter alegado e  imputado ao arguido que o mesmo quis, que agiu com intenção, com o desiderato de divulgar publicamente o conteúdo da mensagem de correio electrónico, ainda que se mostre evidente que assim foi, mas não dispensa o M.P., e, na sequência, o assistente, de na(s) sua(s) acusação(ões), o formular(em) inteiramente. 

Reiteramos ser evidente que não pode ser colmatada tão grave omissão designadamente por parte do JIC ou do Juiz que presidiria ao Julgamento, sob pena, repetimos, de alteração substancial dos factos, sendo ponto assente que os factos essenciais e constitutivos dos elementos típicos do crime pelo qual se pretende ver julgado determinado cidadão devem constar expressamente elencados no libelo acusatório, o qual é levado ao conhecimento do arguido e do qual se defende. 

O exposto para concluir que a acusação pública enferma de nulidade, por ausência de factos respeitantes ao elemento subjectivo do tipo de ilícito que pretendia imputar ao arguido, assim considerando-se a mesma manifestamente infundada, logo sendo nula, o que se declara. 

Neste sentido, novamente o Acórdão do STJ nº 1/2015 de 27/1/2015 e supra citado. 

Nesta conformidade, não será pronunciado o arguido pelo imputado crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, declarando-se a nulidade da acusação pública e, consequentemente, da particular, por omissão da alegação de factos integradores da intenção do arguido divulgar publicamente, sem consentimento do assistente, o conteúdo da mensagem de correio electrónico referida na(s) acusação(ões). Ainda que assim não fosse, certo é que, como bem alegado resulta também do RAI do arguido, isto emergente deste logo da documentação junta aos autos pelo assistente com a respectiva queixa-crime, contra o que o assistente verdadeiramente se insurge e quer punir é a crítica que o sr. j.... - RMS____  não deixa de lhe fazer perante a sua conduta, tendo sido esta acção do próprio a que verdadeiramente divulgou o conteúdo da comunicação da APAF, que recebeu na qualidade de árbitro membro de tal associação, de divulgar esse conteúdo junto de pessoas ligadas a um clube de futebol em concreto e face à qualidade em que o recebeu, a de árbitro de futebol, a quem se impunha o necessário distanciamento (clubístico), revelação que neste enquadramento assume manifesto interesse jornalístico. 

Este concreto procedimento penal não servirá tal finalidade, manifestamente alheia aos bens jurídicos que o tipo de ilícito penal imputado pretende salvaguardar – mormente a privacidade e a integridade das correspondências e das telecomunicações -, e já não a revelação de um comportamento concreto de um árbitro de futebol com referência a um clube de futebol em concreto, quando este foi o próprio que entabulou a revelação contra a qual ora pretende ver punido criminalmente um jornalista.

Nesta conformidade, declarando a nulidade da acusação, nos termos do artº 283º, nº 3, al. b) do C.P.P., decido, cfr. artºs 307º, nºs 1 e 3 e 308º do C.P.P., não pronunciar o arguido RMS ______ da prática de um crime de violação de correspondência ou de telecomunicações, p. e p. pelo artº 194º, nº 3 do C.P..”

Considerando o teor da decisão recorrida e o teor dos recursos cumpre aqui deixar consignado o teor da acusação pública e particular.

Assim, consta da acusação pública:
“O arguido era jornalista da área do ....., desempenhando as suas funções também no canal de notícias difundido por cabo, designado por ..... ...... 
No dia ... de ...... de ......, no programa televisivo “T....E....”, exibido naquele canal de televisão, o arguido leu integralmente uma mensagem de correio electrónico que tinha como destinatário o ofendido EM______. 
Essa mensagem de correio electrónico tinha sido apenas enviada ao ofendido pela APAF, não tendo este autorizado nem divulgado tal mensagem ou o seu conteúdo. 
O arguido, além de ter lido integralmente a mensagem de correio electrónico que não lhe era dirigida, divulgou no referido programa o endereço de e-mail que tinha sido utilizado e divulgou ainda que tal mensagem tinha sido reencaminhada para terceiros, que identificou, fazendo tal divulgação sem o conhecimento nem autorização do ofendido.
O arguido agiu sem o consentimento e contra a vontade do ofendido ao divulgar o conteúdo de comunicações privadas, contidas em comunicações electrónicas de correio que lhe não eram destinadas. 
O arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta. 
Actuando da forma descrita, constituiu-se autor material de um crime de violação de correspondência, p. e p. pelo art. 194.º, n.º 3, do Código Penal.”

