Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
357/12.0PAAMD.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
VIGILÂNCIA ELECTRÓNICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: Com o regime de ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, pretende evitar-se, o mais possível, os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.

Trata-se de um regime que não deixa de ter “potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral”, mas que não deixa de “facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa”.

A sua concretização, porém, para além do consentimento do Arguido, exige a especificação da morada em que será executada, para além de outras condições formais, técnicas e de consentimento legalmente necessárias (nomeadamente as decorrentes do art. 1.º, al. b), art. 7.º, n.º 2, art. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro), que oportunamente serão objecto de averiguação por parte da 1.ª Instância.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:


IRelatório:


I-.) No antigo Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, foi o Arguido F....., com os demais sinais dos autos, submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do tribunal singular, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro.

Realizado aquele, na sua ausência, nos termos do art. 333.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Proc. Penal, veio o mesmo a ser condenado pela referida infracção, na pena de 14 (catorze) meses de prisão, havendo de descontar, a esta, 1 dia, por detenção sofrida nos autos.

I-2.)Alcançada a sua notificação pessoal do assim decido, recorreu o Arguido acima mencionado para a presente Relação, apresentando as seguintes conclusões:

1.ª-Foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de Janeiro, na pena de 14 meses de prisão efetiva.

2.ª -O Tribunal de 1ª Instância fundamentou-se nas declarações do arguido relativamente às condições sócio-económicas prestadas àquela data e ao seu registo criminal.

3.ª -O arguido vem recorrer da douta sentença, dizendo em suma que a respetiva pena deveria ser suspensa apesar das suas anteriores condenações pela prática do mesmo crime.

4.ª-O arguido desde então não mais conduziu qualquer veículo motorizado, não existindo condenações posteriores, volvidos já 9 anos sob essa prática.

5.ª-Caso assim não se entenda, deverá a pena a que foi condenado ser cumprida em OPHVE.

6.ª-O Tribunal “a quo” não andou bem ao aplicar uma pena de prisão efetiva, devendo a mesma ser suspensa na sua execução ou, no limite, cumprida em regime de OPHVE.

7.ª-O arguido encontra-se integrado familiar e socialmente, não havendo registo de mais condenações por crimes da mesma natureza, bem como é pai de 3 crianças, encontrando-se a companheira grávida de 8 meses do quarto filho do arguido.

8.ª-O arguido é prestador de serviços na área de remodelações, auferindo cerca de € 900,00 euros mensais, sendo neste momento o principal sustento e apoio da família, quer a nível financeiro como cuidador dos filhos menores.

9.ª-Na determinação da medida da pena deve atender-se, para além da culpa do agente, as necessidades de prevenção, nos termos do disposto no artigo 71.º do Código Penal.

10.ª-A prevenção está intrinsecamente ligada à necessidade comunitária de punição do caso concreto, pelo que a pena deverá ser sempre aplicada na medida exacta da sua necessidade e proporcional aos factos cometidos.

11.ª-A pena de prisão efetiva aplicada, in casu, é excessiva na medida em que será cumprida em meio prisional.

12.ª-O Tribunal recorrido tomou como prioritária a função retributiva da pena, olvidando a função ressocializadora da mesma que tenderia a considerar que as finalidades da punição deverão ser executadas com o sentido pedagógico e ressocializador.

13.ª-A doutrina tem entendido que a legitimidade das penas criminais deve depender da sua necessidade, adequação e proporcionalidade, em sentido estrito, para a proteção de bens ou interesses constitucionalmente tutelados, salientando que o espaço prisional é estigmatizante, estimulando a criminalidade.

14.ª-No caso em apreço o cumprimento da pena de 14 meses em meio prisional terá consequências devastadoras na vida do recorrente, impossibilitando desta forma o cumprimento das finalidades da prevenção especial.

