Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
837/12.8YYLSB-A.L1-1
Relator: JOÃO RAMOS DE SOUSA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONDOMÍNIO
MONTANTE
DELIBERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Para constituir título executivo na cobrança das contribuições devidas ao condomínio, basta que a ata contenha o montante em dívida pelo condómino e a menção de que não foi pago – sem necessidade de tal ata documentar a deliberação de onde nasce a obrigação de pagamento – art. 6.1 do DL 268/94.
2. A mesma ata não é título executivo para cobrança das penalidades por prejuízos aos condóminos, oportunamente fixadas nos termos do art. 1434 do Cód.Civ., mas nela não determinados.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório
O 2º Juízo de Execução de Lisboa, 2ª Secção, julgou totalmente improcedente a oposição de SH (executada, recorrente) à execução movida por … -  Mediação Imobiliária, Lda (exequente, recorrida), como administradora do condomínio do prédio da Av. …, lote 1, Bloco …, L…, pela quantia de € 6.384,24, correspondente às prestações em dívida acrescidas de penalidade pelo incumprimento. A executada havia invocado a inexistência de título executivo e a invalidade das deliberações dadas à execução por falta de quorum, invocando também a compensação.
A executada recorreu pedindo que se revogue a sentença, por não existir título executivo válido; ou então prosseguindo os autos de oposição para julgamento da exceção de compensação,  ordenando-se a elaboração de base instrutória relativamente aos factos fundamentando a invocada compensação. Foram dispensados os vistos.
Cumpre decidir se existe título executivo, se as deliberações em causa são válidas e se deve ou não apreciar-se a compensação invocada pela recorrente.


Fundamentos


Factos

Provaram-se os seguintes factos, apurados pelo Tribunal a quo:

1) A exequente é administradora do Condomínio sito na Avenida .., Lote …, … Bloco, em L…;
2) A executada é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “F” correspondente ao 2º B do referido prédio;
3) A executada não procedeu atempadamente ao pagamento das respectivas prestações mensais de condomínio no período compreendido entre 2009 e 2010, totalizando assim a quantia vencida em 31.12.2010 de Euros 1.384,24, conforme acta dada à execução;
4) E ainda a quantia de 5.000,00 Euros a título de cláusula penal para a falta de pagamento de despesas de condomínio determinada por unanimidade na dita acta;
5) A Assembleia de Condóminos decidiu mandatar a Administração para proceder à cobrança das comparticipações para despesas de condomínio devidas pelo ora oponente.


Análise jurídica

Considerações do Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou-se, em resumo, nas seguintes considerações:

a)  Da inexistência de título executivo

(…) foi dada à execução uma acta da Assembleia de Condóminos que deliberou o montante das contribuições devidas ao condomínio por serviços de interesse comum.
A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido a sua parte.
O Administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar essas quantias (artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro).
...
Ora, o executado, deduziram a presente oposição à execução alegando a inexistência de título executivo para servir de base à execução por falta de pagamento das contribuições por quotas e extraordinárias alegadamente devidas pelo opoente
De facto, não assiste razão ao oponente, pois, as actas das deliberações da assembleia de condóminos para poderem ser título executivo, devem fixar os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou de despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou a serviços de interesses comuns, bem como a estabelecer prazo para o pagamentos e fixar a quota parte de cada condómino (neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa de 25 de Novembro de 1999, Colectânea de Jurisprudência, XXIV, Tomo V, página 105).
Assim, tendo em conta a argumentação expendida, a oposição será, nesta parte, julgada improcedente.

b) Da invalidade das deliberações constantes da acta.
Invoca ainda a oponente a invalidade das deliberações tomadas na assembleia que aprovou a acta dada à execução, uma vez que não estava reunido o quorum previsto na lei.

