Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
125/17.3PAALM.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: CONDUÇÃO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
MEDIDA DA PENA
PENA ACESSÓRIA
MODO DE EXECUÇÃO DA PENA ACESSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - o princípio da continuidade da execução das penas que decorre das referidas normas substantivas, apenas é postergado nos exactos termos estabelecidos pelo legislador, consagrando expressamente os casos específicos de descontinuidade (prisão por dias livres, regime de semidetenção e Lei 115/09 de 1º de Outubro e normas relativas a saídas precárias, liberdade condicional e regimes de execução da pena de prisão).

II - estando a aplicação de tal pena, para além da culpa, associada a razões de perigosidade e de prevenção geral, daí a sua obrigatoriedade de aplicação em relação a determinados ilícitos penais, o seu cumprimento de forma descontínua seria contrário aos pressupostos da sua própria exigência e obrigatoriedade de aplicação.

III - O legislador com a obrigatoriedade de aplicação da pena de proibição de conduzir em tais ilícitos penais, presume que durante o período de proibição o perigo existe e é permanente, servindo a proibição como forma de eliminar o mesmo e, em simultâneo, fazer o condenado reflectir sobre a sua conduta e a obrigatoriedade de ter um comportamento consentâneo com as normas penais, isto é, contribuindo para a sua ressocialização.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório

No Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Local de Almada, Secção Criminal — J3, por sentença de 10/02/2017, constante de fls. 4º a 53, foi o arguido,

J...,

Condenado, nos seguintes termos:
a) Condeno o arguido J... pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º º9º.º do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão;
b) Decido substituir a referida pena de prisão pela prestação de º40 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade;
c) Condeno o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria, pelo período de 15 (quinze) meses, nos termos do art. 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, devendo o arguido apresentar a respectiva carta de condução, no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado da sentença, na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de, não o fazendo, incorrer no crime de desobediência, e da mesma lhe ser apreendida, nos termos do artigo 348º do Código Penal (cfr. artigos 69º, nº 3 do Código Penal e 500º, nº º do Código de Processo Penal).

Não se conformando, o arguido interpõs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 71 a 74, com as seguintes conclusões: (transcrição)
A) O arguido demonstrou arrependimento, está inserido social e profissionalmente.
B) O arguido está prestes a ser contratado com um contrato de trabalho sem termo onde será necessário possuir título de condução.
C) A pena principal se mostrou desproporcional e pesada face à fracção cometida.
D) A Lei não proíbe a execução da sanção acessória aos fins de semana e fora do horário de expediente.
Termos em que, para tanto, se requer a V.Exa., nestes termos ou nos demais de Direito pertinentes, que:
Seja a presente sentença alterada em consequência, na medida concreta da pena a aplicar ao arguido, aplicando pena de multa ou no pior, reduzir o tempo de suspensão de pena. Seja a presente sentença alterada em consequência, prevendo a execução da sanção acessória aos fins de semana ou fora do horário de expediente. (fim transcrição)

***

O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu ao recurso nos termos constantes de fls. 122 a 133, concluindo nos seguintes termos: (transcrição)
I) Nenhum reparo merece a douta sentença proferida, entendendo-se que a prova produzida em audiência, inclusive as declarações do arguido, conjugada com os documentos constantes dos autos, foi correctamente apreciada, pelo que, deverá a mesma ser mantida na íntegra.
II) Os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento, bem como toda a documentação junta aos autos, foram apreciados e ponderados pelo Mm° Juiz a quo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova sendo que a sentença se mostra devidamente fundamentada - até de modo extenso - a tal propósito (art. 127.°, do Código de Processo Penal).

III) Salvo o devido respeito pela posição do arguido, face à matéria de facto dada como provada, outro não podia ser o sentido da decisão proferida pelo Mm.° Juiz "a quo", em particular no que concerne às penas aplicadas ao arguido.
IV) O arguido conduzia na via pública apresentando um taxa de alcoolemia (TAS) no sangue de 1, 435 g/I, taxa essa considerada elevada, prevendo o art. 292.°, n.° 1, do Código Penal que comete crime em apreço quem conduzir veículo com ou sem motor na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/I. Conduzia o veículo com a referida taxa de alcoolemia (TAS) no sangue, actuando com dolo directo sem cuidar de zelar por conduzir em segurança e colocando os restantes cidadãos em perigo.

