Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1370/09.0TTLSB-C.L1-4
Relator: FILOMENA MANSO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
AUTO DE CONCILIAÇÃO
OPOSIÇÃO À PENHORA
PRESUNÇÃO DA TITULARIDADE
ELISÃO DA PRESUNÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A transacção efectuada em audiência de conciliação, porque presidida por um juiz, afasta-se do regime geral previsto no CPC, que exige a prolação de sentença homologatória (art. 300, nº2, na versão anterior à da Lei 41/2013, de 26.6), bastando a simples verificação da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação para que produza efeitos de caso julgado e constitua título executivo.
2. A penhora que incida sobre bens móveis, ainda que integrados em estabelecimento comercial, deve ser efectuada de acordo com o previsto no nº1 do art. 848 do CPC, com a efectiva apreensão de bens e a sua remoção para depósito.
3. Invocando o executado que os bens pertencem a terceiro, só este tem legitimidade para deduzir oposição, em sede de embargos de terceiro.
4. Incidindo a penhora sobre bens móveis alegadamente pertencentes a terceiro, na disponibilidade do executado, este pode ilidir a presunção de titularidade a que alude o nº2 do art. 848 do CPC, no âmbito de um incidente inominado, apresentando prova documental inequívoca que os bens não lhe pertencem.
5. Essa prova poderá ser um documento autêntico, com data anterior à da penhora ou um documento que tenha sido autenticado, reconhecido ou apresentado em serviço público que assim o ateste, com data anterior à da penhora.
6. A apresentação de um contrato de locação financeira, só por si, não constitui prova bastante, por não demonstrar, de forma inequívoca, o direito do terceiro.

(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:I – RELATÓRIO
Por apenso aos autos de execução comum instaurados por AA contra BB, Lda, veio a executada deduzir oposição à execução e à penhora.
Fundamentou a sua pretensão, alegando, em síntese, que:
- a execução ter por base um auto de conciliação, que não é título executivo, que não transitou em julgado e que não contém a homologação do Juiz;
- a executada se dedica a ministrar cursos de cozinha e que com a penhora e remoção dos bens e equipamentos constantes do auto, o estabelecimento comercial ficou desprovido de capacidade de laboração;
- a penhora atingiu bens que não são da propriedade da executada.
- Concluiu pela extinção da instância e pelo levantamento da penhora.
No despacho liminar foi proferida a seguinte decisão:
Face ao exposto, nos termos do artigo 817º, n.º. 1, alíneas. b) e c) do C.P.C, aplicável ex-vi do artigo 1º, nº. 2, al. a) do CPT, rejeito a presente oposição à execução e à penhora.
Custas pela oponente.
Registe e Notifique.
Inconformada, interpôs a Executada/Apelante recurso para esta Relação, no qual formulou as seguintes
Conclusões:
(…)

II – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância deu como assentes os seguintes factos:
1. O exequente AA  deu à execução certidão da acta de audiência de julgamento dos autos principais, cujo teor se dá por reproduzido.
2. Em 10/07/2012 foi efectuada a penhora dos bens móveis identificados no auto de penhora de fls. 28 e ss dos autos principais, cujo teor se dá por reproduzido.
Adita-se ainda o seguinte facto:
3. Na audiência de julgamento referida em 1. as partes efectuaram transacção, tendo a Srª Juiz proferido o seguinte despacho:
Certifico a capacidade das partes e a legalidade da presente conciliação, nos termos do art. 52º,nº2 do CPT.
Custas na forma acordada.
Fixa-se á acção o valor de €66.953,50.
Notifique.

III – APRECIAÇÃO
1. Da oposição à oposição
A Apelante opôs-se à execução alegando que o título executivo – auto de conciliação – não pode ser considerado válido e eficaz, já que o mesmo não contém a homologação do acordo celebrado entre as partes em litígio.
E, segundo o nº1, a) do art. 814 do CPC, a oposição à execução pode ter como fundamento a inexequibilidade do título.
Porém, não lhe assiste razão.
Com efeito, no caso vertente, a execução tem por base um auto de conciliação. Ora, conforme resulta do art. 52 do CPT, “A desistência, a confissão ou transacção efectuados na audiência de conciliação não carecem de homologação para produzir efeitos de caso julgado” (nº1), devendo apenas o juiz certificar-se da capacidade das partes e da legalidade do resultado da conciliação, que expressamente fará constar do auto (nº2).
Esta norma afasta-se do regime geral previsto no Código de Processo Civil, que exige a prolação de sentença condenatória (art. 300, nºs 2 e 3), bastando aqui que se exare no auto a verificação da capacidade das partes e da legalidade do acto de conciliação.
A dispensa de homologação decorre do facto de ser o próprio juiz que preside à audiência de conciliação.
No caso vertente mostram-se cumpridas as exigências formais a que alude o nº2 do art. 52 citado, já que o julgador exarou despacho em que certifica a capacidade das partes e a legalidade da transacção.
Acresce que o referido despacho transitou de imediato em julgado, já que não era passível de recurso, pelo facto de, face ao acordo, nenhuma das partes ter ficado vencida.
Assim, há que concluir que o título executivo é exequível, não enfermando de qualquer dos vícios imputados pela Apelante.