15.ª-A pena aplicada ao arguido não deverá ser cumprida no meio prisional, entendendo-se que a suspensão na sua execução ou, no limite, cumprida em regime de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância eletrónica, assegura igualmente de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tanto da perspectiva da prevenção geral como da prevenção especial.

16.ª-O artigo 50.º do Código Penal faz menção aos requisitos necessários para a aplicação da suspensão, referindo que a mesma pode ser subordinada a regras de conduta ou determinado regime de prova.

17.ª-O recorrente pretende cumprir a pena a que foi condenado fora do meio prisional, junto da sua família, e continuar a contribuir para o sustento e cuidado da mesma.

18.ª-No caso em concreto os pressupostos para aplicação de pena de prisão suspensa na sua execução estão verificados, devendo prevalecer o regime mais favorável ao arguido nos termos do disposto no art. 2.º, n.º 4, do Código Penal.

19.ª-Veja-se o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra – Processo n.º 1162/16.0PCCBR.C1 – Relator Orlando Gonçalves – de 23-05-2018 (unanimidade):
IPressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.
IIPressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
IIIA prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.
IVA proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais, implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, positiva ou de integração, servindo para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal.
VA reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.
VIA suspensão da execução da pena é um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.”

20.ª- Ainda com o mesmo entendimento pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto – Processo n.º 129/14.8GAVLC.P1 – Relatora Maria Dolores da Silva e Sousa – de 01-07-2015 (unanimidade):
IA imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/ dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto às regras de conduta vinculado à necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes.
IIA exigibilidade de tais deveres e regras deve ser apreciada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado.
III– A regra e conduta consistente no não cometimento de
quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de caracter contraordenacional, pela sua extensão e implicação no direito de deambulação do arguido, é utópica, desproporcionada e desadequada face aos fins preventivos de reintegração do agente sua socialização e de protecção dos bens jurídicos que implica o afastamento do arguido da prática decrimes"

21.ª-Quanto à prevenção especial entendeu Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, P. 332, que, “… Prevalência decidida não pode deixar de ser atribuídaa considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspetiva politico-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão da prevalência, anote-se, a dois níveis diferentes:
Em primeiro lugar, o tribunal deve negara aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas;”

22.ª-O arguido está integrado no âmbito familiar e social dispondo de um percurso de vida completamente linear e integrado a todos os níveis.

23.ª-É esta oportunidade que aqui se pede a este Tribunal da Relação para que suspendendo a pena, possa o recorrente ser sujeito a um regime de prova se necessário.

24.ª-É possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à reinserção social do arguido recorrente e ao não cometimento de futuros crimes, que aliás não se verificam desde a data da prática dos factos aqui em causa.

25.ª-Ainda que V. Exas. entendam não ser de aplicar a pena suspensa na sua execução, a aplicação de obrigação de permanência na habitação sujeito a vigilância eletrónica (OPHVE) deverá ter sempre prevalência sobre o cumprimento da pena em meio prisional tendo em conta a inserção do recorrente no seio familiar, social e laboral.

26.ª-O recorrente presta o seu consentimento para a OPHVE.

27.ª-Relativamente à OPHVE veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Processo n.º 310/15.2SILSB-5 - Relator JOÃO CARROLA – de 29-01-2019 (unanimidade):
“(…) Com o regime de permanência na habitação pretende evitar-se, o mais possível, os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.
Se à data da prolação da decisão recorrida se encontrava já em vigor o novo regime de permanência na habitação,atualmente previsto no artigo 43º do Código Penal, deveria a instância (…) equacionar a aplicação do regime de permanência na habitação, designadamente ponderando a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena, de 1 ano e 8 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no 4 do citado artigo 43º, bem como, se necessário, da viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo de distância, que se verifica o consentimento do próprio condenado.”

