Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
85/18.3YHLSB.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: DESENHOS E MODELOS COMUNITÁRIOS
CONCEITO DE TERCEIRO
UTILIZADOR INFORMADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. O conceito de terceiro para efeitos do artigo 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, deve ser interpretado no sentido de que, num litígio relativo à violação do direito exclusivo conferido por um desenho ou modelo comunitário registado, o direito de proibir a utilização por terceiros do referido desenho ou modelo abrange o terceiro que utilize um desenho ou modelo que não cause no utilizador informado uma impressão global diferente, que seja também ele titular de um desenho ou modelo comunitário registado posteriormente ao do demandante.
        
II. No apuramento da impressão global do desenho de solas de sapato por um utilizador informado, este pode colocar-se na posição do fabricante de sapatos, conhecedor dos critérios de aquisição pelo consumidor final e conhecedor dos variados desenhos de solas que os produtores foram produzindo.
        
III. Devendo excluir-se da apreciação para a conclusão impressiva os aspectos que resultam da função técnica do objecto desenhado, o conjunto de pormenores a apreciar num desenho de sola de sapato é relativamente reduzido e aumenta, inversamente, a importância a dar aos pormenores diferenciais.
        
IV. Existindo uma diferença na altura (densidade) da sola, com reflexo evidente no conforto e na estética do utilizador final, e existindo diferenças claras no desenho que se apresenta visível sob a biqueira, e sobretudo existindo uma diferença notória no motivo ou medalhão central que corresponde ao arco da sola do pé, motivo esse que, pela sua centralidade, é o primeiro a ser observado, pode concluir-se por uma impressão global diferente no caso de duas solas que apresentam em comum linhas trilobadas na parte inferior e superior da base inferior da sola, ainda que invertidas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório[1]

T…  LLC, nos autos melhor identificada e que conforme mencionado no requerimento inicial é referida como “T…”, veio intentar o presente procedimento cautelar contra V…, LDA., também nos autos melhor identificada, pedindo que sejam decretadas as providências cautelares de intimação desta a:
A - Cessar e abster-se de imediato de praticar actos de infracção do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001, e, concretamente, o fabrico, armazenamento, promoção, venda por qualquer meio (incluindo venda online), exportação, introdução no comércio e comercialização da “sola V…” ou qualquer outra que contenha uma configuração que reproduza o desenho protegido pelo registo n.º 001403844-0001, nomeadamente que reproduza o desenho ou modelo comunitário n.º 003419407-0001 e fique impedida de praticar tais actos seja por si mesma ou por via de filiais, sucursais, ou outras entidades do mesmo grupo empresarial;
B - Cessar e abster-se de imediato de promover a “sola V…”, ou qualquer outra que contenha uma configuração que reproduza o desenho protegido pelo registo n.º 001403844-0001, através de qualquer meio ou suporte, incluindo páginas web, redes sociais, ou qualquer outro meio informático, bem como através de catálogos, folhetos, meios de comunicação social ou documentos comerciais de qualquer tipo;
Mais deve a requerida ser condenada a:
C -  Prestar as seguintes informações:
- Data de início de fabrico e quantidade de solas fabricadas pela Requerida que incorporam as características principais e a configuração do desenho T…, nomeadamente as que foram incorporadas nos sapatos de marca MAKANA, DUNE LONDON e CARRERA PANAMERICANA;
ii) Identificação completa (nome, morada e país e numero de identificação fiscal) das entidades a quem a Requerida vendeu (directa ou indirectamente) as solas que incorporam as características principais e a configuração do desenho T…, incluindo, informação sobre:
a. Data da primeira venda, às referidas entidades, das solas que incorporam as características principais e a configuração do desenho T…;
b. Número (quantidade) de solas que incorporam as características principais e a configuração do desenho T… vendida pela Requerida;
c. Montantes facturados pela Requerida em resultado das vendas referidas em a) e b) supra;
iii) Quantidade de solas que incorporam as características principais e a configuração do desenho T… que se encontram em stock ou de alguma forma armazenadas pela Requerida.
D - A pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de €5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento por parte das medidas que vierem a ser decretadas pelo Tribunal;

Alegou, em síntese, que a Requerida produz solas de sapatos que violam o seu desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001, possuindo uma configuração visualmente muito semelhante e produzindo no utilizador informado uma impressão global idêntica.

Citada a Requerida, veio deduzir oposição sustentando a improcedência do procedimento.
Em síntese, alegou que é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 003419407-0001, que corresponde à sola denominada “sola Carroça”, e impugnou que os sapatos identificados pela Requerente contenham aquela sola e que tenha colocado no mercado solas como as identificadas pela Requerente; aliás, isso mesmo resulta, após a troca de correspondência mantida entre ambas, da última missiva que a Requerente lhe endereçou e que estranhamente não menciona no seu requerimento inicial, na qual reconhece que não encontrou no mercado calçado em que a “sola Carroça” estivesse incorporada. Por outro lado, o tempo decorrido desde a suspeita da Requerente e a interposição do presente procedimento não só contraria a natureza urgente deste como revela intenção diversa na sua utilização por parte da Requerente. Embora tenha sido efectuado pedido de cancelamento do registo do desenho ou modelo comunitário de que é titular, não existe qualquer decisão ou reconhecimento oficial de infracção dos direitos de propriedade industrial da Requerente por parte da Requerida. De resto, a sua “sola Carroça” não viola o desenho ou modelo comunitário da Requerente, sendo maiores as diferenças que as semelhanças e não produzindo no utilizador informado uma impressão global idêntica.