2. Da oposição à penhora
Cumulativamente com a oposição à execução, e em conformidade com o disposto no art. 813, nº2 do CPC, veio a executada deduzir oposição à penhora, com os seguintes fundamentos:
- a penhora dos bens foi efectuada com violação do disposto no art. 862-A do CPC.
 -a penhora incidiu sobre bens de terceiro.
Vejamos.
Os fundamentos de oposição à penhora vêm elencados no art. 863-A do CPC, estatuindo o seu nº1:
1. Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se á penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada;
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.
Cotejando estes fundamentos com os invocados pela Apelante, verifica-se que, manifestamente, nenhum deles é subsumível a qualquer das alíneas da norma citada, nem, aliás, aquela o invoca.
Sempre se dirá, porém, que não se vislumbra que tenha ocorrido violação do disposto no art. 862-A do CPC, já que esta norma dispõe sobre a penhora de estabelecimento comercial e, no caso, a penhora incidiu, tão só, sobre bens móveis.
Assim, e de acordo com o nº1 do art. 848 do CPC, a penhora de bens móveis não sujeitos a registo, como é o caso, é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção para depósito, como aconteceu, não tendo sido cometida qualquer ilegalidade.
Quanto à alegação de que, pelo menos alguns dos bens penhorados pertencem a terceiro, este não constitui um dos fundamentos da oposição à execução, já que, como decorre do nº1 do art. 863-A citado, esta tem como pressuposto a penhora de “bens pertencentes ao executado”.
Invoca, no entanto a Apelante, o disposto no art. 848, nº2 do CPC, que prescreve:
2. Presume-se pertencerem ao executado os bens encontrados em seu poder, podendo a presunção, feita a penhora, ser ilidida perante o juiz, mediante prova documental inequívoca do direito de terceiro, sem prejuízo dos embargos de terceiro.
Suprimido o meio de protesto no acto da penhora, que estava previsto no art. 832 do CPC, pelo DL 38/2003 (que constituía um meio expedito de oposição á penhora subjectivamente ilegal, por atingir bens pertencentes a terceiro, na disponibilidade do executado, ou de alguém em seu nome), o nº 2 do art. 848 estabelece uma presunção da titularidade do bem relativamente àqueles sobre os quais ele exerce posse ou detenção, ou pode exercê-la por se encontrarem na sua esfera de controlo.
Essa presunção, porém, só pode ser ilidida por “prova documental inequívoca” .
E que prova é essa? Sobre esta questão, refere Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol.III, fls. 429, “A apresentação de documento autêntico com data anterior à da penhora ou de documento particular que tenha sido autenticado, reconhecido ou apresentado em serviço público, que assim nele tenha atestado, em data anterior à da penhora, é normalmente suficiente para o efeito, se não houver motivo sério para duvidar da sua genuinidade ou da validade do acto documentado”.
Sem prejuízo de entendermos que a ilisão da presunção em causa não poder ser efectuada em sede de oposição à penhora, por não caber em qualquer dos fundamentos elencados no citado art. 863-A do CPC, mas antes através de requerimento dirigido ao juiz, no âmbito de um incidente inominado, também não se pode entender que a Apelante tenha apresentado prova inequívoca que os bens penhorados (ou alguns deles) não lhe pertencem.
Com efeito, limitou-se a juntar cópia de um contrato de locação financeira de bens móveis, sendo que, através dele e só por si, não é possível concluir, de forma inequívoca, que os bens objecto desse contrato integram qualquer das verbas constantes do auto de penhora.
Acresce que, no caso de objectos cedidos em locação financeira não é manifesto o direito de terceiro, por ser duvidoso se o pagamento do preço (que pode ter lugar antes do vencimento acordado) se verificou (neste sentido, Lebre de Freitas, ob. e loc. citados).
Improcede, pois, o recurso.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela Apelante
Lisboa, 28 de Maio de 2014

Filomena Manso
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas
Decisão Texto Integral: