Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
774/22.8T8AMD.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
INSOLVÊNCIA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: De acordo com o art.º 55/1/a a liquidação é da competência do administrador da insolvência, corre por apenso ao processo principal de insolvência (art.º 170) e que é ao administrador de insolvência que de acordo com o art.º 164 pertence a escolha da modalidade da alienação dos bens, resultando do ponto 10 do preâmbulo do CIRE o desaparecimento da possibilidade de impugnação, junto do juiz, dos actos do administrador da insolvência, sem prejuízo dos poderes de fiscalização e de destituição por justa causa, sendo que ao senhor administrador de insolvência é legítimo colocar dúvidas procedimentais quanto à liquidação, sendo dever do Tribunal resolvê-las de acordo com a lei.
Pede a Autora, na acção, que a Ré seja condenada a reconhecer: a) que se obrigou a vender à A. livre de ónus ou encargos as fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça…, com matriz predial n.º …. b) que até à presente data não celebraram a escritura pública de compra e venda por causas só a si imputáveis. Consequentemente: ser proferida a sentença que produza os efeitos da declaração negocial da R faltosa, substituindo a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça …, com matriz predial n.º …. Em suma alega que é arrendatária das mencionadas lojas apreendidas no processo de insolvência de EM, Lda. e que foi preterida nos seus direitos de preferente.
III- Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 128.º, da LOSJ (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro), aos Juízos do comércio compete preparar e julgar:
«a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; E o n.º 3 A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.»
IV- Dispõe o art.º 165 do CIRE que aos titulares de direito de preferência é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo, sendo que os direitos relativos à venda são exercidos no próprio processo executivo -leia-se no processo de insolvência-.
V-A acção em que o preferente, muito embora não formulando a anulação da venda pede, além do mais, a sua substituição no lugar do comprador na escritura de compra e venda das lojas levada a cabo na insolvência, por alegada preterição de formalidades, independentemente de saber se lhe assiste ou não razão e se a acção procede, deve ter lugar no processo de insolvência e por apenso a ele, sendo essa competência por conexão ainda uma manifestação da competência em razão da matéria nos termos do mencionado art.º 128/1 a e 3 da LOSJ.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
APELANTE/AUTORA: AP
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APELADO/RÉU: Massa Insolvente da EM Lda., NIPC …, representada pelo administrador judicial, JP, NIF …     
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Com os sinais dos autos.
VALOR DO PROCESSO: 30.000,01 EUROS (indicada na petição inicial)
*
I.1. Inconformada com a decisão de 11/10/2022 que julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta, declarou, nos termos do artigo 96.º, do CPC, o tribunal recorrido (Juiz 2 local Cível da Amadora do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste) absolutamente incompetente para a ação e, em consequência, absolveu a ré da instância (artigo 99.º, 278.º, n.º1, alínea a), 577.º, alínea a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil).dela apelou o insolvente, em cujas alegações conclui:
1. O Tribunal a quo julgou, e mal, verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta em razão de matéria e, em consequência, absolve a ré da instância.
2. O Tribunal a quo considera-se incompetente em razão de matéria para dirimir a acção proposta pela recorrente com fundamento de que a matéria está atribuída ao Tribunal de comércio.
3. Desde logo, para se apurar da competência material do Tribunal apenas há que entrar em linha de conta com a causa de pedir e o pedido tal como configurados na petição inicial.
4. O objecto da acção declarativa consiste no exercício do direito de preferência pela recorrente ao abrigo do artigo 1091.º do CC o que constitui uma acção de responsabilidade civil contratual, da competência dos Tribunais comuns.
5. e não estamos perante o exercício de “direito sociais” ou de outra matéria cuja matriz se funda, directa e imediatamente, na lei societária da competência dos Tribunais de comércio.
6. Em termos adjectivos no CIRE quanto as acções declarativas a propor ou proposta depois da declaração da insolvência, nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do CIRE, resulta a possibilidade dessas acções e o seu conhecimento
7. Pelo que, tais acções declarativas devem correr por apenso ao processo de insolvência porque se impõe a competência por conexão. [art.º 148 CIRE]
8. Em conclusão, o Tribunal a quo devia ter ordenado a remessa dos presentes autos para o Juízo de Comércio de Sintra onde se encontra o processo de insolvência por se tratar de um caso de competência por conexão e não de competência em razão de matéria.