Consta da acusação particular (transcrição):
1.°
O Assistente é um sócio do S... L... B... bastante conhecido por ser activo nas redes sociais, postando notícias e informações que interessam aos adeptos do S... L... B....
2.°
Formulando críticas quando tem de as formular, nomeadamente ao nível dos clubes, mas sempre se pautando por critérios de elevação e educação, sendo que as críticas que escreve se situam sempre ao nível do contexto futebolístico.

E são sempre fundamentadas e estribadas em factos concretos, devidamente comprovados.
4.°
O arguido é jornalista do ....., participando, à data dos factos, no programa televisivo “T....E....”, o qual foi transmitido no canal televisivo ..... ......
5.°
No dia ... de ..... de ....., no programa televisivo “T....E....”, que foi emitido no canal de televisão ..... ....., o arguido leu, na íntegra uma mensagem de correio eletrónico que tinha como destinatário o Assistente.
6.°
Tal mensagem de correio eletrónico havia sido enviada no dia ... de ..... de ..... pela APAF para o Assistente, sendo que o Arguido não era destinatário da mesma (cfr. doc em suporte informático já junto aos autos).
7.°
O Arguido não só leu a mensagem de correio eletrónico na íntegra, como divulgou o endereço de email que tinha sido utilizado para enviar a mensagem para o Assistente, lendo, ainda, o “assunto” da mensagem
8.°
Por fim, o Arguido diz expressamente que o Assistente reencaminhou o email, do dia ... e ..... de ....., para LB, PG, RG, C, JNM e CJ.

Recorde-se que esta mensagem de correio electrónico tinha sido apenas enviada ao Assistente pela APAF, não tendo este autorizado nem divulgado tal mensagem ou o seu conteúdo ao Arguido.
10.°
Sendo certo que nenhum dos indivíduos identificados no artigo 8.° divulgou a mensagem de correio eletrónico em apreço, a quem quer que fosse, mormente ao Arguido.
11.°
O Arguido agiu sem o consentimento e contra a vontade do Assistente ao divulgar o conteúdo de comunicações privadas, contidas em comunicações electrónicas de correio que lhe não eram destinadas.
12.°
O Arguido agiu livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta.
13.°
Por outro lado, conforme já se salientou, o Arguido leu na íntegra uma mensagem de correio eletrónico que não lhe era dirigida, a qual era privada, e apenas dirigida aos seus destinatários.
14.°
Divulgou ainda o remetente, a data da recepção, a data em que o assistente a reencaminhou, e os destinatários para os quais reencaminhou a mensagem.
15.°
Esta situação teve largo eco na comunicação social, sendo objeto de várias notícias (Cfr. docs. n.° 2 a 6 juntos com a queixa-crime).
16.°
O Assistente viu o seu nome arrastado para a comunicação social, em virtude de o Arguido ter divulgado correspondência privada, num programa de televisão com uma grande audiência e em directo.
17.°
O artigo 34.° da Constituição da República Portuguesa consagra que a correspondência e outros meios de comunicação privada são invioláveis.
18°
Neste catálogo incluem-se as mensagens de correio eletrónico.
19°
Naturalmente que este direito, o direito de inviolabilidade da correspondência não é um direito absoluto, pois pode ser alvo de violações, nomeadamente quando autorizada a violação por parte de um Juiz, no âmbito de uma investigação criminal.
20.°
No entanto, no caso concreto, não existe qualquer decisão judicial que permita a divulgação da mensagem de correio eletrónico, sendo que a mesma apenas foi difundida pelo Arguido para seu gáudio, no sentido de manifestar a vaidade que lhe é reconhecida.
21°
Mais, a mensagem de correio eletrónico nem sequer reveste importância para o público em geral, não tendo, portanto, qualquer interesse jornalístico, conquanto corresponde a uma mensagem de correio eletrónico que foi enviada peia APAF para todos os seus associados.
22.°
O Arguido, com a sua conduta, procurou - e conseguiu - colocar o Assistente, perante a opinião pública, como uma “t........” ao serviço do S... L... B..., que recebia informações da APAF e, posteriormente, as transmitia a outras pessoas ligadas ao Clube.
23.°
Tendo o canal ... ... dado grande destaque às “revelações” feitas pelo Arguido:
Este destaque, acompanhado do vídeo, pode ser visto, ainda hoie, na íntegra, em: https://...........pt/....../.....-...--....--.....--.......--.....--.....--...--.....--mails-
que-envolvem-o-..........
24.°
É irrefutável, salvo devido respeito e melhor entendimento, que o Arguido sabia que a sua conduta teria uma projecção mediática desmesurável e que acarretaria consequências nocivas para a imagem e vida privada do Assistente.
25.°
No entanto, não se coibiu de levar a cabo, a sua conduta, que bem sabia ser punida por lei, de forma deliberada, dolosa, livre e consciente.
26.°
Resulta evidente que a conduta do Arguido não podia deixar de gerar em todos os intervenientes, incluindo o público em geral, um juízo depreciativo em relação ao Assistente.
27°
Ficando a seriedade e integridade deste gravemente fragilizada.
28.°
Bem como a sua honra, credibilidade, consideração social e reputação.
(…)
Pelo que o Arguido cometeu um crime de violação de correspondência , p. e p., pelo n.° 3 do artigo 194.° do Código Penal.”

