Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
829/12.7TVLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
NEGLIGÊNCIA MÉDICA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (art.º 663º nº 7 do CPC)

1. O contrato que tem por objecto a prestação de serviços médicos, celebrado com uma instituição prestadora de cuidados de saúde, incidindo sobre o corpo humano com toda a sua complexidade, enferma de um certo grau de risco e de imprevisibilidade que, em regra, obsta a que o médico se comprometa a mais do que a pôr todo o seu saber e empenho na sua intervenção, respeitando as boas práticas da profissão, de forma a atingir-se o resultado final tido em vista - a cura da patologia que o doente padece - mas sem poder assegurar que tal cura se produza.

2. Traduz-se tal contrato de prestação de serviços médicos numa obrigação de meios, não implicando a não consecução de um resultado a inadimplência contratual.

3. Quando não é atingido o resultado final tido em vista, caberá ao lesado provar que tal facto decorreu de um comportamento negligente do médico, ficando exonerada de responsabilidade, a instituição prestadora de cuidados de saúde, caso não se prove a invocada inadimplência contratual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO

SBSI - SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, com sede …., em Lisboa, intentou, em 17.04.2012, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra MANUEL, residente na ..., através da qual pede que se condene o Réu a pagar a quantia de € 113.353,66, acrescida dos juros que se vencerem ainda à taxa legal sobre o montante de € 107.983,46 até integral pagamento.
Por seu turno, na acção apensada, por despacho judicial de 07.07.2014, (Pº 901/12.3TVLSB), MANUEL, NUNO, e SOFIA, todos residentes na …..intentaram, em 27.04.2012, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra o SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, com sede na …, peticionando que se condene o Réu a pagar:
a) Aos Autores o montante de € 25.000,00, a título de indemnização pelo dano morte e o montante de € 100.000,00, a título de indemnização pela perda do direito à vida da vítima;
b) Ao Autor Manuel o montante de € 75.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a estes causados;
c) Ao autor Nuno o montante de € 37.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a este causados;
d) À autora Sofia o montante de € 37.500,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a esta causados;
e) o montante global de € 275.000,00, referente ao peticionado nas alíneas anteriores, bem como, nos juros vincendos a partir da citação e até efectivo e integral pagamento e nas custas e demais encargos com a presente acção, incluindo condigna procuradoria.
Na acção principal deduzida por SBSI - SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, contra MANUEL invocou o autor, em síntese, o seguinte:
1) tem na sua estrutura um serviço de prestação de assistência médica, tanto hospitalar como ambulatória: os denominados “SAMS – Serviços e Assistência Médico- Social”.
2) Os SAMS asseguram aos seus beneficiários a protecção na saúde, através da prestação interna de cuidados quer através da rede de ambulatório, quer no “Hospital dos SAMS”, situado nos Olivais, em Lisboa.
3) Em contrapartida da prestação dos cuidados de saúde, os beneficiários ficam obrigados perante o SBSI ao pagamento de encargos que são fixados em tabelas próprias, a valores mais vantajosos do que o custo suportado por utentes desses serviços que não sejam beneficiários dos SAMS.
4) O Réu é beneficiário titular dos SAMS e nessa qualidade constituiu-se como responsável pelo pagamento dos encargos com a prestação de cuidados de saúde prestados não só a si próprio como a membros do seu agregado que inscreveu como beneficiários: nomeadamente e para os efeitos desta acção, a sua esposa Ana.
5) Entre 05.07.2010 e 10.02.2011 a esposa do Réu esteve internada no Hospital dos SAMS, onde veio, infelizmente, a falecer, tendo-lhe aí sido prestados os serviços que se encontram descriminados nas facturas juntas no total de € 107.983,46.
6) O valor das facturas em causa correspondem ao encargo por conta do beneficiário pela prestação dos cuidados de saúde facturados, depois de realizado o correspondente desconto no valor de € 539.917,30 ao valor que seria aplicável a utente não beneficiário, nos termos das tabelas em vigor.
7) Apesar de instado para o pagamento das referidas facturas, o Réu recusou e não as pagou.
8) O Réu constituiu-se em dívida perante o Autor no montante de 107.983,46, acrescido dos juros de mora contados desde os respectivos vencimentos - 8 dias após a data da sua emissão - à taxa legal de 4%, os quais somam 5.370,20 euros, até à presente data.
Citado, veio o Réu deduzir contestação, em 17.11.2013, nos termos da qual, referiu que nada deve ao Autor, invocou, para tanto, em síntese, o seguinte:
1) É associado do Sindicato dos Bancários do Sul e ilhas tem direito, assim como os seus familiares mais directos, onde se incluía a sua falecida mulher, à assistência médica através do S.A.M.S., sendo a sua falecida mulher a beneficiária nº 193....
2) No decurso do ano de 2009, a sua mulher, Ana foi consultada por diversos médicos, no âmbito dos S.A.M.S., designadamente, da especialidade de endocrinologia, no intuito de perder peso, dado ser uma pessoa obesa.
3) Após ter comparecido na consulta da Dra. Isabel, na Rua ….. foi-lhe por esta sugerida a realização de uma intervenção cirúrgica de redução do estômago (Gastrectomia Vertical) e, bem assim, dado ter detectado a existência de uma hérnia, sugeriu igualmente que se aproveitasse a Gastrectomia para efectuar também, e em simultâneo, uma intervenção para correcção desta hérnia (Correcção de Hérnia Umbilical), tudo isto já no ano de 2010.
4) Para que pudesse ser submetida a tais intervenções cirúrgicas, a Dra. Isabel informou Ana, de que teria de efectuar um conjunto de exames médicos rigorosos, incluindo nestes, uma avaliação psicológica, para aferir do seu estado de saúde e da conformidade deste com as intervenções a serem feitas, sendo estes exames, o que habitualmente se chama de protocolo de avaliação operatório.
5) Pretendendo submeter-se às intervenções cirúrgicas já referidas, A... submeteu-se a todos os exames médicos, que lhe foram indicados e que faziam parte de todo o protocolo de avaliação pré-operatório, tendo-os realizado durante os meses de Março, Abril e Maio de 2010.
6) Por indicação da Dra. Isabel, ainda se deslocou a uma consulta de anestesiologia, a fim de ser observada.
7) Após a realização de todos os exames necessários, a Dra. Isabel entendeu que Ana estaria apta a submeter-se às intervenções cirúrgicas, tendo então sido agendada a data para a realização das mesmas.
8) Informou, ainda, a Dra. Isabel que durante a fase anterior às cirurgias, que a operação iria durar pouco tempo e o internamento seria por um período de 4 a 5 dias.
9) Estando tudo preparado para a intervenção cirúrgica, e entendendo a Dra. Isabel, de que a paciente Ana se encontrava em boas condições para ser submetida às cirurgias, como resultava do protocolo de avaliação pré-operatório, ficou agendado o dia 15 de Junho de 2010, para as intervenções, tendo a Ana dado entrada no Hospital dos Bancários no dia 14 de Junho de 2010.
10) No dia 15 de Junho de 2010, Ana foi submetida a uma Gastrectomia Vertical, sleeve, via laparoscópica e correcção de Hérnia Umbilical, por equipa cirúrgica chefiada pela Dra. Isabel.
11) O Réu, como beneficiário titular dos SAMS, e nessa qualidade, era responsável pelo pagamento dos encargos com a prestação daqueles cuidados de saúde contratados, já que a sua esposa estava inscrita como beneficiária.
12) E o Réu pagou todos aqueles serviços médicos prestados à sua esposa.
13) Seria expectável que a Ana tivesse Alta Hospitalar, 3 a 4 dias após a intervenção cirúrgica, no entanto, por complicações surgidas em consequência da intervenção cirúrgica, e dado não lhe ter sido atempadamente diagnosticada uma gastrite, iniciou um quadro infeccioso, tendo surgido a 19.06.2010 um quadro de dor abdominal, febre e taquicardia e a realização de diversos exames que conduziram a um diagnóstico errado.
14) E à administração hospitalar de terapêutica médica, que baixando alguns dos indicadores de infecção, como seja o PCR – Proteína C Reactiva, conduziram a que a paciente acabasse por ter Alta Hospitalar a 30.06.2010, ainda que, em condições de saúde e debilidade, que o mais elementar bom senso e cautela, mais do que desaconselhar, proibiam.
15) Ana voltou a ser internada às 09h36 do dia 05.07.2010, apresentando-se com um episódio já bastante avançado de “septicemia” e com um forte “edema pulmonar” e novamente com um valor de PCR de 388,3, ou seja, no decurso de um quadro infeccioso de grande gravidade, e que se teria evitado, caso não lhe tivesse sido emitida tão precipitadamente a Alta Hospitalar a 30.06.2010.
16) Foi então a Ana novamente internada nesta data de 05.07.2010, num quadro clínico de extrema gravidade, tendo passado por um longo calvário de intervenções cirúrgicas, que nada valeram, e sendo sujeita a uma constante e progressiva degradação dos seus órgãos, que foram conduzindo à falência, a título de exemplo, quer do fígado, quer dos rins e coração, que conduziram à sua morte, cerca de sete meses depois, a 10.02.2011.
17) Actuando a Dra. Isabel e a sua equipa médica da forma que o fizeram, a que acresce a forma descuidada e imprudente com que foi acompanhado o pós-operatório da Ana, ocorre uma violação dos deveres médicos gerais e, em consequência, o incumprimento dos deveres contratuais.
18) As lesões de que Ana padeceu e que lhe provocaram a morte, provieram de um acto ilícito (violador do direito absoluto à saúde) e culposo (culpa grosseira) dos elementos da equipa médica que assistiram a paciente.
19) Recaía sobre o corpo clínico do Autor um dever objectivo de cuidado no exercício da sua actividade, o que não aconteceu.
20) O Réu pagou o serviço médico contratado com o Autor, assim que pagou todas as consultas e exames médicos necessários prévios às intervenções, as intervenções de 15.06.2010 e os dias de internamento até à alta hospitalar.
21) Desde aquela data em diante todas as intervenções e exames, bem como o respectivo internamento são responsabilidade do Autor, já que foi por culpa da sua equipa médica que aqueles se revelaram necessários embora, e infelizmente, não tenham evitado a morte da esposa do Réu.
22) As cirurgias foram efectivamente contratadas, mas os internamentos e actos médicos posteriores àquelas não foram solicitados pelo Réu, ocorreram sim devido ao(s) erro(s) médico(s) do corpo clínico do Autor, e desses e só desses pode ser a responsabilidade pelo pagamento desses serviços prestados e que, ainda assim, reitera-se, não evitaram a morte da Esposa do Réu.
23) O Réu, tendo pago o serviço médico contratado, nada mais tem a pagar, tanto mais que a sua conta corrente actual, onde constam os seus créditos e débitos não têm qualquer correspondência com as facturas apresentadas na petição inicial e que o Réu nunca antes tinha visto.
24) Os valores mencionados na petição inicial, especificadamente os 82.533,52 Euros e os 25.315,34 Euros foram debitados na conta corrente do Réu em 08.02.2011 e 08.04.2011 respectivamente. Ora porque recebia, e recebe, mensalmente aqueles extractos da conta corrente questionou, àquelas datas, o Conselho de Gerência dos SAMS para perceber o que queriam significar aqueles valores, já que até à morte da sua esposa e desde essa data em diante, enquanto beneficiário dos serviços de saúde, sempre pagou todos os serviços contratados e devidamente prestados.
25) Nesta altura que o Autor disse, peremptoriamente, ao Réu que iria accionar o seu seguro, já que aquela prestação de cuidados à sua esposa no valor total de 107.983,46 Euros não eram da sua responsabilidade, que não os contratou, e que só tinham acontecido por causa das complicações posteriores às cirurgias, essas sim contratadas e efectivamente pagas.
26) Entretanto, e após tal informação prestada pelo Autor, logo na data de 11.05.2011 há um registo de crédito na conta corrente do Réu.
No âmbito da acção apensa que, M..., N..., e S..., intentaram, em 26.04.2012, contra o SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO SUL E ILHAS, alegaram aqueles, em síntese, o seguinte:
1) O primeiro Autor é viúvo de Ana, e sócio do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, com o nº 18621, tendo sido a sua falecida mulher a beneficiária nº 1938006, sendo os segundo e terceiro Autores, filhos da identificada Ana e do primeiro Autor.
2) O Réu tem, dentro da sua organização, um sector a que chama de S.A.M.S (Serviço de Assistência Médico-Social), que presta assistência médica aos seus associados e familiares, estando agregado a todo este sistema médico-social um Hospital, designado como Hospital dos Bancários, sito na Rua Cidade de Gabela, nº 1, em Lisboa. Sendo o primeiro Autor associado do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, tem direito, assim como os seus familiares mais directos, onde se incluía a sua falecida mulher, à assistência médica através do S.A.M.S., sendo a sua falecida mulher, tal como já referido, a beneficiária nº 1938006.
3) No dia 15 de Junho de 2010, a Ana foi submetida a uma Gastrectomia Vertical, sleeve, via laparoscópica e correcção de Hérnia Umbilical, por equipa cirúrgica chefiada pela Dra. Isabel.
4) No dia 19 de Junho de 2010, como a Ana apresentava algumas com dor abdominal, febre, taquicardia, e outras, foi avaliada através de alguns exames médicos, designadamente, TAC abdominal e endoscopia digestiva alta, tendo-lhe sido detectados sinais de Pancreatite da cauda do Pâncreas.
5)  No capítulo da Imunologia, a Ana tinha, em 19.06.2010, uma PCR, Proteína – C- Reactiva de 330,6, quando os valores normais, como vem referido no exame, se situam em parâmetros de 0,5 – 3,3, sendo que o Dr. Eduardo, entendeu não permitir que a Anativesse alta.
6) Ana esteve internada até ao dia 30.06.2010, data a partir da qual a Dra. Isabel entendeu dar-lhe alta, acompanhada de uma receita médica.
7) Nesse mesmo dia 30.06.2010, foi efectuado um novo exame à Ana, onde é possível verificar, que muito embora o estado clínico da paciente tivesse melhorado, ainda assim, alguns dos valores apresentados se encontravam bem longe da normalidade, designadamente, o valor da PCR, que era de 109,70, ou seja, cerca de 33 vezes superior ao limite máximo dos parâmetros normais.
8) No dia 5 de Julho de 2010, Ana foi atendida na Urgência do Hospital dos S.A.M.S., pelas 09h36, dado o seu estado de saúde considerado como crítico, com febre alta, dificuldades respiratórias, dores abdominais intensas, vómitos constantes, não suportando sequer a ingestão de água, sendo os Autores informados pelos clínicos presentes, de que a Ana se encontrava com um episódio já muito avançado de “septicemia”, e com um forte “edema pulmonar”, tendo-lhe sido retirado uma quantidade enorme de líquido dos pulmões, e com um valor de PCR extremamente elevado de 388,3, ou seja, ainda em valores superiores aos de 19.06.2010, como se comprova pelas análises então efectuadas e pelo comprovativo da admissão nas Urgências.
9) Desde a data do seu reinternamento, verificada a 5 de Julho de 2010, até à do seu óbito a 10 de Fevereiro de 2011, a Ana foi submetida a inúmeras intervenções cirúrgicas.