28.ª-Veja-se também o sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães – Processo n.º 17/16.3PFGMR.G1 – Relatora TERESA COIMBRA – de 05-11-2018 (unanimidade), que tem o mesmo entendimento:
1.Para que o tribunal conclua pela possibilidadede cumprimento de pena de prisão não superior a dois anos, em regime de permanência na habitação, nos termos do art.43º do Código Penal na redação da Lei 94/2017 de 23.08, é necessário, além do mais, poder afirmar que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades visadas com a execução da pena (art. 42º do Código Penal).

2.– Se apesar dos antecedentes criminais que possui um arguido demonstra capacidade de trabalho, tem estabilidade familiar e cumpre, com avaliação positiva por parte da DGRSP, pena de prisão em regime de permanência na habitação, não deverá ser reintroduzido em ambiente prisional para cumprimento de pena de 1 ano e 11 meses de prisão imposta pela prática de crimes de condução sem carta e em estado de embriaguez, por tal constituir um retrocesso no esforço de reintegração social do condenado.”

Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e, em consequência ser a pena de 14 meses a que foi condenado suspensa na sua execução ou, caso assim V. Exas. não entendam, deverá a pena ser cumprida em OPHVE.

I-3.) Respondendo ao recurso interposto, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal “a quo”, concluiu por seu turno:
1.º-Foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do D.L. n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 14 (catorze) meses de prisão.

2.º-Entende o recorrente que a pena de prisão em que foi condenado deve ser suspensa na sua execução (cfr. artigo 50.º, do Código Penal).

3.º-Porém, in casu, não se mostram verificados os pressupostos materiais de que tal suspensão depende.

4.º-De facto, as sete condenações anteriormente averbadas no certificado de registo criminal do arguido, pela prática do mesmo tipo de ilícito, demonstram o total insucesso das sanções penais aplicadas para o dissuadir da prática de outros crimes e, ao mesmo tempo, a sua incapacidade para adequar o seu comportamento aos valores jurídicos essenciais.

5.º-Afigura-se, pois, ao Ministério Público que o recorrente frustrou quaisquer expectativas de reintegração em si depositadas, não sendo possível fazer um juízo de prognose favorável quanto à suficiência da censura do facto e da ameaça da pena de prisão.

6.º-Defende ainda o recorrente a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, previsto pelo artigo 43.º, do Código Penal.

7.º-Tal regime não se encontrava em vigor à data da prolação da decisão recorrida, tendo a referida alteração legislativa apenas entrado em vigor em 21/11/2017.

8.º-Porém, o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, prevê a aplicação retroactiva das leis penais de conteúdo mais favorável, e o artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, determina que "quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior".

9.º-Impõe-se, pois, equacionar a aplicação do novo regime de permanência na habitação.

10.º-Contudo, assentando esta forma de execução da pena em pressupostos e requisitos, terão os mesmos de ser obtidos e verificados pelo Tribunal a quo, a quem caberá ainda avaliar da adequação e suficiência desta forma de execução.

11.º-Atento o supra exposto, é entendimento do Ministério Público que deverá conceder-se parcial procedência ao recurso interposto pelo arguido, determinando-se o Tribunal a quo a averiguar da verificação dos pressupostos de que depende a execução da pena de 14 (catorze) meses de prisão imposta ao arguido em regime de permanência na habitação decidindo-se, então, em conformidade.

IISubidos os autos a esta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer propugnando o parcial provimento do recurso, e que nessa conformidade se determinasse ao Tribunal a quo que averiguasse se se verificam os pressupostos de que depende a execução da pena aplicada em regime de permanência na habitação, decidindo-se então, em conformidade.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Tendo lugar a conferência.
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Cumpre pois apreciar a decidir:

III-1.)De harmonia com as conclusões apresentadas, que entre nós, de forma tida por consensual, definem e delimitam o respectivo objecto, pese embora as referências feitas pelo Arguido à determinação da medida da pena e às funções destas últimas, a verdade é que o recurso por si interposto tem em vista a suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, ou em alternativa, o seu cumprimento em regime de obrigação de permanência na habitação, com recurso a vigilância electrónica.