***

II–Fundamentação

O objecto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, in www.dgsi.pt ) : “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões(…)”, sem prejuízo, obviamente da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal nas decisões finais (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).

Tendo presente o teor de tal acórdão de Uniformização temos que as conclusões formuladas roçam a ineptidão.

Na verdade, ambos os recorrentes abordam a questão como se eles não fossem os recorrentes mas sim os recorridos, senão vejamos.

Os recursos servem não para produzir novas decisões ou emitir segundas opiniões mas sim para corrigir ou ordenar a correcção de erros jurídicos ou procedimentais. Segue-se, pois, pela singeleza das coisas que aos recorrentes compete dizer onde está o erro, porque é que é um erro e referir, no caso do mesmo não ser no texto da decisão, onde é que no processo estão os elementos que o Tribunal a quo se deveria ter socorrido e não o fez.

Ora, ambas as conclusões dos recursos parecem partir de um premissa errada que é a de que “nós” temos razão e os senhores Desembargadores digam lá porquê.

Na verdade se alguém como o Ministério Público e o assistente, contende que as suas peças processuais (as acusações pública e particular) contém em si todos os elementos necessários à condenação uma vez provados os factos seria curial que dissessem  poderiam ser encontrados.

Mas não … os recorrentes limitam-se a dizer que as respectivas peças têm a alegação de todos os elementos típicos.

Ora, a tal apenas se pode responder como o Tribunal a quo: não têm. E não têm pelas razões que o Tribunal a quo apontou e que aqui se reproduzem.

Na verdade, para que a acusação esteja perfeita é necessário afirmar o elemento objectivo e o elemento subjectivo do crime e a culpa.

No caso o elemento subjectivo não foi alegado e o mesmo não se presume.

Improcedem os recursos.

***

III–Dispositivo

Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem a 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento aos recursos e, consequentemente confirmar a decisão recorrida.
 
Custas pelo assistente que se fixam em 4 (quatro) U.C.
O Ministério Público está isento de custas.
Notifique.
 
Acórdão elaborado pelo 1º signatário em processador de texto que o reviu integralmente sendo assinado pelo próprio e pela Veneranda Juíza Adjunta.


 
Lisboa e Tribunal da Relação, 22 de Setembro de 2021


 
Rui Miguel de Castro Ferreira Teixeira  - Relator-  
Cristina Almeida e Sousa  - 1ª Adjunta -