10) Desde a intervenção cirúrgica de 06.08.2010, Ana ficou em “coma induzido”, tendo permanecido neste estado até à ocorrência do seu óbito.
11) A morte de Ana ocorreu, cerca de sete meses depois do reinternamento, a 10.02.2011, num quadro de grande sofrimento quer da própria, quer dos Autores, seus familiares mais directos, que assistiram impotentes a todo este escusado sofrimento.
12) Os Autores acompanharam o sofrimento de Ana e muito sofreram com o mesmo, o que se manifestou física e psicologicamente.
Citado, veio o Réu SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas contestar, em 11.06.2012, alegando, em síntese, o seguinte:
1) O percurso clínico da falecida Ana, começa em 2009, no que aqui interessa com a referência da consulta de ginecologia para a consulta de obesidade do Hospital dos SAMS, onde passou a ser acompanhada pela médica Anabela.
2) Na sequência de algumas terapias conducentes à perda de peso e sem que as mesmas tivessem sucesso, foi sugerida à Ana a realização de uma intervenção cirúrgica de redução de estômago (gastrectomia vertical).
3) Tal cirurgia envolve todo um conjunto de exames e avaliações prévias.
4) Face à aceitação da sugestão, feita pela Dra. Anabela, que era, ao tempo, a médica assistente da falecida Ana, a situação foi discutida no denominado Grupo da Obesidade.
5) Após discussão do caso clínico no Grupo da Obesidade, este encaminhou a Ana para a consulta da Dra. Isabel.
6) Tal consulta inicial com a Dra. Isabel teve lugar em Março de 2010, apresentado então a Ana um quadro de obesidade mórbida de Grau III, com Índice de massa corporal (IMC) de 46, hipertensão arterial, roncopatia, hipotiroidismo, lombalgias, artralgias dos pés, varizes dos membros inferiores e miomas uterinos.
7) O R. teve assim todos os cuidados necessários e adequados para a correcta avaliação da situação antes de se avançar para a cirurgia propriamente dita e depois da mesma.
8) Após a realização da cirurgia, médico-cirurgião que estava de serviço, o Dr. Eduardo, perante a situação clínica que a doente apresentava, entendeu que a mesma não tinha condições para ter alta e, na sequência de contacto para a Dra. Isabel, esta entendeu efectivamente não dar alta.
9) À data de 30.06.2010 a redução de PCR, face a novos exames entretanto efectuados, era significativa, embora ainda elevado, o que associado à melhoria clínica e tolerância alimentar, à ausência de leucocitose, e favorável evolução dos exames radiológicos justificava a alta para domicílio, mantendo a doente em vigilância e contacto.
10) Acresce que, à data, a doente já havia feito 10/11 dias de antibioterapia, o que associado à ausência de fístula era suficiente, pelo que não se impunha a presença no hospital.
11) Aquando do reinternamento, em 5 de Julho de 2010, a doente não estava em estado crítico, referindo uma história de náuseas, vómitos recorrentes com 3 dias de evolução, sem referência a quaisquer dores abdominais.
12) Por a sua situação não ser crítica, foi internada num quarto no piso da Cirurgia, e não na Unidade de Cuidados Intermédios ou de Cuidados de Intensivos.
13) A 21 de Julho seguinte novo TAC abdominal demonstrou novo abcesso intra-abdominal e a EDA permitiu visualizar, pela primeira vez, a existência duma fístula gástrica no terço superior.
14) A paciente foi então submetida a nova cirurgia para drenagem do abcesso e realização de jejunostomia para alimentação e realizou terapêutica endoscópica para o encerramento da fístula gástrica, a qual é considerada encerrada em 25 de Agosto.
15) As múltiplas cirurgias posteriores a 21 e Julho foram efectuadas para a resolução de fístulas/deiscências das anastomoses entéricas de alto débito, que não são passíveis de outro tratamento, nomeadamente conservador (dieta zero, alimentação parentérica, desfuncionalização da zona) e por isso tinham mesmo de ser operadas.
16) As complicações surgidas no pós-operatório são as possíveis e conhecidas na literatura e delas havia sido dado conhecimento à paciente, antes das intervenções, tendo a mesma subscrito os respectivos documentos de consentimento informado.
17) A doente sempre fez terapêutica para todas as infecções, sempre que possível segundo antibiograma, sendo que as infecções ocorridas, não decorreram de qualquer acto ou facto negligente que possa ser imputado ao R. A intervenção cirúrgica inicial e todas as que se lhe seguiram foram correctamente executadas.
18) A causa da morte da doente são e sempre foram conhecidas (diástese hemorrágica em choque séptico e hipovolémia que lhe provocou a morte em 11.02.2011).
19) Inexistiu qualquer erro médico ou facto de que fosse decorrer a responsabilização do R. pelos alegados danos, aliás inexistentes e, consequentemente, não há lugar a qualquer indemnização, nem à peticionada, nem a qualquer outra.
20) Mais alegou o Réu que celebrou com a então denominada Companhia de Seguros Sagres S.A., actualmente denominada Macif Portugal – Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil, que tomou forma pela apólice 80.0010742.
21) Tal como decorre do contrato de seguro, a referida seguradora aceitou a transferência de risco de ressarcimento de danos, materiais ou pessoais, patrimoniais ou não patrimoniais, causados a terceiro pelo segurado no âmbito das actividades por ele exercidas.
22) Os factos alegados pela A. recaem no âmbito de apólice e que, na hipótese do R. ser condenado no pagamento de quantum indemnizatório, tal encargo deverá ser assumido pela mencionada Seguradora, acautelando-se assim os interesses do R. cobertos pela apólice.
O réu requereu, por isso, a intervenção da Macif Portugal, Companhia de Seguros, S.A., nos termos dos artigos 325 e segs. do CPC.
 Por despacho judicial proferido a 04.12.2012, foi julgado procedente o incidente de intervenção principal provocada de Macif Portugal Companhia de Seguros, S.A., actualmente CARAVELA COMPANHIA DE SEGUROS S.A., e veio esta deduzir contestação, em 25.02.2013, nos termos da qual pugnou pela ilegitimidade dos autores, porquanto não alegaram que são os únicos e universais herdeiros da infeliz vítima.
Mais invocou que o SAMS fez uma participação de sinistro à Interveniente, sendo que com base naqueles elementos, a direcção clínica da Interveniente concluiu que não existiram quaisquer indícios da prática de actos desconformes que pudessem determinar, por si só, qualquer responsabilidade da mesma.
Foi realizada audiência prévia, em 05.05.2014, tendo sido fixado o valor das acções, elaborado despacho saneador, no âmbito do qual foi considerada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela interveniente. Foi identificado o objecto do litígio, fixada a matéria já provada, enumerados os Temas da Prova.
Foram ainda admitidos os requerimentos probatórios.
Requerida, em 16.05.2014, pelo autor SAMS, a realização de perícia a efectuar no IML, foi a mesma admitida, por despacho de 11.11.2014, tendo por objecto os quesitos formulados pelo autor e os temas da prova fixados sob os itens i) a iv).
O Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., elaborou o respectivo Parecer, datado de 08.03.2017.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, em 14.09.2017, 15.09.2017, 20.09.2017, 11.10.2017 e 25.10.2017, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 17.11.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Nos termos e pelos fundamentos expostos:
I. Acção Declarativa com Proc. Ordinário n.º 829/12.7TVLSB
Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, consequentemente, condeno MANUEL a pagar ao SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, a quantia de € 107.983,46 (cento e sete mil novecentos e oitenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), acrescidos dos juros de mora, de natureza civil, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento.
II. Acção Declarativa com Proc Ordinário n.º 901/12.3TVLSB
Julgo a presente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo o SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas do pedido deduzido pelos Autores M..., N... e S....
Valor da Acção:
(…)
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram, em 16.01.2018, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.
São as seguintes as CONCLUSÕES dos recorrentes:
i. Na sentença ora recorrida e no que se refere ao pedido formulado na pi dos ora recorrentes, foram dados como provados alguns factos que alegadamente demonstrariam a inexistência de erro médico, e bem assim, foram dados como provados, factos que conduziriam à mesma conclusão;
ii. Importa, pois aferir da correcta avaliação e ponderação da prova produzida, que conduza à análise de alguns pontos demonstrativos da existência de erro médico, designadamente, quanto à oportunidade da alta médica em 30.06.2010 e do eventual erro de diagnóstico de pancreatite, sem que fossem determinadas as verdadeiras razões de uma infecção, para que se estabelecesse a correcta terapêutica;
iii. Não tendo sido devidamente ponderados, nem sequer valorados os depoimentos de duas testemunhas médicas, cujos depoimentos foram particularmente importantes quanto aos pontos referidos em B), importa a sua análise e ponderação;
iv. Do depoimento da testemunha R..., médico, resulta claramente a existência de um diagnóstico de pancreatite errado, pois coexistia com valores ou índices de exames não compatíveis com tal disgnóstico, aliás, versão corroborada pelo depoimento de outra testemunha A..., o que, permitiu uma terapêutica errada e desajustada e o atraso na descoberta de uma infecção grave, essa sim, que justificava os valores altissimos de PCR;
v. Do mesmo depoimento ressalta que foi omitida a existência e descoberta da infecção identificada como "Escherichia Coli" produtora de Betalactamases e de espectro alargado, esta sim, de grande gravidade e funestas consequências;
vi. Também quanto à alta dada a 30.06.2010 à paciente, existe concordância entre ambos os depoimentos, de que esta decisão foi errada, permitindo uma evolução da infecção já existente, tanto mais, que após a alta deixou de ser dada qualquer antibioterapia à paciente, ocasionando o seu reinternamento com índices de PCR ainda mais elevados e alarmentes;
vii. Deve, pois, ser dado como provado a existência de erro médico, alterando-se a sentença nesse mesmo sentido;
viii. Alterando-se os pontos 65., 66. e 67, que deverão ser considerados como não provados, e considerando-se como provados os factos 9 e 10 dos dados como não provados;
ix. Assim, deve a sentença proferida no âmbito do processo nº 901/12.3TVLSB ser revogada e substituída por outra que condene o SBSI no pedido, por reconhecimento de erro, sendo que tal facto implicará necessariamente a revogação da sentença relativa ao processo nº 829/12.7TVLSB, que condena o recorrente M... ao pagamento do montante de € 107.983,46, relativo às facturas devidamente identificadas na sentença, pois, tais facturas referem-se exclusivamente ao período de internamento e tratamento pós-operatório, período em que se verifica erro médico, dado que, todas as restantes despesas haviam sido pagas pelo M...;
x. A sentença ora recorrida enferma claramente de um erro na aplicação da norma jurídica que deveria ter sido aplicada face aos factos e matéria de facto apurada em audiência de julgamento, não decidindo, como deveria ter feito, pela condenação do réu SBSI no pagamento dos danos patrimoniais e não patrimoniais peticionados.
Pedem, por isso, os apelantes, que seja dado provimento ao recurso e, por via dele, seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que condene o réu no pagamento do peticionado pelos recorrentes e que absolva o recorrente M... da condenação contra si proferida.
O réu, SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, apresentou contra-alegações, em 19.02.2018, propugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i. Não há qualquer fundamento probatório para alterar o teor das respostas dadas pelo Tribunal e que levaram à inclusão dos pontos 64 a 67 no conjunto dos Factos Provados.
ii. Nem foi feita prova adequada e suficiente em relação aos Factos Não Provados nos seus pontos 9 e 10, antes tendo sido absolutamente clara e evidente a prova em sentido contrário.
iii. A prova produzida em relação ao facto 64 – testemunhal de I... e de E... – e pericial – Consulta Médico-Legal – foi a adequada à comprovação de tal facto alegado e a sua inserção no elenco dos Factos Provados é correcta.
iv. A alta foi dada em momento adequado, podendo a doente continuar a ser seguida em ambulatório e podendo recorrer a todo o momento aos serviços do Hospital do R., como aliás o fez.
v. À data da alta não havia sido detectada fístula ou infecção, havendo evidente regressão sintomática.
vi. A prova produzida pela testemunha Rui carece em absoluto de fundamento, quer pelo seu desconhecimento das especialidades clínicas em causa, quer por assentar em factos errados e em nada confirmados no processo clínico, o qual não conhecia, sendo que não teve conhecimento dos factos em causa, ao contrário das diversas testemunhas apresentadas pelo Recorrido Sindicato, médicos especialistas com conhecimento directo e intervenção objectiva no decurso do internamento da paciente.
vii. Os “erros” que tal testemunha imputa a outros médicos foram totalmente infirmados por dados objectivos e concretos apresentados por especialistas nas matérias em causa e pela própria Consulta Médico-Legal, sendo as alternativas de tratamento que a testemunha apresenta incorrectas e teriam levado à morte precoce da paciente.
viii. A testemunha A... em nada corrobora o testemunho de R..., bastando cotejar ambos os depoimentos para se alcançar a diferença substancial de sentido de ambos.
ix. Com efeito, tal testemunha – sendo cirurgião com larga experiência –embora não tendo conhecimento directo dos factos, em nada concordou com a testemunha R... não se podendo extrair uma frase isolada do contexto em que foi produzida.
x. A prova produzida em relação à matéria do ponto 65 – testemunhal de Isabel e de Eduardo e pericial – Consulta Médico-Legal – em nada foi contraditada por qualquer outra prova objectiva, pelo que a sua inserção no elenco dos factos provados é correcta e deve ser mantida.
xi. Não existe no douto recurso o menor facto, fundamento ou razão em que sustente a pretendida alteração ao facto 66 do elenco dos Factos Provados, pelo que face à prova produzida – testemunhal de I... e E... – e pericial da Consulta Médico-Legal - tal facto deverá continuar a constar dos Factos Provados.
xii. A exemplo do facto 64, a matéria do facto 67 do elenco dos Factos Provados, deve ser mantida nestes, atenta a prova produzida – prova testemunhal de I... e E..., para além da Consulta Médico-Legal (ponto 36).
xiii. Não foi feita qualquer prova dos factos não provados 9 e 10 pelo que, face ao conjunto da restante prova produzida, que infirma tais factos, os mesmos foram correctamente julgados como não provados.
xiv. Não houve qualquer diagnóstico errado e a alta médica foi dada em tempo adequado.
xv. Não houve qualquer erro médico, antes como resulta da Consulta Médico-Legal (parte 2-ii), pode considerar-se como tendo sido adequada a abordagem médica no decurso do longo período de internamento em cuidados intensivos.
xvi. As várias complicações médicas e cirúrgicas havidas foram atempadamente diagnosticadas e as opções terapêuticas tomadas foram as mais adequadas.
xvii. A douta sentença fez adequada valoração da prova produzida e interpretou correctamente o direito na sua aplicação dos factos, pelo que deve ser mantida nos seus exactos termos.