III-2.)Como temos por habitual, confiramos primeiro a matéria de facto que se mostra definida:

Factos provados:

No dia 09 de Junho de 2012, pelas 19h00, o arguido conduzia o motociclo de matrícula ..., na Avª. ..., ..., A_____, quando foi sujeito a fiscalização rodoviária.
O arguido efectuou a condução de tal motociclo sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.
O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se apurou que:
O arguido é solteiro e à data dos factos vivia com os pais e irmãos.
Encontrava-se desempregado.
Tem o 9.º ano de escolaridade.
Foi condenado por sentença transitada a 11.02.2008, no Processo Sumário n.º 728/07.4GEOER, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena de 55 dias de multa à taxa diária de €5, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal. Esta pena foi declarada extinta, por pagamento, a 12.01.2009.
Foi condenado por sentença transitada a 06.10.2009, no Processo Sumário n.º 460/09.4PDOER, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €5, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Foi condenado por sentença transitada a 13.11.2009, no Processo Sumaríssimo n.º 102/09.8PGOER, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €6, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal. Esta pena foi declarada extinta a 21.03.2012.
Foi condenado por sentença transitada a 02.06.2011, no Processo Abreviado n.º 899/10.2PFCSC, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Cascais, na pena de 10 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Foi condenado por sentença transitada a 30.04.2012, no Processo Sumário n.º 168/12.3PDOER, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena de 54 períodos de prisão por dias livres, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Foi condenado por acórdão transitado a 13.09.2010, no Processo Comum Colectivo n.º 1405/08.4SELSB, da 8.ª Vara Criminal do Tribunal Judicial de Lisboa, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, pela prática de crime de participação em rixa.
Foi condenado por sentença transitada a 02.06.2011, no Processo Abreviado n.º 1225/10.6PCAMD, deste Juízo, na pena de 6 meses de prisão suspensa por 1 ano, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal.
Foi condenado por sentença transitada a 20.09.2011, no Processo Abreviado n.º 14/11.5PAOER, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, na pena única de 300 dias de multa à taxa diária de €5, pela prática de crime de condução de veículo sem habilitação legal e de ofensa à integridade física simples.

III-3.1.)Esclarecido então que o presente recurso não tem como objecto quaisquer pretensões dosimétricas, importa também deixar claro que não assume igualmente uma natureza de revisão, entendida esta no seu sentido juridicamente próprio, de recurso extraordinário.

Ou seja, sem prejuízo do maior ou menor intervalo temporal verificado entre a sua prolação e a respectiva notificação (que no caso é ligeiramente superior a oito anos), e da eventual alteração das condições pessoais, económicas e profissionais que no entretanto possam ter-se verificado, a não intervirem condições muito específicas, a matéria de facto a considerar é que consta da decisão proferida – aquela com qual o Tribunal a quopoderia contar -, e será com base na mesma que a actividade apreciativa desta Relação se realizará.

Donde, se praticou ou não posteriormente quaisquer outros crimes ou se a sua situação familiar e laboral actual é a que agora se alega, esse quadro de invocação constitui matéria a permanecer fora do nosso âmbito cognitivo.

III-3.2.)Tal como se mostra enunciado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/02/2016, no processo n.º 60/13.4PBVLG.P1.S1, a suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos – assim, acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Abril de 2003, processo n.º 865/03-5.ª, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 157, e de 25 de Outubro de 2007, processo n.º 3247/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 233 a 236.
Conforme se pode ler no acórdão do STJ de 25-06-2003, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 221, o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

Sendo que o funcionamento do poder-dever contido no art. 50.º do Cód. Penal, como é sabido, depende de um requisito de ordem formal, consistente no cabimento da medida concreta da pena aplicada a um limite legalmente fixado, cinco anos, e de um outro de natureza material, a traduzir o prognóstico favorável em como a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Aquele, na conhecida definição de Jescheck (Tratado de Derecho Penal - Parte General – Comares Editorial, Granada 1993, pág.ª 760/1, tradução de José Luís Samaniego, “consiste na esperança de que o condenado se dará já por advertido com o proferir da sentença e que não cometerá mais nenhum delito.” (…) “Esperança não significa segurança. O tribunal deve dispor-se a correr um risco aceitável, porém se houver sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”.