Realizou-se a audiência final e foi seguidamente proferida decisão que julgou o procedimento cautelar improcedente, condenando a Requerente em custas e fixando o valor da acção em €30.000,01”.
Inconformada, a Requerente interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões:
1. Do erro cometido pelo Tribunal a quo na interpretação do artigo 19.º n.º 1 do RDC
A. Através do requerimento que deu início ao presente procedimento cautelar, veio a Requerente, ora Recorrente, alegar, em síntese, que a ora Recorrida tem vindo a fabricar e comercializar um modelo de sola de sapato (“Sola V…”) que não suscita no utilizador informado uma impressão global diferente daquela transmitida pelo desenho ou modelo comunitário registado n.º 001403844-0001 (“Desenho T…”), depositado pela Recorrente a 10 de fevereiro de 2014; e que, em consequência, a Recorrida está a infringir os direitos de exclusivo decorrentes do referido registo comunitário.
B. O Tribunal a quo indeferiu as medidas cautelares solicitadas pela ora Recorrente afirmando que a Recorrida, pelo facto de ter registado, em 2016, a sola alegadamente infratora do Desenho T… teria legitimidade para utilizar a referida sola enquanto o respetivo registo estiver em vigor.
C. Ao estatuir desta forma, o Tribunal a quo interpretou e aplicou o artigo 19.º n.º 1 do RDC (nos termos do qual “um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento”) retirando do mesmo que ao titular de um desenho ou modelo comunitário registado assiste sempre o direito de não ver perturbada a utilização do desenho em questão enquanto o respetivo registo estiver em vigor.
D. Porém, a ilação que o Tribunal a quo retirou do disposto no artigo 19.º do RDC está em flagrante desconformidade com as pautas interpretativas estabelecidas a propósito deste preceito legal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no Acórdão C-488/10, Celaya Emparanza y Galdos Internacional SA contra Proyectos Integrales de Balizamentos.
E. O TJUE, no referido Acórdão, estatuiu que é indispensável interpretar o artigo 19.°, n.° 1, do regulamento no sentido de que o mesmo permite ao titular de um desenho registado exercer os seus direitos, mesmo contra uma pessoa que utiliza um desenho próprio registado posteriormente, sem necessidade de obter previamente a declaração de nulidade do segundo desenho.
F. Ora, tendo o Tribunal a quo interpretado a norma em que fundou a decisão de indeferimento das providências cautelares requeridas ao arrepio das pautas interpretativas estabelecidas pelo TJUE, impõe-se a substituição da sentença em crise por outra, que declare que o exercício do direito da Recorrente de proibir a utilização por terceiros do desenho ou modelo comunitário registado n.º 001403844-0001 (Desenho T…) não sofre qualquer restrição nem paralisação pelo facto de a Recorrida ter obtido proteção registal para a sola infratora do Desenho T…, porquanto essa proteção (meramente formal) resulta de um registo efectuado posteriormente (2016) ao registo do Desenho T… (efetuado pela recorrente em 2014).
2. Da apreciação da questão de mérito subjacente ao presente litígio – verificação da existência de infração do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001, e consequente reunião dos pressupostos para a concessão das providências cautelares requeridas
G. Ultrapassado esse obstáculo à boa aplicação do Direito, cumpre que seja feita apreciação cautelar da questão de mérito que é objeto do presente litígio: a verificação da existência de infração do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001, e consequente reunião dos pressupostos para a concessão das providências cautelares requeridas.
H. Nos termos do artigo 338.º-I do Código da Propriedade Industrial, os pressupostos para o decretamento de providências cautelares com base num direito de propriedade industrial são (i) a efetiva titularidade do direito e (ii) a existência de efetivos atos de infração.
I. A titularidade, por parte da Recorrente, do registo de desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001 (Desenho T…), foi dada como provada pelo Tribunal a quo (ponto 1. da Fundamentação da sentença recorrida) em face da apresentação pela Recorrente do correspondente título de registo (anexo ao requerimento inicial como Documento 2).
J. Os atos de fabrico e fornecimento a terceiros da Sola V…, que têm vindo e continuam a ser praticados pela Recorrida, subsumem-se ao conceito de utilização estabelecido no Artigo 19.º do RDC. Tal como referido pelo Tribunal a quo, nos pontos 3 e 4 do III capítulo “Fundamentação”, “A Requerida produz solas para calçado nomeadamente com a seguinte configuração [reprodução das Solas V…] as referidas solas são fornecidas e incorporadas em sapatos comercializados nomeadamente sob as marcas DUNE LONDON, CARRERA PANAMERICANA e MAKANA.(…)”.
K. A Sola V… e o Desenho T… são notavelmente semelhantes, apresentando apenas diferenças mínimas e dificilmente percetíveis.
L. O Desenho T… e a Sola V…, incorporada nos sapatos Makana, DUNE LONDON e CARRERA PANAMERICANA, apresentam uma série de entalhes ziguezagueantes idênticos, perpendiculares à orientação da sola, e dispostos ao longo da sua superfície, como se pode visualizar nas tabelas constantes das páginas 18 a 24 das presentes Alegações, que aqui, em sede de Conclusões, se dão por reproduzidas, e que confrontam o Desenho T… com imagens da Sola V….
M. Tanto a sola infratora como o desenho registado se caracterizam pela diferenciação da sola em segmentos trilobados e ondulação dos entalhes, que lhes conferem uma mesma impressão. Em particular, nas partes mais visíveis da sola – a frente e a retaguarda, que ficam expostas quando o utilizador caminha – a impressão causada por quem vê o desenho reside muito mais na forma das linhas e na relação entre elas do que propriamente pelo sentido em que aquelas se direcionam. Aliás, as vistas laterais da sola – as mais visíveis quando a planta do pé que calça um sapato se encontra assente no chão – são absolutamente idênticas, apresentando uma sucessão de oito entalhes, visíveis de cada lado, de progressivamente maior profundidade, da frente para a parte de trás do pé.
N. Em consequência, a Sola V…, tendo em consideração as respectivas características, e, nomeadamente, a sua configuração, contornos e forma, não suscitaria a um utilizador informado uma impressão global distinta da sola protegida pelo Desenho T…, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 do RDC.
O. Como tal, deve extrair-se do facto provado da utilização, pela Recorrida, da Sola V… (factos provados 3. e 4., constantes da Fundamentação da sentença recorrida), o apuramento, a título cautelar, da violação do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001 (Desenho T…) da Recorrente.
P. Ficando, assim, provado, a título cautelar, que o Desenho T… de que é titular a Recorrente (desenho ou modelo comunitário tutelado pelo registo n.º 001403844-0001) se encontra reproduzido na Sola V…, cujo fabrico e comercialização, por parte da Recorrida, constitui ato de infração de desenho ou modelo comunitário.
Q. Estão, portanto, plenamente reunidos todos os pressupostos dos quais a lei (artigo 338.º-I do Código de Propriedade Industrial) faz depender o deferimento das providências cautelares aqui solicitadas.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer (…) seja concedido provimento ao presente recurso, julgando o mesmo procedente, com as legais consequências, mormente que seja revogada a sentença ora recorrida que julgue procedente o requerimento de medidas cautelares apresentado pela Requerente, e decretadas todas as medidas nele solicitadas.

Contra-alegou a Recorrida sem formular conclusões e alinhando argumentos para a manutenção da decisão sob as epígrafes e argumentos:
- Da inaplicabilidade do acórdão apresentado pela recorrente ao caso em apreço; 
- Da fragilidade do acórdão apresentado pela recorrente e da parca legislação sobre a matéria em causa;
- Caso assim não se entenda, do conflito de competências entre o EUIPO e os órgãos jurisdicionais nacionais;
- Ainda que assim não se entenda, e se julgue procedente a argumentação da recorrente, no sentido de dever aplicar-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça que a recorrente invocou, então sempre se dirá que, conforme resulta da mesma, a questão de mérito terá agora de ser apreciada.
- Ora, caso se entenda que tal questão de mérito ainda não foi apreciada definitivamente (o que não se concebe nem concede), então sempre convirá recordar este Tribunal que a matéria de facto dada como provada – e que a recorrente não impugnou e de que não recorreu – não permite que se conclua pela procedência do pedido da requerente, já que não se julgou provada a semelhança dos desenhos ou que os mesmos tenham qualquer identidade ou parecença,
- Defende a inadequação e inadmissibilidade do meio processual, a não ocorrência da infracção, discorrendo sobre o conceito do utilizador informado e sobre a ausência de reciprocidade entre a criatividade da recorrente e o grau de protecção que aquela reivindica.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, as questões a decidir são saber:
- se a interpretação do artigo 19º do RDC deve ser a de que o titular dum desenho registado pode exercer os seus direitos mesmo contra quem utiliza um desenho próprio registado posteriormente, sem necessidade de obter previamente a declaração de nulidade deste segundo desenho, e, na afirmativa,
- se o fabrico e comercialização da “sola V…” constitui acto de infracção do desenho comunitário “T…”, porquanto as características da referida “sola V…” – nomeadamente, a sua configuração, contornos e forma – não suscitaria a um utilizador informado uma impressão global distinta da sola protegida pelo desenho “T…”, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 do RDC.