A Interveniente CARAVELA – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., apresentou igualmente, em 21.02.2018, as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
i. Os Recorrentes apresentaram Recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, em 17 de Novembro de 2017, por não se conformarem com a mesma, impugnando a Decisão proferida sobre a matéria de facto, alegando a incorrecta apreciação da matéria de facto na Decisão final e invocando a errada aplicação do Direito, tendo em conta a prova produzida – testemunhal e documental.
ii. Não têm os Recorrentes qualquer razão no Recurso de Apelação interposto nos presentes autos, sendo o mesmo manifestamente insubsistente e inconsistente.
iii. As Alegações oferecidas pelos Recorrentes em nada perturbam a bondade e o mérito da douta Sentença recorrida, não atingem a proficiência da apreciação da prova produzida, nem a justa e adequada aplicação do Direito.
iv. A Sentença recorrida encerra um exame criterioso da prova, sendo a sua fundamentação modelar.
v. O cuidado e o rigor postos no detalhe dos factos provados, o exame crítico do suporte documental e dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, a percepção dos factos assentes numa contundente e intangida demonstração material, tornam a Sentença recorrida invulnerável ao presente Recurso de Apelação e protegem-na de qualquer censura.
vi. Os factos dados como provados e não provados na Sentença recorrida são, assim, claros e precisos e não admitem interpretações díspares.
vii. Por mais que os Recorrentes o pretendam fazer crer, o certo é que, nos presentes autos, não há uma única prova que pudesse alterar o sentido da decisão proferida pelo Tribunal “a quo”.
viii. A Interveniente, ora Recorrida, dá, aqui, por integralmente reproduzidas as Contra-Alegações de Recurso já apresentadas pelo Réu SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, ora também Recorrido, aderindo às mesmas na sua totalidade.
ix. Assim, nestas Contra-Alegações, a Interveniente, ora Recorrida, apenas se pronuncia sobre 4 (quatro) questões que considera essenciais para demonstrar que os Recorrentes não têm qualquer razão no presente Recurso de Apelação.
x. Em 1.º (primeiro) lugar, para referir que os Recorrentes fazem, na primeira parte do articulado das suas Alegações de Recurso, no que concerne à matéria de facto, e designadamente às questões da pancreatite e da alta médica, diversas suposições e valorações totalmente imperceptíveis, retirando daí conclusões que não são compreensíveis à luz da medicina, nem até mesmo do senso comum e, essencialmente, do bom senso, pelo que as mesmas terão, liminarmente, que improceder.
xi. Em 2.º (segundo lugar), para referir que vieram os Recorrentes apresentar pequenos excertos de 2 (duas) Testemunhas inquiridas em sede de Audiência de Discussão e Julgamento – R... e A... –, para requerer a esse Venerando Tribunal a reapreciação da prova testemunhal, com vista à alterar a matéria de facto dada como provada e como não provada, mas omitem, propositadamente, todos os outros depoimentos das inúmeras Testemunhas ali inquiridas, porque todos eles são lhes desfavoráveis.
xii. No que concerne à Testemunha A..., os Recorrentes apresentam excertos do seu depoimento completamente descontextualizados, sendo que esta Testemunha não foi valorizada pelo Tribunal “a quo” por não ter tido intervenção directa no processo de internamento da falecida A..., mas apenas um conhecimento indirecto.
xiii. No que concerne à Testemunha R... ficou, plenamente, demonstrado, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que o mesmo, apesar de ser médico, não é cirurgião, nem tem qualquer especialidade em medicina interna, em gastroenterologia ou em anato patologia, o que não lhe permite, assim, pôr em causa o tipo de exames, cirurgias e tratamentos médicos e medicamentosos ministrados pelos seus colegas (Testemunhas nos autos) à falecida A..., mulher e mãe dos ora Recorrentes.
xiv. O depoimento desta Testemunha entrou em completa contradição com todos os outros depoimentos das inúmeras Testemunhas inquiridas em Audiência de Discussão e Julgamento, bem como com a perícia médica realizada nos presentes autos, pelo que bem andou o Tribunal “a quo” a desvalorizar tal depoimento e a valorizar todos os outros.
xv. Não procede, assim, a tese dos Recorrentes, alicerçada em pequenos excertos das 2 (duas) referidas Testemunhas para proceder à alteração da matéria de facto dada como provada e como não provada, uma vez que esta foi bem decidida pelo Tribunal “a quo”, pelo que improcede, também nesta sede, o Recurso de Apelação interposto pelos Recorrentes.
xvi. Em 3.º (terceiro) lugar, para referir que, com a interposição do presente Recurso, os Recorrentes vieram requerer, também, a reapreciação da prova documental junta aos autos, mas não indicam, nem especificam, qual a prova documental que querem que seja reapreciada.
xvii. A prova documental constante dos autos é objectiva, clara, precisa e concreta e não admite “vários tipos de leitura”, pelo que deve, também, a este propósito, improceder o presente Recurso de Apelação.
xviii. Em 4.º (quarto) lugar, e por último, refira-se que os Recorrente vieram invocar, na senda da sua fundamentação de Recurso, que o Tribunal “a quo” errou na Sentença recorrida por não ter considerado que houve erro médico.
xix. Na óptica dos Recorrentes, existiu erro médico, no entanto, tal tese não pode proceder, ou seja, na situação clínica objecto dos presentes autos não houve qualquer negligência médica.
xx. Conforme resulta do Parecer da Consulta Técnico-Científica elaborado e subscrito pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF (Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.) junto aos presentes autos, o qual é inequívoco acerca da inexistência de erro médico, pelo que deve, também a este propósito, improceder o presente Recurso de Apelação.
xxi. Quanto ao demais, sempre se diga que o Tribunal “a quo” interpretou e enquadrou bem as normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, não violando, por isso, qualquer normativo legal, nem qualquer diploma legal,
xxii. Bem andou o Tribunal “a quo” a proferir a Decisão que proferiu.
xxiii. O presente Recurso de Apelação deverá, assim, ser julgado, totalmente, improcedente, mantendo-se, na íntegra, a Decisão recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto;
                   
ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS  
O que implica a análise:     
a) Dos pressupostos da acção de responsabilidade civil por acto médico;
b) Da prestação de serviço de acto médico enquanto obrigação de meios dirigida ao tratamento adequado da patologia em causa, mediante a observância diligente e cuidadosa das regras da ciência e da arte médicas (leges artis) e os respectivos ónus de prova da ilicitude da conduta médica.
                     

III . FUNDAMENTAÇÃO

A –
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1. O SBSI – Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas tem na sua estrutura um serviço de prestação de assistência médica, tanto hospitalar como ambulatória: os denominados “SAMS – Serviços e Assistência Médico-Social”. [Facto provado A)].
2. Os SAMS asseguram aos seus beneficiários a protecção na saúde, através da prestação interna de cuidados quer através da rede de ambulatório, quer no “Hospital dos SAMS”, também designado por “Hospital dos Bancários”, situado na Rua Cidade de Gabela, n.º 1, Olivais, em Lisboa. [Facto provado B)].
3. Em contrapartida da prestação dos cuidados de saúde, os beneficiários ficam obrigados perante o SBSI ao pagamento de encargos que são fixados em tabelas próprias, a valores mais vantajosos do que o custo suportado por utentes desses serviços que não sejam beneficiários dos SAMS. [Facto provado C)].
4. Manuel é beneficiário titular dos SAMS e nessa qualidade constituiu-se como responsável pelo pagamento dos encargos com a prestação de cuidados de saúde prestados não só a si próprio como a membros do seu agregado que inscreveu como beneficiários, nomeadamente, a sua esposa Ana [Facto provado D)].
5. O SBSI emitiu as seguintes facturas:
- n.º 250044299, emitida em 17.08.2010, no valor de 134,60 euros;
- n.º 250079489, emitida em 31.12.2010, no valor de 82.533,52 euros;
- n.º 250014387, emitida em 02.03.2011, no valor de 25.315,34 euros. [Facto provado E)].
6. M... não procedeu ao pagamento dos montantes referidos em 5. [Facto provado F)].
7. M... é sócio do SBSI com o n.º 18621 e a A... era a beneficiária n.º 1938006. [Facto provado G)].
8. A... faleceu em 10-02-2011 [Facto provado H)].
9. Os herdeiros de A..., nascida a 18-01-1958, são o seu cônjuge M... e os seus dois filhos, N... e S.... [Facto provado I)].
10. No exercício da sua actividade enquanto proprietário de um estabelecimento hospitalar, o SBSI celebrou com a então denominada Companhia de Seguros Sagres, S.A., e actualmente denominada MACIF Portugal – Companhia de Seguros, S.A., um contrato de seguro de responsabilidade civil, que tomou forma pela apólice n.º 80.00100742; tal como decorre do contrato de seguro, a referida seguradora aceitou a transferência de risco de ressarcimento de danos, materiais ou pessoais, patrimoniais ou não patrimoniais, causados a terceiro pelo segurado no âmbito das actividades por ele exercidas. [Facto provado J)].
11. De acordo com o mesmo contrato, a seguradora MACIF apenas responderá – nos termos da apólice - no caso de se verificar o dever de indemnizar por parte do seu segurado SAMS-Serviço Assistência Médico Social do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas; os tipos de danos garantidos e os limites indemnizatórios, indicados nas condições particulares da apólice, são os seguintes:
- o montante de € 500.000,00 por anuidade, limitado a € 125.000,00 por sinistro em danos corporais; e
- o montante de € 7.500,00 por sinistro em danos materiais, aplicando-se nestes danos a franquia de 10% do valor do sinistro, no mínimo € 125, que será da responsabilidade do seu segurado, conforme docs. n.ºs 1 e 2 juntos com a contestação da MACIF. [Facto provado K)].
12. Nos anos de 2010 e 2011, pela seguradora MACIF foram pagas indemnizações e provisionados pagamentos de sinistros ao abrigo da referida apólice, designadamente:
- Proc. 80-833 – data do sinistro 18/10/2010 – indemnização de € 15.000,00:
- Proc. 80-932 – data do sinistro 18/08/2010 – indemnização de € 1.670,66.
13. No decurso do ano de 2009, Ana foi consultada por diversos médicos, no âmbito dos S.A.M.S., designadamente, da especialidade de endocrinologia, no intuito de perder peso, dado ser uma pessoa obesa.
14. Após ter efectuado algumas terapias, conducentes à perda de peso, e não obtendo resultados, Ana foi aconselhada por uma das profissionais de saúde, que então consultou, a deslocar-se a uma consulta com a Dra. Isabel, que exercia e ainda exerce funções no Centro Clínico dos S.A.M.S., sito na Rua …. em Lisboa e, igualmente, no Hospital dos Bancários, ambos pertença do ora Réu.
15. Após ter comparecido na consulta da Dra. Isabel, na Rua …. em Lisboa, foi-lhe por esta sugerida a realização de uma intervenção cirúrgica de redução do estômago (Gastrectomia Vertical) e, bem assim, dado ter detectado a existência de uma hérnia sugeriu, igualmente, que se aproveitasse a Gastrectomia para efectuar também, em simultâneo, uma intervenção para correcção desta hérnia (Correcção de Hérnia Umbilical), tudo isto já no ano de 2010.
16. Para que pudesse ser submetida a tais intervenções cirúrgicas, a Dra. Isabel, informou Ana, de que teria de efectuar um conjunto de exames médicos rigorosos, incluindo nestes, uma avaliação psicológica, para aferir do seu estado de saúde e da conformidade deste com as intervenções a serem feitas, sendo estes exames, o que habitualmente se chama de protocolo de avaliação pré operatório.
17. Pretendendo submeter-se às intervenções cirúrgicas já referidas, Ana submeteu-se a todos os exames médicos que lhe foram indicados e que faziam parte de todo o protocolo de avaliação pré operatório, tendo-os realizado durante os meses de Março, Abril e Maio de 2010.
18. Por indicação da Dra. Isabel, A... deslocou-se a uma consulta de anestesiologia, a fim de ser observada.
19. Após a realização de todos os exames necessários, a Dra. Isabel entendeu que A... estaria apta a submeter-se às intervenções cirúrgicas, tendo então sido agendada a data para a realização das mesmas.
20. A Dra. Isabel, durante a fase anterior às cirurgias, informou Ana de que a operação iria durar pouco tempo e o internamento seria por um período de 4/5 dias.
21. Estando tudo preparado para a intervenção cirúrgica, entendendo a Dra. Isabel, de que a paciente Ana se encontrava em condições para ser submetida às cirurgias, como resultava do protocolo de avaliação pré-operatório, ficou agendado o dia 15 de Junho de 2010, para as intervenções, tendo a A... dado entrada no Hospital dos Bancários no dia 14 de Junho de 2010.
22. No dia 15 de Junho de 2010, Ana foi submetida a uma Gastrectomia Vertical, sleeve, via laparoscópica e correcção de Hérnia Umbilical, por equipa cirúrgica chefiada pela Dra. Isabel.
23. Após as intervenções cirúrgicas do dia 15 de Junho de 2010, tudo apontava para que a A... tivesse alta ao fim dos já indicados 4 a 5 dias de internamento.
24. No dia 19 de Junho de 2010, como a A... apresentava queixas, com dor abdominal, febre, taquicardia, e outras, foi avaliada através de alguns exames médicos, designadamente, TAC abdominal e endoscopia digestiva alta, tendo-lhe sido detectados sinais de Pancreatite da cauda do Pâncreas.
25. No capítulo da Imunologia, A... tinha, em 19.06.2010, uma PCR, Proteína – C- Reactiva de 330,6, quando os valores normais, como vem referido no exame, se situam em parâmetros de 0,5 – 3,3.
26. Perante os factos constantes dos pontos 24. e 25., outro clínico, que trabalha no Hospital dos Bancários, e que fez parte da equipa de cirurgia da Dra. Isabel, o Dr. Eduardo, entendeu não permitir que a A... tivesse alta.
27. Após terem sido efectuados os exames, A... iniciou terapêutica médica.
28. A... ficou internada até ao dia 30.06.2010, data a partir da qual a Dra. Isabel entendeu dar-lhe alta.
29. A Folha de Alta Hospitalar foi acompanhada de uma receita médica, que consistia na “Proposta Terapêutica” identificada na Alta.
30. Nesse mesmo dia 30.06.2010, foi efectuado um novo exame a Ana, onde é possível verificar, que muito embora o estado clínico da paciente tivesse melhorado, o valor da PCR era de 109,70, ou seja, cerca de 33 vezes superior ao limite máximo dos parâmetros normais.
31. Com a Alta Hospitalar dada pela Dra. Isabel à A... a 30.06.2010, uma quarta-feira, esta receitou-lhe o medicamento “ben-u-ron”, dizendo-lhe que lhe telefonassem no dia 6 de Julho (terça feira), para combinarem a data de uma consulta para ser observada.
32. Após a alta, a A... foi para casa da sua filha, ora Autora, no intuito de fazer a recuperação dos pós-operatório com o apoio constante de um familiar, no entanto, mal chegou a casa, teve de imediato um desmaio.
33. A Autora S... contactou de imediato e telefonicamente a Dra. Isabel, informando-a de que Ana teve uma tontura, tendo obtido desta a resposta de que o desmaio seria normal, e que provavelmente teria sido consequência do calor que então se fazia sentir.
34. Com o passar dos dias, e respeitando a indicação terapêutica que lhe fora indicada pela Dra. Isabel, A... começou a sofrer de dores abdominais e um mau estar geral, sendo que durante o fim-de-semana, dias 3 e 4 de Julho, surgiu o recrudescimento das dores abdominais, falta de ar, vómitos, febres altas e diarreias.
35. A Autora S..., no dia 4 à tarde (domingo), telefonou para a Dra. Isabel, dando-lhe conhecimento da situação vivida pela sua mãe, e os sintomas que esta apresentava.
36. Tendo obtido desta profissional clínica a indicação de que só na terça-feira seguinte (dia 6 de Julho) estaria de serviço.
37. No próprio dia 5 de Julho de 2010, o primeiro Autor e a terceira Autora levaram Ana para a Urgência do Hospital dos S.A.M.S., local onde foi imediatamente atendida e internada, pelas 09h36, com um valor de PCR de 388,3.
38. Desde a data do seu reinternamento até à do seu óbito, A... foi submetida a inúmeras intervenções cirúrgicas, designadamente, a 14.07.2010; 21.07.2010; 23.07.2010; 06.08.2010; 13.08.2010; 18.08.2010; 25.08.2010; 31.08.2010; 29.09.2010; 10.11.2010; 19.11.2010; 30.11.2010; 08.12.2010; 10.12.2010; 29.12.2010; 11.01.2011; 21.01.2011; 31.01.2011 e 08.02.2011, sendo recorrente o surgimento de fístulas e complicações diversas.
39. Desde a intervenção cirúrgica de 06.08.2010, que a A... ficou em “coma induzido”, tendo permanecido neste estado até à ocorrência do seu óbito.