Dito por outras palavras, a suspensão da execução da execução da pena de prisão assenta, pois, num prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro do agente, efectivado no momento da decisão. O juízo de prognose fundamentar-se-á, cumulativamente, na ponderação da personalidade do agente e das circunstâncias do facto (ainda que posteriores ao facto e que já valoradas em sede de medida concreta da pena).
Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao agente, pela fundada expectativa de que o mesmo, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme ao Direito e aos valores socialmente erigidos” (apud sentença proferida no processo n.º 336/14.3PEAMD).

III-3.3.)Este quadro orientador não deixou de estar presente na justificação apresentada pelo Tribunal a quo para afastar a aplicação do referido instituto:
“Estatui o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04 de Setembro, que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
A suspensão da execução da pena de prisão consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico (Acórdão do STJ, de 27 de Junho de 1996; in CJ do STJ, IV, tomo 2, 204).
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
A suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, esperando-se que sinta na ameaça da condenação uma advertência para que, no futuro, não cometa crimes.
No caso concreto, as condenações penais já sofridas respeitam, entre outros, à prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, cometidos de forma reiterada, pelo que se afiguram elevadas as exigências de prevenção geral e especial, estas mais negativas do que positivas, no sentido de dissuadir o arguido de voltar a incorrer na prática do mesmo tipo de crime.
Acresce que o arguido foi já anteriormente condenado em penas de multa e de prisão, sendo que as mesmas também não se revelaram suficientes e adequadas a inibir o arguido de voltar a praticar o mesmo tipo de ilícito, revelando temeridade e indiferença pela decisão judicial e problemas de interiorização do desvalor do acto cometido.
Nestes termos, o tribunal encontra-se incapaz de formular um juízo de prognose favorável no sentido de que a ameaça da execução da pena de prisão será suficiente para asseverar as finalidades da punição, motivo pelo qual não suspendo a execução da pena de prisão em que o arguido vai condenado”.

Ora para além de duas outras, por infracções distintas, a verdade é que o Arguido já averba sete condenações anteriores por este mesmo crime, vindo a ser sancionado por ele em penas de multa, de prisão suspensas, e mesmo uma por dias livres - a imediatamente anterior à prática dos presentes factos, no processo n.º 168/12.3PDOER, do 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras.

Ora nem esta última privação temporária de liberdade (determinada, note-se, por sentença transitada menos de dois meses antes da prática dos presentes factos), nem as três condenações em pena de prisão suspensas anteriormente por si sofridas, foram de molde a reconduzi-lo a uma vida conforme aos ditames do Direito e a evitar a que não voltasse a delinquir.

O que de forma manifesta espelha a sua anomia em relação aos valores que lhe subjazem, e mais do que isso, revelam que tais formas de punição não realizaram de modo adequado e suficiente as finalidades que se julgavam serem possíveis de alcançar com a aplicação das mencionadas penas de substituição.

Se a faculdade contida no referido art. 50.º, n.º1, do Cód. Penal, traduz um poder-dever, a verdade é que, como também vimos repetindo, não traduz uma qualquer “medida de graça”.

Pelo que havendo “(…) sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para aproveitar a oportunidade ressocializadora que se lhe oferece, deve resolver-se negativamente a questão do prognóstico”.

Ou seja, em face da factualidade que se mostra disponibilizada, não há que nela insistir, porque inconsequente e inútil enquanto forma de punição.

III-3.3.)No que concerne ao cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, com vigilância electrónica, importa referir que ao momento da prolação da sentença em 1.ª Instância (08/05/2013), a Lei apenas autorizava a sua concessão na hipótese da prisão ter sido “aplicada em medida não superior a um ano (cfr. art. 44.º, n.º1, al. a) do Cód. Penal).

