Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1316/18.5YLPRT.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE DESPEJO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
LOJA COM HISTÓRIA
PRINCÍPIOS DA SEGURANÇA JURÍDICA
DA BOA FÉ E DA TUTELA DA CONFIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que entrou em vigor em 24 de Junho de 2017, estabelece a imposição de impedimento da oposição à renovação do novo arrendamento que haja transitado para o NRAU, obrigando os senhorios, quanto a estes contratos de arrendamentos, atendendo às suas especiais natureza e características relacionadas com o significado histórico local da actividade comercial desenvolvida pela arrendatária no locado, bem como ao interesse geral dos munícipes das áreas onde se situam as ditas “lojas com história”, a conformarem-se com o seu prolongamento por um período adicional de cinco anos.
II – A normal e escorreita tramitação de um procedimento administrativo referente à atribuição da distinção “lojas com história”, que assenta em realidades históricas e sociais pretéritas, perfeitamente objectivas, apreensíveis e compreensíveis pela munícipes em geral, não deveria razoavelmente demorar cerca de um ano, frustrando em absoluto todas as legítimas expectativas acalentadas pela inquilina e que se fundaram nos princípios basilares da segurança jurídica e da tutela da confiança, os quais emanam directamente do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e cujo desrespeito ou não acatamento escrupuloso e absoluto deixarão profundamente abalados os próprios alicerces jurídicos de um Estado de Direito democrático.
III - Pelo que se deverá concluir, na situação sub judice, que a Ré inquilina, não obstante o desfasamento temporal entre o termo previsto do contrato e a data (posterior) da prática do acto administrativo que lhe confere a distinção de “loja com história”, deve beneficiar e beneficia - efectivamente e em pleno - do regime próprio consignado no artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, impondo-se ao senhorio o impedimento da oposição à renovação do contrato de arrendamento e o prazo adicional de cinco anos de vigência contratual.
IV - Ainda que se reconheça que o legislador, actuando prudentemente, deveria ter expressamente acautelado e evitado estas situações rodeadas de alguma incerteza, dúvida e indefinição, fruto da descuidada omissão de uma disposição legal transitória que afastasse de vez qualquer possibilidade de frustração de legítimas expectativas jurídicas, entende-se, nos termos gerais do artigo 9º, nº 3, do Código Civil, reconstituindo o pensamento legislativo a partir das soluções substantivamente mais acertadas, lógicas, coerentes e equilibradas, por fielmente conformes aos princípios essenciais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé, em vez de abrir a porta a interpretações puramente formalistas, oportunísticas e meramente tabelares susceptíveis de ferir o sentido de equilíbrio e de provocar evidente irritabilidade no sistema jurídico, interpretar a expressão “os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da referida lei, na redacção dada pela presente lei” como abrangendo na sua ratio legis, por um lado, a efectiva existência no locado de um estabelecimento comercial localmente histórico, reconhecido pelo município, por outro, a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio de candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor.
V - A circunstância de o senhorio haver disposto da possibilidade de se opor à renovação do contrato de arrendamento no termo de prazo de cinco anos acordado com a inquilina, e ter deixado de o poder fazer, por determinação do artigo 13º da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, por via do acréscimo de um prazo adicional de vigência do contrato de  cinco anos, com a indiscutível aplicação deste regime novo a uma situação pretérita, não ofende, a nosso ver, a proibição da retroactividade consagrada no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa
VI - Não existe na supra mencionada interpretação e aplicação do preceito legal qualquer afectação particularmente sensível e profundamente gravosa do núcleo essencial do direito de propriedade do senhorio que permita sustentar a inconstitucionalidade arguida, uma vez que se trata, tão somente, do mero proletamento, por tempo determinado e relativamente curto (cinco anos), da possibilidade de cessação do contrato de arrendamento que propicia a exploração comercial da reconhecida “loja com história”, por oposição do senhorio à renovação de um contrato de arrendamento, devido a razões que se prendem com o  interesse público autárquico e da comunidade lisboeta em geral, constituindo uma limitação que, pelo seu âmbito perfeitamente diferenciado, criterioso e muito particular, é absolutamente tolerável e aceitável pelo ordenamento jurídico, não ferindo o disposto no artigo 18º, nº 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
VII – O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, de alcance temporal definido, abarcando um conjunto circunscrito de arrendatários, motivada por razões de interesse geral a que a comunidade não pode ficar alheia,  insensível ou indiferente, não se traduz na afectação excessivamente penalizadora do senhorio, o qual não deixa de auferir a contrapartida monetária acordada para a cedência do gozo do imóvel e de poder vir a recuperar e a rentabilizar, a médio prazo, com termo absolutamente prédefinido, o imóvel que cedeu em locação.
VIII - Tais situações legalmente previstas, de natureza pontual, objectiva e sujeitas a um crivo especializado da entidade autárquica competente, devem ser compreendidas e contextualizadas na vertente da natureza social do direito de propriedade, neste caso do locador.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ).
I – RELATÓRIO
Intentou MJ… Procedimento Especial de Despejo (PED) junto do Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), contra Casa S…, Lda.
Alegou como fundamento para o despejo a oposição à renovação contrato, pelo Senhorio, nos termos da al. b), n.º1, do artigo 1097.º e 1110.º do Código Civil.
Procedeu à junção dos seguintes documentos: cópia de contrato de arrendamento de 30 de Março de 1995 e de comunicação de 14 de Julho de 2017, dirigida à R, mediante a qual lhe comunicou a oposição à renovação.
A Reu apresentou oposição, tendo alegado, em síntese, que:
O Requerente é parte ilegítima, porquanto não sendo o A o único proprietário do imóvel, ocorre preterição de litisconsórcio.
Tendo recebido a comunicação de 14 de Julho de 2017, opôs-se à não renovação do contrato de arrendamento, por comunicação de 3 de Agosto de 2017, mediante a qual informou que se havia candidatado ao programa lojas com história em Março de 2017.
Encontra-se distinguida como “loja com história” desde 18 de Dezembro de 2017, conforme deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, pelo que, sendo aplicável o disposto no artigo 13.º , n.º 3 da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, não assiste ao Requerente o invocado direito à oposição à renovação do contrato de arrendamento,
Concluiu pela ilegitimidade do Requerente e, subsidiariamente, pela improcedência do Procedimento.
A Oposição foi admitida e, notificado da Oposição, o Requerente impugnou, alegando essencialmente que:
-não ocorre preterição de litisconsórcio necessário, tanto mais que a alegação da Requerida não atenta à situação predial do imóvel, decorrente da Certidão da Conservatória do Registo Predial, que junta.
- no caso em apreciação não é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 13.º da Lei n.º 42/2017, de 14 de Junho, uma vez que a transição para o Novo Regime do Arrendamento Urbano se deu “por acordo” e não nos termos da lei então aplicável;
- não se verificam os fundamentos da oposição ao exercício do seu direito, na medida em que o reconhecimento da qualidade de “loja com história” à Requerente, em …
 de Julho de 2018, ocorre já após a extinção do contrato, decorrente da sua não renovação, operada em 30 de Abril de 2018.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou improcedente o presente procedimento de despejo e, em consequência, absolveu a R do pedido (cfr. fls. 233 a 237).
Apresentou o A. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 288).
Juntas as competentes alegações, a fls. 239 a 247, formulou o apelante as seguintes conclusões:
1. A questão a dirimir com o presente recurso incide somente sobre uma questão de Direito, pretendendo-se, unicamente, saber se, nos termos do artigo 1097.° do Código Civil (doravante CC), o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida cessou a 30 de Abril de 2018, em virtude da oposição à renovação do contrato atempadamente comunicada pelo Recorrente Senhorio; ou se, pelo contrário, o referido contrato não cessou, por o Autor/Recorrente, na qualidade de Senhorio, estar impedido de se opor à renovação do contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho.
2. A interpretação do artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, conjugado com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU no sentido de fazer retroagir à data de candidatura, os efeitos que a lei prevê para o reconhecimento, constituiu uma restrição (ilegítima e desproporcional) dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança na previsibilidade do Direito.
3. Já de si, o art. 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, deve ser considerado inconstitucional por constituir uma restrição ilegítima ao direito de propriedade privada (art. 62.° da CRP) e uma norma restritiva proibida à luz do art. 18.° da CRP. Inconstitucionalidade essa que desde já se invoca.
4. Mas ainda que preceito não seja considerado inconstitucional, as restrições que o mesmo estabelece deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais – cfr. n.°s 2 e 3 do artigo 18.° da CRP.