40. Aquando do seu reinternamento a 5 de Julho de 2010 foi-lhe diagnosticada “colecção na goteira parieto-cólica esquerda em formação”.
41. Tendo-lhe sido drenado um abcesso via laparoscópica, a 14 de Julho de 2010.
42. No dia 21 de Julho, após ter sido realizada um exame TAC abdominal foi-lhe detectado novamente um abcesso abdominal e através de Endoscopia Digestiva Alta, foi visualizada a presença de fístula gástrica do terço superior.
43. Os valores resultantes do PCR – Proteína C Reactiva - quando se encontram alterados e com valores elevados deve ser tido como um sinal de alerta.
44. E que está em curso um processo inflamatório.
45. A antibioterapia foi susceptível de baixar os elevadíssimos valores de PCR – Proteína C Reactiva, e em novas análises efectuadas a 30.06.2010, este valor fixou-se em 109,70.
46. Em consequência das várias intervenções cirúrgicas e dos tratamentos médicos a que foi sujeita, a Ana sofreu dores.
47. A... era uma pessoa de 53 anos, vigorosa, bem-disposta, com grande amor à vida e uma imensa vontade de viver.
48. A falecida A... e o Autor M..., eram casados há 38 anos.
49. O falecimento de A.., nas condições em que este ocorreu, causou ao Autor dor, angústia e sofrimento.
50. Durante todo o período do internamento e até ao óbito desta, durante cerca de 8 meses, acompanhado diariamente o sofrimento da sua mulher, dado visitá-la no Hospital todos os dias.
51. O Autor, que anteriormente ao falecimento da sua esposa, era portador de uma úlcera gástrica e apresentava sintomas de depressão, sofreu um agravamento da sua depressão após o óbito desta, sendo igualmente patente um envelhecimento precoce ocasionado por este sofrimento.
52. Chora e não dorme, mesmo com medicação, estando afectado psicologicamente com a morte de sua mulher.
53. O Autor N... mantinha com a sua falecida mãe, um relacionamento de grande proximidade e afectividade.
54. Tendo Autor N... sido toxicodependente há alguns anos atrás, sempre foi na sua mãe que encontrou o refúgio para a difícil situação que viveu, e em quem encontrou o devido apoio para superar essa situação.
55. A morte da sua mãe, o longo sofrimento de que esta foi vítima, e a circunstâncias que determinaram o seu óbito, causaram-lhe uma Depressão Nervosa Reactiva, o que originou alterações no seu comportamento e no tratamento de que vinha sendo seguido após o abandono da toxicodependência, com riscos e receio de que volte a consumir.
56. A Autora mantinha com a sua falecida mãe uma proximidade, cumplicidade, e afectividade próprias de uma mãe e filha que se amam.
57. A Autora acompanhou todo o quadro clínico vivido pela sua mãe, de que resultou a sua morte, de forma presente e interessada.
58. Acompanhou, diariamente, a sua mãe, no período de cerca de 8 meses em que esta esteve internada, até à sua morte, deslocando-se diariamente de Santarém para o Hospital.
59. O falecimento da sua mãe, causou-lhe consternação, angústia e sofrimento, que ainda hoje perdura, determinando-lhe perturbações de ordem psicológica, que motivaram a necessidade de ser acompanhado por um profissional desta área da medicina.
60. A Autora desenvolveu uma depressão de angústia, não dorme e perdeu cerca de 18 Kg, devido a anorexia depressiva.
61. Chora frequentemente, sofre de ansiedade constante, não reagindo à medicação.
62. Ainda que o tratamento a que tem sido sujeita lhe permita dormir um pouco  melhor, mantém a mesma sintomatologia depressiva.
63. Na consulta inicial com a Dra. Isabel, que teve lugar em Março de 2010, A... apresentava um quadro de obesidade mórbida de Grau III, com Índice de massa corporal (IMC) de 46, hipertensão arterial, roncopatia, hipotiroidismo, lombalgias, artralgias dos pés, varizes dos membros inferiores e miomas uterinos.
64. À data de 30.06.2010 a redução de PCR, face a novos exames entretanto efectuados, era significativa, embora ainda elevado, o que associado à melhoria clínica e tolerância alimentar, à ausência de leucocitose, e favorável evolução dos exames radiológicos, justificava a alta para domicílio, mantendo a doente em vigilância e contacto.
65. À data, a doente já havia feito 10/11 dias de antibioterapia, o que associado à ausência de fístula era suficiente, pelo que não se impunha a presença no hospital.
66. A PCR poderá estar aumentada, só por si, após uma intervenção cirúrgica dado que, sendo uma proteína de fase aguda, tem lugar como um dos muitos intervenientes da resposta inflamatória inespecífica.
67. Na sequência da medicação, a PCR era, continuamente, decrescente (19.06.2010: 330; 24.06.2010: 223; 28.06.2010: 122 e 30.06.2010: 109); todo este quadro, aliado à melhoria de outros parâmetros inflamatórios e da evolução clínica da doente, que estava assintomática, era sugestivo de uma boa resposta à medicação e não era contra-indicação para a alta da doente, alta que a mesma pedia, várias vezes, por dia.
68. Em 30.06.2010, foi dada informação à A... do telemóvel pessoal da Dra. Isabel e por esta dito à doente que se tivesse algum problema a contactasse de imediato.
69. Aquando do reinternamento, em 5 de Julho de 2010, a doente não estava em estado crítico, referindo uma história de náuseas, vómitos recorrentes com 3 dias de evolução.
70. À entrada nas Urgências do Hospital dos SAMS/SBSI tinha a temperatura de 37,6º, não se constatava dificuldade respiratória ou alterações significativas dos parâmetros hemodinâmicos, não tendo dores abdominais nem tendo feito analgesia no dia da entrada.
71. À entrada, a doente não apresentava sinais clínicos de gravidade, tendo apenas um pequeno derrame pleural à esquerda.
72. Qualquer cirurgia do tubo digestivo tem como complicação principal a fístula (pequena deiscência da anastomose); embora pesquisada, esta complicação em 14 de Julho não era evidente nem por TAC nem por Endoscopia Digestiva Alta (EDA) e nesse dia a doente é reoperada pela primeira vez para drenagem de abcesso.
73. A 21 de Julho seguinte novo TAC abdominal demonstrou novo abcesso intra-abdominal e a EDA permitiu visualizar, pela primeira vez, a existência duma fístula gástrica no terço superior; a paciente foi então submetida a nova cirurgia para drenagem do abcesso e realização de jejunostomia para alimentação e realizou terapêutica endoscópica para o encerramento da fístula gástrica, a qual é considerada encerrada em 25 de Agosto.
74. As múltiplas cirurgias posteriores a 21 de Julho foram efectuadas para a resolução de fístulas/deiscências das anastomoses entéricas de alto débito, que não são passíveis de outro tratamento, nomeadamente conservador (dieta zero, alimentação parentérica, desfuncionalização da zona) e por isso tinham mesmo de ser operadas; as fístulas entéricas sucessivamente detectadas na doente complicam com frequência, obrigando a inevitáveis reintervenções, dado o risco vital, em situações de peritonite pós-operatória, em particular quando se realizam anastomoses digestivas.
75. Nos finais de Julho, a paciente experimentou melhorias tendo retomado a alimentação por via oral; em 06-08-2010 foi operada por ter registado um abcesso parietal, tendo sido efectuada uma drenagem e lavagem; em 13.08.2010 foi submetida a uma ráfia, por ter surgido uma fístula entérica de alto débito.
76. As complicações surgidas no pós-operatório são as possíveis e conhecidas na literatura e delas havia sido dado conhecimento à paciente, antes das intervenções, tendo a mesma subscrito os respectivos documentos de consentimento informado.
77. O aparecimento dos primeiros abcessos (que são produzidos porque há uma infecção a agentes microbianos) e das primeiras fístulas, obrigaram a uma terapêutica antibiótica intensa que com frequência, dá origem ao aparecimento de infecções a bactérias multirresistentes, infecções nosocomiais e infecções a fungos; a doente sempre fez terapêutica para todas as infecções, sempre que possível segundo antibiograma.
78. As fístulas são complicações frequentes da cirurgia pós-gástrica (ocorrem em 0,5 a 3,9%) sendo a incidência superior (1,7 a 4%) nos casos de obesidade; são frequentemente seguidas de sepsis que pode levar a uma mortalidade de 85%.
79. A TAC então efectuada revelou o pâncreas com dimensões aumentadas, densificação da gordura peripancreática e líquido discreto no espaço parenal, sem sinais de pneumoperitoneu; e o diagnóstico de pancreatite – cauda do pâncreas é sempre possível como complicação de qualquer cirurgia gástrica, devido à intimidade dos dois órgãos (estômago e pâncreas).
80. O relatório da histologia gástrica revelava gastrite crónica moderada não activa e não atrófica; esta situação não tem qualquer relação com as complicações posteriores e não contra-indica a realização de cirurgia.
81. As fístulas gástricas pós-operatórias são diagnosticadas por TAC e a endoscopia alta, tendo a doente efectuado ambas, sem que fosse diagnosticada qualquer fístula no pós-operatório imediato.
82. O tratamento indicado para as fístulas gástricas post sleeve são a colocação de fibrina e clips por via endoscópia, tendo sido este o tratamento efectuado nesta doente, o qual teve sucesso e a fístula gástrica foi encerrada.
83. A... faleceu devido a diástese hemorrágica em choque séptico e hipovolémia.
84. O SBSI prestou a Ana os serviços, exames e materiais discriminados nas facturas identificadas no ponto 5.
85. O valor das facturas identificadas em 5. corresponde ao encargo por conta do beneficiário pela prestação dos cuidados de saúde facturados, depois de realizado o correspondente desconto no valor de € 539.917,30 ao valor que seria aplicável a utente não beneficiário, nos termos das tabelas em vigor.
86. Nas datas da respectiva emissão, o SBSI enviou ao M..., e este recebeu, as facturas identificadas em 5.
87. M... pagou todas as consultas e exames médicos prévios à intervenção cirúrgica de 15/06/2010, bem como pagou os serviços relativos a esta intervenção cirúrgica e aos dias de internamento até à primeira alta hospitalar.
88. Os referidos valores de € 82.533,52 e € 25.315,34 foram debitados na conta corrente do M... em 08/02/2011 e 08/04/2011, respectivamente.
89. Tendo o Manuel comunicado ao “SAMS” a sua recusa de pagamento de tais montantes, logo na data de 11/05/2011 há um registo de crédito na conta corrente do mesmo Manuel no montante de € 25.315,34.
90. E depois, no mês seguinte, na data de 05/06/2011, há dois novos registos de crédito na conta corrente do Manuel nos valores de € 82.533,52 e € 134,60.