O que na situação que temos presente conduziria à sua exclusão.

Sucede porém, que a redacção actual do art. 43.º, n.º1, al. a), de tal Diploma (a conferida pela Lei n.º 94/2017, de 23/08), já o admitirá, pois que estendeu essa possibilidade para as penas “não superiores a dois anos”.

De harmonia com o preceituado no n.º 4 do art. 2.º daquele Compêndio Legal, “quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente; (…)”.

O que significa então, a maior favorabilidade deste regime para o Recorrente, por relação ao anterior.

Ora como já se mostra enfatizado nas conclusões apresentadas, quando cita decisão desta Secção por nós igualmente subscrita, “com o regime de permanência na habitação pretende evitar-se, o mais possível, os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.”

A filosofia do preceito assenta numa evidente reação contra os consabidos inconvenientes das penas curtas de prisão (apoiando-se em razões de cariz humanitário na letra do seu n.º 2), situando-se a meio caminho entre a suspensão da execução da pena de prisão e a reclusão efetiva do delinquente, a qual se pretende evitar, pela rutura com o ambiente familiar, social e profissional que representaria, verificados que sejam os seus pressupostos, mas sem deixar de prevenir-se a adequação desta pena substitutiva às finalidades das penas em geral. Mas a ideia apoia-se também em considerações que transcendem o condenado. É, antes de mais, indesejável que se projetem sobre a família deste consequências económicas desastrosas, sendo ainda indesejável a rutura prolongada com o meio profissional e social.” – (acórdão da Rel. de Évora de 18/02/2020, no processo n.º 240/17.3GHSTC.A.E, disponível no respectivo site da DGSI).

No fundo, trata-se de um regime que não deixa de ter “potencialidades para realizar a tutela do bem jurídico protegido pela norma que pune o crime em causa – assim satisfazendo as exigências de prevenção geral”, mas que não deixa de “facilitar a ressocialização do arguido, sem estender, de forma gravosa, as consequências da punição ao seu agregado, assim se evitando as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa” (idem).

No caso em presença, em função da distanciação temporal assumida pelos factos, a circunstância desta modalidade de execução da pena não ter sido concedida - e por aí, incumprida pelo Recorrente -, também o facto da medida concreta da pena que lhe foi fixada importar ainda uma duração importante, nada temos a opor à concessão de tal regime, uma vez que realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

A sua concretização, porém, como é sabido, para além do consentimento do Arguido que já se mostra exarado no seu recurso, exige a especificação da morada em que será executada (que não vemos indicada), para além de outras condições formais, técnicas e de consentimento legalmente necessárias (nomeadamente as decorrentes do art. 1.º, al. b), art. 7.º, n.º 2, art. 4.º, n.º 4, da Lei n.º 33/2010, de 2 de Setembro), que oportunamente serão objecto de averiguação por parte da 1.ª Instância.

Julgamos ser este o sentido da objecção formulada pelo Ministério Público junto do Tribunal a quo e nesta Relação.
Ainda que por regra também não apreciemos a prolação de decisões condicionais, a verdade é que este Tribunal, neste tipo de situações, já por diversas vezes utilizou a metodologia que abaixo se seguirá.

Nesta conformidade:

IVDecisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, na parcial procedência do recurso interposto pelo Arguido F......, autoriza-se que a pena de 14 meses de prisão que lhe foi aplicada nestes autos possa ser cumprida em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância (nos termos do art. 43.º, do Cód. Penal), caso concorram para o efeito, as demais condições formais, técnicas e de consentimento legalmente necessárias, o que oportunamente se averiguará em 1.ª Instância.

Sem custas, art. 513.º, n.º1, do CPP, a contrario sensu.
                                                                                                                                           
Elaborado em computador. Revisto pelo Relator, o 1º signatário

                       
Lisboa, 23 de Novembro de 2021

                   
Luís Almeida Gominho                          
José Vieira Lamim