9. O tribunal a quo violou os preceitos dos artigos 146, n.º 1, 148.º CIRE, 6.º, 104.º, n.º 1, al. c), do CPC, e 1091.º do CC. TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVE DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, TUDO COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
I.2. Em contra-alegações, conclui o recorrido administrador de insolvência:
a) Como causa de pedir alega ter celebrado, como locatária, contrato de arrendamento com EM, Lda., como senhoria, para exploração comercial das lojas acima referidas e que, em 2013, a locadora foi declarada insolvente no âmbito de processo judicial de insolvência. Sustenta que foi interpelada pelo administrador de insolvência a comunicar a intenção de vender as frações por 155.000 euros, o que a autora declarou pretender preferir, tendo a proposta sido aceite. Apesar disso, a massa insolvente voltou atrás e prontificou-se a aceitar uma proposta de compra de 187.000,00 euros, o que a autora também aceitou cobrir. Mas a massa insolvente volta a fazer novas exigências como o pagamento integral das rendas vencidas. Pretende exercer o seu direito de preferência, constituindo as declarações um contrato promessa que confere o direito à execução específica.
b) A autora pretende com esta ação que o tribunal se substitua ao administrador de insolvência na celebração de um compra de compra e venda de duas frações autónomas apreendidas na massa insolvente, que o tribunal sindique os actos e omissões do administrador de insolvência, que é um órgão do processo de insolvência …/…, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4.
c) Dispõe o artigo 85.º do CIRE “Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.”
d) É tendencialmente pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que, para a determinação da competência do tribunal em razão da matéria, para a preparação e julgamento de uma ação -- e à semelhança do que acontece com os demais pressupostos processuais - deve atender-se ao pedido e à causa de pedir que lhe está subjacente, seja quanto aos seus elementos objetivos, seja quanto aos elementos subjetivos; os elementos identificadores da causa (pedido fundado na causa de pedir), tal como a autora a configura.
e) A incompetência absoluta em razão da matéria constitui uma exceção dilatória, que implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (art.ºs 96º, al. a), 99º, nº 1, 278º, nº 1, al. a), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. a) e 578º, 1ª parte do CPC).
Nesta conformidade, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser mantida integralmente, a douta sentença ora em crise.
Assim decidindo, farão V/ Exas., como sempre, a melhor JUSTIÇA!
I.3. Recebida a apelação, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do mesmo.
I.4. Questão a resolver:
Saber se ocorre no despacho recorrido erro de interpretação e de aplicação das disposições legais dos art.ºs 146, n.º1, 148.º CIRE, 6.º, 104.º, n.º 1, al. c), do CPC, e 1091.º do CC.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. É do seguinte teor a decisão recorrida:
O artigo 593.º do CPC dispõe que o juízo pode dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e), e f) do n.º1 do artigo 591.º do CPC, isto é, proferir despacho saneador, determinar a adequação formal, a simplificação ou agilização processual ou proferir despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Na situação dos autos, consideramos ser de dispensar a audiência prévia atendendo a que a mesma se destinaria a ser proferido despacho saneador, para conhecimento da exceção dilatória de incompetência, que já foi discutida neste processo.
Deste modo, o tribunal dispensa a audiência prévia.
O artigo 590.º, n.º 1, alínea a) do CPC estabelece que, se a petição inicial for apresentada a despacho liminar por determinação do juiz, ele conhecer da imediata improcedência do pedido ou de exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente.
É o caso da incompetência em razão da matéria. As partes discutiram a questão nos articulados.
Da exceção dilatória de incompetência em razão da matéria
Para a determinação da competência em razão da matéria é necessário atender ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo autor, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante ou, noutras palavras, é assim que se caracteriza o “modo de ser da lide”.
A competência em razão da matéria é uma competência interna relativa à distribuição da competência entre as várias categorias de tribunais, nos termos do artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa.
A incompetência em razão da matéria pode ser conhecida oficiosamente pelo Juiz, em qualquer forma do processo e qualquer que seja a instância em que o mesmo se encontre (artigo 97.º do CPC).
A competência em razão da matéria é fixada em função dos termos em que a ação é proposta, atendendo ao direito a que o autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido.