B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto

Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: (…)

No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o nº 1 do artigo 640º do CPC que o recorrente deve, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Acresce que, nos termos do n.º 2 alínea a) do artigo 640.º do CPC, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e os recorrentes cumpriram o preceituado no supra referido artigo 640º do CPC, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

Os recorrentes estão em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 64, 65, 66 e 67 que, no entender dos apelantes, deveriam ser dados como não provados, defendendo ainda que deverão ser aditados aos Factos Provados outra factualidade – Nºs 9 e 10 da matéria dada como Não Provada - que, segundo os recorrentes, resultou provada.         

Há que aferir da pertinência da alegação dos apelantes, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

Vejamos:

Consta do nº 64, Factos dados como Provados:
À data de 30.06.2010 a redução de PCR, face a novos exames entretanto efectuados, era significativa, embora ainda elevado, o que associado à melhoria clínica e tolerância alimentar, à ausência de leucocitose, e favorável evolução dos exames radiológicos, justificava a alta para domicílio, mantendo a doente em vigilância e contacto.
Consta do nº 65, dos Factos dados como Provados:
À data, a doente já havia feito 10/11 dias de antibioterapia, o que associado à ausência de fístula era suficiente, pelo que não se impunha a presença no hospital.
Consta do nº 66, dos Factos dados como Provados:
A PCR poderá estar aumentada, só por si, após uma intervenção cirúrgica dado que, sendo uma proteína de fase aguda, tem lugar como um dos muitos intervenientes da resposta inflamatória inespecífica.
Consta do nº 67, dos Factos dados como Provados:
Na sequência da medicação, a PCR era, continuamente, decrescente (19.06.2010: 330; 24.06.2010: 223; 28.06.2010: 122 e 30.06.2010: 109); todo este quadro, aliado à melhoria de outros parâmetros inflamatórios e da evolução clínica da doente, que estava assintomática, era sugestivo de uma boa resposta à medicação e não era contra-indicação para a alta da doente, alta que a mesma pedia, várias vezes, por dia.
Consta do nº 9 dos Factos dados como Não Provados:
O valor do PCR ainda era extremamente elevado, aconselhando a uma continuidade do internamento e seguimento com terapêutica médica ministrada no Hospital e por outra forma, o diagnóstico, encontrava-se mal determinado, sem que as verdadeiras causas da infecção tivessem sido correctamente determinadas.
Consta do nº 10 dos Factos dados como Não Provados:
Para que existisse qualquer Pancreatite, ou seja, do diagnóstico que foi determinado, necessário seria que os valores da “amilasemia” e “lipase” estivessem alterados, o que não era o caso, pois tais valores estavam dentro dos parâmetros normais.

Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados e não provados
 (…)

Defendem, em suma, os apelantes, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne aos depoimentos das testemunhas R... e A... que, incorrectamente, não foram tomados em devida consideração, desvalorizando os apelantes as razões invocadas na sentença recorrida para tal opção do julgador de 1ª instância.

Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelo recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

Todavia, há que ter em consideração que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do CPC, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
                                  
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
 
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1) - procedimento a que este Tribunal deu observância.
                       
No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne aos Nºs 64 a 67 dos Factos Provados e 9 e 10 dos Factos não Provados.

Foram relevantes os depoimentos das seguintes testemunhas:
· I..., cirurgiã que acompanhou A... e efectuou a intervenção cirúrgica denominada “sleeve” à paciente, bem como a correcção da hérnia.
· E..., cirurgião que também participou na cirurgia como adjunto.
· C, médica anatomopatologista que analisou a peça que foi retirada do estomago da paciente na sequência da intervenção.
· J..., gastroenterologista que efectuou a endoscopia à doente aquando do seu reinternamento.
· C..., cirurgiã que passou a acompanhar a paciente após Dezembro de 2010, na sequência do afastamento da Dra. Isabel, a pedido da família da doente.
· A..., médico que observou a doente, e determinou o seu reinternamento quando ela voltou à urgência, dias depois da alta clínica.
· M..., gastroenterologista que efectuou a endoscopia prévia à intervenção.