V) Na Douta Sentença, para efeitos das penas concretas aplicadas ao arguido, foram exaustivamente ponderados os critérios consignados no art. 71.°, do Código Penal, pelo que considerando todos os factos provados, a pena aplicada ao arguido, é adequada à culpa, e às exigências de prevenção geral e especial que no caso concreto se fazem sentir.
VI) O arguido foi já condenado inúmeras vezes por ilícitos criminais, sempre por condução de veículo em estado de embriaguez, em penas de multa e penas de prisão suspensas na sua execução.
No que concerne à pena principal, parece-nos que a escolha da pena de acordo com os critérios supra referidos foi adequada, já que tendo sido o arguido, por factos ilícitos praticados em 04/10/2014 condenado em pena de 5 meses de prisão suspensa por 1 ano, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos pelo período de 1 ano, seria um retrocesso monumental que, voltando a praticar o mesmo crime se viesse agora aplicar uma pena de multa.
VII) É evidente que uma pena que não seja de prisão, nos termos definidos pelo Tribunal, não é suficiente para demover o arguido da prática de ilícitos criminais.
VIII) Verificados os necessários pressupostos legais, a Mm. a. Juiz a quo decidiu, e bem no nosso ver, operar a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, permitindo assim que o arguido cumprisse a pena continuando inserido social e profissionalmente.
IX) Decidiu bem a Mma. Juiz a quo concluindo pela impossibilidade de ser permitido ao arguido o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir aos fins-de-semana, ou fora do horário de expediente, mesmo que tivesse sido feita prova nos autos de que precisa do titulo de condução para a sua actividade profissional, já que tal questão

encontra-se sobejamente discutida e pacificada na jurisprudência, tendo-se concluído em sentido negativo, vide a titulo de exemplo:

- Tribunal da Relação de Évora, processo 544/14.7GAVNO, de 07.04.2015;; - Tribunal da Relação do Porto, processo 229/13.1PDPRT, de 27.01.2016; - Tribunal da Relação de Coimbra, processo 181/12.0GTVIS, de 24.04.2013; - Tribunal da Relação de Évora, processo 1914/04.1, de 26.02.2005;

- Tribunal da Relação de Lisboa, processo 4507/2007-3, de 12.09.2007.
X) As penas de impostas ao arguido salvaguardam a sua dignidade humana em função da medida da culpa e realizam eficazmente a necessária protecção dos bens jurídicos.
XI) Se nos presentes autos fossem impostas ao arguido penas inferiores ou de natureza diversa das aplicadas, tais penas não realizavam de forma eficaz a protecção dos bens jurídicos que o tipo legal de crime visa salvaguardar como sejam a segurança nas estradas portuguesas, a segurança dos cidadãos, e a necessidade de demover o arguido da prática de futuros crimes.

Pelo que deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se a douta Sentença recorrida na íntegra.

V. Ex.as, decidindo, farão JUSTIÇA! (fim de transcrição)

Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer de fls. 147, aderindo à resposta do Ministério Público em 1º Instância, manifestando-se pela improcedência.
Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não houve resposta.

***

Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

Colhidos os vistos realizou-se a conferência, cumpre decidir.

II Fundamentação
1. É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.

Da leitura dessas conclusões o recorrente coloca a este Tribunal a seguinte questão:

A pena principal é desproporcional e excessiva, devendo ser aplicada ao arguido uma pena de multa ou reduzido o tempo de suspensão da pena;

A execução da pena acessória deve ser feita aos fins-de-semana ou fora do horário de expediente.
2. Decidindo.

Para uma correcta análise da questão e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, em primeiro lugar, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados e qual a fundamentação da medida da pena principal e acessória.

3. O Tribunal a quo declarou provados, os seguintes factos: (transcrição)
1) No dia 22 de Janeiro de 2017, pelas 01h09 o arguido circulava na via pública, na Av. D. João I, em Almada, conduzindo um automóvel ligeiro de passageiros de matrícula xx-xx-xx;
2) O arguido foi sujeito a um exame de pesquisa de álcool no sangue, revelando-se que a apresentava uma taxa de alcoolemia de 1,435 g/I;
3) Tendo sido notificado nos termos legais para tal, o arguido declarou que não desejava ser submetido a exame de contraprova;

4) O arguido ao actuar da forma descrita fê-lo ciente de que se encontrava a conduzir um veículo automóvel com uma taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida e, ainda assim, não se inibiu de exercer aquela actividade;
5) Deste modo, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei penal;
6) O arguido é comercial e aufere entre 600,00 € a 700,00 € mensais;
7) O arguido tem uma proposta de contrato de trabalho sem termo, na sociedade "X, Lda." tendo esta emitido declaração da qual resulta que " para as funções que aquele trabalhador desempenhará como Responsável Comercial, se mostra imprescindível que o mesmo tenha habilitação legal para conduzir durante o horário de trabalho das 09h00 às 18h00, ao serviço da sociedade, durante os dias úteis da semana";
8) Vive com a mãe, em casa desta;
9) O arguido tem o 11.° ano completo;
10) Do CRC do arguido resulta que o mesmo foi julgado e condenado:
a. No processo n.° 134/08.3PTALM, por sentença transitada em julgado em 25.11.2008, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 6,00€ e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, pela prática º8.03.º008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
b. No processo n.° 1254/11.2SILSB, por sentença transitada em julgado em 18.11.º011, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 € e na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 meses, pela prática em 06.08.º011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;
c. No processo n.° 1048/14.3SDLSB, por sentença transitada em julgado em 16.09.2015, na pena de 5 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de um ano, pela prática em 04.10.2014 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. (fim de transcrição)

4. Em sede medida da pena e de forma de cumprimento da pena acessória, escreveu-se na douta decisão recorrida: (transcrição)

"O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido, em abstracto, com pena de prisão até 1 (um) ano ou com pena de multa até 120 (cento e vinte) dias.
A primeira operação a realizar na tarefa de escolha da pena a aplicar ao crime cometido pelo arguido será, então, decidir sobre a aplicação da pena de prisão ou da pena de multa, atendendo aos critérios estabelecidos nos artigos 70° e 40° do Código Penal.
De acordo com o disposto no artigo 70° do Código Penal, sempre que a pena não privativa da liberdade satisfaça, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, que se traduzem na protecção de bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o Tribunal deverá dar preferência a esta, em detrimento da pena privativa da liberdade.
Uma vez que ao crime são aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. art. 70° do Código Penal).
Contudo, atento o supra exposto, nomeadamente as condenações que o arguido sofreu noutros processos (todos relacionados com a condução automóvel em estado de embriaguez, em penas de multa e em penas de prisão suspensa na sua execução) e o facto de o mesmo, ainda assim, voltar a delinquir apresentando uma TAS elevada, entendemos que a aplicação de nova pena de multa não será suficiente para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, e pelo exposto, entendemos que apenas a aplicação de uma pena de prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Posto isto, cumpre agora proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão, balizada pelo dispositivo supra mencionado e pelo art. 41.°, n.° 1 do Código Penal, que determina que "a pena de prisão tem, em regra, a duração mínima de 1 mês e a duração máxima de º0 anos".
A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção — art. 71.° do Código Penal, devendo o Tribunal atender, na fixação da medida concreta da pena, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (n.° º do art. 71.° do Código Penal).

Recorrendo a todos os factores enunciados, vejamos:
1) O grau de ilicitude é muito elevado, atento o bem jurídico que se visa tutelar com a incriminação (a generalização da prática de crimes relacionados com a condução rodoviária exige uma resposta adequada e premente) e, bem assim, a elevada taxa de álcool que o arguido apresentava aquando da prática dos factos;

2) O grau de culpa é também muito elevado, tendo o arguido agido com dolo directo;
3) As necessidades de prevenção geral são muito elevadas, atenta a frequência com este tipo de crimes é julgado nos nosso Tribunais e o cada vez mais elevado índice de sinistralidade das nossas estradas, provocado, na grande maioria das vezes, por crimes rodoviários ligados à falta de habilitação legal e à condução sobre o efeito do álcool, e, finalmente,
4) As necessidades de prevenção especial são também elas elevadas, uma vez que o arguido já tem antecedentes criminais, todos pela prática deste mesmo crime, o que demonstra que o mesmo padece de forte impermeabilidade ao direito, situação que cumpre colmatar e, por outro lado, o arguido não demonstrou qualquer capacidade de auto-censura, tentando desculpabilizar-se com os argumentos de que "estava bem" e não sabia que "teria esta taxa".
Não obstante e a favor do arguido, milita a circunstância de o mesmo se encontrar familiar e profissionalmente inserido.