III. Matéria de facto
1. A Requerente é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001, depositado a 10 de Fevereiro de 2014 e que corresponde a seis vistas de uma sola de sapato:
2. O DOM comunitário n.º 001403844-0001 tem vindo a ser utilizado pela Requerente em solas de sapato, mais concretamente num tipo de sola assinalada com a marca SENSORFLEX, e que a Requerente utiliza em determinados modelos de sapatos por si fabricados e comercializados sob a marca T…;
3. A Requerida produz solas para calçado nomeadamente com a seguinte configuração:



4. As referidas solas são fornecidas e incorporadas em sapatos comercializados nomeadamente sob as marcas DUNE LONDON, CARRERRA PANAMERICANA e MAKANA e nomeadamente pelas sociedades W…, Import Export, Lda. e J…, Sociedade de Fabrico e Representações de Calçado, Lda.;
5. A Requerida é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 003419407-0001, concedido em 14.10.2016, e que corresponde a duas vistas de uma sola de sapato:



6. A Requerente submeteu no EUIPO um pedido de cancelamento do referido desenho ou modelo comunitário, que se encontra pendente;
7. Requerente e Requerida trocaram a correspondência cuja cópia consta dos autos como docs. 8 e 9 do requerimento inicial e docs. 2 a 5 da oposição, cujo teor integral aqui se dá por reproduzido;

8. A “sola V…” ou “sola Carroça”, ou faz parte do catálogo da Requerida.

III.2. Matéria de facto não provada
Excluindo matéria de Direito e/ou conclusiva, não existe matéria de facto relevante para a decisão da causa que não tenha resultado provada.
O objecto do presente procedimento cautelar consiste na apreciação da violação pela Requerida do direito de propriedade industrial da Requerente, derivado do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001; em suma, se as solas por si produzidas (identificadas pela Requerente como “sola V…” e pela Requerida como “sola Carroça”) e colocadas em sapatos comercializados no mercado, reproduzem ou suscitam no utilizador informado a mesma impressão global que o DOM comunitário titulado pela Requerente e por esta identificado como “desenho T…”.
Tendo presente que este é o objecto deste litígio cautelar, considera-se irrelevante para a sua decisão a matéria alegada nos arts. 16.º e 18.º e 28.º a 30.º do requerimento inicial; bem como o facto subjacente aos arts. 40.º e ss. da oposição (no que respeita à data da venda das solas em questão).

III.3. Motivação
O Tribunal baseou a sua convicção quanto á matéria de facto com base na análise global e ponderada dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos das testemunhas ouvidas na audiência: OM…, AC…, contabilista; CF…, empresário, sócio da “J… - Sociedade de Fabrico e Representações de Calçado, Lda.”; JP…, director comercial e de desenvolvimento da Requerida (que confirmou o facto que consta do ponto 8.); MR…, encarregado do sector de amostras da Requerida; PG…, agente oficial de propriedade industrial.
O facto que consta do ponto 6. foi confirmado pela consulta do website https://euipo.europa.eu/eSearch/.

IV. Apreciação
Quanto à primeira questão – sendo que a segunda ficou prejudicada pela decisão dada à primeira – a decisão recorrida discorreu:
“A Requerente veio pedir, em suma, que a Requerida V… – Fábrica de Componentes para Calçado, Lda., seja proibida de fabricar, armazenar, promover por qualquer meio, vender por qualquer meio (incluindo venda online), exportar, introduzir no comércio e comercializar, por si ou por qualquer entidade inserida no seu grupo empresarial, a “sola V…” ou qualquer outra que contenha uma configuração que reproduza o desenho protegido pelo registo n.º 001403844-0001, nomeadamente que reproduza o desenho ou modelo comunitário n.º 003419407-0001.
Dispõe o art. 338.º-I do Código da Propriedade Industrial que:
1 — Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
2 — O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular do direito de propriedade industrial, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação. (…).
Para que seja decretada providência cautelar ao abrigo do disposto no referido artigo 338º-I é necessário e suficiente que seja feita prova sumária da titularidade do direito de propriedade industrial ou da autorização para o utilizar e da violação actual ou iminente desse direito, sendo desnecessária, por irrelevante, a prova da lesão resultante do periculum in mora.
Trata-se de um específico regime de protecção cautelar dos direitos de propriedade industrial.
No caso de violação efectiva do direito, ou seja, violação já consumada do direito, prescinde-se da prova da gravidade da lesão e da dificuldade da reparação, como sublinha Pedro Sousa e Silva, in “Direito Industrial, Noções Fundamentais”, Coimbra Editora, 2011, pág. 458. Também Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, Vol. IV, 2010, pág. 364 a 370, sustenta essa orientação, referindo que “em situações de violação efectiva, a lei torna a tutela cautelar independente da qualificação da situação de periculum in mora”.
Mas se no caso de violação efectiva do direito de propriedade industrial não se mostra necessário a demonstração do periculum in mora - o grave prejuízo causado pela demora inevitável do processo para o reconhecimento do direito - exige-se, como em toda a providência cautelar, o denominado “fumus bonni iuris”, ou seja, a mera aparência da realidade do direito invocado – que se traduz no conhecimento através de um exame e instrução indiciários (“summaria cognitio”), ou como sublinha Miguel Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, pág. 230, “(…) implica necessariamente uma apreciação sumária da situação através de um procedimento simplificado e rápido”.
Da análise da matéria de facto resulta que a Requerente é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 001403844-0001
, que utiliza em determinados modelos de sapatos por si fabricados e comercializados sob a marca T….
Resultou também provado que a Requerida é titular do registo do desenho ou modelo comunitário n.º 003419407-0001
que produz e fornece para aplicação em calçado comercializado sob diversas marcas, conforme resulta dos pontos 3. e 4. da matéria de facto.
Resultou ainda provado que se encontra pendente no EUIPO um pedido da Requerente, de cancelamento do referido desenho ou modelo comunitário.
A Requerente sustenta que a “sola V…” fabricada e comercializada pela Requerida reproduz as características essenciais e a configuração do seu “desenho T…”.
Da comparação entre o DOM comunitário titulado pela Requerida
       e as solas por si produzidas e aplicadas nos sapatos comercializados no mercado,
resulta suficientemente claro que as solas destes sapatos correspondem aquele DOM – o que a Requerente admite no art. 26.º do requerimento inicial.
De acordo com o art. 1.º do Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho de 12 de Dezembro de 2001 relativo aos desenhos ou modelos comunitários, o desenho ou modelo comunitário possui carácter unitário. Produz efeitos idênticos em toda a Comunidade. Só pode ser registado, transmitido, ser objecto de renúncia ou de declaração de nulidade, ou o seu uso ser proibido, em toda a Comunidade.
Um desenho ou modelo comunitário registado será declarado nulo mediante a apresentação de um pedido ao Instituto, de acordo com o procedimento previsto nos Títulos VI e VII, ou por um tribunal de desenhos e modelos comunitários, com base num pedido reconvencional de nulidade em processo por infracção – cfr. art. 24.º do Regulamento.
Dispõe ainda o art. 19.º, n.º1 do mesmo Regulamento: Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento.
A referida utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos.
Do que resulta que a Requerida tem, enquanto titular do DOM comunitário registado sob o n.º 003419407-0001 um direito exclusivo de o usar, incluindo em especial o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos. Esse DOM comunitário registado possui carácter unitário, em todo o território da União Europeia e a declaração da sua nulidade – se não pedida em sede reconvencional em processo de infracção, como não foi, no caso - é da competência do EUIPO. Onde se provou que foi de facto formulado um pedido de cancelamento daquele registo (alega a Requerente que, com fundamento na sua falta de singularidade face, nomeadamente, à prévia divulgação do Desenho T… da Requerente) mas que se encontra ainda pendente, presumindo-se portanto, nesta sede e data, válido.
As conclusões a retirar, no que respeita aos pressupostos do decretamento das providências cautelares requeridas é a de que não resulta demonstrada a violação do direito de propriedade industrial da Requerente derivado do seu DOM comunitário registado sob o n.º 001403844-0001; que a “sola V…” corresponde ao DOM comunitário registado da Requerida, n.º 003419407-0001, sobre que esta tem um direito exclusivo de uso em todo o território da EU; devendo o presente procedimento cautelar ser julgado improcedente”.
Comecemos por nos situar:
Antes de mais, deixar fora de qualquer dúvida que o tribunal recorrido é, nos termos do artigo 40º nº 2 do Código da Propriedade Industrial, o tribunal competente para os efeitos previstos nos artigos 80.º a 92.º do Regulamento (CE) n.º 6/2002, do Conselho, de 12 de Dezembro de 2001[2].
A recorrida sustenta que o acórdão mencionado nas alegações de recurso não é aplicável ao caso, porque no caso o tribunal recorrido não decidiu não ser admissível o procedimento, em face da regulamentação aplicável, mas antes decidiu que não se verificavam os pressupostos de deferimento das providências requeridas, ou seja, conheceu de mérito.
Mais defende a recorrida que o acórdão referido nas alegações de recurso tem fundamentação frágil, visto que é praticamente original e se limita essencialmente a uma argumentação a partir do texto legal.
Defende ainda a recorrida que, se este tribunal entender que deve conhecer do mérito, ainda não há factos provados – sendo certo que a decisão da matéria de facto não foi impugnada – que demonstrem a pretendida identidade das solas.
Ora bem, começando já pelo último argumento, com o devido respeito, não lhe aderimos: o lugar próprio da identidade ou dissemelhança não é a decisão da matéria de facto mas a apreciação jurídica. Estando dados como provados os desenhos, afirmar que entre os dois existe ou não impressão global diversa, resultará, como uma conclusão, do exercício de visionamento desses desenhos segundo a óptica do utilizador informado, isto é, colocando-se o tribunal na posição dele, ou seja, convocando a si e à sua representação, as características dum utilizador informado, e segundo os critérios juridicamente definidos da novidade e da singularidade. Estamos, na afirmação da identidade ou não das solas, perante uma conclusão de direito. 
Quanto ao argumento da fragilidade da fundamentação do acórdão, ele não é impeditivo da sua ponderação, obviamente, nem da sua aplicação, ou melhor, da aplicação da sua pauta interpretativa, ao caso concreto. Todas as decisões originais, todas as decisões que se produzem sobre um caso que surge, na vida real, pela primeira vez, padecem dessa natural dificuldade: - não têm apoio em jurisprudência ou doutrina anterior, e portanto todas são, naturalmente, frágeis. De resto, a fundamentação do acórdão, se bem que parte do texto, não parte apenas do texto do artigo 19º nº 1 do Regulamento (CE) nº 6/2002, mas da análise conjugada de vários dos mecanismos por ele instituídos, ou seja, procede a uma interpretação sistemática, em vista dos objectivos constantes dos considerandos iniciais do dito Regulamento, ou seja também recorrendo ao elemento teleológico da interpretação jurídica. Em suma, como resulta do artigo 9º do Código Civil, tal intérprete não se limitou à letra da lei.
Vejamos então o primeiro argumento da recorrida – o acórdão pronuncia-se sobre a admissibilidade dum meio judicial diverso do presente caso, e constitui uma decisão sobre uma questão processual.
No acórdão em causa[3], o Tribunal de Justiça pronuncia-se, no âmbito dum reenvio prejudicial, numa acção onde se discute a contrafacção dum desenho registado anteriormente por outro também registado mas posteriormente (sendo autora a titular do registo realizado em primeiro lugar), sobre o conceito de terceiro para efeitos do artigo 19º nº 1 do Regulamento. Porém, a sua argumentação constrói-se na análise dos mecanismos processuais previstos para a defesa do direito, com reflexo evidente na questão de saber se o titular do primeiro registo tem, na acção de contrafacção que deduz contra o titular do segundo registo, de obter previamente a declaração de nulidade do segundo registo junto do Instituto de Harmonização do Mercado Interno, tanto quanto parece resultar do Regulamento que a competência para a decisão, a título principal, da nulidade, compete a este Instituto e não aos tribunais de desenhos ou modelos. Com o devido respeito e salvo melhor entendimento, e ainda que se diga o contrário, o Tribunal de Justiça resolve a insuficiência securitária dos meios processuais previstos através da extensão do conceito de terceiro constante do artigo 19º.
A especificidade do reporte a uma acção não é fundamento decisivo para não considerar os argumentos ali expendidos, no que toca a um procedimento cautelar, em tanto quanto neste se discutem, ainda que nos limites duma cognição sumária, as mesmas questões.
Com o devido respeito pela recorrida e pelo tribunal recorrido, a decisão aqui sob recurso só apenas formalmente se pronuncia sobre o mérito.
Sendo pressupostos do decretamento das providências cautelares requeridas a existência do direito e a sua violação, como consta aliás da própria decisão recorrida, quando se diz que “não resulta demonstrada a violação do direito de propriedade industrial da Requerente derivado do seu DOM comunitário registado sob o n.º 001403844-0001; que a “sola V…” corresponde ao DOM comunitário registado da Requerida, n.º 003419407-0001, sobre que esta tem um direito exclusivo de uso em todo o território da EU” a não demonstração da violação resulta precisamente do facto de se demonstrar que a requerida, ora recorrida, tinha também o direito, igual, que lhe resultava do registo posterior do seu desenho, na medida em que tendo sido pedido o seu cancelamento, o mesmo ainda não tinha, à data da decisão, sido deferido pelo IHMI.
Com esta conclusão, o tribunal recorrido não passou ao conhecimento da questão da identidade dos dois desenhos. O tribunal entendeu – sem o declarar expressamente – que, numa colisão de direitos iguais, ambos estando válidos, não lhe competia, até porque não tinha sido formulado pedido reconvencional de nulidade, decidir do mérito dessa identidade, até porque nela se basearia o necessário pedido de declaração de nulidade junto do organismo europeu competente.
Não se concorda pois com os fundamentos em que a recorrida defende a inaplicabilidade do acórdão do Tribunal de Justiça ao presente caso, afigurando-se existir razão por parte da recorrente quando refere que o tribunal não conheceu do mérito e se ficou por uma questão prévia cuja solução fez retirar duma interpretação restritiva do referido artigo 19º.
Antes de prosseguir, convém retraçar a história e o propósito do Regulamento CE 6/2002 e aflorar de forma global o seu regime. Para tanto, com a devida vénia, transcrevemos o seguinte excerto do Acórdão da Relação de Guimarães de 15-12-2009[4], proferido no processo nº 1798/07.0TBFLG.G1:
“A construção de um Mercado Interno é assumida e apresentada como um dos objectivos imediatos ou instrumentais do Tratado CE, na medida em que, através dele, procura-se alcançar, em toda a comunidade, os fins enunciados no artigo 2º do TCE, designadamente o desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável das actividades económicas, um alto grau de competitividade e de convergência dos comportamentos das economias e a coesão económica entre os Estados.
Para alcançar estes fins, a acção da comunidade implica, entre outros, “Um mercado interno caracterizado pela abolição, entre os Estados-Membros, dos obstáculos à livre circulação de mercadorias (…)”[alínea c) do art. 3º do TCE]; “Um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno” [alínea g) do art. 3º do TCE]; “A aproximação das legislações dos Estados-Membros na medida do necessário para o funcionamento do mercado comum” [alínea f) do art. 3º do TCE]; “O reforço da capacidade concorrencial da indústria da Comunidade” [alínea m) do art. 3º do TCE]; “A promoção da investigação e do desenvolvimento tecnológico” [alínea n) do art. 3º do TCE].
Mas, se num primeiro momento da construção do Mercado Interno, a intervenção do Tribunal de Justiça foi garantindo a observância das regras de mercado, a verdade é que as exigências cada vez maiores da eficácia do seu funcionamento, acompanhadas pela tomada de consciência da necessidade de se avançar para a construção de um Mercado Único, acabou por revelar a insuficiência da via jurisprudencial para garantir a observância do princípio da livre circulação com respeito pelos direitos privativos industriais conferidos pelas diferentes ordens jurídicas nacionais.
Estavam, assim, criadas as condições para a integração jurídica através da aprovação de directivas comunitárias de aproximação de legislações nacionais, abrindo-se, deste modo, as portas para um segundo estádio da evolução que, após o Tratado da União Europeia, em 1992, e já numa terceira fase de consolidação e aperfeiçoamento do Mercado Único, passou para a adopção, preferencial, de regulamentos comunitários como instrumentos legislativos criadores de um direito único válido em todo o território da União Europeia, que seja mais acessível e adaptado às necessidades do mercado interno e não suscite riscos de distorção para a concorrência a nível comunitário.
A plena realização do Mercado Interno, passa, assim, pela adopção de um conjunto de medidas com vista à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, que tenham incidência directa no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum, entre as quais sobressai, na matéria que ora nos interessa, a harmonização de legislações no domínio da protecção legal de desenhos e modelos, através da Directiva 98/71/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1998, e na instituição de um sistema unificado para a obtenção de um desenho ou modelo comunitário, beneficiando de protecção uniforme e produzindo os mesmos efeitos em todo o território da Comunidade, por via do Regulamento ( CE ) nº 6/2002, de 12 de Dezembro de 2001.
A protecção dos desenhos ou modelos comunitários é justificada com base em duas ordens de considerações.
Em primeiro lugar porque “as diferenças substanciais que se verificam entre as legislações dos Estados-Membros em matéria de desenhos ou modelos impedem e distorcem a concorrência a nível comunitário entre os produtores”, podendo “conduzir à divisão do mercado interno no que diz respeito aos produtos com incorporação de um desenho ou modelo sujeito a direitos nacionais detidos por diversas pessoas, constituindo assim um obstáculo à livre circulação de mercadorias” [cfr. 3º e 4 considerandos do Regulamento (CE) nº 6/2002].
Em segundo lugar, porque “o reforço da protecção da estética industrial tem como efeito não só encorajar os criadores individuais a contribuírem para estabelecer uma superioridade da Comunidade neste domínio, como também para incentivar à inovação e ao desenvolvimento de novos produtos e ao investimento na produção” [cfr. 7º considerando do mesmo].
De salientar, porém, como escreve Luís Couto Gonçalves, que o “Regulamento consagra o princípio da coexistência com o direito de desenho ou modelo nacional (cfr. art. 25º, nº1, al. d); art. 95º) e não se opõe ao princípio da protecção cumulativa do direito de autor conferida pela legislação dos Estados- Membros (art. 96º, nº 2)”.
Para efeitos do Regulamento (CE) nº 6/2002, considera o seu art. 3º, al. a) como “desenho ou modelo” a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente, das linhas, contornos, cores, forma textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação.
Segundo o disposto no seu art. 4º, merecem protecção legal os desenhos ou modelos comunitários que sejam novos e possuam carácter singular, quer considerados em si mesmos (nº1), quer quando aplicados ou incorporados num produto que constitua um componente de um produto complexo (nº2), sendo que, neste último caso será ainda de exigir que os mesmo se mantenham visíveis durante a utilização normal do produto.
                (…)
Nos termos do citado artigo 5º, nº1, al b), um desenho ou modelo comunitário registado será considerado novo se nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público, antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é reivindicada protecção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade, aferindo-se este conceito de “divulgação ao público”, à luz dos conhecimentos dos profissionais do sector que operam na Comunidade no decurso da sua actividade corrente, conforme o disposto no art. 7º, nº1 do mesmo regulamento.
Poder-se-á, pois, dizer que os desenhos ou modelos comunitários são novos quando as características da aparência não são razoavelmente conhecidas para os profissionais do sector que operam na Comunidade, no âmbito do exercício da sua actividade.
No que concerne à singularidade, considera o citado art. 6º, nº 1, al. b) que um desenho ou modelo possui carácter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público, estabelecendo o seu nº 2 que, na apreciação do carácter singular, será tido em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs na realização do desenho ou modelo.
Parafraseando J. P. Remédio Marques e M. Nogueira Serens, dir-se-á que a “singularidade dos desenhos ou modelos é um plus relativamente à novidade”, porquanto “um desenho novo pode produzir, em, princípio, a mesma impressão global em relação a características da aparência anteriormente divulgadas. Por essa razão, exige-se, a par da novidade, que o desenho ou modelo ostente diferenças suficientemente marcadas relativamente às características da aparência já divulgadas - apartando-se de forma significativa da impressão geral causada por outros desenhos ou modelos já divulgados e que tenham chegado ao conhecimento dos meios especializados na Comunidade - de modo a poder incidir, de uma maneira clara e inequívoca, na impressão global que suscita junto dos utilizadores informados”.
Fundamental, para a apreciação do carácter singular de um desenho ou modelo, é, por um lado, que ela seja feita por um utilizador informado, ou seja, conhecedor “do corpus preexistente de um determinado acervo de características da aparência aplicadas nos produtos que ele usa, conhece ou utiliza frequentemente”.
E, por outro lado, que haja uma diferença clara entre a impressão global suscitada pelo desenho ou modelo no utilizador informado e a impressão nele suscitada pelo património de desenhos ou modelos existente, pois a verdade é que, apesar do citado art. 6º, nº1 não o referir, é isso que consta do (14) Considerando do Regulamento (CE) nº 6/2002.
Desde que não seja contrário à ordem pública ou aos bons costumes (cfr. art. 9º), o desenho ou modelo comunitário goza da protecção conferida pelo registo por um período de cinco anos a contar da data de depósito do pedido, prorrogável por iguais e sucessivos períodos de tempo até um máximo de 25 anos (cfr. artigo 12º)”. (fim de citação).
Como interpretar o artigo 19º nº 1 do referido Regulamento, que dispõe:         
Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento.
A referida utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos”?

Dito dum modo mais próximo do caso concreto, a utilização que é proibida ao terceiro, sem o consentimento do titular do desenho comunitário registado aqui requerente (T…), é o fabrico, a oferta e a colocação no mercado de uma sola idêntica ou cujos pormenores de dissemelhança não sejam de molde a conduzir um utilizador informado a ter uma impressão globalmente diferente da sola T….
Este terceiro é todo aquele que, sem registo do seu próprio desenho fabrique uma sola com estas condições de semelhança, ou abrange também aquele que fabrica sola com essas condições de semelhança a partir dum desenho comunitário seu que também se mostra registado?

Sobre esta questão se pronunciou o Tribunal de Justiça no acórdão acima identificado, declarando a final que:
O artigo 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários, deve ser interpretado no sentido de que, num litígio relativo à violação do direito exclusivo conferido por um desenho ou modelo comunitário registado, o direito de proibir a utilização por terceiros do referido desenho ou modelo abrange qualquer terceiro que utilize um desenho ou modelo que não cause no utilizador informado uma impressão global diferente, incluindo o terceiro titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior”.

Considerou o Tribunal, e passamos a citar, que:
“Quadro jurídico

3 Resulta do seu quinto considerando que o regulamento tem por objetivo a «criação de um desenho ou modelo comunitário diretamente aplicável em todos os Estados-Membros» a fim de «obter […] um desenho ou modelo válido num único território que englobe todos os Estados-Membros».
4 O décimo oitavo considerando do regulamento enuncia:
«Um desenho ou modelo comunitário registado exige a criação e a manutenção de um registo em que sejam inscritos todos os pedidos que satisfaçam os requisitos formais previstos e aos quais tenha sido atribuída uma data de depósito do pedido de registo. Em princípio, o sistema de registo não deve basear-se num exame destinado a determinar previamente ao registo se o desenho ou modelo satisfaz as condições de obtenção da proteção, o que permitiria reduzir ao mínimo as formalidades de registo e demais operações a efetuar pelo requerente.»
5 Nos termos do artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do regulamento, um desenho ou modelo comunitário será protegido «[e]nquanto ‘desenho ou modelo comunitário registado’, caso seja registado nos termos do presente regulamento».
6 O artigo 1.º, n.º 3, do regulamento dispõe:
«O desenho ou modelo comunitário possui caráter unitário. Produz efeitos idênticos em toda a Comunidade. Só pode ser registado, transmitido, ser objeto de renúncia ou de declaração de nulidade, ou o seu uso ser proibido, em toda a Comunidade. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»
7 Nos termos do artigo 3.º, alínea a), do regulamento:
«[…] são aplicáveis as seguintes definições:

a) ‘Desenho ou modelo’ designa a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto resultante das suas características, nomeadamente, das linhas, contornos, cores, forma, textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação».
8 O artigo 4.º, n.º 1, do regulamento prevê:
«Um desenho ou modelo será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua caráter singular.»
9 Nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alínea b), do regulamento, um desenho ou modelo comunitário registado será considerado novo se nenhum desenho ou modelo idêntico tiver sido divulgado ao público «antes da data de depósito do pedido de registo do desenho ou modelo para o qual é reivindicada proteção ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade».
10 O artigo 6.º, n.º 1, alínea b), do regulamento prevê que se considera que um desenho ou modelo comunitário registado possui caráter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global suscitada nesse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público «antes da data de depósito do pedido de registo […] ou, caso seja reivindicada prioridade, antes da data de prioridade».
11 O artigo 10.º do regulamento, intitulado «Âmbito da proteção», dispõe, no seu n.º 1:
«O âmbito da proteção conferida por um desenho ou modelo comunitário abrange qualquer desenho ou modelo que não suscite no utilizador informado uma impressão global diferente.»
12 O artigo 19.º do regulamento, intitulado «Direitos conferidos pelo desenho ou modelo comunitário», prevê:
«1. Um desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de utilizar o desenho ou modelo e de proibir que um terceiro o utilize sem o seu consentimento. A referida utilização abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, exportação ou utilização de um produto em que esse desenho ou modelo esteja incorporado, ou em que tenha sido aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos efeitos.
2. Todavia, um desenho ou modelo comunitário não registado só confere ao seu titular o direito de proibir os atos mencionados no n.o 1, se o uso em litígio resultar de uma cópia do desenho ou modelo protegido.
O uso em litígio não é considerado resultante de uma cópia do desenho ou modelo protegido se resultar de um trabalho de criação independente, realizado por um criador de que não se possa razoavelmente pensar que conhecia o desenho ou modelo divulgado pelo seu titular.
[…]»
13 A secção 5 do título II do regulamento, intitulada «Nulidade», inclui os artigos 24.° a 26.° do mesmo.
14 Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, do regulamento:
«Um desenho ou modelo comunitário registado será declarado nulo mediante a apresentação de um pedido ao Instituto [de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)], de acordo com o procedimento previsto nos Títulos VI e VII, ou por um tribunal de desenhos e modelos comunitários, com base num pedido reconvencional de nulidade em processo por infração.»
15 O artigo 25.º do regulamento, intitulado «Causas de nulidade», dispõe no seu n.º 1, alínea d), que um desenho ou modelo comunitário só pode ser declarado nulo, designadamente, «se o desenho ou modelo comunitário estiver em conflito com um desenho ou modelo anterior».
16 O título V do regulamento, intitulado «Processo de registo», é constituído pelos artigos 45.° a 50.° do mesmo.
17 O artigo 45.º do regulamento, intitulado «Verificação dos requisitos formais de depósito de um pedido», enuncia, no seu n.º 2:
«O [IHMI] examinará se:

a ) O pedido preenche os restantes requisitos definidos nos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 36.º e, no caso dos pedidos múltiplos, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 37.º;
b) O pedido preenche os requisitos formais estabelecidos pelo regulamento de execução para a aplicação dos artigos 36.° e 37.°;
c) Estão preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 77.º;
d)    Estão preenchidos os requisitos relativos à reivindicação de prioridade, caso seja reivindicada.»
18 O artigo 47.º do regulamento, intitulado «Fundamentos para a recusa do pedido de registo», dispõe, no seu n.º 1:
«Se, ao examinar o pedido nos termos do artigo 45.º, o [IHMI] verificar que o desenho ou modelo para o qual se requer proteção:

