Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4163/14.0T8LRS-C.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA CONDENATÓRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
FACTOS SUPERVENIENTES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: I – No título executivo sentença condenatória cabe a parte condenatória da ação de simples apreciação em que, ao pedido de reconhecimento da existência ou inexistência de um facto ou de um direito, o autor tenha cumulado um pedido de condenação.
II – Não podem, em sede de embargos de executado, ser opostos factos que:
- quanto à existência e conteúdo da obrigação exequenda, foram alegados e já julgados na sentença condenatória que serve de título executivo;
- não obstante poderem ter sido alegados na ação declarativa, não o foram, ficando, por isso, precludida, por efeito do caso julgado, a sua invocação na oposição à execução.
III – É que, como é sabido, a alegação dos factos pelas partes, está sujeita ao chamado princípio da concentração temporal da defesa no momento da contestação, conforme decorre do art. 571º, nº 1, do C.P.C.
IV – Preclusão é a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização, o que significa que uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico.
V – Na oposição à execução, os embargantes têm o ónus de concentrar, na petição inicial dos embargos, todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado, implicando a inobservância deste ónus de concentração, em sede de execução, a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição, o mesmo é dizer, não podem invocar, na ação executiva, factos que poderiam e deveriam ter invocado naquela petição.
VI – Em caso de superveniência da matéria da oposição, impende sobre os executados/embargantes o ónus de demonstrarem que não lhes é imputável o não conhecimento dos factos supervenientes até ao termo do prazo contado da citação
VII – Suposto sendo, evidentemente, que os factos sejam não só supervenientes, mas também que constituam fundamento legal para dedução de oposição à execução.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal de Relação de Lisboa:
I – Relatório:
AM intentou, no Tribunal Judicial da Comarca do ___, ação declarativa contra MC e marido, JM, alegando ser comproprietário (na proporção de 3/16 avos), juntamente com a ré mulher, sua irmã (também titular na proporção de 1/3), e outros, do prédio misto denominado CVF, sito no lugar com o mesmo nome, freguesia do ___, concelho do ___, descrito na Conservatória do Registo Predial de ___ sob os nºs ___.
Os réus são proprietários do prédio sito na Rua da ___, nº ___, descrito na Conservatória do Registo Predial do ___ sob o nº ___-freguesia do ___.
O acesso ao prédio denominado CVF faz-se, desde sempre, através de um caminho que o atravessa sensivelmente a meio, continuando pelo prédio dos réus da Rua da ___.
Trata-se de um caminho que sempre foi utilizado pelos diversos comproprietários do prédio CVF, incluindo os réus, para acederam ao mesmo.
Sucede que os réus colocaram um portão na parte do caminho que entra pelo seu prédio da Rua da ___, o qual trancaram com uma corrente e um cadeado, assim impedindo o acesso ao prédio CVF por parte do autor e dos demais comproprietários desse prédio.
AM pediu nessa ação, além do mais:
- que o tribunal reconhecesse a existência, a favor do prédio CVF, e sobre o prédio da Rua da ___, de uma servidão de passagem de pé e carro, validamente constituída por usucapião;
- que o tribunal o reconhecesse como titular do direito de passagem e uso sobre tal certidão;
- a condenação dos réus a procederem à retirada do portão por eles colocado e que impede o exercício do seu direito de passagem.
*
Na 1.ª instância a ação foi julgada improcedente, e os réus absolvidos dos pedidos contra eles formulados pelo autor.
*
Inconformado, o autor naquela ação, AM, recorreu para esta Relação, que por acórdão de 27 de fevereiro de 2014 reconheceu constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de pé e carro, de que beneficia o prédio CVF e onera o prédio da Rua da ___, e condenou os réus naquela ação a procederem à retirada do portão por estes ali mandado construir.
*
Transitado em julgado aquele acórdão, com a alegação de que os réus na dita ação declarativa, aqui executados/apelantes, não procederam à retirada do portão, o ali autor, aqui exequente/apelado, instaurou contra eles, em 8 de julho de 2014, ação executiva para prestação de facto, com vista à retirada coerciva daquele portão, de que estes autos de recurso em separado constituem apenso.
MC e marido, JM deduziram, no dia 19 de setembro de 2014, oposição à execução, alegando, com interesse, o seguinte:
«(...)
O prédio dominante de que o exequente se arroga dono e referido no Acórdão que que serve de título executivo não existe.
Inexistindo prédio dominante, a sentença é inexequível e portanto inexigível a obrigação, o que desde já se invoca.
Por outro lado, o exequente não é dono de qualquer outro prédio dominante, que onere os prédios dos Executados, impugnando-se assim todos os artigos insertos no requerimento inicial.
Os executados não são donos de qualquer prédio rústico serviente.
No concelho do ___, os executados são donos e legítimos proprietários, de um prédio urbano e de um prédio misto, que se encontram registados a seu favor - cfr. doc 1 e 2, que se protesta juntar.
Sendo que, sobre nenhum destes prédios incide qualquer ónus ou encargo - cfr. doc. 1 e 2 que se protesta juntar.
Conforme dispõe a alínea a) do nº 1 do artigo 2º do Código de Registo Predial, as servidões prediais estão sujeitas a registo obrigatório na Competente Conservatória do Registo Predial.
O que in casu não sucede porquanto, não obstante o acórdão, inexiste qualquer servidão passível de registo, nem prédio sobre o qual pudesse ser registada
Inexistindo qualquer prédio dominante, qualquer prédio serviente ou qualquer servidão predial, a presente execução terá de improceder.
De igual modo, não aceitam os executados o prazo dado pelo exequente para a retirada de um portão, uma vez que não existe servidão, devendo por conseguinte improceder o pedido de sanção pecuniária compulsória.
Face à inexigibilidade da obrigação, pelo facto de exequente não ser proprietário de qualquer prédio dominante, deverá a execução ser suspensa, sem prestação de qualquer caução - cfr. alínea c) do nº 1 do artigo 733º por força do nº 2 artigo 551º ambos do Código de Processo Civil.».
(...)
Nestes termos e nos melhores de direito deverá a presente oposição ser aceite, considerada procedente por provada e em consequência ser extinta a presente execução».
O tribunal a quo decidiu assim tal oposição:
«Dispõe o artigo 732º do Código de Processo Civil que são de indeferir liminarmente os embargos quando:
a. Tiverem sido deduzidos fora do prazo [20 dias a contar da citação - artigo 728°];
b. O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729° a 731°;
c. Forem manifestamente improcedentes.
Os presentes embargos de oposição à execução para prestação de facto reconhecida e ordenada judicialmente, têm por base a alegada inexistência do prédio dominante (prédio do exequente), o que torna a sentença inexigível e, por conseguinte, a obrigação inexigível.
Quando a execução se funde em sentença, os fundamentos dos embargos restringem-se aos elencados no artigo 729° do Código de Processo Civil, a que acresce o fundamento especificamente previsto no artigo 868° nº 2 para as execuções para prestação de facto.
São limitados, por razões evidentes de segurança e confiança jurídica, os fundamentos possíveis de oposição a execuções baseadas em sentença judicial condenatória - não podendo ser nesta sede apreciadas questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa.
A inexigibilidade da obrigação exequenda constitui um dos fundamentos possíveis de oposição à execução - artigos 729° alínea e) e 713° do Código de Processo Civil.
O fundamento alegado pelos aqui embargantes de alegada inexistência do prédio dominante (prédio do exequente), constitui uma questão de facto que se não foi deveria ter sido invocada no processo declarativo, não podendo aqui ser invocada.
Pelos motivos expostos, indefiro liminarmente os presentes embargos».
Os executados MC e marido, JM, não recorreram desta decisão.
Acontece que os referidos executados apresentaram, na ação executiva, em juízo a 9 de novembro de 2016, requerimento com o seguinte teor:
«Conforme consta na oposição apresentada, nos artigos 1 a 5º inclusive e que aqui se dão por reproduzidos para os devidos e legais efeitos, os executados foram notificados do requerimento inicial e do documentos que o acompanhavam.
Tudo conforme consta no requerimento apresentado pela Sr.ª Agente de Execução de 4 de Maio de 2016 e agora notificado aos aqui executados.
Sucede conforme alegámos na oposição que o documento anexo ao requerimento executivo está incompleto.
O exequente apenas juntou parte do acórdão que serve de título executivo com o seu requerimento inicial, não logrando dar cumprimento ao artigo 10º da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto.
Foi este requerimento e parte do acórdão que serve de título executivo que foi junto pela Sr.ª Agente de Execução com a citação dos executados, conforme ela esclarece».
Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho, datado de 12 de junho de 2017, com a Ref.ª 134008468, e que consta de fls. 54, 1.ª parte da ação executiva:
«(...)
Face à natureza destes autos - execução de sentença condenatória - nada mais há a decidir, encontrando-se a matéria factual relevante e a ser tida em consideração nestes autos já definida por decisão transitada em julgado.
Notifique».
Posteriormente, em 13 de novembro de 2017, os executados apresentaram novo requerimento, que consta de fls. 115 da ação executiva, com a Ref.ª 26041202, com o seguinte teor:
«MC e marido JM, executados nos autos acima identificados, vêm informar V. Exa. que são donos e legítimos possuidores do prédio misto, denominado CVF, sito nos Casais do ___, freguesia do ___, concelho do ___ descrito na Conservatória do Registo Predial de ___ sob o nº ___ e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ___ e na matriz predial rústica sob artigo ___ da Secção I da referida freguesia do ___ - cfr. doc. 1, 2 e 3; São ainda donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua da ___ nº ___, também no lugar de Casais do ___, descrito na Conservatória do Registo Predial de ___ sob o nº ___ e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ___ - cfr. doc. 4 e 5, - respetivamente prédio dominante e serviente mencionados no título executivo.
Ora, salvo melhor opinião, e uma vez que a propriedade do prédio serviente e do prédio dominante pertence aos executados, entendem ser desnecessário a retirada de qualquer portão de um dos seus prédios».
Sobre este requerimento recaiu o despacho contante de fls. 125 da ação executiva, datado de 4 de janeiro de 2017, Ref.ª 125744959, com o seguinte teor:
«Requerimentos com as referências 5822225, 5826095 e 58425921[1]:
Quanto à matéria factual, reitera-se a 1.ª parte do despacho de 12-06-2017».
Os executados não se conformam com este despacho, pelo que dele interpuseram recurso, que foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Esse recurso deu origem ao apenso B), no qual foi proferida decisão sumária ao abrigo do disposto nos arts. 652º, nº 1, al. c) e 656º, do C.P.C., datada de 12 de setembro de 2018, com a Ref.ª 133___293 (fls. 124-134 daquele apenso), de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Por todo o exposto, decide-se anular a decisão recorrida e ordenar a devolução dos autos à primeira instância para que o tribunal a quo profira efetiva decisão sobre o requerimento que os executados, aqui apelantes, apresentaram em 13 de novembro de 2017 na ação executiva, a fls. 112, com a Ref.ª 26041202 (...)».
Desta decisão sumária do relator não houve reclamação para a Conferência.
No cumprimento da decisão sumária do relator, o juiz a quo proferiu, na ação executiva, a decisão datada de 2 de dezembro de 2018, com a Ref.ª 139060187, com o seguinte teor:
«Em obediência ao superiormente ordenado mediante a decisão de 12-09-2018 do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, segue infra novo despacho.
*
Para melhor esclarecimento, consigna-se o seguinte:
A. Consta do sistema electrónico requerimento inserido a 09-06-2017, apresentado pelos executados MC e JM, com a referência citius nº 5590479 e a referência de articulado nº 26041202.
Este requerimento é do seguinte teor:
«MC e marido JM, executados nos autos acima identificados, vêm informar V. Exa. que são donos e legítimos possuidores do prédio misto, denominado CVF, sito nos Casais do ___, freguesia do ___, concelho do ___ descrito na Conservatória do Registo Predial de ___ sob o nº ___ e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ___ e na matriz predial rústica sob artigo ___ da Secção I da referida freguesia do ___ – cfr. doc. 1, 2 e 3;
São ainda donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na Rua da ___ nº ___, também no lugar de Casais do ___, descrito na Conservatória do Registo Predial de ___ sob o nº ___ e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ___ – cfr. doc. 4 e 5 - respectivamente prédio dominante e serviente mencionados no título executivo.
Ora, salvo melhor opinião, e uma vez que a propriedade do prédio serviente e do prédio dominante pertence aos executados, entendem ser desnecessário a retirada de qualquer portão de um dos seus prédios.
Junta: 5 cinco documentos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.»
Este requerimento foi objecto de apreciação no despacho proferido a 13-06-2017 (inserido a 12-06-2017), com a referência Citius nº 134008468, do qual não foi interposto recurso, no seguinte segmento:
«Requerimento de 09/06/2017:
Face à natureza destes autos – execução de sentença condenatória – nada mais há a decidir, encontrando-se a matéria factual relevante e a ser tida em consideração nestes autos já definida por decisão transitada em julgado.
Notifique.».
B. O despacho (anulado) proferido a 04-01-2018, com a referência Citius nº 135744959 (inserido no sistema electrónico a 18-12-2017) recaiu sobre os seguintes requerimentos:
I. requerimento inserido no sistema electrónico a 08-08-2017, apresentado pelos executados MC e JM, a que corresponde a referência Citius nº 5822225;
II. requerimento inserido no sistema electrónico a 09-08-2017, apresentado pelo exequente AM, a que corresponde a referência citius nº 5826095 e a referência do articulado nº 26546440;
III. requerimento inserido no sistema electrónico a 17-08-2017 apresentado pelos executados MC e JM, a que corresponde a referência citius nº 5842592 e a referência do articulado nº 26573403.
C. Consta da consulta do sistema electrónico um único requerimento inserido a 13-11-2017, apresentado pelo exequente AM, correspondente ao requerimento com a referência citius nº 6177780 e com a referência do articulado nº 27323648.
Este requerimento é do seguinte teor: «AM, Exequente nos autos de processo à margem referenciados, na sequência do alegado pelos Executados da existência de uma escritura de justificação, na qual alegam ser os únicos donos do prédio rústico em causa, e em virtude das declarações prestadas do âmbitos da referida escritura serem falsas, foi interposto pelo Exequente a respectiva acção de impugnação, motivo pelo qual se requerer a V.Exa. a junção aos autos do comprovativo da interposição da mesma. Junta: 1 (um) documento.».
Do sistema electrónico resulta que o requerimento referido em A. foi junto como documento a este requerimento de 13-11-2017, apresentado pelo exequente AM – cfr. páginas 72 a 74 do requerimento visualizado em formato “PDF”.
Do sistema electrónico resulta, ainda, que os documentos que em suporte papel correspondem a fls. 80/114 e 116 da acção executiva foram juntos como documentos a este requerimento de 13-11-2017, apresentado pelo exequente AM – cfr. páginas 3 a 71 e 75 do requerimento visualizado em formato “PDF”.
*
A questão factual suscitada pelos executados MC e JM, nos requerimentos cuja apreciação cumpre efectuar, consiste em serem os executados donos do prédio dominante e do prédio serviente desde Agosto de 2014 e não ser o exequente dono de qualquer prédio confinante com o prédio dos executados e, consequentemente, o pedido de extinção da execução por inutilidade superveniente da lide – cfr. requerimentos de 08-08-2017 e de 17-08-2017.
O exequente impugna o alegado pelos executados – cfr. requerimento de 09-08-2017.
Com interesse para a apreciação da questão supra mencionada resulta da análise dos autos o seguinte:
1. Em 18-07-2014, AM instaurou a presente acção executiva, para prestação de facto, contra JM e MC, apresentando como título executivo decisão judicial condenatória (cfr. acto inserido a 18-07-2014).
2. Consta do requerimento executivo, designadamente, o seguinte:
«1º - Por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do recurso interposto pelo A. ora Exequente, que revogou a decisão proferida na ação declarativa, a que a presente execução corre por apenso, foi reconhecida por usucapião, uma servidão de passagem a pé e de carro, de que beneficia o prédio do A. e ora Exequente e que onera o prédio dos Réus ora Executados, condenando-se os RR. a proceder à retirada do portão por estes ali mandado construir. (cfr. doc. 1 que se junta)
2º - Decisão essa que já transitou em julgado.
3º - Desde essa data, e até ao momento, os Executados ainda não procederam à retirada do referido portão, continuando portanto a impedir a utilização pelo Exequente da servidão em causa.
4º - Para a retirada do referido portão, referido em 1º, é suficiente o prazo de cinco dias.
5º - Ao abrigo do disposto nos artigos 868º nº 1 ex vi artº 874º, o Exequente pode requerer a aplicação da sanção pecuniária compulsória pelo período do incumprimento pelos Executados.
6º - Deixando-se ao prudente arbítrio de V.EXa. a fixação da mesma, sugerindo-se o valor diário de € 30,00 (trinta euros).
Nestes termos, após citação dos Executados deve ser fixado em cinco dias o prazo para a prestação do facto a que foram condenados, com a sanção pecuniária compulsória de € 30,00 (trinta euros) por cada dia após esse prazo sem que a prestação de facto se encontre cumprida.» (cfr. acto inserido a 18-07-2014).
3. Consta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 27-02-2014, dado à execução, designadamente, o seguinte:
IV. Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, reconhecendo-se constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé e de carro, de que beneficia o prédio do autor e onera o prédio dos réus, condenando-se os réus a proceder à retirada do portão por estes ali mandado construir, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida».
(cfr. actos inseridos a 18-07-2014 e a 22-07-2014).
4. Em 19-09-2014, os executados deduziram a oposição à execução, mediante embargos, que deu origem ao apenso A (cfr. acto inserido a 19-09-2014 no apenso A).
5. Mediante despacho proferido a 06-06-2017, do qual não foi interposto recurso, os embargos foram liminarmente indeferidos (cfr. despacho inserido a 06-06-2017 no apenso A e apenso A).
Apreciando.
Preceitua o artigo 10º, nº 5 do Código de Processo Civil que «Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.».
A presente execução foi instaurada com fundamento em acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 27-02-2014, o qual constitui, sem qualquer dúvida, título executivo – cfr. artigo 703º, nº 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Sob a epígrafe “Fundamentos de oposição à execução baseada em sentença”, preceitua o artigo 729º do Código de Processo Civil o seguinte:
«Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a ação declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.».
Em especial quanto à execução da prestação de facto, dispõe ainda o artigo 868º, nº 2, do Código de Processo Civil, que: «2 - O devedor é citado para, no prazo de 20 dias, deduzir oposição à execução, mediante embargos, podendo o fundamento da oposição consistir, ainda que a execução se funde em sentença, no cumprimento posterior da obrigação, provado por qualquer meio.».
A questão suscitada pelos executados e supra enunciada é matéria de oposição à execução.
A referida questão integraria o fundamento constante da alínea g), do artigo 729º, do Código de Processo Civil.
Conforme se constata da leitura da oposição à execução deduzida pelos executados e que deu origem ao apenso A, os executados alegaram, em suma, o seguinte:
– o prédio dominante não existe;
– o exequente não é dono de qualquer prédio dominante que onere os prédios dos executados;
– os executados não são donos de qualquer prédio rústico serviente;
– os executados são donos de um prédio urbano e de um prédio misto, sobre os quais não incidem quaisquer ónus ou encargo;
– os executados não aceitam o prazo dado pelo exequente para a retirada do portão porque não existe servidão;
– deve improceder o pedido de sanção pecuniária compulsória.
Conforme se pode constatar da leitura da decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução deduzida no apenso A, entendeu-se que a defesa dos executados não integrava nenhum dos fundamentos do artigo 729º ou o fundamento do artigo 868º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil.
Assim, a decisão que indeferiu liminarmente a oposição à execução deduzida pelos executados foi do seguinte teor:
«Dispõe o artigo 732º do Código de Processo Civil que são de indeferir liminarmente os embargos quando:
a. Tiverem sido deduzidos fora do prazo [20 dias a contar da citação – artigo 728º];
b. O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729º a 731º;
c. Forem manifestamente improcedentes.
Os presentes embargos de oposição à execução para prestação de facto reconhecida e ordenada judicialmente, tem por base a alegada inexistência do prédio dominante (prédio do exequente), o que torna a sentença inexigível e, por conseguinte, a obrigação inexigível.
Quando a execução se funde em sentença, os fundamentos dos embargos restringem-se aos elencados no artigo 729º do Código de Processo Civil, a que acresce o fundamento especificamente previsto no artigo 868º nº 2 para as execuções para prestação de facto.
São limitados, por razões evidentes de segurança e confiança jurídica, os fundamentos possíveis de oposição a execuções baseadas em sentença judicial condenatória – não podendo ser nesta sede apreciadas questões que já foram ou deveriam ter sido invocadas em sede declarativa.
A inexigibilidade da obrigação exequenda constitui um dos fundamentos possíveis de oposição à execução – artigos 729º alínea e) e 713º do Código de Processo Civil.
O fundamento alegado pelos aqui embargantes de alegada inexistência do prédio dominante (prédio do exequente), constitui uma questão de facto que se não foi deveria ter sido invocada no processo declarativo, não podendo aqui ser invocada.
Pelos motivos expostos, indefiro liminarmente os presentes embargos.
Custas pelos embargantes.
Registe, notifique e comunique.».
Nos termos do disposto no artigo 728º, nº 2, do Código de Processo Civil, é permitida a dedução de embargos com fundamento em matéria superveniente.
O prazo para a dedução de embargos com fundamento em matéria superveniente é de 20 dias contados a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado (e não contados da data da citação como ocorre nas demais situações) – cfr. artigo 728º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Como já se enunciou supra, os autos de execução não são a sede própria para a discussão factual que os executados pretendem suscitar.
A sede própria para tal discussão só poderia ser a oposição à execução.
Em 19-09-2014, os executados deduziram a oposição à execução, que deu origem ao apenso A, cuja petição inicial foi indeferida liminarmente, por decisão de 06-06-2017, da qual não foi interposto recurso.
No requerimento de 17-08-2017 os executados afirmam o seguinte «Sucede que os Executados são donos da totalidade do prédio dominante, desde Agosto de 2014, como se pode verificar pelos documentos junto aos autos, antes referidos.».
Atente-se que a decisão dada à execução (acórdão) foi proferida a 27-02-2014 e os executados alegam ser donos do prédio dominante e serviente, agora, desde Agosto de 2014.
A oposição à execução, que deu origem ao apenso A e que foi objecto de indeferimento liminar, foi deduzida a 19-09-2014, ou seja, em data posterior a Agosto de 2014, pelo que, era naquela que competia aos executados fazer a alegação de que eram donos do prédio dominante e do prédio serviente desde Agosto de 2014, o que não fizeram.
Melhor explicando, se os executados alegam (agora) que a reunião do prédio dominante e do serviente na pessoa dos executados se verificou em Agosto de 2014, então, é evidente que em Setembro de 2014, quando deduziram a oposição à execução, tal facto já era do conhecimento dos executados e, nesta medida, deveriam tê-lo invocado, o que não fizeram, conforme se verifica, quer pela leitura da petição inicial de oposição à execução, quer pela leitura do despacho que a indeferiu liminarmente.
E neste momento também já não o podem fazer, por se mostrar precludido o prazo para a dedução de novos embargos com este fundamento.
Conforme já se referiu anteriormente, é permitida a dedução de embargos com fundamento em matéria superveniente, a deduzir no prazo de 20 dias contados a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
Uma vez que os executados afirmam que são donos do prédio dominante e do prédio serviente desde Agosto de 2014, era no prazo de 20 dias a contar daquela data que poderiam e deveriam ter deduzido a oposição à execução com tal alegação (sendo para este Tribunal como certo que tal facto não poderia deixar de ser do conhecimento dos executados na data da sua alegada verificação).
A matéria relativa à reunião do prédio dominante e do prédio serviente na posse e propriedade dos executados podia fundamentar oposição à execução, mas desde que suscitada no prazo e pelo meio processual previstos na lei, isto é, através de oposição à execução, mediante embargos, a instaurar no prazo de 20 dias a contar da citação ou, tratando-se de matéria superveniente, no prazo de 20 dias a contar do dia em que ocorreu o respectivo facto ou dele tiveram conhecimento os executados.
Defender o contrário significaria, em nosso entendimento, esvaziar de conteúdo, em absoluto, o meio processual que a lei coloca à disposição do executado para se opor a uma execução (oposição à execução mediante embargos) e o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo para a utilização de tal meio.
De todo o exposto, conclui este Tribunal que os executados pretendem não só suscitar a discussão de matéria de facto que já se mostra definida por decisão judicial transitada em julgado (o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que se executa), como também, pretendem os executados fazê-lo através de meio processual que não é o próprio (mediante simples requerimento nos próprios autos de execução), o que não lhes é legalmente permitido.
A acrescer, os executados já utilizaram o meio processual que seria o próprio para a discussão factual pretendida, e no qual viram a sua pretensão ser liminarmente indeferida, sem que da decisão de indeferimento liminar tenham reagido através da interposição do competente recurso, conformando-se com ela, não podendo os executados utilizar, novamente, tal meio processual, nem com fundamento na superveniência da matéria que alegam, por se mostrar largamente ultrapassado o prazo para a dedução de embargos com esse fundamento.
Cumpre ainda dizer o seguinte:
Conforme consignado supra em C., do sistema electrónico resulta que os documentos que em suporte papel correspondem a fls. 80/114 e 116 da acção executiva foram juntos como documentos ao requerimento apresentado pelo exequente a 13-11-2017.
Através deste requerimento de 13-11-2017, apresentado pelo exequente, nenhuma questão sujeita a apreciação jurisdicional foi colocada a este Tribunal, a não ser que o Tribunal tomasse conhecimento da instauração pelo exequente de uma outra acção contra os executados (acção de simples apreciação negativa), respectiva petição inicial e documentos que a acompanharam.
Sem prejuízo, sempre se dirá que a instauração da dita acção em nada afecta o prosseguimento da presente execução nos seus trâmites normais.
É entendimento deste Tribunal – entendimento que se julga ser consensual na jurisprudência – que não existem causas prejudiciais em relação à execução, porquanto, no processo executivo não cabe proferir decisão sobre o fundo da causa, uma vez que o direito que o exequente pretende efectivar já se mostra declarado no título executivo.
É, assim, inaplicável ao processo de execução a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial nos termos do disposto no artigo 272º, nº 1, 1ª parte, do Código de Processo Civil.
O único interesse que se alcança do requerimento apresentado pelo exequente (e não pelos executados) a 13-11-2017 era o de alertar o tribunal para o facto da questão relacionada com a aquisição da propriedade continuar a ser litigiosa.
Ora, valem aqui as mesmas considerações que supra já se teceram e que se sintetizam da seguinte forma: está vedado ao juiz do processo de execução – fora do âmbito dos embargos de executado – reconhecer a inexistência do direito presumido pelo título dado à execução.
Com efeito, na execução desenvolve-se uma actividade essencialmente material, no caso, a prática de actos materiais relacionados com a prestação de facto pedida.
Assim, e salvo melhor entendimento, entende-se que estes documentos juntos pelo exequente (e não pelos executados) em nada alteram a conclusão deste Tribunal de que nada mais cumpre apreciar neste autos sobre a matéria de facto que se mostra fixada no título dado à execução.
Por todo o exposto, indefere-se o pedido de extinção da execução por inutilidade superveniente da lide expressamente formulado pelos executados no requerimento de 17-08-2017.
Notifique e comunique.
Loures, 02-12-2018».
*
É desta decisão, com a qual não concordam, que os executados MC e marido, JM, interpõem o presente recurso, admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Os apelantes concluem assim as respetivas alegações:
A) Quando o prédio dominante e o prédio serviente pertencem ao mesmo proprietário, qualquer servidão existente extingue-se.
B) Os prédios constantes do Acórdão que serve de título executivo estão na esfera patrimonial dos apelantes, facto demonstrado por documentos idóneos.
C) O remanescente do prédio dito dominante foi adquirido e registado em nome dos aqui apelantes após o trânsito em julgado do Acórdão que serve de título executivo e após a entrada em juízo da presente instância executiva, sendo tais factos supervenientes ao título executivo.
D) O Tribunal a quo deve ter em consideração os factos extintivos do direito que se produziram posteriormente à propositura da ação executiva.
E) A aquisição do prédio dito dominante pelos apelantes é um facto superveniente, extingue qualquer servidão existente, o que leva a que a continuação da lide não tenha qualquer utilidade.
F) Existe assim fundamento para a extinção da instância executiva por inutilidade superveniente da lide.
G) o Tribunal a fim de proferir decisão tem os poderes de cognição constantes do artigo 5º do Código de Processo Civil, não estando sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação da regra de direito.
H) Tendo os Apelantes deduzidos embargos de executados com os mesmos factos e documentos não pode o Tribunal após indeferimento liminar destes, indeferir similar pedido formulado nos autos principais, com o fundamento que os mesmos deviam ser objeto de embargos de executado.
I) Tal posição é contraditória e denegatória da Justiça.
J) A decisão do Tribunal "a quo" em manter o propósito de obrigar os apelantes a retirar um portão e permitir a passagem de terceiros nos prédios destes, viola a legalidade e ofende os direitos civis e constitucionais dos apelantes.
K) O Tribunal a quo com a sua postura viola o constante do nº 1 do artigo 1569º do Código Civil, o artigo 611º do Código de Processo Civil e o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos e nos melhores de Direitos que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá a Douta decisão de fls. …, proferida a 2 de Dezembro de 2018, ser revogada e substituída por outra que ponha termo à presente execução».
*
O exequente e ora apelado, AM, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida.
*
II – ÂMBITO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação dos apelantes, a única questão que se coloca consiste em saber se deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine a extinção da execução.
*
III – FUNDAMENTOS:
3.1 – Fundamentação de facto:
A factualidade relevante para a decisão do presente recurso é a que consta do relatório que antecede.
*
3.2 – Enquadramento jurídico:
É absolutamente correto o enquadramento jurídico efetuado na decisão recorrida quanto à pretensão deduzida na ação executiva pelos executados MC e marido, JM, no sentido de verem declarada extinta a execução.
O título dado à execução é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 27.02.2004, transitado em julgado, de cuja parte decisória consta, como se viu, o seguinte:
«Pelo exposto acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, reconhecendo-se constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a pé e de carro, de que beneficia o prédio do autor e onera o prédio dos réus, condenando-se os réus a proceder à retirada do portão por estes ali mandado construir, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida».
Trata-se, portanto, do título executivo a que alude o art. 703º, nº 1, al. a), do C.P.C., sentença condenatória, conceito que, conforme decorre do art. 152º, nº 3, do C.P.C., abrange os acórdãos.
Naquele título executivo cabe a parte condenatória da ação de simples apreciação em que, ao pedido de reconhecimento da existência ou inexistência de um facto ou de um direito, o autor tenha cumulado um pedido de condenação[2].
Os embargos de executado deduzidos pelos executados MC e marido, JM, em 19 de setembro de 2014, foram liminarmente indeferidos, nos termos acima assinalados, por decisão proferida 6 de junho de 2017, da qual não foi interposto recurso.
Não constituindo tal decisão, obviamente, o objeto do presente recurso, sempre se dirá que, efetivamente, os fundamentos invocados na petição dos embargos não cabem na previsão de qualquer uma das alíneas do art. 729º, do C.P.C..
A razão de ser da restrição dos fundamentos de oposição à execução no caso de esta se fundar em sentença condenatória é a tendencial imutabilidade do caso julgado, conducente a que os tribunais não tenham poder jurisdicional para julgar novamente o que já foi anteriormente decidido, com trânsito em julgado, na ação declarativa em que foi proferida a sentença dada à execução[3]; ou seja, os meios de defesa invocados pelo executado em sede de petição de embargos não podem ofender a força do caso julgado, de que a sentença condenatória dada à execução vem revestida[4].
Significa isto que, em sede de embargos de executado, não podem ser opostos factos que, quanto à existência e conteúdo da obrigação exequenda, foram alegados e já julgados na sentença condenatória que serve de título executivo, ou que, não obstante poderem ter sido alegados na ação declarativa, não o foram, ficando, por isso, precludida, por efeito do caso julgado, a sua invocação na oposição à execução. É que, como é sabido, a alegação dos factos pelas partes, está sujeita ao chamado princípio da concentração temporal da defesa no momento da contestação, conforme decorre do art. 571º, nº 1, do C.P.C.
Assim sendo, perante o decidido, com trânsito em julgado, pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.02.2004, e que constitui o título dado à execução na ação principal, não poderiam os executados MC e marido, JM, pretender discutir em sede de embargos de executado, as questões que suscitaram na respetiva, nos termos em que o fizeram.
Bem andou, por isso, a juíza a quo, ao indeferir liminarmente os embargos de executado, nos termos em que o fez a fls. 26-27 do apenso A).
A preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um ato processual pela parte depois do prazo perentório para a sua realização, sendo que uma das funções que realiza é a de estabilização: uma vez inobservado o ónus de praticar o ato, estabiliza-se a situação processual decorrente da omissão do ato, não mais podendo esta situação ser alterada ou só podendo ser alterada com um fundamento específico.
Quando referida a factos, a preclusão é correlativa não só de um ónus de alegação, mas também de um ónus de concentração; ou seja, de molde a evitar a preclusão da alegação do facto, a parte tem o ónus de alegar todos os factos relevantes no momento adequado.
A correlatividade entre o ónus de concentração e a preclusão significa que, sempre que seja imposto um ónus de concentração, se verifica a preclusão de um facto não alegado, mas também exprime que a preclusão só pode ocorrer se e quando houver um ónus de concentração. Se não for imposto à parte nenhum ónus de concentração, então ela pode escolher o facto que pretende alegar para obter um determinado efeito e, caso não o consiga obter, pode alegar posteriormente um facto distinto para procurar conseguir com base nele aquele efeito.
Sucede que na oposição à execução, os embargantes têm o ónus de concentrar, na petição inicial dos embargos, todos os fundamentos que podem justificar o pedido por eles formulado.
A inobservância deste ónus de concentração implica, em sede de execução, a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição[5].
Tal como refere Lebre de Freitas, «na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A não observância do ónus de excecionar, diversamente da não observância do ónus de não contestar ou do de impugnação especificada, não acarreta uma cominação, mas tão-só a preclusão dum direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso»[6].
Significa isto que, à luz do referido princípio da concentração, que os embargantes não podem invocar, na ação executiva, factos que poderiam e deveriam ter invocado em sede de petição inicial de embargos de executado.
Nos termos do art. 728º, nº 2, do C.P.C., «quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado».
 Neste caso, impende sobre os executados/embargantes o ónus de demonstrarem que não lhes é imputável o não conhecimento dos factos supervenientes até ao termo do prazo contado da citação[7]; suposto é, claro está, que os factos sejam não só supervenientes, mas também que constituam fundamento legal para dedução de oposição à execução[8].
Ora, tal como consta, e bem, da decisão recorrida, «em 19-09-2014, os executados deduziram a oposição à execução, que deu origem ao apenso A, cuja petição inicial foi indeferida liminarmente, por decisão de 06-06-2017, da qual não foi interposto recurso.
No requerimento de 17-08-2017 os executados afirmam o seguinte “Sucede que os Executados são donos da totalidade do prédio dominante, desde Agosto de 2014, como se pode verificar pelos documentos junto aos autos, antes referidos”.
Atente-se que a decisão dada à execução (acórdão) foi proferida a 27-02-2014 e os executados alegam ser donos do prédio dominante e serviente, agora, desde Agosto de 2014.
A oposição à execução, que deu origem ao apenso A e que foi objecto de indeferimento liminar, foi deduzida a 19-09-2014, ou seja, em data posterior a Agosto de 2014, pelo que, era naquela que competia aos executados fazer a alegação de que eram donos do prédio dominante e do prédio serviente desde Agosto de 2014, o que não fizeram.
Melhor explicando, se os executados alegam (agora) que a reunião do prédio dominante e do serviente na pessoa dos executados se verificou em Agosto de 2014, então, é evidente que em Setembro de 2014, quando deduziram a oposição à execução, tal facto já era do conhecimento dos executados e, nesta medida, deveriam tê-lo invocado, o que não fizeram, conforme se verifica, quer pela leitura da petição inicial de oposição à execução, quer pela leitura do despacho que a indeferiu liminarmente.
E neste momento também já não o podem fazer, por se mostrar precludido o prazo para a dedução de novos embargos com este fundamento.
Conforme já se referiu anteriormente, é permitida a dedução de embargos com fundamento em matéria superveniente, a deduzir no prazo de 20 dias contados a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
Uma vez que os executados afirmam que são donos do prédio dominante e do prédio serviente desde Agosto de 2014, era no prazo de 20 dias a contar daquela data que poderiam e deveriam ter deduzido a oposição à execução com tal alegação (sendo para este Tribunal como certo que tal facto não poderia deixar de ser do conhecimento dos executados na data da sua alegada verificação).
A matéria relativa à reunião do prédio dominante e do prédio serviente na posse e propriedade dos executados podia fundamentar oposição à execução, mas desde que suscitada no prazo e pelo meio processual previstos na lei, isto é, através de oposição à execução, mediante embargos, a instaurar no prazo de 20 dias a contar da citação ou, tratando-se de matéria superveniente, no prazo de 20 dias a contar do dia em que ocorreu o respectivo facto ou dele tiveram conhecimento os executados.
Defender o contrário significaria, em nosso entendimento, esvaziar de conteúdo, em absoluto, o meio processual que a lei coloca à disposição do executado para se opor a uma execução (oposição à execução mediante embargos) e o efeito preclusivo associado ao decurso do prazo para a utilização de tal meio.
De todo o exposto, conclui este Tribunal que os executados pretendem não só suscitar a discussão de matéria de facto que já se mostra definida por decisão judicial transitada em julgado (o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que se executa), como também, pretendem os executados fazê-lo através de meio processual que não é o próprio (mediante simples requerimento nos próprios autos de execução), o que não lhes é legalmente permitido.
A acrescer, os executados já utilizaram o meio processual que seria o próprio para a discussão factual pretendida, e no qual viram a sua pretensão ser liminarmente indeferida, sem que da decisão de indeferimento liminar tenham reagido através da interposição do competente recurso, conformando-se com ela, não podendo os executados utilizar, novamente, tal meio processual, nem com fundamento na superveniência da matéria que alegam, por se mostrar largamente ultrapassado o prazo para a dedução de embargos com esse fundamento».
Assiste, como já se disse, inteira razão à juíza a quo, nada mais havendo a acrescentar, por absolutamente desnecessário, impondo-se, por isso, confirmar a bem fundamentada decisão recorrida.
*
IV – DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes – art. 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 28 de maio de 2019
(Acórdão assinado eletronicamente)
Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1] Os n.ºs referenciais devem-se, por certo, a lapso do juiz a quo, pois o requerimento apresentado pelos executados em 13 de novembro de 2017, constante de fls. 115 da ação executiva, tem a Ref.ª 26041202; a não ocorrer lapso na numeração referencia, então, teríamos de concluir que o juiz a quo simplesmente ignorou aquele requerimento.
[2] Cfr. Rui Pinto, A Ação Executiva, AAFDL Editora, 2018, p.151.
[3] Cfr. Rui Pinto, Ob. cit., p. 375.
[4] Cfr. Ac. do S.T.J. de 25.05.2000, Proc. n.º 00B372 (Costa Soares), in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Acs. do S.T.J. de 04.04.2017, Proc. n.º 1329/15.9T8VCT.G1.S1, e de 18.03.2019, Proc. n.º 751/16.8T8LSB.L2.S1 (ambos relatados pelo Cons. João Rainho), in www.dgsi.pt.
[6] A Ação Executiva à Luz do  Código de Processo Civil de 2013, 7.ª Edição, Gestlegal, 2017, p. 217,
[7] Ac. do S.T.J. de 09.11.2000, Proc. n.º 2334/00, Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano 2000.
[8] Ac. da R.L. de 22.06.2006, Proc. n.º 4379/2006-6 (Fátima Galante), in www.dgsi.pt.