O artigo 33.º da Lei 62/2013, de 26-08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), estabelece a existência de tribunais judiciais de 1.º instância com competência territorial alargada e tribunais de comarca. Aquela lei determina a competência, em razão da matéria, entre os juízos dos tribunais de comarca, estabelecendo as causas que competem aos juízos de competência especializada e aos tribunais de competência territorial alargada (artigo 40.º).
O artigo 81.º elenca as especializações das instâncias; Os tribunais de comarca desdobram-se em juízos, a criar por decreto-lei, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade, nos termos do presente artigo e do artigo 130.º Elenca-se, entre outras a Local cível e o Comércio. Por seu turno, o artigo 128.º da Lei 62/2013 estabelece que 1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar: a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização; (…) A autora AP vem intentar a presente ação declarativa de condenação contra a Massa insolvente de EM, Lda., representada pelo administrador de insolvência, pedindo, a título principal,
a) Que se obrigou a vender à A. livre de ónus ou encargos as fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça …, n.ºs …, … e …, freguesia da Venteira, concelho da Amadora, com matriz predial n.º ….
b) Que até à presente data não celebraram a escritura pública de compra e venda por causas só a si imputáveis.
Pede ainda que seja proferida a sentença que produza os efeitos da declaração negocial da R faltosa, substituindo a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça …, n.ºs …, … e …, freguesia da Venteira, concelho da Amadora, com matriz predial n.º ….
Como causa de pedir alega ter celebrado, como locatária, contrato de arrendamento com EM Lda., como senhoria, para exploração comercial das lojas acima referidas e que, em 2013, a locadora foi declarada insolvente no âmbito de processo judicial de insolvência. Sustenta que foi interpelada pelo administrador de insolvência a comunicar a intenção de vender as frações por 155.000 euros, o que a autora declarou pretender preferir, tendo a proposta sido aceite. Apesar disso, a massa insolvente voltou atrás e prontificou-se a aceitar uma proposta de compra de 187.000,00 euros, o que a autora também aceitou cobrir. Mas a massa insolvente volta a fazer novas exigências como o pagamento integral das rendas vencidas. Pretende exercer o seu direito de preferência, constituindo as declarações um contrato promessa que confere o direito à execução específica.
A autora pretende com esta ação que o tribunal se substitua ao administrador de insolvência na celebração de um compra de compra e venda de duas frações autónomas apreendidas na massa insolvente, que o tribunal sindique os atos e omissões do administrador de insolvência, que é um órgão do processo de insolvência …/…, que corre termos no Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 4.
E fundamentam a ação, além do mais, com vicissitudes ocorridas no processo de insolvência, na administração e liquidação da massa insolvente, nomeadamente na não aceitação da declaração de exercício do direito de preferência pela locatária. A questão que se nos coloca é a de saber se é possível discutir, neste processo, da validade de atos jurídicos praticados pelo administrador de insolvência, relativamente à administração e liquidação de imóveis e móveis que estão apreendidos para a massa insolvente. Ou que se tomem decisões que afetem deliberações já tomadas pelos órgãos da Insolvência ou, eventualmente, coloquem em causa decisões do juiz de insolvência.
É possível discutir fora do processo de insolvência da validade de atos jurídicos praticados pelos órgãos da massa insolvente?
O legislador transformou o processo de insolvência num processo universal e concursal destinado a obter a liquidação de todo o património do devedor insolvente por todos os credores. Por isso, o artigo 85.º do CIRE manda que, tendencialmente, as ações em que se apreciem questões relativas a bens apreendidos na massa insolvente e outras ações de natureza exclusivamente patrimonial sejam apensadas ao processo de insolvência.
O artigo 88.º do CIRE estabelece, além do mais, que a declaração de insolvência suspende diligências executivas ou providências que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e a instauração e prosseguimento de qualquer ação executiva.
Por outro lado, o artigo 89.º, n.º 2 do CIRE diz que as ações e execuções relativas a dívidas da massa insolvente – artigo 51.º, alíneas d) e h) - (e não as dívidas do insolvente) correm por apenso ao processo de insolvência.
O artigo 141.º do CIRE prevê um incidente que visa a separação da massa insolvente de bens que tenham sido indevidamente apreendidos. Por fim, o legislador criou um conjunto de órgãos do processo de insolvência, cuja atuação está interligada e em regime de subordinação. Desde logo, o artigo 58.º do CIRE estipula que existe a fiscalização pelo juiz dos atos do administrador de insolvência.
E que este poder de fiscalização concorre com o poder de fiscalização quer da Comissão de Credores quer da Assembleia de Credores (artigo 55.º, n.º 1 do CIRE: com a cooperação e sob a fiscalização da comissão de credores; 68.º, n.ºs 1 e 2), sem prejuízo da prevalência das decisões da Assembleia de Credores sobre os demais órgãos da insolvência (artigo 80.º do CIRE).
Todas estas normas ilustram a vontade do legislador de resolver no processo de insolvência todas as questões que surjam, nomeadamente com a liquidação da massa insolvente e a fiscalização da atuação do administrador. Nomeadamente por estarem naquele processo outros interessados na liquidação do património do devedor.
As pretensões formuladas pela autora nesta ação (suspender dos efeitos de decisões do administrador de insolvência, reconhecer vínculos jurídicos para a massa, alineação de imóveis em substituição da atuação do administrador) têm como consequência prática retirar da competência dos restantes órgãos da insolvência e do tribunal da insolvência a fiscalização ou decisão sobre questões relacionadas com a administração e liquidação da massa insolvente, atribuindo-as a um tribunal estranho à insolvência.
Saber se a preferência foi comunicada de acordo com as regras legais, se existe direito de preferência e em que termos, parecem ser questões que dizem respeito à administração e liquidação da massa insolvente, ao tribunal da insolvência.
Se admitirmos que estas pretensões podem ser formuladas perante este tribunal, teríamos como consequência a imposição à insolvência de decisões quanto à composição da massa insolvente e da validade de atos praticados pelos seus órgãos, à revelia do processo de insolvência e do tribunal onde a mesma corre. Ou o risco de as decisões serem contrárias a decisões proferidas pelo juiz de insolvência, revogando, na prática, estas decisões.
A insolvência é um processo judicial e a liquidação da massa é um apenso da mesma. O administrador de insolvência está sujeito à fiscalização de outros órgãos da insolvência, como a Assembleia de Credores. Saliente-se que o artigo 161.º do CIRE determina que, na fase de liquidação, existem atos jurídicos de especial relevo para o processo de insolvência que dependem do consentimento da comissão de credores ou, não existindo, da assembleia de credores, sendo alguns deles relacionados com a alienação de bens em determinados contextos.
Este tribunal é colocado na posição de se substituir ao juiz do comércio, que é o juízo do processo de insolvência, nas suas competências de fiscalização dos atos do administrador de insolvência, de controlar a regularidade da administração, mas também de decidir sobre os bens que compõem a massa insolvente, da possibilidade de terceiros gozarem desses bens, e do processo de liquidação.
Há uma ingerência de um tribunal externo à insolvência sobre a forma como os bens que estão na massa insolvente estão a ser administrados, da possibilidade de terceiros ao processo de insolvência fruírem do gozo de alguns desses bens à margem dos seus órgãos, limitando decisões que possam ser tomadas sobre o gozo e venda dos mesmos.
Concluímos estarmos perante uma situação de decisão quanto ao destino de um bem apreendido para a massa insolvente, sendo, por isso, o processo de insolvência ao abrigo do qual se fez essa apreensão decidir do destino dos imóveis. Trata-se de uma matéria que está atribuída ao juízo de comércio, sendo o juízo local cível da Amadora incompetente para o mesmo.
A consequência da incompetência absoluta é a absolvição dos réus da instância
(artigo 99.º, n.º 1 do CPC). Não se está perante a situação a que alude o artigo 85.º do CIRE, uma vez que não se trata do efeito da insolvência sobre uma ação pendente, mas, pelo contrário, uma ação intentada depois da insolvência ter sido decretada, por atos praticados no âmbito do processo de insolvência.
Pelo exposto, o Tribunal julga verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta, declara nos termos do artigo 96.º do CPC este tribunal absolutamente incompetente para esta ação e, em consequência, absolve a ré da instância (artigo 99.º, 278.º, n.º 1, alínea a), 577.º, alínea a) e 578.º, todos do Código de Processo Civil).

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se ocorre no despacho recorrido erro de interpretação e de aplicação das disposições legais dos art.ºs 146, n.º1, 148.º CIRE, 6.º, 104.º, n.º 1, al. c), do CPC, e 1091.º do CC.
III.3.1. O Tribunal recorrido fundamenta assim a sua decisão:
* As pretensões formuladas pela autora nesta ação (suspender dos efeitos de decisões do administrador de insolvência, reconhecer vínculos jurídicos para a massa, alineação de imóveis em substituição da atuação do administrador) têm como consequência prática retirar da competência dos restantes órgãos da insolvência e do tribunal da insolvência a fiscalização ou decisão sobre questões relacionadas com a administração e liquidação da massa insolvente, atribuindo-as a um tribunal estranho à insolvência
* Saber se a preferência foi comunicada de acordo com as regras legais, se existe direito de preferência e em que termos, parecem ser questões que dizem respeito à administração e liquidação da massa insolvente, ao tribunal da insolvência.
* A insolvência é um processo judicial e a liquidação da massa é um apenso da mesma. O administrador de insolvência está sujeito à fiscalização de outros órgãos da insolvência, como a Assembleia de Credores. Saliente-se que o artigo 161.º do CIRE determina que, na fase de liquidação, existem atos jurídicos de especial relevo para o processo de insolvência que dependem do consentimento da comissão de credores ou, não existindo, da assembleia de credores, sendo alguns deles relacionados com a alienação de bens em determinados contextos.
* Este tribunal é colocado na posição de se substituir ao juiz do comércio, que é o juízo do processo de insolvência, nas suas competências de fiscalização dos atos do administrador de insolvência, de controlar a regularidade da administração, mas também de decidir sobre os bens que compõem a massa insolvente, da possibilidade de terceiros gozarem desses bens, e do processo de liquidação.
III.3.2. Entende a recorrente que a acção dos autos tal como as acções do art.º 146 do devem correr por apenso ao processo de insolvência porque se impõe a competência por conexão.[art.º 148 CIRE], e que Tribunal a quo devia ter ordenado a remessa dos presentes autos para o Juízo de Comércio de Sintra onde se encontra o processo de insolvência por se tratar de um caso de competência por conexão e não de competência em razão de matéria. O art.º 64.º do CPC estipula que «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional». Por seu turno, o art.º 65.º refere que «as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada
III.3.3. Por seu turno, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ) estipula no art.º 80.º, n.º 1 que «compete aos tribunais de comarca preparar e julgar os processos relativos a causas não abrangidas pela competência de outros tribunais», adiantando ainda o seu nº 2 que «os tribunais de comarca poderão ser de competência genérica e de competência especializada.»
III.3.4. O art.º 81.º, n.º 3, do mesmo diploma elenca como juízos de competência especializada, entre outros, o «Central Cível» (al. a)) e do «Comércio» (al. i)).
III.3.5. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 128.º da LOSJ (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro), aos Juízos do comércio compete preparar e julgar:
«a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As acções relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As acções de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As acções de liquidação judicial de sociedades;
f) As acções de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As acções de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As acções a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As acções de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 - Compete ainda aos juízos de comércio julgar as impugnações dos despachos dos conservadores do registo comercial, bem como as impugnações das decisões proferidas pelos conservadores no âmbito dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de sociedades comerciais.
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respectivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões.»
III. 3.6. Por seu turno, no que concerne aos Juízos Centrais Cíveis, o art.º 117.º da LOSJ, (na redacção dada pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro) estipula:
«1 - Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50.000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei.
2 - Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos.
3 - São remetidos aos juízos centrais cíveis os processos pendentes em que se verifique alteração do valor suscetível de determinar a sua competência.»
III.3.7. Estes Juízos Centrais Cíveis acabam tendo uma competência residual (um pouco à semelhança dos Juízos Locais Cíveis – art.º 130.º, n.º 1), com a particularidade de a mesma operar apenas quanto às acções de valor superior a 50.000,00€. 
III.3.8. A competência em razão da matéria fixa-se em função dos termos em que o A. propõe a acção, atendendo ao direito a que o mesmo se arroga e pretende ver judicialmente protegido. Dessa forma, a questão da competência em razão da matéria deverá ser decidida em conformidade com o pedido formulado na petição inicial e a respectiva causa de pedir invocada, mas não descurando os sujeitos da relação jurídica indicados pelo A..
III.3.9. Como ensina Manuel de Andrade [2], «A competência do tribunal, afere-se pelo "quid disputatum" - "quid decidendum", em antítese com o que será mais tarde o "quid decisum" - sendo isto o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor». Acrescenta que a competência do Tribunal não depende da legitimidade das partes nem da procedência da acção, sendo ponto a dirimir de acordo com a identidade das partes e com os termos da pretensão do autor - compreendidos aí os respectivos fundamentos - não importando averiguar quais deviam ser as partes e os termos dessa pretensão.