O artigo 1433 comina com a sanção de anulabilidade as deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados.
Em anotação a este preceito, escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nele não estão compreendidas nem as deliberações que violam preceitos de natureza imperativa, nem as que tenha por objecto assuntos que exorbitam da espera de competência da assembleia de condóminos, pois, estas devem considerar-se nulas e, como tais, impugnáveis a todo o tempo por qualquer interessado, nos termos do artigo 286 do Código Civil, podendo o condómino afectado poder arguir o vício ou por via da excepção, ou através de uma acção declarativa (Código Civil Anotado, Vol. III, 2a Edição, pág. 447).
Contudo, estas deliberações, contrárias ou não à lei ou regulamentos anteriormente aprovados, tornam-se definitivas se não for requerida a anulação por qualquer condómino que as não tenha aprovado nos prazos e pelo modo aí referidos. Tornando-se definitivas, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções – nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei 268/94, pelo que não tendo sido impugnadas pelo opoente condómino, consolidaram-se na ordem jurídica.
Pelo que, também aqui, improcede a defesa da oponente.

c)  Da compensação
No nosso sistema jurídico-civilista, dentro das causas de extinção das obrigações encontra-se a figura da compensação – arts. 847 e 856.
...
Do preceito legal citado [art. 847 CC] decorre que para que a compensação opere a lei exige a verificação cumulativa de três requisitos, quais sejam:
- Reciprocidade dos créditos;
- Validade, exigibilidade e exequibilidade do contracrédito; e
- Homogeneidade das prestações.
Ora, nos presentes autos, dando de barato a existência do crédito alegado pela Opoente, não existe reciprocidade, a que acresce que, estando no âmbito de uma acção executiva, para que o executado se possa opor por meio de compensação, deve exibir documento com força executiva, que prove o seu crédito sobre o exequente e prove as condições do artigo 765 do Código Civil.
Assim, não se verificando os requisitos da compensação, julgaremos improcedente, in totum, a presente oposição.


Conclusões do recorrente
A  isto, opõe o recorrente as seguintes conclusões:
1.         A ata apresentada não pode servir de título executivo por a Assembleia não ter deliberado sobre a fixação dos valores em dívida por cada condómino, nela não constando o sentido de voto dos condóminos presentes.
2.         Como confessa a exequente, no artigo 17 da contestação à oposição à execução, a Assembleia foi apenas informada pelo administrador de que havia condóminos com pagamentos em atraso, o que deixa claro que não houve deliberação da Assembleia nesse sentido.
3. Acresce que só tem força executiva, ao abrigo do número 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, a ata da Assembleia de Condóminos que documente a deliberação de onde nasça a obrigação de pagamento de contribuição por parte do condómino, e não a deliberação que certifique a existência da dívida e seu montante – v., por todos, Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/10/2012 no processo 1515/09.0TBSCR.L1-2, de 30/06/2011 no processo 13722/10.9YYLSB.L1-6, de 23/03/2012 no proceso nº 524/06.6TCLRS.L1-6, de 17/2/2009, no processo nº 532/05.4TCLRS-7, e de 22/6/2010, no processo nº 1155/05.3TCLRS.L1-7 e Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 17/01/2002, no processo nº 0131853; de 29/06/2004, no processo nº 0423806; de 21/04/2005, no processo nº 0531258; e de 18/10/2011, no processo nº 2728/07.5TBVFR-A.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
4. De outro, permitir-se-ia que os condóminos presentes na Assembleia pudessem fixar o valor que entendessem em ata como estando em atraso, permitindo que se iniciasse uma execução eventualmente com valores completamente exorbitantes e não correspondentes aos valores aprovados para o orçamento anual.
5. E não se pode esquecer a gravidade que um tal entendimento pode assumir, pois mesmo sendo possível a oposição à execução, o executado sempre terá que caucionar a mesma se não quer ver os seus bens a serem penhorados.
6. Não seria consentâneo com a preocupação do legislador de conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia de condóminos para evitar o recurso à ação declarativa e dessa forma conferir mais eficácia ao regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre os condóminos, se depois viesse exigir que a assembleia se reunisse (com todas as exigências e formalidades legais) para verificar o incumprimento de um determinado condómino, antes tendo o legislador em mente atribuir força executiva à ata onde se delibera o que cada condómino tem a pagar em determinado período de tempo, para o futuro, fixando-se prazo para o cumprimento.
7.         E nem se diga que basta a ata que, num determinado momento fixa os valores devidos, já vencidos, e não pagos por um condómino, porque sempre teria que resultar da ata que serve de título executivo a forma de cálculo dos valores em dívida, explicitando a origem das diversas parcelas que compõem esse montante, a causa da dívida, a natureza da obrigação, não podendo ser um valor fixado arbitrariamente por quem fez a ata – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 06/09/2010 no processo nº 2621/07.1TJVNF-A.P1.
8. A ata apresentada como título executivo não faz qualquer referência à origem das diversas parcelas, nem sequer a que se reportam os valores em dívida.
9. No requerimento executivo reporta-se essa dívida a quotas em atraso de 2009 e 2010, mas nem nesse requerimento nem na ata se refere a forma de cálculo dessas quotas.
10. De resto, atento o valor global orçamentado para os anos de 2009 e 2010, e o valor comunicado aos condóminos anualmente, a soma das quotas anuais de 2009 e 2010 nunca poderá perfazer o valor total de 1.384,24 € – cfr. Doc. nº 1 junto com a oposição à execução.
11. Segundo o ponto 4. do requerimento executivo o orçamento aprovado para 2009 era de 14.200 €, sendo de igual valor o orçamento aprovado para 2010 (o que necessitaria sempre de ser provado documentalmente e não foi).
12. Aplicando a permilagem da fração propriedade da ora oponente, que é de 30, e multiplicando pelo valor orçamentado, perfaz uma quota de condomínio anual de 426 €, para 2009 e igual valor para 2010, o que no total daria 852 €, valor substancialmente diverso dos 1.384,24 € que a exequente peticiona.
13. Aliás, a exequente reconhece na sua contestação conter o requerimento inicial lapso, reportando o valor de 1.384,24 € a quotas relativas a 2008, 2009 e 2010, quando apenas tinha pedido quotas de 2009 e 2010, pelo que tal invocação configura alteração do pedido, inadmissível no presente caso, por não se admitir um terceiro articulado escrito de resposta à nova causa de pedir (cfr. art. 817 nº2 e 273 CPC).
14. Reconhece ainda a exequente na sua contestação conter o requerimento inicial outro lapso, relativo aos valores orçamentados para os anos de 2008, 2009 e 2010, o que configura uma alteração da causa de pedir, também inadmissível no presente caso, pelas mesmas razões de não se admitir um terceiro articulado escrito de resposta à nova causa de pedir (cfr. art. 817o nº2 e 273o CPC).
15.Caso o tribunal pretendesse restringir aos anos de 2009 e 2010 o pedido formulado, por considerar inadmissível a alteração do pedido e da causa de pedir, não conseguiria calcular o valor em dívida nem com base na ata apresentada como título executivo, nem com apoio no explanado no requerimento executivo, precisamente porque deles não resulta uma obrigação líquida e certa.
16.No requerimento executivo a exequente menciona que a fração A não comparticipa nas despesas relativas a limpeza, EDP e elevadores.
17. Não esclarece, porém, qual o valor aprovado para essas despesas em concreto para os anos em causa de 2009 e 2010, por forma a ser possível apurar o valor da quota de condomínio que competia à executada, e tal também não consta da ata apresentada como título executivo.
18. Não sendo possível apurar qual a quantia em dívida pela executada, sempre se terá que entender que a quantia exequenda não é certa nem líquida.
19.Aliás, a oponente nunca foi notificada de qualquer ata onde constasse a aprovação de uma diferente distribuição das despesas orçamentadas pelos condóminos, não tendo em conta a permilagem fixada no título constitutivo da propriedade horizontal.
20. Pelo que não existe correspondência entre as permilagens das frações constantes do título constitutivo da propriedade horizontal, e as percentagens que foram utilizadas para a definição das contribuições, o que por si só é violador da lei.
21. Logo, os elementos consubstanciados na ata não permitem de forma clara e inequívoca apurar a quota a cargo de cada condómino, mediante simples cálculo aritmético, com recurso ao critério da permilagem das frações e o requerimento de execução também não esclarece cabalmente a forma de cálculo das quotas, pelo que a obrigação não é certa nem líquida e por isso, o título não reúne os requisitos de exequibilidade, ao abrigo do disposto no art. 6º do DL 268/94 de 25/10 quanto às comparticipações peticionadas.
22. A simples ata do condomínio não pode servir de título executivo para a cobrança de uma eventual penalidade, nos termos do artigo 6º nº 1 do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de outubro, a contrario.
23. A deliberação sobre fixação de penalidade é ilegal, porque não constava da ordem de trabalhos que foi enviada na convocatória, não estava reunido o quórum previsto na lei para deliberar sobre matérias desta importância, não existe no prédio regulamento de condomínio, onde poderiam constar eventuais penalidades para o atraso de pagamento de quotas de condomínio, e não é possível fixar unilateralmente as cláusulas penais, conforme resulta do art. 810 do CC.
24. Por outro lado, consta da ata nº 39, título executivo da presente execução, que se trata de uma “penalidade compensatória dos prejuízos causados aos bons pagadores”, “a título de cláusula penal”, não tendo sido invocado na ação qualquer prejuízo pretensamente causado pela executada aos “bons pagadores”, pelo que não poderia a mesma ser aplicada à executada.
25. A deliberação em Assembleia de Condóminos de uma penalidade de 5.000€ é totalmente desprovida de fundamento legal e configura apenas mais uma forma de retaliação pessoal do representante da executada, na sequência do divórcio litigioso entre o representante da ora exequente, MH, pai da executada, e a mãe desta, OA, que se iniciou em 2005 e teve o seu término em 2009, após acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra – cfr. Doc. nº 2 junto com a oposição à execução.
26. Ainda que assim não se entendesse, o que apenas se admite por cautela de patrocínio, e caso se reconduza a deliberação da Assembleia de Condóminos a uma penalidade, sempre se teria que aceitar que a fixação de uma penalidade de 5.000 € a aplicar a condóminos que pretensamente são devedores de quantias 4 vezes inferiores é, no mínimo, excessiva.
27. Trata-se da exigência do cumprimento de uma penalidade desmedida, não sendo possível atribuir à assembleia de condóminos poderes de estabelecimento de penalidades sem qualquer controle – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 31/03/2011, no processo nº 1842/05.6TVLSB.L1-6.
28. Não está, por isso, vedado ao condómino discutir a natureza excessiva da penalidade que lhe tenha sido aplicada, nos termos do artigo 812 CC, por ser excessiva ou absurda.
29. Neste ponto, a sentença recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, porque o tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido subsidiário formulado pela oponente de redução equitativa da cláusula penal fixada.
30.  E obviamente o artigo 1434 nº 2 do Código Civil tem natureza imperativa, e como tal não carecia de ser impugnado previamente, podendo o condómino afetado arguir o vício da nulidade ou por via de exceção ou através de uma ação declarativa – cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição, p. 437.
31. De resto, o rendimento coletável anual da fração em causa é de 3.600 €, pois o imóvel estava arrendado pelo valor mensal de 300 € - cfr. recibo de renda junto como Doc nº 3 com a oposição à execução.
32. Assim, sendo o limite que a lei fixa para o “concurso” de várias infrações ao longo do mesmo ano, de um quarto do rendimento coletável (in casu, de 900 €), sempre se teria que considerar completamente descabido o valor fixado em Assembleia de Condóminos de 5.000€.
33. E note-se que essa penalidade respeita apenas a uma só infração, no pretenso montante peticionado de 1.384,24 €, cuja pena era quase quatro vezes superior ao montante em dívida, e muito superior ao valor máximo só aplicável ao concurso de várias infrações num ano.
34. Assim, não se afigura aceitável que se fixe para um único incumprimento uma penalidade superior ao limite máximo que a lei fixou para o concurso de infrações durante um ano – neste sentido, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 31/03/2011, no processo nº 1842/05.6TVLSB.L1-6.




35. Na ata nº 39, apresentada como título executivo, não estava reunido o quórum previsto na lei, pese embora na mesma se referir que estavam presentes ou representados mais de 3⁄4 dos condóminos, quando na verdade estavam apenas 269 da permilagem total do prédio (o que facilmente se conclui da própria acta por mero cálculo aritmético), o que invalida todo o teor das deliberações tomadas naquela assembleia de condóminos.
36. As deliberações foram tomadas em primeira convocatória e não respeitaram o quórum deliberativo previsto no artigo 1432 nº 3 do Código Civil, pelo são inválidas.
37. E as invalidades, in casu, dadas as normas legais imperativas que foram violadas, reconduzem-se a nulidade e não a anulabilidade como julgou o tribunal a quo, e como tal impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado.
38. A oponente veio invocar na oposição à execução ter feito operar a compensação extrajudicial relativa às quotas de condomínio em causa nos presentes autos, respeitantes aos anos de 2009 e 2010, com o crédito de rendas que eram recebidas pela exequente, sendo que nunca o Administrador se opôs a essa compensação.
39. O crédito de rendas com o qual se operou a compensação reporta-se a dois apartamentos propriedade da executada, pelo que tais rendas, pese embora serem pagas à exequente, que fazia a gestão das rendas, competiam à executada, na qualidade de proprietária dos imóveis.
40. O crédito de rendas da executada é substancialmente superior ao valor das quotas de condomínio reclamadas nos presentes autos.
41. E sempre até 2008, a H, Lda, ora exequente, procedeu à compensação do valor das quotas do condomínio relativo à fração em crise nos presentes autos com o crédito de rendas que recebia mensalmente dos apartamentos de que a executada é proprietária.
42. E só o deixou de fazer quando se agudizaram as relações familiares, no contexto do divórcio litigioso entre o representante da ora exequente, MH, pai da executada, e a mãe desta, OA, que se iniciou em 2005 e teve o seu término em 2009, após acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra – cfr. documento junto como Doc. 2 com a oposição à execução.
43.Na verdade, a presente execução não é mais do que uma represália do representante da ora exequente, MH, para com a sua filha, ora executada, na sequência de vários processos judiciais familiares, despoletados pela rutura do casamento do referido casal.
44. Tanto assim é que nunca a ora executada obteve resposta às cartas em que comunicou que se procedesse à compensação dos créditos, e aproveitou as Assembleias de condóminos em que a executada não estava presente para a vexar e humilhar, para além de deliberar ilegalmente a fixação de penalidade completamente exorbitante e sem qualquer cabimento legal, e chegar mesmo ao ponto de propor uma execução, bem sabendo que a ora executada nada deve ao condomínio.
45. Não havendo qualquer obstáculo legal à compensação oportunamente solicitada, a ora oponente não é devedora de qualquer valor das quotas de condomínio solicitadas em sede da presente execução.



Conclusões do recorrido
Mas o recorrido conclui o seguinte:
(…)


Questões a decidir no presente recurso
Face às conclusões apresentadas pela recorrente, no presente recurso importa decidir as seguintes questões:
1. Se a ata 39 oferecida à execução constitui título executivo contra a recorrente;
2. Se a fixação da penalidade de € 5.000,00 foi legal e se a sentença incorreu em omissão de pronúncia sobre esta matéria;
3. Se as deliberações constantes da ata 39 são válidas, nulas ou meramente anuláveis;
4. Se há lugar a compensação entre a dívida ao condomínio e o crédito da recorrente.


A ata 39 constitui título executivo para a cobrança das quotas em dívida
Conforme da ata consta, a assembleia de condóminos aprovou por unanimidade as contas relativas a 2010, e delas consta que a condómina SH (fração F) não pagou as suas quotas no montante de € 1.384,24.  Este valor foi fixado pela Assembleia e a condómina não o impugnou oportunamente (art. 1433 :CC), sendo por isso tal quantia líquida e exigível.
A Ata deliberou o montante da contribuição devida ao condomínio pela recorrente, e bem assim o prazo de pagamento (o ano de 2010), e assim constitui título executivo. É o que estabelece o art. 6.1 do DL 268/94. É certo que houve algumas dúvidas jurisprudenciais sobre o entendimento desta disposição, mas aqui seguimos o entendimento do Ac.TRL de 7.jul.2011: o que o legislador pretende é um procedimento expedito de cobrança das dívidas do condomínio, e não fazer o jogo dos condóminos que fogem ao pagamento. Qualquer dúvida sobre o montante devido deveria ter sido resolvida judicialmente mediante a ação ou providência previstas no art. 1433.4/5 do Código Civil. Improcedem assim as conclusões 1 a 21 do recurso.


A ata 39 não constitui título executivo para a cobrança da penalidade aí fixada
A recorrente alega que a este respeito a sentença incorre em omissão de pronúncia. Que a mesma ata não pode servir de título executivo para a cobrança da penalidade de € 5.000,00 aí fixada. E que tal deliberação é ilegal.
Não houve omissão de pronúncia do tribunal recorrido, porque esta questão está prejudicada pela decisão considerando válida a deliberação da assembleia de condóminos. Improcede a conclusão 29.
É verdade que a cláusula penal por incumprimento de um contrato tem de ser fixada por acordo de todas as partes – art. 810 do CC.  Mas o que aqui temos é uma norma de natureza regulamentar relativa à administração do condomínio, que fixa previamente o prejuízo do condomínio pelo incumprimento das quotizações devidas pelos condóminos.  A lei não a proíbe, antes a prevê expressamente no art. 1434 do CC.  Salvo o disposto no art. 1434.2, não há aqui nulidade: quando muito poderia haver mera anulabilidade. O regulamento do condomínio está previsto no art. 1429-A do CC, e a impugnação das deliberações nesta matéria está prevista no  art. 1433. Simplesmente, a recorrente não impugnou esta deliberação, e por isso não poderá fazê-  -lo agora. Tratando-se de uma contribuição devida ao condomínio, está abrangida pelo disposto no art. 6.1 do citado DL 268/94. Pelo que pode ser cobrado na presente ação executiva.
Estão em atraso as prestações do condomínio de 2009 e 2010 – facto provado nº 3.
Mas, segundo foi aprovado na ata nº 39, “tendo os faltosos conhecimento da existência de uma ata que previa uma penalidade compensatória dos prejuízos causados aos bons pagadores, nesta presente ata fica estipulado que o montante da penalidade a aplicar será de cinco mil euros, a título de cláusula penal (…)”.
O montante da penalidade é fixado somente para o caso de haver prejuízo  e por cada ata. Mas aqui não se refere nem está liquidado qualquer prejuízo.  Assim, a ata 39 não constitui em si mesma título executivo para a cobrança desta penalidade por “prejuízos causados aos bons pagadores”.
A questão do quorum da deliberação (conclusão 35) é improcedente, porque a condómina não a impugnou oportunamente.


Não há outras invalidades a apreciar
Não há na deliberação outras invalidades a apreciar. As restantes questões não envolvem invalidade que possa aqui ser apreciada, porque a interessada não impugnou tais decisões em tempo oportuno.




Não há compensação entre a dívida ao condomínio e o crédito da recorrente
A recorrente alega que a exequente H devia ter aceitado a compensação das quotas que devia ao condomínio com as rendas que recebia por duas frações, na qualidade de gestora, embora a proprietária fosse a executada.
Trata-se de rendas recebidas pelo pai da executada em seu próprio nome (fls. 25 e 28), mas não recebidas pela exequente H, que era a gerente do condomínio. Assim, não há aqui lugar a compensação, porque não há reciprocidade de créditos e dívidas – art. 847 e 851.1 do CC.
Assim, improcedem também as conclusões 38 a 45.



A execução deve prosseguir pela quantia de € 1.384,24
Face ao exposto, a execução deve prosseguir apenas pelas contribuições ao condomínio no montante de € 1.384,24, que não foram judicialmente impugnadas pela executada.




Em suma:


1. Para constituir título executivo na cobrança das contribuições devidas ao condomínio, basta que a ata contenha o montante em dívida pelo condómino e a menção de que não foi pago – sem necessidade de tal ata documentar a deliberação de onde nasce a obrigação de pagamento – art. 6.1 do DL 268/94.
2. A mesma ata não é título executivo para cobrança das penalidades por prejuízos aos condóminos, oportunamente fixadas nos termos do art. 1434 do Cód.Civ., mas nela não determinados.



Decisão

Assim, e pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, determinamos que a execução prossiga apenas pela quantia total de € 1.384,24.
Custas por ambas as partes, em ambas as instâncias, proporcionais às quantias em que aqui decaíram.

Lisboa, 2014.07.01

João Ramos de Sousa

Manuel Ribeiro Marques

Pedro Brighton