Assim, conjugados todos estes factores reputamos adequado aplicar ao arguido uma pena de 8 (oito) meses de prisão.

Da substituição da pena de prisão:
Dispõe o art. 43.°, n.° 1 do Código Penal, que a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes.
Nos presentes autos, e pelos motivos já expostos, atendendo essencialmente às condenações já sofridas pelo arguido que, ainda assim, insiste em cometer crimes desrespeitando o Direito e os bens jurídicos tutelados pela lei penal, entendemos que a substituição da pena de prisão que lhe foi aplicada por dias de multa, não será suficiente para que o mesmo não volte a cometer crimes desta natureza.
E, também, conforme resulta das suas anteriores condenações, a mera suspensão da pena de prisão também não será suficiente para evitar o cometimento de novos crimes uma vez que, não obstante tenha sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, o arguido voltou a cometer este crime, de igual natureza e mais uma vez com uma taxa de álcool no sangue que já se considera elevada.
Porém, nos termos do art. 58.° do Código Penal, "1. Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos o Tribunal substitui-a por trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. (...) 3. Para efeitos do disposto no n.° 1, cada dia de prisão fixado na sentença é substituído por uma hora de trabalho, no máximo de 480 horas".

A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas colectivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (art. 58.°, n.°1 do Código Penal) e tem lugar se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, sempre que se concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.58.°, n.°1 do Código Penal).
Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado (art. 58.°, n.° 5 do Código Penal).
O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.
O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Assim, a pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação activa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.
Ora, in casu, o pressuposto formal de aplicação da pena de trabalho a favor da comunidade verifica-se, pois que foi aplicada ao arguido uma pena de prisão em medida não superior a dois anos.
Mais, o arguido deu o seu consentimento à substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade.
Assim, no caso dos autos, considerando as circunstâncias que supra expusemos e que militam a favor do arguido (integração familiar, social e profissional), entende o Tribunal que o cumprimento de trabalho a favor da comunidade é suficiente para salvaguardar as finalidades da punição, pelo que se decide substituir a pena de prisão de 8 (oito) meses que lhe foi aplicada por º40 (duzentas e quarenta) horas de trabalho a favor da comunidade.

Dispõe ainda o art. 69°, n.° 1, al. a) do C. Penal, que é aplicável a sanção acessória de conduzir veículos motorizados a quem for punido "por crime previsto nos arts. 291.° e 292°", sanção esta que tem como limite mínimo 3 (três) meses e limite máximo 3 (três) anos.
Na determinação da medida concreta desta pena acessória deve atender-se também aos critérios estabelecidos no artigo 71.° do Código Penal, pois, como verdadeira pena que é, encontra-se estritamente ligada ao facto ilícito praticado e à culpa do agente.

Ponderando os já referenciados elevados índices de sinistralidade nas estradas portuguesas, a perigosidade para a segurança rodoviária que representa a conduta do arguido atenta a elevada taxa de álcool que o mesmo apresentava, o facto de ter já antecedentes criminais, todos pela prática de infracções rodoviárias e relacionadas com a ingestão de álcool, a circunstância de, na sua última condenação o arguido ter sido condenado numa pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 1 ano sem que tal o tenha demovido de voltar a delinquir, entende o Tribunal aplicar ao arguido a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 15 (quinze) meses.

Requereu o arguido que o cumprimento da pena acessória ocorresse, tal como a prisão por dias livres, apenas aos fins-de-semana e de acordo com a sua actividade laborai e por necessitar da carta para exercer as suas funções de comercial.
Mesmo compreendendo as razões invocadas pelo arguido, importa dizer que nunca a sua pretensão poderia ser atendida, no sentido de lhe ser restringida a proibição de conduzir a determinados períodos de tempo, designadamente, como solicita, aos fins-de-semana e sob um calendário fixado pelo próprio.
A circunstância de se necessitar do título de condução para o exercício de uma actividade profissional, ou para a assistência à família é, recorde-se, algo comum a muitos cidadãos, mas o peticionado pelo arguido não tem qualquer fundamento legal, na medida em que no nosso actual ordenamento jurídico, não é possível que a condenação na pena acessória de inibição de conduzir seja descontínua na sua execução.
A pena é uma pena de natureza criminal, acessória, e mal se compreenderia que regime da pena acessória fosse mais brando nas consequências e menos rígido nas permissões, que aquele que decorre da sanção acessória administrativa.
Acresce que o art. 500.° do CPP estipula no seu n.° 4 que "a licença de condução fica retida na secretaria do Tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular" o que inculca a ideia de que a pena acessória de proibição de conduzir é de cumprimento contínuo e universal, não estando legalmente contempladas quaisquer excepções no que concerne à possibilidade de conduzir algum tipo de veículos durante o seu período.
Em suma: não é susceptível de ser suspensa na sua execução a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, mesmo que mediante caução de boa conduta, nem a sua execução pode ser diferida ou fraccionada no tempo para, por exemplo, ser cumprida no período de férias do arguido.
E compreende-se que assim seja: se a pena acessória visa, para além da prevenção geral, evitar a perigosidade do agente, é evidente que tal desiderato só poderá ser conseguido mediante a execução efectiva da correspondente pena.
Os custos, de ordem profissional e /ou familiar que poderão advir para o arguido do facto de a proibição de conduzir em causa afectar o seu emprego são próprios da penas, que só o são se

representarem par ao condenado um justo e verdadeiro sacrifício, com vista a encontrarem integral realização das finalidades gerais das sanções criminais, sendo que tais custos nada têm de desproporcionados em face dos perigos para a segurança das outras pessoas criados pela condução em estado de embriaguez e que a aplicação da pena acessória pretende prevenir.

Neste sentido vejam-se, entre outros, os acórdãos (todos disponíveis em www.dqsi.pt):
- Tribunal da Relação de Évora, processo 544/14.7GAVNO, de 07.04.2015: "a sujeição da pena acessória de inibição de conduzir a restrições viola a sua natureza e a sua finalidade intrínsecas pelo que o seu cumprimento tem de ser contínuo, tal como o é, em geral, o cumprimento das penas, sob pena de preterição do princípio da legalidade';•
- Tribunal da Relação do Porto, processo 229/13.1PDPRT, de 27.01.º016: "Ao contrário do que acontece com a sanção acessória de inibição de conduzir, a execução da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não é susceptível de ser suspensa. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor é de cumprimento contínuo e universal (i.e abrange todo o tipo de veículos), não admite a dispensa da pena e não contende com o direito ao trabalho";
- Tribunal da Relação de Coimbra, processo 181/12.OGTVIS, de 24.04.2013: "No caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, a lei não prevê qualquer possibilidade de a mesma ser cumprida de forma descontínua, designadamente aos fins-de-semana, nas férias ou durante o horário de trabalho do condenado";
- Tribunal da Relação de Évora, processo 1914/04.1, de 26.02.2005: "a pena acessória de inibição de conduzir veículos com motor, a que se refere o art. 69.° do Código Penal, aplicada em consequência da condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não pode ser suspensa na sua execução, mesmo que mediante prestação de boa conduta, nem a sua execução pode ser diferida ou fraccionada no tempo para, por exemplo, ser cumprida no período de férias do condenado ou aos fins-de-semana";
- Tribunal da Relação de Lisboa, processo 4507/2007-3, de 12.09.2007: "Dois dos princípios que presidem ao processo das execuções das decisões penais são o princípio da legalidade e o da execução contínua. O primeiro, que atravessa todo o processo penal (cfr. art. 2.° do respectivo Código), e embora dizendo respeito, em primeiríssima linha, à exigência de um título judiciário executivo (a sentença penal condenatória transitada em julgado — art. 467.°, n.° 1), pressupõe e exige também que a execução da reacção penal, qualquer que ela seja, tenha lugar em conformidade com o estabelecido na lei. O segundo, cujo significado claramente se alcança da sua designação, exige que a execução da sanção penal seja continuada no tempo. Este princípio sofre, é certo, excepções (pense-se na prisão por dias livres e no regime de semidetenção), nas quais, todavia, não se inclui a pena acessória de proibição de conduzir. Por isso, não é possível o cumprimento da referida pena acessória apenas nas férias e fins-de-semana".
Termos em que o arguido deverá cumprir, de forma contínua, a pena acessória que lhe foi imposta pois que se entende que apenas assim ficarão salvaguardadas as finalidades

da punição. (fim de transcrição)

5. Feito este enquadramento no que respeita aos factos e medida da pena pelo Tribunal recorrido, vejamos se assiste razão ao recorrente, iniciando a análise pela medida da pena principal.

5.1 Medida da pena.
Como temos vindo a referir nos acórdão em que somos relator, o «legislador estatui como parâmetros de determinação da pena que a mesma deve ser fixada - "(...) dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção" visando a aplicação das penas "(...) a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade; em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» e levando ainda em conta "(...) todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele (...)" considerando, nomeadamente, os factores de determinação da pena a que se referem as várias alíneas do n.º 2 do artigo 71.9 do Código Penal (artigos 719, nº1 e nº2 e 400, nº1 e nº2, ambos do Código Penal.
A densificação jurisprudencial destes critérios tem sido feita, pelos tribunais superiores, de modo a considera e ponderar o equilíbrio entre "exigências de prevenção geral", a "tutela dos respectivos bens jurídicos" e a "socialização do agente". Da multiplicidade de decisões do nosso Supremo Tribunal permito-me apenas, e por sintetizar na perfeição a ponderação dos referidos equilíbrios, citar o sumário do acórdão de 31-01-2012, Proc. Nº 8/11.0PBRGR.L1.S1 "Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o Ac. STJ de 22-09-2004, Proc. n.º 1636/04 - 3.º: "a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum

necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todo exigível".
Como refere a Prof.ª Anabela Rodrigues "A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada... É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica".»
Estes critérios são válidos para a pena principal, bem como para as penas acessórias, já que a medida das mesmas não pode andar desligada dos critérios gerais de fixação das penas e da culpa do arguido, enquanto limite de toda a pena, sendo certo ainda que estas últimas têm na base especiais razões de prevenção geral e perigosidade.
Tendo em conta o que fica dito sobre os critérios legais e a interpretação jurisprudencial e doutrinal dos mesmos, não descortinamos o excesso contra o qual se recorre, no que respeita à pena principal.

Vejamos.
O crime pelo qual o arguido foi condenado é punível com pena de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias e a pena acessória de inibição de conduzir deve ser fixada entre 3 meses e 3 anos (artigos 292º, nº 1 e 69º, n9 1 al. a), ambos do Código Penal).

O Tribunal a quo fixou-a a pena principal em 8 meses de prisão, substituída pela prestação de 240 horas de trabalho a favor da comunidade e a pena acessória em 8 meses.
Ora, tendo em conta os factos provados, nomeadamente a taxa de álcool no sangue de 1,435gr/l, os antecedentes criminais do arguido (três condenações e duas delas recentes (2011 e 2015) e por crimes da mesma natureza), a sua inserção social e condições económica e sociais, entendemos que as penas aplicadas ao mesmo são justas e proporcionais.
Na verdade, a condenação do arguido numa pena de multa, como o mesmo reclama, não satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, já que a mesma, a ser aplicada, seria percepcionada pela comunidade como uma espécie de "bónus" dado ao arguido, tendo em atenção os seus antecedentes criminais.
Seria mesmo incompreensível a opção por uma pena de multa, quando o arguido em º015 já tinha sido condenado em 5 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de um ano e na pena acessória de proibição de conduzir veículos pelo período de um ano. A defender-se a solução preconizada pelo arguido, estaríamos a minorar a pena do mesmo quando este continuava a delinquir. Ora, este comportamento contrário ao direito, exige que as penas vão sendo agravadas e mais severas já que as anteriormente aplicadas foram ineficazes.
Se as razões de prevenção especial não permitiam a condenação numa pena de multa, de igual modo, razões de prevenção geral também a desaconselham, dada a frequência com que se verificam ilícitos desta natureza e a sua relevância na sinistralidade rodoviária.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido em optar por uma pena de 8 meses de prisão, substituída pela prestação de º40 horas de trabalho a favor da comunidade.