Os depoimentos das aludidas testemunhas revestiram-se de segurança, consistência, credibilidade, revelando perfeito conhecimento dos factos aqui em causa, por neles terem tido intervenção nas respectivas especialidades, sendo manifesta a sua compatibilização com o parecer técnico elaborado pelo Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., o que alicerçou a convicção do julgador para dar como provados os impugnados Factos dados como Provados e, como Não Provados, os factos que os apelantes pretendem que sejam aditados aos Factos Provados, entendimento com o qual se concorda, pelo que não se afigura possível dar como provado o invocado pelos apelantes, na sua alegação de recurso.  

Mesmo a testemunha António, coordenador da área de cirurgia do SAMS, apesar de não ter tido intervenção directa no processo de internamento da falecida, teceu algumas considerações sobre os factos em apreciação coincidentes com os demais depoimentos.

Os depoimentos das aludidas testemunhas foram merecedores de inteira credibilidade, tal como o atestou o Tribunal a quo atenta a razão de ciência invocada e a manifesta experiência por elas demonstradas, designadamente pelos anos (entre 20 e 30 anos) de prática de cirurgia geral, designadamente na intervenção “sleeve”, de gastroenterologia, de anatomopatologia.

Ao invés, a testemunha dos autores, Rui, será, certamente, um experiente médico, mas de clínica geral, fez internato de medicina interna, que iniciou em 1978, mas não chegou a concluir. É, portanto, nula a sua experiência prática nas áreas de cirurgia, gastroentereologia ou anatomopatologia. Demonstrou grande assertividade, afirmou ter consultado o processo clínico da doente e procurou demonstrar uma clarividência nos diagnósticos que pretendeu apresentar, contestando os efectuados pelas demais testemunhas, partindo de pressupostos e hipóteses que não poderia demonstrar.

Fez a testemunha, na verdade, várias afirmações que não logrou demonstrar e que foram contrariadas pelos depoimentos das restantes testemunhas.

Senão vejamos.

DEFENDEU:

a) Gastrite auto-imune, atrófica que teria Ana, em momento prévio à intervenção cirúrgica, acabando, é certo, por afirmar que era apenas uma hipótese, visando censurar a circunstância de, na preparação prévia à intervenção, para além de ser efectuada à doente – como foi – uma endoscopia alta, também deveria ter sido feita uma biópsia.
ü Esta afirmação não ficou demonstrada nos autos, pois o que resultou apurado é que a biópsia só é efectuada quando na endoscopia alta (esófago-estomago-duodeno) é detectada qualquer alteração na mucosa gástrica ou dúvidas de diagnóstico.
ü De resto, este procedimento não está incluído no Protocolo estabelecido para o tipo de intervenção em causa (regras nacionais e internacionais), como a testemunha Rui acabou por reconhecer.
ü A intervenção sleeve é decidida por um grupo que aborda as situações de obesidade, dos quais fazem parte internistas, anestesistas, dietistas, psicólogos que analisam os diversos casos para determinarem se os pacientes devem ou não ser sujeitos à intervenção “sleeve”, o que sucedem no caso de Ana.
ü Salientaram, quer os cirurgiões Isabele Eduardo,quer a gastroenterologia Maria, que o exame à doente se apresentava normal, não sendo necessário acrescentar mais um acto invasivo, como é a biópsia, como também referiu o gastroenterologista Jorge. Foi por este explicado a normal verificação de gastrite crónica, na maior parte das pessoas a partir dos 40 anos, todos negando expressamente que a doente apresentasse, antes da intervenção cirúrgica, gastrite atrófica ou auto-imune.
ü Finalmente, a peça retirada à doente foi analisada pela médica anatomopatologista, Paula, procedimento que é sempre efectuado. A testemunha relatou com minúcia o que analisou microscopicamente – mucosa, submucosa, músculo, serosa e a subserosa - e não detectou nada de particular. A peça analisada não tinha atrofia, como ela concluiu, detectando-se uma gastrite ligeira, esclarecendo também que a gastrite crónica é comum em qualquer estomago, pois a infecção por Helicobacter é uma infecção crónica hum Ana que existe em, pelo menos, 70% da população portuguesa. E, na peça que analisou detectou raras helicobacter.

§ CONCLUSÃO:
A asserção hipotisada pela testemunha Rui não se afigurou verificada.

b) Inexistência de pancreatite que, no entender da testemunha, foi erradamente diagnosticada à doente.

ü Relataram as testemunhas Isabel e Eduardo que, após a cirurgia “sleeve” e correcção de hérnia umbilical, aquando da alta hospitalar, como era normal, 5 dias depois, a testemunha Eduardo protelou a alta da doente, por medida de prevenção e, efectuadas análises, veio a verificar-se que a doente evidenciava uma PCR (proteína C reativa) elevada, embora seja normal que no pós-operatório a PCR esteja aumentada. A própria testemunha António igualmente o referenciou.
ü A doente fez, na altura, uma TAC e apresentou sinais de pancreatite na cauda do pâncreas, o que, segundo opinião generalizada dos médicos que prestaram depoimento, pode sempre ocorrer após uma cirurgia abdominal, pelo que foi efectuada antibioterapia por via endovenosa durante o período recomendado, na sequência de antibiograma.
ü Em resultado dos exames posteriormente efectuados, estando terminada a terapêutica recomendada, como os parâmetros inflamatórios estavam a descer, a PCR baixou embora se mantivessem ainda em nível alto, foi dada alta à doente, com indicação do telefone do cirurgião para contacto em caso de alguma anomalia e marcada nova consulta.
ü Quer os cirurgiões (testemunhas Isabel e Eduardo), quer o gastroenterologista (testemunha Jorge) desvalorizaram os valores pouco credíveis da amílase e lípase nas análises que mostram a inflamação do pâncreas, a qual depende da ponderação de outros factores, que indicaram, e que terão de ser compatibilizados entre si.
ü Ao invés, a testemunha Rui hipervalorizou as aludidas enzinas para a ponderação da existência de pancreatite, parecendo resultar das suas declarações que só poderia existir pancreatite se os valores da amílase e lípase estivessem muito aumentados, o que não ficou demonstrado.
ü Aliás, as testemunhas esclareceram que existem vários graus de pancreatite e, no caso da doente, o que estava em causa era uma inflamação do pâncreas que é frequente após cirurgia, que foi denominada de pancreatite traumática e que, portanto, aquelas enzimas não são importantes, podendo até não se evidenciarem.
ü A própria testemunha António admitiu que estaria em causa uma resposta local inflamatória.
ü Finalmente no Parecer efectuado pelo Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. foi admitida a possibilidade de ocorrência de pancreatite após uma cirurgia gástrica; que PCR elevada não é igual à presença de complicação clinicamente relevante e que não existe uma relação directa entre os valores da amilasemia e a gravidade da pancreatite, reconhecendo-se que foi efectuada uma terapia adequada.

§ CONCLUSÃO:
A asserção hipotisada pela testemunha Rui não se afigurou verificada.
Não se provou que tivesse havido um erro no diagnóstico de pancreatite, sendo certo que a própria testemunha não atribuiu a tal diagnóstico e ao respectivo tratamento a origem do quadro de sepsis que levou à morte da paciente.

c) Desnecessidade das múltiplas intervenções efectuadas à doente, caso se tivesse optado, desde logo, por uma anastemose.
ü É certo que poucos dias depois da alta, a doente não se sentiu bem e recorreu à urgência, tendo sido determinado o seu reinternamento, conforme foi relatado pela testemunha Augusto que, na altura, se encontrava de serviço na urgência, e que referiu que a doente vinha pelo seu pé, dizia que não se sentia bem e tinha temperatura relativamente baixa. Mas, dado que tinha sido alvo de uma recente cirurgia, foi-lhe efectuada uma TAC, tendo sido detectado líquido junto à zona operada. Como o seu estado não era crítico, foi internada num quarto e não nos cuidados intensivos.
ü Segundo as testemunhas ouvidas (cirurgiões e gastroenterologistas) a paciente fez também uma endoscopia alta e tudo estava normal, não evidenciando qualquer fístula.
ü Foi a paciente sujeita a uma 2ª intervenção para retirar líquido e fez tratamento com antibiótico e antifúngico. Ficou com um dreno para sair o pus. Mas como este não parava foi feita nova TAC que evidenciou um abcesso, e a nova endoscopia mostrou, só então, a existência de uma fístula, tendo sido novamente operada para drenar abcesso, por via laparoscópica. Fez jejunostomia para se poder tratar da fístula do estomago que ficou devidamente tratada, encerrada com clips e cola fibrina.
ü Neste sentido se pronunciou o parecer do Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., concluindo que não era razoável estabelecer uma relação de causa-efeito entre a gastrite que foi ocasionalmente encontrada e a fístula gástrica, tal como aí se confirmou que esta havia sido encerrada.
ü As testemunhas salientaram que, posteriormente, foram detectadas na paciente muitas fístulas entéricas, primeiro no colón ascendente, que veio a ser retirado, e depois na área abaixo do colon transverso referindo, nomeadamente as testemunhas Eduardo e Conceição, que se encerravam umas fístulas e abriam-se outras, sendo que o tecido necrosado tinha de ser retirado.
ü Referiu a cirurgiã Conceição que muitas das inúmeras intervenções a que a paciente foi sujeita se destinavam a efectuar pensos, que chegaram a ser diários, e que teriam de ser feitos no bloco operatório.
ü Atribuíram as testemunhas a falência intestinal e as fístulas sequenciais à dificuldade de cicatrização em pessoas obesas, como era o caso de Ana, a que não poderiam ser alheios, nomeadamente o seu sistema imunitário e a respectiva vascularização.
ü À paciente sobreveio sépsis, redundando numa falência multiorgânica (fígado, rim e até do sangue). Salientou a cirurgiã Conceição a situação de trombocitopenia, deixando, portanto, a doente de produzir plaquetas, fizeram inúmeras transfusões, de sangue, de plaquetas e de plasma fresco, não tendo sido possível controlar a sepsis.
ü Apesar da testemunha Rui defender que deveria ter sido efectuada, logo no início, uma anastomose, eliminando-se, de imediato, o órgão afectado, que era o estomago e, portanto, ligando o esófago ao intestino, todas as testemunhas inquiridas negaram a pertinência dessa solução, afirmando mesmo a testemunha Eduardo que essa solução, em tecido infectado, como era o caso, significaria uma forma de acelerar a morte da doente. 
ü Igualmente o confirmou a testemunha António, esclarecendo que essa atitude cirúrgica não era apropriada.
ü Finalmente, o próprio Parecer do Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. esclareceu que: “como princípio geral e determinante não devem ser efectuadas anastomoses digestivas em terreno infetado. Pelos dados do processo clínico (TACs, protocolos operatórios) a gastrectomia total não era, neste caso, uma alternativa operatória destinada ao sucesso, antes pelo contrário”.
E, concluiu:
· Ter sido adequada a abordagem médica no decurso do longo período de internamento em cuidados intensivos (cerca de 8 meses).
· As várias complicações médicas e cirúrgicas havidas foram atempadamente diagnosticadas e as opções terapêuticas foram as mais adequadas, não tendo havido erro médico.

Ora, tendo em atenção não apenas a ponderação das qualificações da testemunha Rui, cujas opiniões que propalou e opções terapêuticas preconizadas, se verificaram serem desconformes com a restante prova testemunhal produzida, designadamente com a reconhecida idoneidade técnico-científica do Conselho Médico Legal do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P. e o seu respectivo parecer absolutamente imparcial, entende-se que razão assiste à Exma. Juíza do Tribunal a quo, ao não ter valorado o depoimento da aludida testemunha indicada pelos autores/apelantes, procedimento com o qual se concorda inteiramente.

Assim, perante os depoimentos das testemunhas ouvidas, pormenorizadamente ponderados, em conformidade com o que acima ficou explanado, concomitantemente com a análise dos documentos juntos aos autos, não pode deixar de se considerar que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, sendo perfeitamente adequada à prova produzida, quer no que concerne aos factos dados como provados, quer perante a ausência de prova inequívoca para incluir nos Factos Provados, a matéria propugnada pelos autores/apelantes na sua alegação de recurso que, inclusivamente, está em manifesta oposição com a factualidade dada como provada.

Aliás, fazendo apelo ao disposto no artigo 346º do Código Civil e, sobretudo, ao que decorre do artigo 414º do CPC e, caso dúvidas se suscitassem sobre a realidade de qualquer um dos factos impugnados – o que não sucede - sempre os mesmos se resolveriam contra a parte a quem os factos aproveitam, pelo que se teria de concluir, que não poderia ser dada como provada tal matéria propugnada pelos apelantes, na sua alegação de recurso.

Mantém-se, portanto, e nos seus precisos termos, a factualidade dada como provada na 1ª instância.

Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso dos autores/apelantes.

ii. DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS
          
Improcedendo a pretensão dos apelantes, no que concerne à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterável, igualmente se terá de corroborar a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida.

É que, como é sabido, tendo sido estabelecido um vínculo jurídico, emergente da celebração de um contrato de prestação de serviços, o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor (artigo 798.º do CC), sendo o devedor responsável pelos actos das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor (artigo 800.º, nº 1 do CC).

A responsabilidade civil contratual, tal como na responsabilidade civil extracontratual, tem como pressupostos, como resulta da conjugação dos artigos 483.º, 798.º, 799.º n.º 2, 487.º n.º 2, 488.º, 562.º, 563.º todos do Código Civil, a ocorrência do facto ilícito e a culpa do agente, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O facto ilícito consiste, na responsabilidade contratual, no não cumprimento ou no cumprimento deficiente dos deveres emergentes do contrato. No que concerne à culpa, que consiste num juízo de censura ético-normativo que incide sobre o devedor, por se entender que podia e devia ter agido de forma diferente, o artigo 799.º n.º 1 do C.C. estipula a presunção da sua existência, fazendo recair sobre o devedor o ónus de ilidir essa presunção.

Quanto ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, o ónus da prova dos factos que o demonstram recai sobre o credor, na medida em que são factos constitutivos do direito que este se arroga, conforme resulta do artigo 342.º n.º 1 do Código Civil.

Nas acções que têm por objecto a responsabilidade obrigacional, o incumprimento da obrigação é um facto constitutivo do direito à indemnização, o que implica que caberia ao credor o ónus da prova do incumprimento – cfr. no sentido de que se na acção creditória cabe ao devedor provar o cumprimento da obrigação, em princípio não se perfilarão razões suficientes para que tal seja diferente na acção de responsabilidade obrigacional que pressupõe que a obrigação não foi cumprida - INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações”, 7.ª ed., Coimbra Editora, 334 e 335; ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BELEZA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, 446 e 447.

Contudo, assim não será nos casos em que a prestação devida é uma omissão, ou está em causa cumprimento defeituoso da obrigação.

Nestas situações, caberá ao credor demonstrar que o devedor praticou o acto que lhe estava vedado (presumindo-se geralmente nas obrigações negativas, que o devedor cumpriu, respeitando a abstenção a que estava vinculado), ou que a execução da obrigação ou do contrato se desviou relevantemente do que era devido (presumindo-se geralmente que o devedor que executa a obrigação, a executa bem).

No caso dos autos, os autores, na qualidade de cônjuge e filhos da falecida Ana, pretendem ser indemnizados pelo réu SAMS, em resultado de erro médico na assistência médica àquela prestada, invocando, ao cabo e ao resto, que os diagnósticos efectuados foram errados e os actos médicos foram praticados defeituosamente, desrespeitando, portanto, as respectivas leges artis, de tal forma que Ana foi sujeita a inúmeras intervenções cirúrgicas, vindo a falecer.

Como se evidenciou no Ac. STJ de 07.03.2017 (Pº 6669/11.3TBVNG.S1), acessível em www.dgsi.pt., “O erro médico consubstancia-se na realização de um acto adstrito e da competência funcional de um profissional de medicina que se revelou descaracterizado e desadequado aos fins que a ciência e a arte da medicina injungiam para a debelação ou minoração de um padecimento previamente diagnosticado e reconhecido pela cognoscibilidade da ciência médica”.

Acresce que em causa está um contrato que tem por objecto a prestação de serviços médicos, ou seja, uma actividade que, incidindo sobre o corpo humano com toda a sua complexidade, enferma de um certo grau de risco e de imprevisibilidade, que em regra obsta a que o médico se comprometa a mais do que colocar todo o seu saber e empenho na sua intervenção, respeitando as boas práticas da sua profissão, de forma a atingir-se o resultado tido em vista. Assume, portanto, e em regra, o médico, uma obrigação de meios e não uma obrigação de resultado: o médico obriga-se a desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final - a cura da patologia que a doente padece - mas sem poder assegurar que a mesma se produza.

Assim, o facto de, realizados os actos médicos, não se ter obtido a cura ou o resultado tido em vista com a actuação do médico, ou dele terem resultado sequelas não desejadas ou mesmo a morte, não significa, de per se, que o contrato não foi cumprido.

Na responsabilidade contratual, a culpa só se presume se a obrigação assumida for de resultado, bastando, então, a demonstração do inadimplemento da obrigação, ou seja, que o resultado, contratualmente, assumido não se verificou, pelo que, face à culpa, assim, presumida, cabe ao devedor provar a existência de factores excludentes da responsabilidade. Ao invés, se a obrigação assumida consistir numa obrigação de meios, no âmbito da responsabilidade civil contratual por factos ilícitos, incumbe ao devedor fazer a prova que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, ilidindo a presunção de culpa que sobre si recai, nos termos do preceituado pelo artigo 799.°, n.° 1, do CC.

Traduzindo-se o contrato de prestação de serviços médicos numa obrigação de meios, não implicando a não consecução de um resultado a inadimplência contratual, quando não é atingido este resultado, caberá ao lesado provar que tal facto decorreu de um comportamento negligente do médico, que ficará exonerado de responsabilidade caso não se prove a invocada inadimplência contratual – cfr. Ac. STJ de 12.03.2015 (Pº 1212/08.4TBBCL.G2.S1), acessível em www.dgsi.pt.

É que, doutrina e jurisprudência reconhecem que incumbe, desde logo, ao lesado, provar a ilicitude da conduta do médico, falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis, ou seja, que o médico não agiu nos moldes em que normalmente se traduziria uma assistência diligente, de acordo com as normas deontológicas aplicáveis ao exercício da profissão – neste sentido, RICARDO LUCAS RIBEIRO, Obrigações de meios e obrigações de resultado, Wolters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, 2010, 124, nota 247; CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Os contratos cíveis de prestação de serviço médico”, Direito da Saúde e Bioética”, AAFDL, 1996, 117; MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, O ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, Direito da Saúde e Bioética”, AAFDL, 1996, 130 a 132; e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 18.9.2007 (Pº 07A2334), de 12.03.2015 (Pº 1212/08.4TBBCL.G2.S1) de 16.06.2015 (Pº 308/09.0TBCBR.C1.S1), de 01.10.2015 (Pº 2104/05.4TBPVZ.P.S1), de 26.04.2016 (Pº 6844/03.4TBCSC.L1.S1), de 07.03.2017 (Pº 6669/11.3TBVNG.S1), de 23.03.2017 (Pº 296/07.7TBMCN.P1.S1) e de 22.03.2018 (Pº 7053/12.7TBVNG.P1.S1), todos acessíveis no mesmo sítio da Internet.

As dificuldades probatórias com que o credor se pode defrontar não constituem, nos termos da lei, motivo para a inversão das regras do ónus da prova, pelo que tais dificuldades serão razoavelmente colmatadas com a aplicação de regras contidas na lei, tais como as que decorrem dos artigos 411.º (princípio do inquisitório na actividade instrutória), 7.º (princípio da cooperação), 417.º (dever de cooperação para a descoberta da verdade), 429.º a 434.º (documentos em poder da parte contrária ou de terceiros), 436.º (requisição de documentos), todos do CPC, assim como dos artigos 344.º n.º 2 (inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado), 349.º e 351.º (presunções judiciais) do Código Civil.

Ora, era sobre os autores, conforme supra exposto, que recaía o ónus da prova da ilicitude da conduta dos médicos do SAMS, conduta defeituosa essa consistente no facto ilícito pressuposto pela deduzida pretensão indemnizatória, prova que, como se viu, os autores não lograram efectuar.

E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficiam.

IV. DECISÃO
                       
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas a cargo dos apelantes, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento em virtude do apoio judiciário de que beneficiam.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018
Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua