Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2272/05.5YYLSB-B.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: LIVRANÇA
PACTO DE PREENCHIMENTO
INTERPELAÇÃO PRÉVIA DOS AVALISTAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ALTERADA
Sumário: A necessidade de interpelação prévia dos oponentes, enquanto avalistas, não é exigida por lei e, se tal também não decorrer do pacto de preenchimento da livrança, a falta dessa interpelação prévia não conduz à inexigibilidade da obrigação exequenda.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:

              
MP e AP, por apenso à acção executiva nº 2272/05.5 YYLSB, vieram deduzir oposição à execução contra Novo Banco, S.A., pedindo que a mesma seja julgada procedente e, por conseguinte extinta a execução.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o julgamento e proferida sentença que julgou a oposição à execução procedente, e, em consequência, determinou a extinção da instância executiva a que os presentes autos correm por apenso, no que diz respeito aos executados MPe AP.

Inconformada com a decisão, a Exequente interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:
A)– Na sentença recorrida, o Tribunal a quo considerou que no âmbito dos presentes autos o Recorrente não logrou fazer prova do envio das cartas de interpelação aos Recorridos, determinando-se a absolvição da instância dos Recorridos.
B)– O Tribunal a quo entendeu que o ónus da prova relativamente ao envio da carta de
interpelação dos Recorridos pertencia ao Recorrente.
C)– Desde logo, entende o Recorrente que inexiste qualquer disposição legal que lhe imponha o envio das cartas de interpelação de forma registada ou registada com aviso de recepção.
D)– O ora Recorrente procedeu ao envio das cartas de interpelação que foram remetidas aos Recorridos.
E)– Na sentença recorrida, o Tribunal a quo não considerou como provado o envio das cartas, concluindo que as mesmas “podem nunca ter chegado ao seu destino, designadamente por extravio ou subtracção da correspondência”.
F)– Ora, exigir ao Recorrente, da forma como o fez o Tribunal a quo, que provasse o efectivo envio das cartas de interpelação para os Recorridos revela-se uma prova excessivamente difícil, aproximando-se da prova diabólica, dado que caberia ao Recorrente fazer prova documental do envio de uma carta simples.
G)– Ora, fazer prova documental deste envio da carta simples é impossível, quer seja para o Recorrente, quer para qualquer outra pessoa, seja ela singular ou colectiva.
H)– De acordo com o testemunho de AM ficou patente que a carta foi, efectivamente, enviada para os Recorridos, para a morada que havia sido fornecida pelos mesmos e que constava dos registos do Banco que, aliás, até se mantêm.
I)– Nessa perspectiva, deveria o Tribunal a quo fazer apelo à prova testemunhal para considerar como provado que a carta foi, efectivamente, remetida para os Recorridos.
J)– Deste modo, é evidente o erro na apreciação da prova produzida, quer de forma documental, quer testemunhal, dado que da mesma resulta claro o envio efectivo das cartas de interpelação.
Ainda que não se considere como provado o envio da carta, a consequência dessa eventual falta de interpelação não poderá ter como consequência a absolvição da instância, nos termos em que o fez o Tribunal a quo.
L)– Na verdade, ainda que não seja apresentada a pagamento, a livrança não perde o seu requisito da exequibilidade, seja em relação ao subscritor ou aos avalistas.
M) Assim sendo, nada obsta a que o Recorrente viesse exigir o pagamento da mesma em sede de acção executiva.
N)– O próprio Tribunal a quo considerou como provado que os Recorridos foram citados em 08.04.2010, via postal com aviso de recepção na morada sita na Av. Clube de Caçadores, 56, Jovim, Gondomar.
O)– Nessa perspectiva e nos termos e para os efeitos do artigo 662.º, n.º 2, al. b) (em vigor à data de entrada dos presentes autos), correspondendo ao actual artigo 610.º, n.º 2 al. b) do CPC, quando a exigibilidade derive da falta de interpelação ou do facto de não ter sido pedido o pagamento no domicílio do devedor, a dívida considera-se vencida desde a data da citação.
P)– Desta forma, a falta de interpelação não acarreta a extinção da instância, mas apenas e só o vencimento da dívida desde a data da citação que, in casu, se reporta a 08.04.2010.
Q)– Face ao exposto, entende o Recorrente que a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare válida a interpelação efectuada pelo Recorrente ou,
subsidiariamente, que considere a obrigação válida desde a data da citação, em 08.04.2010.
Nestes termos e nos demais de Direito, com o douto suprimento de V.– Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a sentença recorrida, para todos os efeitos legais como é de Direito e Justiça!

Ambos os Executados apresentaram contra alegações, nas quais defenderam a confirmação da sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II–OS FACTOS

Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

1.–No dia 12/01/2005, a exequente deu à execução a livrança caução constante de fls. 43 dos autos de execução, nela figurando como Subscritora a sociedade comercial Nobreste – Restaurantes e Bares, Lda., e como avalistas os opoentes MP e AP, que apuseram as suas assinaturas no verso daquela livrança, por baixo dos dizeres “ Bom por aval ao subscritor”.
2.–A livrança de fls. 43 foi emitida em Lisboa no dia 18/05/1998, tem como vencimento a data de 30/09/2004, nela foi aposto o valor de € 88.292,29, e também nela constava que a sede da subscritora Nobreste –Restaurantes e Bares, Lda. se situava na Rua Cova da Moura, lote 2, 3º dtº, em Lisboa.
3.–A relação comercial subjacente ao preenchimento da livrança que serve de base à execução foi um Contrato de financiamento celebrado entre o exequente e a sociedade comercial Nobreste, Lda., nos termos do qual aquele concedeu a esta um empréstimo no valor de Esc. 30.000.000$00, para apoio de tesouraria, nos termos do documento de fls. 74 a 75 cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para os devidos efeitos legais.
4.–Como garantia do cumprimento desse acordo, a Nobreste, Lda. entregou ao exequente uma livrança por si subscrita e avalizada pelos ora opoentes, com montante e data do vencimento em branco, a qual foi acompanhada da respectiva autorização de preenchimento, na qual consta a assinatura dos aqui opoentes, na qualidade de avalistas, por baixo da declaração do seguinte teor: “ Para garantia e segurança do cumprimento das obrigações decorrentes da facilidade de crédito em conta empréstimo no valor de Esc. 30.000.000$00 em nome de Nobreste, Lda., à data do seu termo inicial ou das suas prorrogações, compreendendo o saldo que for devido, comissões e juros contratuais e de mora, junto remetemos livrança subscrita por Nobreste – Restaurantes e Bares, Lda. e avalizada por ( … ) MP, AP( … ), livrança esta, cujo montante e data de vencimento se encontra em branco para que esse Banco a fixe preenchendo a livrança na data que julgar conveniente, assim como proceda ao seu desconto.
Todos os intervenientes dão o seu assentimento à remessa desta livrança nos termos e condições em que ela é feita, pelo que assinam connosco esta autorização.
Lisboa, 18 de Maio de 1998

5.–O opoente MPnunca foi sócio ou gerente da sociedade comercial Nobreste – Restaurante e Bares, Lda., embora tenha aposto a sua assinatura na livrança que serve de base à execução, na parte destinada à assinatura do subscritor, e também no documento de fls. 74 e 75, no qual a Nobreste, Lda. deu o seu acordo às cláusulas relativas ao contrato de financiamento referido em 3 ( três ) dos factos provados, bem como na “ autorização de preenchimento “ de fls. 76, na parte destinada à vinculação da Nobreste, Lda. enquanto subscritora tendo declarado de todas essas vezes que actuava “ P` A Gerência”
6.–Arts. 30º e 31º da oposição à execução, provado apenas que os opoentes são casados entre si.
7.–Arts. 33º a 38º da oposição à execução, provado apenas que o opoente Manuel Ferreira Pinto detinha uma participação social na sociedade “ Lema, Lda. “, a qual, através de contrato-promessa celebrado em 25/07/2000, foi prometida ceder a LR, que por sua vez prometeu adquiri-la, tendo o contrato definitivo sido formalizado por escritura pública outorgada no dia 27/11/2000, tendo-se o aqui opoente obrigado a renunciar à gerência que vinha desempenhando na sociedade “ Lema, Lda.
8.–No requerimento executivo o exequente indicou como sendo a morada da executada/opoente a Rua X, Lisboa, e a morada do executado/opoente na Av. T, em Lisboa.
9.–Só em 24/01/2006 os autos foram pela primeira vez conclusos, tendo o Sr. Magistrado Judicial nessa mesma data proferido o seguinte despacho: “ Citem-se os executados – art. 812º, nº 6, do CPC.
10.–Em Junho e Setembro de 2006, veio o Sr. AE informar que se havia frustrado a citação dos executados na morada indicada no requerimento executivo, tendo as cartas sido devolvidas com a informação “ mudou-se “, e, nessa sequência, foram pedidas as devidas autorizações para aceder às bases de dados disponíveis a fim de apurar novas moradas dos executados, o que foi deferido por despacho proferido em 8/10/2007, notificado ao Sr. AE em 24/10/2007.
11.–Os executados foram citados no dia 08/04/2010, por via postal com aviso de recepção, na Av. TT, Gondomar.
12.– Arts. 27º da oposição e e 34º da contestação, provado apenas que o exequente redigiu as cartas de fls. 77 e 78, datadas de 08 de Setembro de 2004, dirigidas aos oponentes, nelas constando, no que diz respeito ao opoente, que a sua morada era na X, em Lisboa, e, em relação à opoente, que a sua morada era na Rua T, em Lisboa, onde informa, além do mais, que havia preenchido a livrança que havia caucionado as responsabilidades assumidas, pelo capital e juros calculados até 30/09/2004, data em que foi fixado o vencimento, tudo no valor de € 88.292,29, e que a livrança se encontrava a pagamento até  30/09/2004, e no caso de não ser liquidada iria proceder judicialmente contra eles------

III–O DIREITO.

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição deste Tribunal, as questões que importa conhecer são as seguintes:

1-Saber se os Executados/ avalistas foram interpelados
2-Consequências da eventual falta da interpelação.

1Na verdade os opoentes alegaram que a Exequente não lhes comunicou que iria ser preenchido o título e em que termos.
Na sentença recorrida argumentou-se deste modo, sobre esta questão:
« (…), no art. 34º da contestação, alegou o exequente, que em data anterior ao preenchimento do título cartular dado à execução (08/09/2004 ), os opoentes receberam a interpelação de preenchimento da livrança e a comunicação de que a mesma se encontrava a pagamento. E, para demonstrar tal facto, juntou à contestação as cartas de fls. 77 e 78.
Na resposta a estes documentos, alegaram os opoentes nunca terem recebido tais missivas.
Neste particular, apenas se provou, que o exequente redigiu as cartas de fls. 77 e 78, datadas de 08 de Setembro de 2004, dirigidas aos oponentes, nelas constando, no que diz respeito ao opoente, que a sua morada era na Av. X, em Lisboa, e, em relação à opoente, que a sua morada era na Rua T, em Lisboa, onde informa, além do mais, que havia preenchido a livrança que havia caucionado as responsabilidades assumidas, pelo capital e juros calculados até 30/09/2004, data em que foi fixado o vencimento, tudo no valor de € 88.292,29, e que a livrança se encontrava a pagamento até 30/09/2004, e no caso de não ser liquidada iria proceder judicialmente contra eles.
Conforme já se referiu aquando da fundamentação de facto, o dar-se como provado “ … dirigidas aos opoentes … “, não significa que o Tribunal tivesse julgado ter sido feita prova suficiente que tais cartas foram efectivamente remetidas aos opoentes. Com efeito, tal expressão apenas significa que os destinatários de tais missivas seriam os opoentes. No entanto, exigia-se que o exequente alegasse e fizesse prova, que efectivamente remeteu tais cartas aos opoentes.
Com efeito, as cartas de fls. 77 e 78, juntas com a contestação, são meras cartas simples. Não abarcando a simples remessa de uma carta por correio simples a alegação da efectiva entrega daquela ao seu destinatário. E que as cartas endereçadas pelo exequente aos opoentes, em 08/09/2004, caso tenham sido efectivamente remetidas e porventura não hajam sido devolvidas ao remetente não prejudica aquilo que se deu como provado no nº 12 dos factos provados.
Tais cartas – não registadas – podem nunca ter chegado ao seu destino, designadamente por extravio ou subtracção de correspondência. Posto o que a sua não devolução não implicaria qualquer presunção no sentido do seu efectivo recebimento pelos opoentes.
Anote-se, que no requerimento executivo, a exequente indica a Avª X, em Lisboa, como sendo o domicílio do executado/opoente. No entanto, a ter sido remetida a carta de fls. 77, terá sido apenas para o 3º piso. Por conseguinte, é motivo para nos interrogarmos em que ficamos? O executado tinha o seu domicilio no piso 3º dtº ou no piso 3º?
É que a exequente nem sequer juntou aos autos documentação assinada pelo executado/opoente da qual se pudesse concluir qual na morada pelo mesmo fornecida para efeitos de receber notificações relacionadas com o contrato celebrado com a exequente.
Por conseguinte, e conforme já se havia referido, o Tribunal tem dúvidas se a morada do executado seria no 3º dtº ou apenas no piso 3º, sendo certo que a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita – art. 414º do CPC.
E o mesmo se diga em relação à executada/opoente, pois, a exequente, mais uma vez, nem sequer juntou aos autos documentação assinada por aquela da qual se pudesse concluir qual na morada pela mesma fornecida para efeitos de receber notificações relacionadas com o contrato celebrado era na Rua T, lote 2, 3º dtº.
Segundo a testemunha AM, que trabalha para a exequente desde 1995, na área da recuperação de crédito, esta morada correspondia à da sede da sociedade executada.
Porém, o contrato subjacente à emissão da livrança teve como parte uma sociedade comercial, também executada, não se retirando dos autos que a executada pessoa singular tivesse igualmente intervenção nesse contrato, apenas se limitou a assinar a livrança enquanto avalista.
Embora não haja dúvidas que cabe aos oponentes a prova de factos impeditivos do exequente poder fazer valer seu direito, não nos parece, que no caso em apreço, seja exigido aos opoentes, enquanto avalistas, invocando a sua não interpelação prévia, fazer a prova de que as cartas a si endereçadas não lhes foram efectivamente enviadas e por isso eles não as receberam, pois isso cairia numa situação de prova diabólica que deve ser desde logo arredada, só lhes sendo exigível fazer a prova do não recebimento das cartas, ou do desconhecimento do seu teor, se à partida estiver dado como assente que a missiva lhes foi enviada, visando a sua interpelação.               
(…)
Em face da posição das partes no processo, ao direito que a exequente pretende fazer valer decorrente de livrança subscrita em branco, cabia a esta (pressupondo a necessidade prévia de interpelação e invocando os executados a inexistência de qualquer interpelação)  alegar e provar o modo ou a forma como foi feita a interpelação, e, caso o fosse por correio simples ou por correio registado com aviso de recepção, em qualquer dos casos provar o respectivo envio ao destinatário, sendo certo que neste último caso a prova se faz pela junção aos autos dos pertinentes documentos, só sendo então exigível aos avalistas, perante a demonstração dessa realidade, alegar e provar factos que não obstante o envio de tais carta se pudesse concluir por efectiva inexistência de interpelação.
Não tendo sido demonstrado pela exequente o envio das aludidas cartas para o efeito, não pode exigir-se aos executados o ónus de demonstrar  a realidade invocada da não interpelação, uma vez que esta prova de facto negativo só lhes pode ser imposta como ónus, desde que previamente se tenha por assente a demonstração por parte do credor da realização de actos tidos por idóneos a consubstanciar uma interpelação.
Nestes termos, entendemos que não se mostra feita a prova de ter existido interpelação prévia dos oponentes, enquanto avalistas, pelo que procede a oposição à execução, determinando-se a extinção da execução no que diz respeito aos executados, aqui oponentes (…)»

Importa, pois, apurar se, efectivamente, deve considerar-se feita ou não a interpelação dos executados/ avalistas.

Na verdade, os documentos de fls. 77 e 78, juntos com a contestação, são meras cartas simples. Não há pois prova suficiente de que as mesmas tenham sido enviadas aos seus destinatários, muito menos que as mesmas tenham sido recebidas pelos mesmos.
E nestas condições, e não obstante o depoimento da testemunha arrolada pelo ora Recorrente, AM, afigura-se-nos que os elementos probatórios recolhidos são insuficientes para formar uma convicção segura, quer relativamente ao efectivo envio das cartas quer, especialmente, sobre a sua recepção.
As razões apontadas pela 1.ª instância têm, assim, razão de ser.
É certo que não existe nenhuma obrigatoriedade legal de enviar cartas de interpelação pela forma registada ou registada com aviso de recepção. Contudo a opção por este meio resulta do senso comum, como a forma mais prudente de garantir a facilidade de prova da sua realização. A Apelante era obviamente livre de escolher a forma de interpelação que melhor entendesse, designadamente por meras cartas simples, não registadas. Porém, sujeitou-se às consequências dessa sua opção, maxime a dificuldade de prova patentes nos autos.
Também não se pode aplicar ao caso o disposto no art.º 224.º n.º2º do Código Civil. Desde logo, porque não se pode considerar provado que as cartas foram enviadas e, mesmo que assim fosse considerado, nem sequer temos prova de que as moradas constantes dos endereços dos Executados correspondam às suas moradas, pois não consta dos autos qual a morada fornecida pelo executado para efeitos de receber notificações relacionadas com o contrato celebrado e a executada nem subscreveu o contrato, apenas subscreveu a livrança como avalista.
Improcedem, pois, as conclusões de recurso relativamente ao erro de julgamento, quer relativamente à prova documental, quer no que respeita à prova testemunhal.

2.Vejamos agora a questão de saber quais as consequências jurídicas da falta de interpelação dos avalistas/ Executados.

A sentença recorrida determinou a extinção da execução, por não se ter feito a prova de ter existido a interpelação prévia dos oponentes, enquanto avalistas.

Ora, quanto a esta necessidade de interpelação prévia do avalista como condição de preenchimento da livrança, não se traduz em qualquer exigência legal e nem se demonstra que decorra do pacto de preenchimento.

Não se afigura assim, que estejamos perante uma situação de inexigibilidade da obrigação exequenda, como foi entendido pela 1.ª instância. [1]

O requisito de exigibilidade da obrigação exequenda, prescrito no art. 713.º do CPC, reveste a natureza de um pressuposto processual inerente à chamada exequibilidade intrínseca daquela obrigação e contempla as obrigações sujeitas a condição suspensiva ou as obrigações sinalagmáticas dependentes de uma prestação do credor ou de terceiro, como se alcança do disposto no art. 715.º, n.º 1, do Código. Nem tão pouco a falta de interpelação para efeitos de vencimento da obrigação exequenda se inclui naquela categoria de inexigibilidade, já que fica suprida pela citação do executado, conforme decorre dos arts. 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, al. b), do CPC. Considerando-se que a obrigação de aval dada à execução se constituiu validamente e que se encontra vencida, não se verifica, manifestamente, qualquer situação de inexigibilidade que releve nos termos dos arts. 713.º e 729.º, al. e), do CPC[2]

Por outro lado, como resulta do disposto no art.53.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças (LULL), a falta de apresentação a pagamento de uma livrança, apenas tem como consequência inutilizar o direito de regresso, mas não determina a decadência («decadenza») dos direitos contra o devedor principal – o emitente – ou o seu avalista.

A livrança, mesmo que não apresentada a pagamento na data respectiva, não perde a qualidade de título cambiário exequível contra o emitente e seus avalistas.[3]

Por conseguinte, a falta de interpelação dos avalistas/ executados não acarreta a inexigibilidade da dívida exequenda, mas apenas determina o vencimento da dívida desde a data da citação que, no caso, ocorreu em 08.04.2010. Assim, o cálculo de juros
peticionados terá de ser corrigido porque é devido apenas desde 08-04-2010.

Procedem, pois, nesta parte, as conclusões de recurso, devendo por conseguinte a oposição à execução ser julgada improcedente, excepto na parte que diz respeito ao cálculo de juros.
              
IV–DECISÃO.

Face ao exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso e, consequentemente, julgar improcedente a oposição excepto na parte respeitante ao cálculo de juros que deverão ser contados a partir da citação.
Custas pela Exequente e pelos Executados na proporção de 80% para estes e 20% para a Exequente.



Lisboa, 19 de Abril de 2018



Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal



[1]Vide neste sentido sobre esta questão, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-09-2017, disponível em www.dgsi.pt.
[2]Idem.
[3]Vide Acórdão do Supremo de Justiça de 29-10-2009, Processo 2366/07.2TBBRR-A.S1., disponível em www.dgsi.pt.