5.º Modo de execução da pena acessória.
O arguido reclama que a pena acessória de 15 meses de proibição de conduzir veículos motorizados deve ser feita aos fins-de-semana ou fora do horário de expediente, alegando que o artigo 69P, nº º do Código Penal não proíbe tal solução.

Com o devido respeito não tem razão o recorrente, como doutamente se explanou na decisão recorrida, com citação de variada e relevante jurisprudência sobre a matéria, que nos dispensamos de repetir no presente acórdão.
Na verdade, para além do princípio da legalidade estabelecido nos artigos 1º do Código Penal e 2º do Código de Processo Penal, que exige que as penas e medidas de segurança só possam ser aplicadas nos exactos termos previstos na lei, o princípio da continuidade da execução das penas que decorre das referidas normas substantivas, apenas é postergado nos exactos termos estabelecidos pelo legislador, consagrando expressamente os casos específicos de descontinuidade (prisão por dias livres, regime de semidetenção e Lei 115/09 de 1º de Outubro e normas relativas a saídas precárias, liberdade condicional e regimes de execução da pena de prisão).
Acresce ainda que, no caso específico da inibição de conduzir, o artigo 500º, nº 4 do Código de Processo Penal, estatui que " (...) a licença de condução fica retida na secretaria do Tribunal pelo período de tempo que durar a proibição. Decorrido esse período a licença é devolvida ao titular", o que é corroborado pelo artigo 69º, nº 3 e 4 do Código Penal, apontando assim ambos para o cumprimento contínuo da pena acessória de proibição de conduzir.
Mas, para além destes textos legais e do princípio da legalidade, os próprios princípios e exigências de tal pena acessória, apontam no mesmo sentido da continuidade.
Na verdade, estando a aplicação de tal pena, para além da culpa, associada a razões de perigosidade e de prevenção geral, daí a sua obrigatoriedade de aplicação em relação a determinados ilícitos penais, o seu cumprimento de forma descontínua seria contrário aos pressupostos da sua própria exigência e obrigatoriedade de aplicação. O perigo que se visa acautelar com a aplicação da pena, é um perigo permanente que decorre da prática pelo agente de um determinado crime e não um perigo específico em determinados dias da semana, mês ou ano.
O legislador com a obrigatoriedade de aplicação da pena de proibição de conduzir em tais ilícitos penais, presume que durante o período de proibição o perigo existe e é permanente, servindo a proibição como forma de eliminar o mesmo e, em simultâneo, fazer o condenado reflectir sobre a sua conduta e a obrigatoriedade de ter um

comportamento consentâneo com as normas penais, isto é, contribuindo para a sua ressocialização.
Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de 26/05/2015, " (...) Acresce que, nos termos do nº 3, do artigo 138º, do Código da Estrada, "as sanções acessórias são cumpridas em dias seguintes", pelo que, mal se compreenderia, atendendo à unidade e racionalidade da ordem jurídica, que nos casos de contra-ordenações graves e muito graves (em que estão em causa infracções que substancialmente se configuram como de mera ordenação social ou de direito administrativo) estivesse vedado o cumprimento da sanção acessória de forma descontínua e fosse ele admissível em situações de penas acessórias aplicadas pelo cometimento de crimes, em que o desvalor ético é necessariamente superior".
Também no sentido da inadmissibilidade legal do cumprimento das penas de forma descontínua, fora das excepções concretamente previstas, onde não se inclui a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor e a propósito do anterior artigo 139º, nº 3, hoje, artigo 138º, nº 5 do Código da Estrada, se pronunciou, considerando constitucional tal solução legislativa, o acórdão do Tribunal Constitucional de 23 de Outubro de 2002.
Inexiste, pois, norma legal ou princípio de direito que permita o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir de forma descontínua, nomeadamente fora dos períodos normais de trabalho e aos fins-de-semana, como pretende o recorrente.

Improcede também esta conclusão e, em consequência, o recurso.

Assim, sem mais considerandos, por desnecessários, nenhuma censura nos merece a douta decisão recorrida, a qual se confirma.

III Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido J..., confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC's - artigo 513.º, n.º 1, do CPP.

Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por dezassete páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exm9 Juiz Desembargador Adjunto — art. 94.9, n.9 º do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 16 de Novembro de 2017.


Antero Luís
João Abrunhosa