III.3.10 O que é que a Autora pretende ver judicialmente protegido, em razão do direito que invoca e dos fundamentos de facto?
III.3.11. Pede a Autora que a Ré seja condenada a reconhecer: a) que se obrigou a vender à A. livre de ónus ou encargos as fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça …, n.ºs …, … e …, freguesia da Venteira, concelho da Amadora, com matriz predial n.º …. b) que até à presente data não celebraram a escritura pública de compra e venda por causas só a si imputáveis. Consequentemente: Ser proferida a sentença que produza os efeitos da declaração negocial da R faltosa, substituindo a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas de letra AA e AB, verbas 2 e 3, correspondentes a lojas n.ºs 03ª e 4, do prédio urbano sob regime da propriedade horizontal sito na Praça …, n.ºs …, … e …, freguesia da Venteira, concelho da Amadora, com matriz predial n.º …. Alegando ser arrendatária das mesmas em suma diz que goza de direito de preferência na sua alienação que a proprietária dos imóveis, EM Lda entra em insolvência durante o ano de 2013, cujo processo …/…, corre seus termos no Juízo de Comércio de Sintra-Juiz 4, na pendência do processo de insolvência a R, através do administrador judicial, comunicou a A a proposta de venda das duas lojas, em conjunto, as verbas 2 e 3 da relação dos bens apreendidos, pelo preço global de 155.000€ (cento e cinquenta e cinco mil euros), a A declarou, sem qualquer ambiguidade, querer preferir os imóveis das verbas 2 e 3 através do seu então mandatário junto da R no seu administrador judicial por comunicação escrita a proposta de venda no valor global de 155.000€ consta no apenso proc …/…, foi apresentada à comissão dos credores para apreciação e deliberação a 5 de Julho de 2018 e foi aceite , por ter sido aceite a venda no valor global de 155.000€ a R enviou a documentação solicitada à A para esta poder fundamentar o pedido de financiamento ao respectivo banco,  o que significa que a obrigada à preferência (R) tomou a decisão de alienação da coisa sujeita à preferência, tornando-se a obrigada à preferência, pelo que a R está obrigada a alienar a favor da preferente, ora A. apesar de não ocorrer qualquer incumprimento ou desistência pela parte da A, a R voltou atrás na venda, por a credora da insolvente … … SARL ter-se apresentado para adquirir os mesmos imóveis pelo valor global de 187.800€ (cento e oitenta e sete mil e oitocentos). Tal como consta no §6 do requerimento da credora da insolvente ao apenso F do processo de insolvência, a credora da insolvente propôs a aquisição dos imóveis pelo valor global de 187.800€. Na sequência desta proposta daquela credora da insolvente, a R comunica à A o novo preço global de 187.800€ pelos dois imóveis acima id. A A declara mais uma vez que prefere, (doc 3) não obstante ter apresentado o requerimento aos autos de insolvência, no apenso F, a reclamar da conduta da R na pessoa do administrador judicial sobre o incumprimento do negócio projetado de 155.000€. Não obstante o manifesto incumprimento da obrigada à preferência (a R), a A não só declarou preferir como apresentou à R a pré aprovação do pedido de financiamento ao banco e a A solicitou à R a documentação dos imóveis actualizados para a formalização do negócio no valor de 187.800€. A R veio alterar as condições do negócio e exigiu além do preço 187,800€, o pagamento integral das rendas vencidas, o que a requerente logrou cumprir. De seguida, a R altera novamente as condições de venda e exigiu, além do preço de 187.800€ e as rendas, ainda o pagamento das atualizações das rendas desde 2014, cujas actualizações a A nunca foi notificada nos termos da disposição legal artigo 1077, n.º 2, al. c) do CC pelo que a mesma se opôs. A A insiste com a R para facultar os dados dos intervenientes para formalização do negócio projectado, conforme a pedido pelo banco, e é surpreendida, no dia 31 de Março de 2022, com a informação de que a credora do insolvente … … SARL, opõe-se à venda dos imóveis AA e AB à A pelo valor global de 187.800€ a mesma credora … … SARL vai apresentar uma nova proposta superior ao preço global de 187.800€ sobre os mesmos imóveis das verbas 2 e 3. Ora, importa referir que a liquidação do activo da massa insolvente que passa pela alienação da loja (imóveis AA e AB) não pode privar a locatária, ora A, dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil (art.º 109.º CIRE) referimo-nos o direito de preferência na compra e venda do locado nos termos do artigo 1091.º conjugado com os artigos 416.º a 418.º e 1410 do CC. Os imóveis AA e AB ainda não foram adjudicados à credora … … SARL ou a qualquer outro credor da insolvente. Perante a conduta da R não resta, à A, outra alternativa que não seja de realizar coercivamente o contrato projectado, da prestação a que a obrigada à preferência (a R) estava vinculada, mediante a intervenção do tribunal, decorrente de um verdadeiro direito potestativo, uma vez que a A constitui-se titular de um direito sobre a coisa mediante uma simples declaração unilateral de vontade. De facto, efectuada a proposta pelo obrigado a oferecer a preferência e aceite pelo respectivo beneficiário, não pode aquele dar o dito por não dito, alegando que já não pretende vender.
III.4.5. Em causa o entendimento pela Autora locatária daquelas lojas e alegada titular do direito de preferência sobre as mesmas de que se consolidou na esfera jurídica da massa insolvente a sujeição à concretização do negócio nos termos propostos e aceites e que não o tendo feito o senhor administrador da insolvência ocorre, naturalmente, irregularidade que importa colmatar mediante a substituição,  na medida em que as lojas não foram adjudicadas à outra propoente, substituindo-se esta pela autora na escritura de compra e venda. A liquidação destina-se à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores, havendo, para isso que proceder à cobrança dos créditos e à venda da massa insolvente, por forma a obter os respectivos valores nos termos dos art.ºs 55 e 158 do CIRE.
 III.4.6. Inquestionável que de acordo com o art.º 55/1/a, a liquidação é da competência do administrador da insolvência, corre por apenso ao processo principal de insolvência (art.º 170) e que é ao administrador de insolvência que de acordo com o art.º 164 pertence a escolha da modalidade da alienação dos bens, resultando do ponto 10 do preâmbulo do CIRE o desaparecimento da possibilidade de impugnação, junto do juiz, dos actos do administrador da insolvência, sem prejuízo dos poderes de fiscalização e de destituição por justa causa.
III.4.7. O regime fixado no n.º 1, do art.º 164, diverge do antecedente do CPEREF pois agora é possível o recurso a modalidades de alienação dos bens integrantes da massa insolvente diferentes das tipificadas na lei processual comum, sendo a escolha da sua responsabilidade e segundo o seu critério tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores quando antes o liquidatário judicial necessitava da prévia concordância da comissão de credores (cfr. art.º 181/1 e 2 do CPEREF), o que de modo significativo reforça os poderes do administrador e satisfaz a intenção de desjudicialização.
III.4.8. Esse artigo há-de harmonizar-se com o disposto no art.º 161 do CIRE.
III.4.9. O n.º 3, do art.º 161, refere que constituem, designadamente, actos de especial relevo a venda da empresa de estabelecimento ou da totalidade das existências, alienação de bens necessários à continuação da exploração da empresa, alienação de participações noutras sociedades destinada a garantir o estabelecimento com estas de uma relação duradoura, aquisição de imóveis, celebração de novos contratos de execução duradoura, assunção de obrigações de terceiros e constituição de garantias etc. Trata-se, como diz Carvalho Fernandes em anotação ao preceito, de uma mera enunciação destinada a excluir controvérsia sobres os tipos enumerados, mas os actos de especial relevo são os actos de relevo para o processo de insolvência para cuja qualificação como auxilia o n.º 2 do art.º 161, se deve atender aos riscos envolvidos e às suas repercussões sobre a tramitação ulterior do processo, às perspectiva de satisfação dos credores da insolvência e à susceptibilidade de recuperação da empresa (n.º 2 do art.º 161); como refere o mesmo autor, os actos mais significativos são os que respeitam à decisão sobre negócios não cumpridos e os de cobrança de créditos de que a massa é titular.
III.4.10 Do que se trata é de estabelecer os limites da autonomia do administrador da insolvência no que respeita à liquidação, identificando o legislador um conjunto de actos cuja prática, no respeito da legalidade, deve ser precedida do consentimento da comissão de credores- quando exista- ou na hipótese contrária de deliberação favorável da assembleia de credores; o que em primeira linha decorre do artigo é um dever acometido ao administrador judicial de, na hipótese contemplada, prover à prévia obtenção da autorização necessária e por corolário não agir sem ela, dever cuja violação traduzida na prática de actos abrangidos sem o apropriado consentimento constitui sem dúvida justa causa de destituição e fundamento de responsabilidade civil, ocorrendo os demais pressupostos[3]. A alínea g) estatui que se considera acto de especial relevo a “alienação de qualquer bem da empresa por preço igual ou superior a €10.000 e que represente, pelo 10% do valor da massa insolvente tal como existente à data da declaração de insolvência, salvo se se tratar de bens do activo circulante ou for fácil a sua substituição por outro da mesma natureza”. É verdade que o art.º 163 do CIRE estatui que a violação do disposto nos artigos 161 e 162 não prejudica a eficácia doa actos do administrador da insolvência excepto se as obrigações por ele assumidas excederem, manifestamente as da contraparte sem prejuízo da responsabilização do administrador e da justa causa da sua destituição. Não é, contudo, o exercício da responsabilização do administrador que a Autora aqui exerce, o que a Autora pretende é ser ela a constar da escritura da compra e venda das lojas e uma vez que não ocorreu a adjudicação serem a ela adjudicadas as lojas. Dispõe o art.º 165 do CIRE que aos titulares de direito de preferência é aplicável o disposto para o exercício dos respectivos direitos na venda em processo executivo.
III.4.11. Do que decorre do alegado pela Autora a proposta de aquisição pela Autora terá sido levada à apreciação da comissão de credores e foi aceite; a procedência da acção tem não só óbvia interferência naquele procedimento de liquidação na insolvência levado a cabo pelo senhor administrador de insolvência como sobre os credores naquela execução universal. Estando assente que se não trata de uma acção pendente à data da declaração de insolvência tratando-se de acção posterior uma vez que se encontra a insolvência em fase de liquidação. O art.º 109/3, do CIRE, estatui que a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância, designadamente o direito legal de preferência previsto no art.º 1091 e 112/4 do CCiv. Tendo havido irregularidade por parte do senhor administrador, independentemente se saber se à Autora assiste ou não razão, se tem ou não direito à pretensa substituição na escritura de compra e venda, tal como acontece com o exercício do direito à anulação de venda por não se ter tomado em consideração algum ónus ou limitação que devendo ter sido tomado em consideração o não foi, a pretensão só pode ter lugar na própria execução (art.º 838 do CPC) que é como quem diz no processo de insolvência, naturalmente por apenso ao processo de insolvência. Por maioria de razão a acção em que o preferente muito embora não formulando a anulação da venda pede a sua substituição no lugar do comprador na escritura de compre e venda das lojas por alegada preterição de formalidades, independentemente de saber se lhe assiste ou não razão e se a acção procede deve ter lugar no processo de insolvência e por apenso a ele sendo essa competência por conexão ainda uma manifestação da competência em razão da matéria nos termos do mencionado art.º 128/1 a e 3 da LOSJ[4]. E tratando-se de competência material que não territorial como sugere a apelante) e que importa a remessa dos processos para o tribunal territorialmente competente (art.º 105/3] a consequência da preterição das regras da competência material é a absolvição da instância (art.º 99/1)[5].

IV- DECISÃO
Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.

Regime da Responsabilidade por Custas: as custas são da responsabilidade do apelante que decai e porque decai.

Lxa., 16 de março de 2023
Vaz Gomes
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
_______________________________________________________
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5, 8, e 7/1 (a contrario sensu) da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 considerando que o processo de insolvência é de 2015; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2]   "Noções Elementares de Processo Civil", Coimbra Editora, 1979, págs. 91 e 94-95
[3] João Labareda e Carvalho Fernandes em anotação ao art.º 161, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Iuris, 2013, pág. 636
[4] Cfr entre outros os acs RP de 03-05-2011 no processo 158/07.9TJPRT-B.P1 relatado por  ANA LUCINDA CABRAL,  de 13-07-2022 no processo 63/21.5T8MAI.P1, relatado por PEDRO DAMIÃO E CUNHA
[5] Divergimos aqui do sentenciado no AcRE de 21-03-2013, no processo731/12.2TBSTB-A.E1 relatado por MARIA ISABEL SILVA e referido pela apelante nas suas alegações.