5. Sendo, por conseguinte, inconstitucional a interpretação do citado artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° NRAU no sentido de abranger no seu escopo estabelecimentos cujo processo de apreciação e qualificação como estabelecimento e entidades de interesse histórico e cultural ou social local não esteja concluída.
6. Pois tal configuraria, inequivocamente, uma aplicação retroactiva (proibida) do preceito que refere a existência, no locado, de “um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respectivo regime jurídico”.
7. Acresce que, no caso dos autos, em que se encontra esgotada toda a produção de efeitos contratuais relativa ao arrendamento, mais manifestamente contrária ao disposto no citado artigo 18.° da CRP seria uma interpretação do artigo 13.° da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU que abrangesse um estabelecimento ainda não classificado como estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local quer à data da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, quer à data devida pela desocupação.
8. O legislador, na Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, não previu, com a entrada em vigor desta, a suspensão imediata de despejos para estabelecimentos com o processo de reconhecimento em curso; como fez, por exemplo, no caso da Lei n.° 30/2018 que suspende com efeitos imediatos todos os processos de oposição à renovação e de denúncia de arrendamentos com arrendatários com mais de 65 anos ou deficiência superior a 60%.
9. Do que se deverá concluir que o legislador, conhecendo as suas possibilidades, optou por limitar a protecção conferida aos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local a partir da sua qualificação como tal.
10. O reconhecimento da qualidade de “Loja com História” do estabelecimento “Casa S…” apenas ocorre com a Deliberação de … de Julho de 2018 – Deliberação …/CM/… – cf. facto provado n.° 7.
11. Como tal, o reconhecimento do estabelecimento Casa S… como “Loja com História”, ao abrigo da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, só produz efeitos a partir de … de Junho  de 2018 – cf. artigo 155.° do CPA.
12. O acto administrativo de reconhecimento do estabelecimento Casa S… como “Loja com História” não reúne os requisitos para ter eficácia retroactiva, cf. artigo 156.° do CPA.
13. No entanto, o Tribunal a quo, fazendo retroagir à candidatura a suspensão que a lei determina para o acto em si, mais não faz do que uma aplicação retroactiva – proibida pelo art. 156.° do CPA - do acto administrativo.
14. A Ré/Recorrida submeteu a sua candidatura ao programa “Lojas com História” em 15 de Maio de 2017 – cf. Doc. 1 ora junto aos autos.
15. Conforme consta dos autos, a referida Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, entrou em vigor em 24 de Junho de 2017.
16. Assim, não tem razão o Tribunal a quo ao entender que a candidatura do estabelecimento “Casa S…” ao programa “Lojas com História” gerou uma expectativa no requerente digna de tutela, porquanto a limitação ao direito de oposição dos senhorios só passou a estar prevista na Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho.
17. O que significa que essa expectativa só poderia ser configurada por pessoas que submetessem candidaturas a estabelecimentos históricos depois da entrada em vigor da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, nunca antes.
18. A 15 de Maio de 2017, a Ré/Recorrida não tinha qualquer expectativa juridicamente tutelável relativamente à protecção conferida pela Lei n.° 42/2017, que justificasse a suspensão da possibilidade de produção dos efeitos da comunicação de oposição à renovação, até que fosse proferida decisão pela autoridade administrativa competente.
19. Conforme ensina a Doutrina na introdução ao estudo do Direito, existem diversas modalidades de interpretação: declarativa, extensiva, restritiva, revogatória, enunciativa, correctiva, teleológica e ab-rogante.
20. Ora, a interpretação “em termos hábeis” propugnada na Sentença do Tribunal a quo não se enquadra em nenhuma das modalidades de interpretação referidas, sendo uma modalidade ficcionada pelo Tribunal a quo para chegar à solução pretendida, quando mais nenhum outro argumento ou interpretação o permitia.
21. E é nesta interpretação hábil que o Tribunal a quo alicerça a sua decisão, não obstante toda a matéria dada com provada e a fundamentação de direito, nos presentes autos, imporem uma decisão em sentido contrário.
22. Por todo o exposto, considera-se provado que o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida cessou em 30 de Abril de 2018, em virtude da oposição à renovação válida e atempadamente comunicada pelo Senhorio, não existindo qualquer facto impeditivo da produção de tais efeitos.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser concedido total provimento ao presente recurso, proferindo-se uma decisão que determine que, nos termos do artigo 1097.° do Código Civil, o contrato de arrendamento entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida cessou em 30 de Abril de 2018, em virtude da oposição à renovação válida e atempadamente comunicada pelo Senhorio, revogando-se e substituindo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo por decisão que considere procedente o procedimento de despejo e, em consequência, condene a Ré/Recorrida na entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens.
Contra-alegou a R. inquilina pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Apresentou as seguintes conclusões:
1- O Requerente pretende dirimir a questão de saber que se nos termos do art.° 1097° do Código Civil (doravante CC), o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida cessou a 30 de Abril de 2018, em virtude da oposição à renovação do contrato, comunicada pelo Recorrente/Senhorio; ou se pelo contrário, o referido contrato não cessou, por o Autor/Recorrente, na qualidade de Senhorio estar impedido de se opor à renovação do contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no art.° 13°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho.
2 - E se, a interpretação do art.° 13°, n.° 3 da lei n.° 42/2017 de 14 de Junho, conjugada com a alínea d) do n.° 4 do art.° 51° do NRAU, no sentido de fazer retroagir à data da candidatura, os efeitos que a Lei prevê para o reconhecimento, constitui uma restrição ilegítima e desproporcional dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança na previsibilidade do Direito.
3- A Ré/Recorrida submeteu a sua candidatura às lojas com Historia em Maio de 2017, logo em momento muito anterior à recepção da carta enviada pela Associação Lisbonense de Proprietários, com o assunto “Oposição à Renovação de Contrato de Arrendamento”, datada de 27 de Julho de 2017.
4- Quando a Requerida/Ré informou o Autor/Recorrente de que se tinha candidatado a Loja com História, já a Lei 42/2017, de 14 de Junho, estava em vigor.
5- A distinção de “ Loja com História” atribuída à Recorrida/Ré ocorreu com a deliberação de … de Julho de 2018, altura em que terminou o procedimento  administrativo em que se reconheceu tal qualidade, pese embora a Ré/Recorrida tenha submetido a sua candidatura a 17 de Maio de 2017.
6- Entre o terminus do período da Consulta Pública (9 de Abril de 2018) e a elaboração do Relatório Final, aconteceram determinadas vicissitudes, às quais a Ré/Recorrida foi totalmente alheia e que determinaram o não cumprimento do prazo geral para decisão do respectivo procedimento administrativo, que é, in casu, pela sua própria natureza, atípico, uma vez que inclui um período de consulta pública.
7- Nomeadamente o facto do Autor/Recorrente ter intentado uma providência cautelar, tendo em vista a suspensão da Deliberação …/CM/…, tomada na Reunião da Câmara realizada a 16 de Fevereiro de 2018 a qual aprovou estarem reunidas as condições para submeter a consulta publica nos termos do n.° 3 do art.° 6° da Lei 42/2017 de 14 de Julho as propostas de distinção de um grupo de estabelecimentos “Lojas com Historia”, onde se inclua a Ré/Recorrente.
8- Tal procedimento cautelar foi extinto, uma vez que se verificou a excepção tipificada na alínea a), do n.° 1, do artigo 123.° do CPTA, circunstância que determina a extinção do processo por intempestividade do uso da ação principal adequada à tutela definitiva dos interesses a que a providência requerida se destina.
9- Ora, em virtude destas vicissitudes, tal procedimento administrativo, acabou necessariamente por ficar suspenso, atrasando-se ainda mais todo o processo, conforme resolução fundamentada do Exmo. Sr. Presidente da Camara Municipal de Lisboa.
10- Entre o final do período da Consulta Publica e a elaboração do Relatório Final, decorreram, por força destas circunstâncias, às quais a Ré/Recorrente foi totalmente alheia, mais de 90 dias!
11- Entender-se o contrário, isto é, prejudicar a Ré/Recorrida, pelas vicissitudes que o procedimento administrativo conheceu na sua marcha, poderia traduzir-se numa violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança que integram o Princípio do Estado de Direito Democrático, contido no art.º 2 º da Constituição da Republica Portuguesa
12- O Legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento, querendo dizer que uma vez que, não está na disponibilidade do particular o procedimento e as vicissitudes inerentes ao reconhecimento de uma determinada situação administrativa, a interposição desse pedido, suspende a produção dos efeitos da comunicação de oposição à renovação, até que seja proferida decisão pela autoridade administrativa. Entender-se o contrário seria, sim, aberrante!
13- A Ré/Recorrida, quando recepcionou a 12 de Janeiro de 2018 a comunicação do grupo de trabalho, em como tinha sido distinguida porque reunia todos os critérios requeridos, ficou convicta dessa decisão, criou uma expectativa legitima, tendo aí ancorado o postulado da Segurança Juridica que deriva do Estado de Direito.
14- A protecção da confiança ou segurança jurídica resultaria intoleravelmente diminuída caso se admitisse que, por força da Acção de Despejo intentada pelo Autor/Recorrente, a Ré/Requerida visse eliminado um direito de cuja titularidade estava já certa, qual seja o de se poder opor à denúncia do arrendamento por parte do senhorio pelo facto de ter sido distinguida como Loja com Historia.
15- Naturalmente que a Ré/Recorrida quis beneficiar da protecção conferida pela Lei, como também quis beneficiar da protecção do Regulamento Municipal das Lojas com Historia (que já se encontrava em vigor, ainda antes da Lei 42/2017) contudo também é verdade que quando se candidatou, desconhecia totalmente que o Senhorio/Recorrente se iria opor a renovação do contrato.
16- Aliás, assim o demonstrou quando comunicou a sua oposição à não renovação do contrato, agindo sempre de boa fé e de forma transparente, demonstrando em todas as suas comunicações com o Autor/Recorrente a sua louvável preocupação em proteger um estabelecimento, que faz parte da historia da cidade de Lisboa, sendo a primeira loja de desporto cujas portas abriram há mais de 100 anos!
17- Ao invés do alegado pelo Autor/Recorrente, uma vez sopesados os interesses públicos prosseguidos com a atribuição da distinção “Lojas com História” – a preservação da memória histórica, cultural e social associada ao conjunto dos estabelecimentos da cidade cujas características identitárias vêm desde há muito contribuindo para a imagem e identidade de Lisboa - e os interesses exclusivamente económicos do Autor, por este meio consubstanciado na consecução da desocupação da loja arrendada à sociedade detentora da “CASA S…”, para a sua recolocação no mercado -, facilmente se conclui que tal será incomparavelmente mais gravoso para o interesse público municipal, do que os prejuízos que eventualmente resultariam para o Autor/Recorrente.
18- Na data em que o Senhorio/Recorrente se opôs à não renovação do contrato já se encontrava em vigor o art.º 13, n.º 3 da Lei n.º 42/2017 de 14 de Junho e em momento anterior a Ré/Recorrente já tinha dado entrada do Requerimento para o reconhecimento da sua qualidade como Loja com história!
19- O legislador ao consagrar a norma transitória no art.° 13°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, não ignorava que o processo de reconhecimento das Lojas com História, via regulamentação e tramitação deferidas para as autarquias, poderia estar concluído em momento ulterior ao da data da própria entrada em vigor. Resulta aqui numa bipartição entre o que são competências dos municípios e o que são competências do Estado.
20- Ora, haverá que interpretar a referência feita às circunstâncias previstas na al. d) do n.° 4, do art.° 51 da Lei n.° 6/2006, em termos hábeis, na medida em que, à data da entrada em vigor da Lei n.° 42/2017 de 14 de Junho, inexistiam quaisquer procedimentos consagrados e previstos naquela lei.”
21- Na sequência da repartição de competências entre os municípios e o Estado decretada, no artigo 3.° da Lei 42/2017 de 14 de Junho, o artigo 5.°, reflectindo e dando corpo, no plano intrassistemático, à competência genericamente prevista na alínea c) do n.° 1 do artigo 3.°, defere aos municípios a faculdade de emissão de normação regulamentar, por via da concatenação actuante da câmara municipal - órgão propulsivo – e assembleia municipal – órgão deliberativo e,
22- Conforme já referido, quando a Casa S… se candidatou a Loja com Historia, estava em vigor o Regulamento Municipal aprovado pela Deliberação n.° 99/CM/2015, o qual serviu de fonte à Lei 42/2017 de 14 de Junho, isto é, houve um sentido de urgência na protecção deste património, sabendo que nele residia uma parte relevante da identidade e carácter da cidade e que é, ao mesmo tempo, um importante mecanismo social e económico para o desenvolvimento da cidade, sendo este o âmbito do projecto!
23- Quanto à eventual inconstitucionalidade do art.° 13°, n.°3 da Lei 42/2017 de 14 de Junho, conjugado com a al d) do n.° 4 do art.° 51° do NRAU, quando interpretado no sentido de que, uma vez concedido, o reconhecimento retroage à data do início do procedimento previsto na Lei 42/2017, cumpre referir que o direito de não se ser privado da propriedade e do seu uso, não goza de protecção constitucional em termos absolutos, já que apenas está garantido como um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação.
24- Seja como for, e, quer se entenda que a admissibilidade constitucional da limitação ao direito de propriedade implicada pela norma aplicada pelo Tribunal deva ser analisada à luz do regime previsto no art° 18° n°s. 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa, por estar em causa a dimensão em que aquele direito fundamental é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias, quer se considere que estamos apenas perante uma limitação a um direito económico, cuja admissibilidade há-de também ser avaliada segundo critérios de proporcionalidade, sempre se tem de concluir pela não existência de qualquer obstáculo constitucional.
25- Como o Tribunal Constitucional já o afirmou, no seu Acórdão n° 263/2000 (consultado na “internet” em www.tribunalconstitucional.pt), também aqui se pode dizer que, apesar de tudo, os “senhorios (...) continuam a poder transmiti-lo e fruí-lo. Com efeito, a manutenção do arrendamento revela-se manifestamente adequada e não excessiva, em si mesma, não lesando “o conteúdo essencial” (art° 18° n° 3 da Constituição da República Portuguesa) ou o “conteúdo mínimo” do direito de propriedade.
26-“Ao vincular-se nos termos em que o fez, o senhorio atendeu, seguramente, aos seus interesses económicos com zelo, informação e sagacidade, ao regime normativo relativo ao arrendamento, que continha já as limitações contra as quais agora se rebela” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa 3565/11.8TBALM.L de 20/12/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
27- Ou seja, exerceu com liberdade a gestão da sua propriedade individual, quis vincular-se e vinculou-se, não lhe tendo sido directamente imposta, no momento de tal vinculação ou em qualquer outro da vida do contrato, medida que o privasse da propriedade do seu bem, isto sem prejuízo de se aceitar a existência desde o início da relação jurídica, de uma forte compressão do seu direito em nome da função social de tal propriedade e de outros interesses e direitos conexos tidos como constitucionalmente relevantes e que se quis tutelar através da específica e cogente regulação do contrato de direito privado em referência neste processo.
28- Conforme vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional "fora dos casos de retroactividade proibida expressamente previstos na Constituição, o juízo- ponderação de que o Tribunal Constitucional vem lançando mão para apreciar as restantes situações potencialmente lesivas do princípio da segurança jurídica assenta no pressuposto de que o princípio do Estado de Direito contido no artigo 2.º da CRP implica "um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas".
29- E, no caso em concreto, não estamos ante uma simples expectativa, pois, logo, no início do procedimento administrativo a Ré/Recorrida foi informada que reunia os critérios necessários e que por essa razão tinha sido distinguida pelo Grupo de Trabalho. É aí que se forma o seu direito, o direito a ser distinguida e beneficiar da protecção que a Lei lhe confere!
30-Certo é que o particular nada pode fazer contra as vicissitudes de um procedimento administrativo, in casu, o reconhecimento de uma determinada situação administrativa, pois que não estão na sua disponibilidade.
31- A protecção da confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos num Estado de direito.
32- O cidadão deve poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes, neste caso, facilmente se conclui que a Ré/Recorrente pautou sempre a sua conduta, obedecendo às normas em vigor.
33- Daí que se possa falar que os cidadãos tenham, fundadamente, a expectativa na manutenção das situações de facto já alcançadas como consequência do direito em vigor, no caso da Ré/Recorrida a distinção de Loja com Historia, comunicada na Deliberação e nas comunicações do Órgão da Administração Publica.
34- Se assim não se entender, como pretende o Autor/Recorrente, é evidente que a confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico ficará fortemente abalada, frustrando a expectativa que detinham da anterior tutela conferida pelo direito
35- Contudo, a protecção da confiança dos cidadãos relativamente à acção dos órgãos do Estado é um elemento essencial, não apenas da segurança da ordem jurídica, mas também da própria estruturação do relacionamento entre Estado e cidadãos num Estado de direito. “ O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida” (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, pg. 257).
36- Terá de se ter presente que quando a Ré/Recorrente se candidatou a Loja com Historia, em momento algum, equacionou que o Senhorio/Recorrente se iria opor à renovação do contrato, além de que a ideia de ser distinguida como Loja com Historia, teve a sua génese numa visita efectuada pelo grupo de trabalho, que integra o projecto das Lojas com Historia, em 2016, considerando estes a Casa S…, um estabelecimento para integrar o grupo de lojas a distinguir.
37- Foi movida por esta iniciativa e também como forma de proteger o estabelecimento contra os interesses puramente económicos do proprietário, que a Re/Recorrida, preparou e reuniu toda a documentação a fim de submeter a sua candidatura a Loja com Historia.
38- Era o Autor/Recorrente, quando soube da candidatura da Ré/Recorrente, que deveria ter organizado as suas expectativas, organizado a sua vida, ter feito planos para o futuro, tendo em conta uma muito provável distinção da Ré/Recorrida como Loja com Historia.
39- Quanto à alegada protecção do património cultural contida na Lei de Bases do Património Cultural, Lei 107/2001 de 8 de Setembro, discorda-se totalmente!
40- Essencialmente, a Lei 42/2017 de 14 de Junho, ao invés da lei 107/2001 de 8 de Setembro, embora tome por referência os imóveis nos quais funcionam ou estão instaladas, respectivamente, os estabelecimentos e as entidades a serem reconhecidos, não tem directamente por objecto os edifícios em causa, que apenas mediatamente são tomados em consideração, enquanto pólos físicos onde, respectivamente, se desenvolve a actividade comercial ou se situam os estabelecimentos comerciais, cujo interesse histórico e cultural ou social se entende ser de reconhecer ou, para os mesmos efeitos, nos quais se desenvolva a actividade das entidades.
41- Já no início o Regulamento Municipal das Lojas com História, também visava promover a proteção do comércio tradicional, inserido na estratégia definida pelo Município de salvaguarda das lojas com características únicas e diferenciadoras da actividade económica.
42- O objetivo a alcançar consiste no apoio e promoção do comércio tradicional local como marca diferenciadora da cidade, através de medidas geradoras de novos modelos de negócio e mais emprego, garantindo a continuação renovada de um setor com enorme valor patrimonial, cultural e económico, sob o mote «Preservar inovando».
43- As lojas susceptíveis de virem a ser consideradas Lojas com História e de integrarem a distinção criada pela Câmara de Lisboa começaram a candidatar-se a partir de 11.05.2017 através de uma plataforma criada especificamente para o efeito pela autarquia.
44- O objectivo do programa é a protecção das lojas antigas com importância na vida da cidade e de alguma forma relevantes para a sua identidade. Ao longo do tempo, muitas fecharam, outras ficaram em perigo de ter de encerrar portas, sobretudo depois da entrada em vigor da reforma do arrendamento urbano, que veio facilitar os aumentos de rendas – por vezes de forma incomportável para os empresários – o despejo quando os prédios iam para obras de remodelação profundas.
45- As lojas históricas têm uma importância fundamental seja para quem vive na cidade de Lisboa, seja para quem a visita, porque quem visita quer ver o que não vê nas outras cidades.
46- Há necessariamente ajustes a fazer do ponto de vista da legislação nacional e ao nível de instrumentos de intervenção das autarquias.
47- Enquanto o Autor/Requerente apenas pretende acautelar a não renovação dos contratos de arrendamento por mais cinco anos, não havendo qualquer prejuízo patrimonial, a verdade é que para a Ré/Requerida os prejuízos seriam substancialmente superiores, bem como para a historia da Cidade de Lisboa.
48- Cessando o contrato de arrendamento celebrado entre o Autor/Recorrente e a Ré/Recorrida, esta seria forçada a desocupar o locado e cessar a sua actividade o que acarretaria consequências, para si e para os trabalhadores, mas também para a identidade e imagem da cidade, para o comercio tradicional e para a preservação da historia da cidade de Lisboa, pois indubitavelmente, a sua historia confunde-se com a historia do comercio local.
49- Com esta decisão a douta Sentença fez uma correcta aplicação da lei, encontra-se devidamente fundamentada, atende à prova produzida e não merece qualquer censura.
50- Por todo o exposto a decisão recorrida não violou e não fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 13°, n.° 3 de Lei 42/2017 de 14 de Junho, conjugado com a alínea d) do n.° 4 do art.° 51° da Lei 6/2006 e também do n.° 3 do art.° 9° do Código Civil.

II – FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância:
1. Em 30 de Março de 1995 foi dado em arrendamento à Ré, a loja com entrada pelos números … e ... do prédio sito em Lisboa, na Rua …, n.ºs … a …, inscrito na matriz da freguesia de São Nicolau sob o artigo ….º (cfr. exame de fls. 7);
2. Em 8 de Abril de 2013, o senhorio, representado pela A.L.P, comunicou que tendo entrado em vigor o NRAU, propõe a actualização da renda e que o contrato de arrendamento passe a ter a duração de 5 anos (cfr. exame de fls. 7,v);
3. Em 22 de Abril de 2013, a R comunicou recusar o aumento de renda e aceitar que o contrato passe a ter o prazo de 5 anos (cfr. exame de fls. 8);
4. Em 2 de Maio de 2013, o senhorio comunicou à R que o valor da renda se manteria em € 1.196,91, considerando-se o contrato celebrado por cinco anos (cfr. exame de fls. 8, v.);
5. Em 27 de Maio de 2017, o senhorio comunicou à R, que:
“Por carta datada de 3 de Abril de 2013 procedeu-se à iniciativa de transição do arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano e de actualização extraordinária de renda mensal, no âmbito da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na sua última versão.
Posteriormente e por carta datada de 2 de Maio de 2013 o Contrato de Arrendamento transitou para o NRAU, por prazo certo de cinco anos, pelo que o mesmo terá o seu termo em 30 de Abril de 2018, cabendo agora apresentar oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art.º 1097.º, n.º1, al. b), por remissão do artigo 1110.º do Código Civil.
Atendendo a que a presente oposição à renovação produz efeitos no termo do prazo do contrato acima mencionado, ou seja, 30 de Abril de 2018, V.ª Excia. deverá proceder à entrega das chaves e desocupação do locado, bem como à entrega do mesmo, completamente livre e devoluto de pessoas e bens, procedendo à entrega das chaves, nos nossos serviços, nos dias úteis, entre as 09:00 e as 16:00” (cfr. exame de fls.14);
6. Em 3 de Agosto de 2017, a R comunicou ao Senhorio, que não pode o proprietário do locado opor-se à renovação, porque “existem medidas de protecção tanto para os arrendatários como para os proprietários e, conforme previsto no n.º3 do artigo 13.º da citada lei (Disposições transitórias), relativamente aos imóveis que se encontrem na circunstância prevista na al. d) do n.º4 do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou a NRAU, na redacção dada pela presente Lei (Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local, reconhecidos pelo município) e cujos arrendamentos tenham transitado para o NRAU, não podem os senhorios opor-se à renovação do novo contrato celebrado à luz do NRAU, por um período adicional de 5 anos.” (cfr. exame de fls.103,v.)
7. Em 3 de Julho de 2018, a R recebeu a comunicação de que, por deliberação de … de Junho de 2018, “Deliberação …/CM/…”, fora concedida a distinção “loja com história (cfr. exame de fls.104,v.).
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1 – Admissibilidade do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso.
2 – Regime especial de protecção à defesa e preservação dos contratos de arrendamentos onde exista no locado um estabelecimento comercial a que seja conferida pelo Município a distinção de “loja com história”. Da aplicação à situação sub judice do disposto no artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que impede a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo senhorio, impondo um prazo adicional de cinco anos, salvo acordo das partes em contrário. Demora no procedimento administrativo, não imputável ao inquilino. Princípios constitucionais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa).
3 – Pretensa violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade, nos termos do artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constitução da República Portuguesa, invocada pelo A. 
Passemos à sua análise:
1 – Admissibilidade do documento junto pela recorrente com as alegações de recurso.
Veio a recorrente juntar com as suas alegações de recurso um documento comprovativo, a seu ver, do momento temporal em que a inquilina deu entrada da sua candidatura, junto do Município de Lisboa, com vista a obter a distinção de “loja com história”.
A apelada opôs-se à dita junção do documento por a lei não o admitir, referindo ainda que tal facto já se encontrava comprovado pelos documentos que fez juntar aos autos oportunamente.
Apreciando:
Nos termos do artigo 651º do Código de Processo Civil: “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.
Prevê, por seu turno, o artigo 425º do CPC que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
O documento em causa, respeitante ao momento temporal da apresentação da candidatura da Ré ao programa “lojas com história”, não se enquadra, manifestamente, na excepcionalidade prevista na disposição legal transcrita, reportando-se a uma diligência que se encontra pacificamente assente e já antes demonstrada nos autos.  
Não se vê, ainda, que a sua junção pela ora apelante não tivesse sido possível antes do encerramento da discussão da causa em 1ª instância.
Por outro lado, a alegada necessidade da pretendida junção não resulta do julgamento realizado.
Pelo que não se admite o documento em referência.
Proceda ao seu desentranhamento e devolução ao apresentante.
2 –  Regime especial de protecção à defesa e preservação dos contratos de arrendamentos onde exista no locado um estabelecimento comercial a que seja conferida pelo Município a distinção de “loja com história”. Da aplicação à situação sub judice do disposto no artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que impede a oposição à renovação do contrato de arrendamento pelo senhorio, impondo um prazo adicional de cinco anos, salvo acordo das partes em contrário. Demora no procedimento administrativo, não imputável ao inquilino. Princípios constitucionais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé (artigo 2º da Constituição da República Portuguesa).
A Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, veio estabelecer um novo regime jurídico que permite o reconhecimento e protecção de entidades de interesse histórico, cultural ou social local, conforme resulta do seu artigo 1º.
A concretização dessa tutela realiza-se, designadamente, através de pontuais alterações ao regime jurídico do arrendamento urbano no sentido da salvaguarda e preservação dos estabelecimentos comerciais com especial valor histórico local, nas situações especiais, devidamente demonstradas, em que a mesma deve ser acautelada, competindo aos municípios esse reconhecimento através de procedimento conforme com o Código de Procedimento Administrativo, segundo critérios objectivos e definidos na lei (vide, sobre estas matérias, os artigos 7º, nº 1, alínea a), 3º, nº 1 e 8º da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho).
Nos termos do artigo 13º, nº 2, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho: ”...os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da referida lei, na redacção dada pela presente lei, não podem ser submetidos ao NRAU pelo prazo de cinco anos a contar da entrada em vigor da presente lei, salvo o acordo entre as partes”.
Acrescenta igualmente o nº 3 do mesmo preceito legal que: “Em relação aos imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o NRAU, na redacção dada pela presente lei, e cujos arrendamentos tenham transitado para o NRAU nos termos da lei então aplicável, não podem os senhorios opôr-se à renovação do novo contrato celebrado à luz do NRAU, por um período adicional de cinco anos”.
A circunstância enunciada no referenciado artigo 51º, nº 4, alínea d), que justifica e avoca a imposição legal do prolongamento do prazo do contrato por mais cinco anos, tem a ver com a existência no locado de “um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social reconhecido pelo município, nos termos do respectivo regime jurídico”.
Quanto à factualidade essencial que importa e releva para o conhecimento e decisão do mérito do presente recurso, cumpre focar os seguintes pontos de facto:
- O presente arrendamento data de 30 de Março de 1995;
- Perante a entrada em vigor do NRAU, o senhorio propôs à inquilina, em 8 de Abril de 2013, a actualização de renda e que o contrato passasse a ter a duração de cinco anos.
- Em resposta, a Ré inquilina, em 22 de Abril de 2013, comunicou ao senhorio recusar o aumento de renda, aceitando, não obstante, que o contrato passasse a ter o prazo de 5 (cinco) anos.
Trata-se concretamente da missiva junta a fls. 8, onde pode ler-se “...vimos pelo presente informar que devido à grande diminuição de vendas nos últimos 10 anos, a rondar uma baixa de 80%, não vemos de bom grado o aumento proposto, temos a consciência que estamos a fazer uma gestão muito rigorosa, pois os aumentos dos encargos fixos, tais como a luz, água, telefone, têm-se verificado, e perante o aumento proposto das rendas é o ditar do encerramento das lojas, pois torna-se impraticável fazer comércio com os custos actuais.
Perante esta situação lamentamos ter de recusar o aumento proposto, e informar V. Excia que aceitamos que o nosso contrato passe a ter o prazo certo de cinco anos”.
- Nesta sequência, o senhorio comunicou à inquilina, em 2 de Maio de 2013, que o valor da renda se manteria, considerando-se o contrato celebrado por cinco anos, sem resposta em contrário por parte da arrendatária.
- Em 15 de Maio de 2017, a inquilina candidatou-se ao programa “lojas com história” que tem por objecto a distinção das lojas que se destacam pelas sus características únicas e reconhecido valor para a identidade da cidade de Lisboa.   
- Em 27 de Maio de 2017, o senhorio, na perspectiva do termo do prazo do contrato de arrendamento que aconteceria em 30 de Abril de 2018, manifestou à inquilina a sua oposição à renovação do arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1097º, nº 1, alínea b), por remissão do artigo 1110º, ambos do Código Civil.
- Em 14 de Junho de 2017, foi publicada a Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que estabele o regime de reconhecimento e protecção de estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local (constituindo a terceira alteração à Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Regime do Arrendamento Urbano), que entrou em vigor em 24 de Junho de 2017.
- Em 3 de Agosto de 2017, a inquilina comunicou ao senhorio que não poderia o proprietário do locado opor-se à renovação, porque “existem medidas de protecção tanto para os arrendatários como para os proprietários e, conforme previsto no n.º3 do artigo 13.º da citada lei (Disposições transitórias), relativamente aos imóveis que se encontrem na circunstância prevista na al. d) do n.º4 do artigo 51.º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprovou a NRAU, na redacção dada pela presente Lei (Que existe no locado um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local, reconhecidos pelo município) e cujos arrendamentos tenham transitado para o NRAU, não podem os senhorios opor-se à renovação do novo contrato celebrado à luz do NRAU, por um período adicional de 5 anos.”
- Em 30 de Abril de 2018, completou-se o prazo de cinco anos estabelecido nas missivas trocadas entre o senhorio e o inquilino, correspondente à vigência do contrato aquando da sua transicção, por acordo, para o NRAU.
- Em 3 de Julho de 2018, a inquilina recebeu a comunicação de que, por deliberação de … de Junho de 2018 - “Deliberação …/CM/…” - fora concedida à Casa S... a distinção de “loja com história”.
Apreciando juridicamente:
O contrato de de arrendamento em causa transitou para o regime do NRAU desde Abril de 2013, com a expressa anuência da inquilina, a qual concordou com a fixação do prazo de vigência do contrato (5 anos), que se completaria no final do mês de Abril de 2018.
Ou seja, existiu efectivamente um acordo entre as partes com vista à transicção do arrendamento para o regime do NRAU, havendo a senhorio aceite a manutenção de renda tal como solicitado pela inquilina (a qual alegou, na altura, que a difícil situação económica que atravessava não a possibilitava suportar a actualização de renda pedida).
Nesse mesmo contexto e fora do enquadramento que, mais tarde, veio a ser estabelecido pela entrada em vigor da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, a inquilina aceitou voluntariamente sujeitar-se ao prazo de vigência do contrato de cinco anos.
Com a posterior entrada em vigor do artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017 de 14 de Junho, os contratos de arrendamento sobre imóveis onde funcionasse um estabelecimento comercial classificado pela entidade autárquica competente com a distinção de “loja com história” deixaram de poder ser objecto de oposição à renovação por parte ao senhorio, sendo automaticamente renovados por um período adicional de cinco anos.
É claro que tal renovação do prazo contratual teria forçosamente que ceder perante um acordo entre as partes (senhorio e inquilino) que estabelecesse regime diverso, ou seja, quando os contraentes acordassem livremente, no âmbito da sua autonomia privada, numa solução distinta quanto à vigência do contrato.
Na situação sub judice, a particularidade singular que justifica a controvérsia patente e amplamente discutida no recurso de apelação reside na circunstância de o reconhecimento formal, pela entidade administrativa competente, da distinção de “loja com história” da Ré Casa S… ter ocorrido em data posterior ao termo previsto (cinco anos) para o contrato de arrendamento, aquando da sua transicção para o NRAU e por acordo entre senhorio e inquilina, sem que todavia a inquilina haja contribuído de algum modo para tal demora ou para a superveniência desse reconhecimento.
Com efeito, o prazo do contrato de arrendamento terminou em 30 de Abril de 2018, enquanto que a mencionada distinção apenas veio a ser deferida em … de Junho de 2018 (cerca de dois meses depois).
Assim sendo, a questão jurídica essencial que se coloca é a seguinte:
A data da prática do acto administrativo pelo Município de Lisboa, quanto ao efectivo reconhecimento da distinção da Ré enquanto “loja com história”, é impeditiva da atribuição à inquilina do benefício consistente na prerrogativa constante do artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, pelo facto de, nesse momento, já haver sido atingido e ultrapassado o termo do prazo do contrato de arrendamento vigente, independentemente de a interessada haver tomado a iniciativa de obter a resposta da entidade autárquica a tempo, ou seja, no prazo que, em termos razoáveis e expectáveis, lhe permitiria ver conferida tal distinção antes de terminar o vínculo contratual vigente?
Vejamos:
O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, que entrou em vigor em 24 de Junho de 2017, estabelece a imposição de impedimento da oposição à renovação do novo arrendamento que haja transitado para o NRAU, obrigando os senhorios, quanto a estes contratos de arrendamentos, atendendo às suas especiais natureza e características relacionadas com o significado histórico local da actividade comercial desenvolvida pela arrendatária no locado, bem como ao interesse geral dos munícipes das áreas onde se situam as ditas “lojas com história”, a conformarem-se com o seu prolongamento por um período adicional de cinco anos.
Os fundamentos essenciais da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, assentam basicamente, enquanto seu pressuposto essencial e desígnio perfeitamente assumido, na defesa da preservação do locado onde se encontre um estabelecimento comercial com interesse histórico e cultural ou social local reconhecido pelo município, nos termos do respectivo regime jurídico, por razões de interesse público, compreensíveis e aceites por toda a comunidade dos munícipes e que, na óptica do legislador ordinário, prevalecem, dentro de certos parâmetros, sobre os interesses meramente privatísticos dos particulares envolvidos, concretamente os do locador na cessação e melhor rentabilização do seu imóvel.
A efectivação do reconhecimento da distinção da “loja com história” processar-se-á de acordo com as regras do Código de Procedimento Administrativo, competindo a respectiva decisão ao Muncípio em causa, obedecendo aos prazos previamente estabelecidos e impondo-se que a actuação procedimental da Administração seja adequada, empenhada, célere e conforme com a possibilidade de satisfação atempada dos pedidos apresentados pelos interessados.
Na situação sub judice, a inquilina candidatou-se em 15 de Maio de 2017  ao programa “lojas com história” que tem por objecto a distinção das lojas que se destacam pelas características únicas e reconhecido valor para a preservação da identidade lisboeta, a salvaguardar pelo maior tempo que for possível (daí a concessão do prazo adicional de cinco anos à revelia da eventual vontade do senhorio em sentido oposto).
Fê-lo, atempadamente, com todas as cautelas, ainda antes da aprovação da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, tendo certamente plena consciência de que o final do prazo do contrato de arrendamento que ocorreria em 30 de Abril de 2018.   
Deu desse facto imediato e oportuno conhecimento ao senhorio, por missiva de 3 de Agosto de 2017, recepcionada por aquele.
O que significa que, aquando da entrada em vigor da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho (em 24 de Junho de 2017), tanto o senhorio como a inquilina sabiam perfeitamente que o contrato de arrendamento entre eles vigente, subordinado por acordo ao regime do NRAU, e caso a arrendatária fosse – como indiscutivelmente é – uma “loja com história”, não cessaria afinal em 30 de Abril de 2018, renovando-se por um período adicional de cinco anos, face ao imperativo legal associado à prossecução de finalidades de interesse público local, mais concretamente a preservação do valor histórico, cultural e localmente social da actividades económicas, empresariais e comerciais que marcaram - e ainda marcam - a identidade da cidade de Lisboa.
Ou seja, este específico e singular quadro jurídico que envolve e regula a relação locatícia em apreço encontrava-se já então – em 24 de Junho de 2017 – perfeitamente definido e consolidado, aguardando-se apenas, no plano jurídico-formal, a prática do acto administrativo de que dependia o reconhecimento da distinção de “loja com história”.
O próprio senhorio já sabia – e tinha sempre que contar com isso – que o processo administrativo em marcha poderia, em termos de escorreita normalidade, isto é, se decorresse conforme o esperado e no tempo expectável, levar a que fosse reconhecida e conferida à inquilina a distinção em causa e que tal circunstância implicaria inelutavelmente a prorrogação do vínculo contratual por mais cinco anos, com que teria de se conformar.
Neste contexto, o A., ora apelante, teria necessariamente que antever tal possibilidade séria, e altamente provável, diga-se, perante a longa história comercial da centenária e emblemática “Casa S…”, o que é do conhecimento do público em geral, pelo menos no que tange à sua antiguidade, marca identitária e lastro comercial ininterrupto, de geração em geração, na dinâmica da tradição da vida lisboeta.  
Caso tal não sucedesse, valeria então inteiramente a manifestação de oposição à renovação do contrato de arrendamento que, com larga antecipação, bem superior à exigida no artigo 1097º, nº 1, alínea b), do Código Civil, aliás, comunicou à inquilina.  
Porém, o que sucedeu na situação sub judice foi um anómalo, inexplicável e inesperado arrastamento do processo administrativo conducente ao reconhecimento dessa distinção, o qual, sem qualquer tipo de culpa, contribuição ou responsabilidade da inquilina, acabou, contra todas as previsões e expectativas, por demorar cerca de um ano.
Devido a tal atraso, quando chegou o mais que previsível reconhecimento da distinção da “loja com história” da efectivamente histórica Casa S…, através da prática do acto administrativo correspondente, já se encontrava ultrapassado, há dois meses, o prazo de vigência do contrato de arrendamento em causa, ao qual deveria ter sucedido – dentro da normalidade dos acontecimentos – o prazo de vigência adicional de cinco anos legalmente imposto.
Quid juris?
Afigura-se-nos insofismável que a inquilina não poderá ser prejudicada, afectada ou penalizada pelos atrasos derivados do anormal funcionamento da máquina administrativa autárquica no processo de reconhecimento da sua distinção enquanto “loja com história”.
Trata-se, desde logo e em primeiro lugar, de uma inelutável decorrência da aplicação concreta e prática do princípio geral da tutela da confiança que, salvaguardando a atribuição a qualquer cidadão de determinada prerrogativa, por uma questão de elementar segurança jurídica e boa fé, deverá coerentemente implicar que lhe sejam assegurados os procedimentos instrumentais susceptíveis de a formalizar e concretizar, os quais terão que corresponder à possibilidade do seu exercício e da sua plena execução prática, em tempo útil e razoável, protegendo e proporcionando o gozo efectivo e real dessa faculdade de carácter substantivo.
Não é de todo concebível que a demora ou o emperramento dos procedimentos que instrumentalmente se destinam a dar execução prática a esse direito substantivo conferido ao particular possam redundar afinal, por via de uma questão de maior ou menor velocidade procedimental, na sua inviabilização ou absoluta inutilização.
Neste sentido, não se compreende que, num caso como o presente, a definição desta situação jurídica possa ficar exclusivamente dependente das contigências processuais, incertas, casuísticas e aleatórias, que determinam a sua mais breve ou mais retardada finalização.
Cumpre recordar, a este propósito, que nos termos do artigo 7º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-lei nº 4/2015, de 7 de Janeiro, é enfatizado o “Princípio da Proporcionalidade” nos seguintes moldes:
1 - Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos.
2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar”.
Por seu turno e complementarmente, dispõe o 10º do mesmo diploma legal, respeitante ao “Princípio da Boa Fé”:
1 - No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
2 - No cumprimento do disposto no número anterior, devem ponderar-se os valores fundamentais do Direito relevantes em face das situações consideradas, e, em especial, a confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa e o objetivo a alcançar com a atuação empreendida”.
Conforme refere Diogo Freitas do Amaral, in “Curso de Direito Administrativo”, Volume II, páginas 134 a 135:
“O respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas”, concedendo-se especial importância à “confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa” e ao “objectivo a alcançar com a actuação empreendida”.
(...) a ideia geral desta autonomização foi satisfazer a “necessidade premente de criar um clima de confiança e previsibilidade no seio da Administração Pública”.
O princípio da boa fé, sendo embora “dotado de elevado grau de abstracção” está longe de ser “uma fórmula vazia pseudonormativa”.
A sua concretização é possibilitada através de dois princípios básicos: o princípio da tutela da confiança legítima e o princípio da materialidade subjacente”. Quer dizer, a boa fé determina a tutela das situações de confiança e procura assegurar a conformidade material – e não apenas formal – das condutas aos objectivos do ordenamento jurídico”.
Sobre esta mesma temática, escreveu-se no acórdão do Tribunal Constitucional de 8 de Julho de 2009 (relator Vítor Gomes), publicado in www.tribunalconstitucional.pt:
“Como diz Gomes Canotilho (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 5ª ed., pág. 257), “o homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida”. Por isso desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”. O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo a ideia de protecção de confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo têm o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.
Apontam-se como suas refracções mais importantes, seguindo o mesmo Autor, as seguintes: (1) relativamente a actos normativos, a proibição de normas retroactivas restritivas de direitos e interesses juridicamente protegidos; (2) relativamente a actos jurisdicionais, a inalterabilidade do caso julgado; (3) em relação a actos da administração, a tendencial estabilidade dos casos decididos através de actos administrativos constitutivos de direitos.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, em inúmeros acórdãos, que o princípio do Estado de direito democrático (consagrado no artigo 2.º da Constituição) postula “uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”, razão pela qual“a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou demasiada opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito democrático, terá de ser entendida como não consentida pela lei básica" (cfr., entre outros, o acórdão n.º 303/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 17º vol., pág. 65).
(...) A expressão “segurança jurídica” é utilizada em vários sentidos para designar um dos fins ou valores do Direito, dos quais podem destacar-se os seguintes (Mário Bigotte Chorão, Polis-Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Vol. V, pág. 646): a) a ordem emanente à existência e funcionamento do sistema jurídico (segurança pelo ou através do Direito); b) situação de cognoscibilidade, estabilidade e previsibilidade do Direito, de modo a poder cada um saber aquilo a que deve ater-se na ordem jurídica (segurança do Direito ou certeza do Direito); c) salvaguarda dos cidadãos perante o poder do Estado (segurança perante o Direito).”.
Ora, seguindo rigorosa e escrupulosamente tais princípios gerais orientadores e directamente vinculaticos, absolutamente essenciais e enformadores do ordenamento jurídico, cumprirá, a nosso ver, interpretar o nº 3 do artigo 13º da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, no sentido que se demonstre mais curial, equilibrado e correspondente à vontade do legislador ordinário, tanto quanto seja possível prescrutá-la.
Assim sendo, a correcta interpretação da expressão “os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da referida lei, na redacção dada pela presente lei” deverá tomar em consideração na sua ratio legis:
1º -  a efectiva e real existência no locado de um estabelecimento comercial com significado histórico local, a reconhecer pelo Município, o qual, antes desse formal reconhecimento, já revestia obviamente tais características objectivas e intrínsecas, facilmente apreensíveis por todos os munícipes e pelo público em geral.
Ou seja, do que se trata essencialmente é de reconhecer uma realidade pretérita largamente consolidada no tempo e na história da cidade, de carácter público, pelo menos no plano local;
2º – a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio com vista à sua candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável que possibilite a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor.
A atribuição de um direito a um sujeito, por ditame da lei, tem que necessariamente pressupor que se encontram inerentemente associados os meios processuais idóneos a torná-lo real e efectivo, sem que o anómalo desenvolvimento dos meios, só por si, possa tornar inapta e inconsequente a legítima pretensão do beneficiário.
Note-se que, nos termos gerais do artigo 128º do Código de Procedimento Administrativo:
1 - Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei, podendo o prazo, em circunstâncias excecionais, ser prorrogado pelo responsável pela direção do procedimento, por um ou mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias, mediante autorização do órgão competente para a decisão final, quando as duas funções não coincidam no mesmo órgão.
2 - A decisão de prorrogação referida no número anterior é notificada ao interessado pelo responsável pela direção do procedimento.
3 - O prazo referido no n.o 1 conta-se, na falta de disposição especial, da data de entrada do requerimento ou petição no serviço competente, salvo quando a lei imponha formalidades especiais para a fase preparatória da decisão e fixe prazo para a respetiva conclusão.
4 - No caso previsto na parte final do número anterior, o prazo conta-se do termo do prazo fixado para a conclusão daquelas formalidades.
5 - Para eventual apuramento de responsabilidade disciplinar, a inobservância dos prazos referidos nos números anteriores deve ser justificada pelo órgão responsável dentro dos 10 dias seguintes ao termo dos mesmos prazos.
6 - Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias”.
In casu, é absolutamente claro que foram ultrapassadas, ignoradas e torpedeadas todas as expectativas razoáveis para a conclusão do procedimento administrativo conducente à atribuição à inquilina da distinção “lojas com história”, sem que haja notícia de qualquer tipo de negliência, contribuição culposa ou falta de zelo da sua parte que explicasse ou justificasse tal inesperado retardamento.
Com efeito, o Regulamento Municipal de Atribuição da Distinção “Lojas com História”, constante do Aviso nº 3461/2017, de 23 de Março de 2017, do Município de Lisboa, publicado no Diário da República nº 66/2017, II Série, de 3 de Abril de 2017, prevê os seguintes procedimentos administrativos:
- as candidaturas são apresentadas pelo responsável da exploração do estabelecimento comercial, ou com a sua anuência, em período que “está sempre aberto”, salvo indicação explícita em contrário por motivos excepcionais (artigo 5º, nº 1 e 4).
- as candidaturas são apreciadas por Grupo de Trabalho, nomeado pelo Despacho nº 48/P/2016, o qual elabora a informação conjunta, com proposta de atribuição ou não atribuição da distinção (artigo 6º, nº 2).
- a decisão compete ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa ou ao Vereador com competência delegada, mediante informação fundamentada elaborada pelo Grupo de Trabalho, depois de consultado o Conselho Consultivo do Programa Lojas com História, e realizada a audiência de interessados, nos termos do estabelecido no Código de Procedimento Administrativo (artigo 7º, nº 1).
- A decisão sobre o pedido de atribuição da distinção “Lojas com História” é comunicado no prazo de 10 dias (artigo 7º, nº 1).
- Há, ainda, lugar naturalmente a consulta pública sobre a questão.
A normal tramitação de um procedimento administrativo como o linearmente descrito, que assenta em realidades históricas e sociais pretéritas, perfeitamente objectivas, apreensíveis e compreensíveis pela munícipes em geral, não deveria razoavelmente demorar cerca de um ano, frustrando em absoluto todas as legítimas expectativas acalentadas pela inquilina e que se fundaram nos princípios basilares da segurança jurídica e da tutela da confiança, os quais emanam directamente do artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e cujo desrespeito ou não acatamento escrupuloso e absoluto deixarão profundamente abalados os próprios alicerces jurídicos de um Estado de Direito democrático.
Pelo que se deverá concluir, na situação sub judice, que a Ré inquilina, não obstante o desfasamento temporal entre o termo previsto do contrato e a data (posterior) da prática do acto administrativo que lhe confere a distinção de “loja com história”, deve beneficiar e beneficia - efectivamente e em pleno - do regime próprio consignado no artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, impondo-se ao senhorio o impedimento da oposição à renovação do contrato de arrendamento e o prazo adicional de cinco anos de vigência contratual.
Ainda que se reconheça que o legislador, actuando prudentemente, deveria ter expressamente acautelado e evitado estas situações rodeadas de alguma incerteza, dúvida e indefinição, fruto da descuidada omissão de uma disposição legal transitória que afastasse de vez qualquer possibilidade de frustração de legítimas expectativas jurídicas, entende-se, nos termos gerais do artigo 9º, nº 3, do Código Civil, reconstituindo o pensamento legislativo a partir das soluções substantivamente mais acertadas, lógicas, coerentes e equilibradas, por fielmente conformes aos princípios essenciais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé, em vez de abrir a porta a interpretações puramente formalistas, oportunísticas e meramente tabelares susceptíveis de ferir o sentido de equilíbrio e de provocar evidente irritabilidade no sistema jurídico, interpretar a expressão “os arrendatários de imóveis que se encontrem na circunstância prevista na alínea d) do nº 4 do artigo 51º da referida lei, na redacção dada pela presente lei” como abrangendo na sua ratio legis, por um lado, a efectiva existência no locado de um estabelecimento comercial localmente histórico, reconhecido pelo município, por outro, a promoção pelo inquilino do processo administrativo próprio de candidatura a tal distinção dentro do prazo normal e expectável para possibilitar a deliberação camarária antes do termo do contrato de arrendamento em vigor.
Pelo que, concordando-se com a solução perfilhada em 1ª instância, a presente apelação terá necessariamente que improceder.
O que se decide.
3 – Pretensa violação do princípio constitucional da proibição da retroactividade, nos termos do artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constitução da República Portuguesa, invocada pelo A.
Sustenta o apelante nas suas alegações/conclusões de recurso que:
A interpretação do artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, conjugado com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU no sentido de fazer retroagir à data de candidatura, os efeitos que a lei prevê para o reconhecimento, constituiu uma restrição (ilegítima e desproporcional) dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança na previsibilidade do Direito.
Já de si, o art. 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, deve ser considerado inconstitucional por constituir uma restrição ilegítima ao direito de propriedade privada (art. 62.° da CRP) e uma norma restritiva proibida à luz do art. 18.° da CRP.  
Mas ainda que preceito não seja considerado inconstitucional, as restrições que o mesmo estabelece deverão limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais – cfr. n.°s 2 e 3 do artigo 18.° da CRP.
Sendo, por conseguinte, inconstitucional a interpretação do citado artigo 13.°, n.° 3 da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° NRAU no sentido de abranger no seu escopo estabelecimentos cujo processo de apreciação e qualificação como estabelecimento e entidades de interesse histórico e cultural ou social local não esteja concluída.
Pois tal configuraria, inequivocamente, uma aplicação retroactiva (proibida) do preceito que refere a existência, no locado, de “um estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local reconhecidos pelo município, nos termos do respectivo regime jurídico”.
Acresce que, no caso dos autos, em que se encontra esgotada toda a produção de efeitos contratuais relativa ao arrendamento, mais manifestamente contrária ao disposto no citado artigo 18.° da CRP seria uma interpretação do artigo 13.° da Lei n.° 42/2017, de 14 de Junho, em conjugação com a alínea d) do n.° 4 do artigo 51.° do NRAU que abrangesse um estabelecimento ainda não classificado como estabelecimento ou uma entidade de interesse histórico e cultural ou social local quer à data da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, quer à data devida pela desocupação.
Apreciando:
Entendemos não assistir razão ao apelante.
O artigo 13º, nº 3, da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, com a interpretação, âmbito, sentido e alcance que lhe conferimos supra, não configura uma restrição ilegítima ou desproporcional ao seu direito de propriedade privada (art. 62.° da CRP), não sendo proibida à luz do art. 18.° da Constituição da República Portuguesa.
Do mesmo modo, a circunstância de o senhorio haver disposto da possibilidade de se opor à renovação do contrato de arrendamento no termo de prazo de cinco anos acordado com a inquilina, e ter deixado de o poder fazer, por determinação do artigo 13º da Lei nº 42/2017, de 14 de Junho, por via do acréscimo de um prazo adicional de vigência do contrato de cinco anos, com a indiscutível aplicação deste regime novo a uma situação pretérita, não ofende, a nosso ver, a proibição da retroactividade consagrada no artigo 18º, nºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa, segundo os quais: “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (nº 2); “as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de reverter carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (nº 3).
Justificando:
Pode ler-se in “Constituição da República Portuguesa Anotada. Artigos 1º a 107”, de Gomes Canotinho e Vital Moreira, a página 800:
“A colocação sistemática do direito de propriedade, colocado entre os “direitos económicos”, não deixa de ser relevante para efeitos do seu entendimento constitucional. Está muito longe a concepção constitucionalista liberal-burguesa que fazia do direito de propriedade o primeiro dos direitos fundamentais, porque supostamente era a condição de todos os outros, a começar pela liberdade. Na CRP o direito de propriedade não faz parte do elenco dos “direiros, liberdades e garantias” (embore goze do respectivo regime, naquilo que nele reveste natureza análoga à daqueles – cfr. artigo 17º), não sendo igualmente dispiciendo o facto de nem constituir o primeiro dos “direitos económicos” (...) Não se trata tanto de “desvalorizar” a importância do direito de propriedade como de lhe retirar a dimensão quase sacrossanta que lhe era conferida no “individualismo possessivo” e na concepção tradicional conservadora dos direitos fundamentais assente na indissociabilidade da liberdade e da propriedade”.
Face ao quadro jurídico-constitucional português, o direito de propriedade consagrado no artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, pode efectivamente sofrer compressões ou restrições no seu conteúdo, limites e pleno exercício, mormente aquelas que sejam ditadas por indiscutíveis razões de interesse público geral, que o legislador ordinário entenda fazer prevalecer sobre a plenitude dos poderes conferidos ao proprietário, conforme, em termos de recorte essencial, se encontra expresso igualmente no artigo 1305º do Código Civil, onde sintomaticamente se refere que “O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas”.
Ou seja, o direito de propriedade não constitui, em si, um direito absoluto, ilimitado e intangível, comportando, ao invés, as restrições que, ditadas por interesse público prevalecente, a lei entenda impôr-lhe, num plano de equilíbrio, ponderação e razoabilidade.
É indiscutível não ser constitucionalmente permitido ao legislador ordinário, sem uma justificação substantivamente adequada, conexa com a rigorosa prossecução de interesses de carácter geral da comunidade, introduzir limitações desproporcionadas aos direitos gerais do proprietário, essencialmente protegido pela previsão do artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Da mesma forma, os princípios gerais da tutela da confiança, da segurança jurídica e da boa fé, já enunciados supra, impedem, a compressão retroactiva dos direitos do proprietário, que se revele gravosa, desequilibrada, imponderada, descriteriosa e intolerável.
Conforme se referiu no acórdão do Tribunal Constitucional de 30 de Outubro de 1990 (relator José de Sousa Brito), publicado in www.tribunalconstitucional.pt, “apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático”.
Volvendo ao caso concreto em análise, entendemos não existir na interpretação e aplicação do preceito legal em referência qualquer afectação particularmente sensível e profundamente gravosa do núcleo essencial do direito de propriedade atribuído ao senhorio que permita sustentar com êxito a inconstitucionalidade arguida pelo apelante.
 Com efeito, na situação sub judice, trata-se, tão somente, do mero proletamento, por tempo determinado e relativamente curto (cinco anos), da possibilidade de cessação do contrato de arrendamento que propicia a exploração comercial da reconhecida “loja com história”, por oposição do senhorio à renovação de um contrato de arrendamento, devido a razões que se prendem com o interesse público autárquico e da comunidade lisboeta em geral, constituindo uma limitação que, pelo seu âmbito perfeitamente diferenciado, criterioso e muito particular, é absolutamente tolerável e aceitável pelo ordenamento jurídico, não ferindo o disposto no artigo 18º, nº 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa.
Saliente-se, a este propósito, que está em causa a defesa (possível) da identidade, da história e da realidade cultural ligadas ao comércio lisboeta local que perdura através dos tempos, relativamente a estabelecimentos comerciais centenários, que marcaram a vida da cidade de Lisboa durante gerações e que apenas contempla um número francamente reduzido de situações, perfeitamente identificáveis e objectivamente demonstráveis.
Não se vê, portanto, que a dita norma, de alcance temporal definido e restrito, abarcando um conjunto muito circunscrito de contratos de arrendamento, motivada por razões de interesse geral a que a comunidade, em defesa da sua própria memória colectiva, não pode ficar alheia, insensível ou indiferente, se traduza na afectação excessivamente penalizadora do senhorio, o qual não deixa de auferir a contrapartida monetária acordada para a cedência do gozo do imóvel e de poder vir a recuperar e a rentabilizar, a médio prazo, com termo absolutamente prédefinido, o imóvel que cedeu em locação.
Tais situações, pontuais, objectivas e sujeitas a um crivo especializado através da entidade autárquica competente, constituem uma compressão não gravosa do direito do senhorio que podem ainda ser compreendidas e contextualizadas na vertente da natureza social do direito de propriedade, neste caso do locador, havendo que atentar em que constituem prorrogações a prazo certo, com uma dilação temporal que, atento o equílibrio de valores sociais e jurídicos que se encontram em equação, não se pode considerar excessiva ou intolerável.
De resto, a vingar a tese da inconstitucionalidade da retroactividade na aplicação da norma em apreço, defendida pelo ora A., a presente lei não poderia proteger nem salvaguardar nenhum contrato de arrendamento que, no momento da sua entrada em vigor, contivesse a sua extinção a termo certo, deixando de fazer praticamente sentido falar-se em “adicional de prazo”, uma vez que o arrendamento onde se situasse a “loja com história” teria inexoravelmente que findar no termo do prazo antes contratualizado entre as partes.
Atendendo às razões que presidiram à elaboração deste diploma legislativo – Lei nº 42/2017, de 14 de Junho -, não declarado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, a solução propugnada neste tocante pelo recorrente constituiria, a nosso ver e sem quebra do respeito devido, um puro contrasenso e uma absoluta incongruência.
Não se verifica, assim, a inconstitucionalidade apontada pelo apelante.
Improcede, portanto, a presente apelação.  

IV - DECISÃO: 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela A. apelante.

Lisboa, 22 de Janeiro de 2019.
 
Luís Espírito Santo
Conceição Saavedra
Cristina Coelho