a)Não corresponde à definição dada na alínea a) do artigo 3.º, ou
b)É contrário à ordem pública ou aos bons costumes, recusará o pedido.»
19 Nos termos do artigo 48.º do regulamento, «[s]e os requisitos que um pedido de desenho ou modelo comunitário registado tem de preencher tiverem sido cumpridos, e desde que o pedido não tenha sido recusado nos termos do artigo 47.º, o [IHMI] registará o pedido no Registo de Desenhos e Modelos comunitários como desenho ou modelo comunitário registado».
20 O título VI do regulamento, intitulado «Renúncia e nulidade do desenho ou modelo comunitário registado», é constituído pelos artigos 51.° a 54.° do mesmo.
21 O artigo 52.º do regulamento, intitulado «Pedido de declaração de nulidade», prevê no seu n.º 1 que «qualquer pessoa singular ou coletiva, ou qualquer entidade pública habilitada para o efeito, pode apresentar ao [IHMI] um pedido de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado».
22   O título IX do regulamento, intitulado «Competência e procedimento em ações judiciais relativas a desenhos e modelos comunitários», inclui, designadamente, uma secção 2, intitulada «Litígios em matéria de infração e validade dos desenhos ou modelos comunitários», que compreende os artigos 80.° a 92.° do regulamento.
23 Nos termos do artigo 81.º do regulamento:
«Os tribunais de desenhos e modelos comunitários têm competência exclusiva em relação a:

a) Ações de contrafação e — se a legislação nacional o permitir — ações por ameaça de contrafação de desenhos ou modelos comunitários;
b)  Ações de verificação de não contrafação de desenhos ou modelos comunitários, se a legislação nacional as permitir;
c)   Ações de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários não registados;
d)     Pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários apresentados em ligação com as ações referidas na alínea a).»
24 O artigo 85.º do regulamento, intitulado «Presunção de validade — Defesa quanto ao fundo», dispõe, no seu n.º 1:
«Nos processos resultantes de ações de contrafação ou de ações por ameaça de contrafação de um desenho ou modelo comunitário registado, os tribunais de desenhos e modelos comunitários considerarão o desenho ou modelo comunitário como válido. A validade só poderá ser contestada por meio de um pedido reconvencional de declaração de nulidade. A exceção de nulidade do desenho ou modelo comunitário apresentada por outra via que não seja um pedido reconvencional será, porém, admissível, se o requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser declarado nulo devido à existência de um direito nacional anterior, na aceção do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 25.º, que lhe pertence.»

Litígio no processo principal e questões prejudiciais

25 A Cegasa é titular do desenho ou modelo comunitário registado n.º 000421649-0001, constituído por um marco de sinalização rodoviária. Este desenho ou modelo foi depositado no IHMI em 26 de outubro de 2005 e publicado no registo de desenhos ou modelos comunitários em 13 de dezembro de 2005.
26 Em finais de 2007, a PROIN colocou no mercado o marco de sinalização H-75. Considerando que este marco não causava uma impressão geral diferente da do desenho ou modelo comunitário registado n.º 000421649-0001, a Cegasa requereu extrajudicialmente à PROIN, em janeiro de 2008, que pusesse termo à contrafação. Esta última negou a contrafação, mas comprometeu-se, não obstante, a introduzir alterações no seu desenho. Em março de 2008, a Cegasa reiterou o seu pedido à PROIN de pôr termo à contrafação.
27 Em 11 de abril de 2008, a PROIN depositou no IHMI um pedido de registo de um desenho ou modelo comunitário constituído por um marco de sinalização rodoviária. Este desenho ou modelo foi publicado no registo de desenhos ou modelos comunitários em 7 de maio de 2008 sob o número 000915426-001.
28 O órgão jurisdicional de reenvio considera que o marco cilíndrico comercializado pela PROIN é uma reprodução do desenho ou modelo comunitário registado n.º 000421649-0001 da Cegasa, na medida em que não causa no utilizador informado uma impressão global diferente da causada por este desenho ou modelo. O órgão jurisdicional de reenvio precisa que, não obstante, a Cegasa não apresentou um pedido de declaração de nulidade do desenho ou modelo comunitário registado n.º 000915426-001.
29 Em contrapartida, a Cegasa interpôs no Juzgado de lo Mercantil n.º 1 de Alicante y n.º 1 de Marca Comunitaria uma ação de contrafação de um desenho ou modelo comunitário registado, alegando que a oferta, a promoção, a publicidade, o armazenamento, a comercialização e a distribuição do sinal rodoviário H-75 pela PROIN constituem uma violação dos direitos que o regulamento lhe reconhece enquanto titular do desenho ou modelo comunitário registado n.º 000421649-0001.
30 A PROIN opôs-se à referida ação de contrafação. Invocou, designadamente, a falta de legitimidade ativa da Cegasa para instaurar uma ação de contrafação do seu desenho ou modelo comunitário registado, na medida em que o marco de sinalização comercializado pela PROIN é uma reprodução de um desenho ou modelo comunitário igualmente registado. Sustentou, deste modo, que, enquanto o referido registo não for anulado, o seu titular beneficia de um direito de utilização ao abrigo do regulamento, pelo que o exercício desse direito não pode ser considerado uma contrafação.
31 Nestas condições, o Juzgado de lo Mercantil n.º 1 de Alicante y n.º 1 de Marca Comunitaria decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1) Num litígio por violação do direito exclusivo concedido por um [desenho ou] modelo comunitário registado, o direito de proibir a respetiva utilização por terceiros, previsto no artigo 19.º, n.º 1, do [r]egulamento […], abrange qualquer terceiro que utilize outro [desenho ou] modelo que não produza nos utilizadores informados uma impressão global diferente ou, pelo contrário, exclui o terceiro que usa um [desenho ou] modelo comunitário posterior registado a seu favor enquanto este não for declarado nulo?
2) (…)
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão

32 A título preliminar, importa salientar que o regulamento não contém nenhuma regra que refira expressamente a possibilidade de o titular de um desenho ou modelo comunitário registado anterior propor uma ação de contrafação contra o titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior.
33 Não obstante, impõe-se constatar que a redação do artigo 19.º, n.º 1, do regulamento não faz distinção em função do facto de o terceiro ser ou não titular de um desenho ou modelo comunitário registado.
34 Deste modo, nos termos da referida disposição, o desenho ou modelo comunitário registado confere ao seu titular o direito exclusivo de o utilizar e de proibir que «qualquer terceiro» o utilize sem o seu consentimento.
35 Da mesma forma, o artigo 10.º, n.º 1, do regulamento enuncia que a proteção conferida pelo desenho ou modelo comunitário abrange «qualquer desenho ou modelo que não suscite no utilizador informado uma impressão global diferente».
36 Resulta destas disposições que o regulamento não exclui a propositura de uma ação de contrafação, pelo titular de um desenho ou modelo comunitário registado, com o objetivo de fazer proibir a utilização de um desenho ou modelo comunitário registado posterior que não suscite no utilizador informado uma impressão global diferente.
37 Na verdade, como o Governo polaco salientou nas observações que apresentou ao Tribunal de Justiça, o titular do desenho ou modelo comunitário registado posterior também goza, em princípio, de um direito exclusivo de utilizar o seu desenho ou modelo.
38 Não obstante, esta circunstância não é suscetível de pôr em causa a interpretação do conceito de «qualquer terceiro», na aceção do artigo 19.º, n.º 1, do regulamento, como abrangendo o terceiro titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior.
39 A este propósito, importa recordar que, como a Comissão Europeia sustentou nas suas observações, as disposições do regulamento devem ser interpretadas à luz do princípio da prioridade, por força do qual o desenho ou modelo comunitário registado anterior tem primazia sobre os desenhos ou modelos comunitários registados posteriores.
40 Decorre em particular do artigo 4.º, n.º 1, do regulamento que um desenho ou modelo será protegido enquanto desenho ou modelo comunitário na medida em que seja novo e possua caráter singular. Ora, em caso de conflito entre dois desenhos ou modelos comunitários registados, presume-se que o desenho ou modelo registado em primeiro lugar reúne estes requisitos para obter a proteção comunitária antes do registado em segundo lugar. Assim, o titular do desenho ou modelo comunitário registado posterior só poderá beneficiar da proteção que o regulamento confere se comprovar, através de uma ação de anulação ou, se for caso disso, de uma ação reconvencional, que o desenho ou modelo comunitário registado anterior não preenche um dos referidos requisitos.
41 Neste contexto, e como salientou o advogado-geral nos n.ºs 32 e 33 das suas conclusões, importa ter em conta as características essenciais do processo de registo de desenhos e modelos comunitários instituído pelo regulamento.
42 Com efeito, nos termos deste processo, regulado pelos artigos 45.° a 48.° do regulamento, o IHMI examina a conformidade de um pedido com os requisitos formais de depósito, tal como previstos no regulamento. Se o pedido preencher os referidos requisitos, corresponder à definição de desenho ou modelo nos termos do artigo 3.o, alínea a), do regulamento e não for contrário à ordem pública ou aos bons costumes, o IHMI inscreve o pedido no registo de desenhos e modelos comunitários como desenho ou modelo comunitário registado.
43 Trata-se, portanto, de um controlo expedito de natureza essencialmente formal, que, como indicado no décimo oitavo considerando do regulamento, não exige um exame de mérito para determinar previamente ao registo se o desenho ou modelo satisfaz as condições de obtenção da proteção e que, por outro lado, diversamente do processo de registo previsto no Regulamento (CE) n.º 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1), não inclui uma fase que permita ao titular de um desenho ou modelo registado anterior opor-se ao registo.
44 Nestas condições, só uma interpretação do conceito de «qualquer terceiro», na aceção do artigo 19.º, n.º 1, do regulamento, no sentido de que abrange o terceiro titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior é suscetível de garantir o objetivo de proteção eficaz dos desenhos e modelos comunitários registados prosseguido pelo regulamento, bem como o efeito útil das ações de contrafação.
45 Esta conclusão, de resto, em nada é prejudicada pelo facto de o regulamento não atribuir aos tribunais de desenhos e modelos comunitários competência para conhecer dos pedidos de declaração de nulidade dos desenhos ou modelos comunitários registados e dispor, no seu artigo 85.º, que, nos processos resultantes de ações de contrafação ou de ações por ameaça de contrafação, esses tribunais devem considerar o desenho ou modelo comunitário registado como válido.
46 A este propósito, importa sublinhar que o regulamento distingue claramente, no âmbito das ações relativas aos desenhos e modelos comunitários registados, entre ações em matéria de contrafação e ações em matéria de nulidade.
47 No que se refere, por um lado, às ações em matéria de contrafação, o artigo 81.º do regulamento confere aos tribunais de desenhos e modelos comunitários competência exclusiva para conhecer destes litígios. No âmbito destas ações, os referidos tribunais examinam unicamente se foi violado o direito exclusivo de utilização que o regulamento confere ao titular de um desenho ou modelo comunitário registado.
48 No que respeita, por outro lado, aos pedidos de declaração de nulidade dos desenhos ou modelos comunitários registados, o regulamento optou por centralizar o tratamento destes pedidos no IHMI, estando este princípio, porém, mitigado pela possibilidade de os tribunais de desenhos e modelos comunitários conhecerem dos pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado, apresentados no âmbito de uma ação de contrafação ou por ameaça de contrafação.
49 A este propósito, não pode ser acolhida a argumentação segundo a qual a interpretação do conceito de «qualquer terceiro», na aceção do artigo 19.º, n.º 1, do regulamento, como abrangendo o terceiro titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior altera a repartição de competências entre os referidos tribunais e o IHMI, esvaziando de sentido a competência deste último em matéria de declaração de nulidade.
50 Com efeito, resulta das características acima expostas que as ações em matéria de contrafação e os pedidos de declaração de nulidade se distinguem entre si pelo seu objeto e pelos seus efeitos, de modo que a possibilidade de o titular de um desenho ou modelo comunitário registado anterior propor uma ação de contrafação contra o titular de um desenho ou modelo comunitário registado posterior não é suscetível de esvaziar de sentido a apresentação no IHMI de um pedido de declaração de nulidade contra esse desenho ou modelo.
51 Consequentemente, importa concluir que, na medida em que o desenho ou modelo comunitário registado posterior, cuja utilização foi proibida, continua a ser válido enquanto a sua nulidade não for declarada pelo IHMI ou pelo tribunal de desenhos e modelos comunitários no âmbito de um pedido reconvencional de declaração de nulidade, o sistema de recurso estabelecido pelo regulamento não é alterado pela conclusão enunciada no n.º 44 do presente acórdão”. (fim de citação).
Ora bem, é verdade que estamos em sede dum procedimento cautelar. O Regulamento (CE) nº 6/2002 dispõe, nos números 1 e 2 do seu artigo 90º:

1. Podem ser requeridas aos tribunais de um Estado-Membro, e nomeadamente aos tribunais de desenhos e modelos comunitários, medidas provisórias e cautelares em relação a um desenho ou modelo comunitário, do tipo previsto pela legislação desse Estado para os desenhos ou modelos nacionais, mesmo que, por força do disposto no presente regulamento, um tribunal de desenhos e modelos comunitários de outro Estado-Membro seja competente para conhecer do fundo da questão.
2. Nos processos relativos a medidas provisórias e cautelares, é admissível a excepção de nulidade de um desenho ou modelo comunitário invocada pelo requerido por outra via que não seja um pedido reconvencional. O disposto no n.º 2 do artigo 85.º será, no entanto, aplicável mutatis mutandis”.

Nos termos do artigo 338º-I do CPI, “1 - Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade industrial, pode o tribunal, a pedido do interessado, decretar as providências adequadas a:
a) Inibir qualquer violação iminente; ou
b) Proibir a continuação da violação.
(…)”.
O CPI prevê, por força dos seus artigos 1º e 2º, e mais concretamente do capítulo III e artigos 173º a 183º, sobretudo por força do artigo 176º nº 1 e 2, o direito de propriedade industrial sobre desenhos ou modelos.
É portanto possível pedir, como se pediu nos autos, as providências destinadas a acautelar o direito da T… sobre o seu desenho de sola.
O que se pediu em concreto foi que a requerida fosse intimada a não mais produzir nem comercializar a sua sola, porquanto o desenho dela não produzia uma impressão global diferente do desenho da T…, registado como desenho comunitário.
Salvas as disposições específicas dos procedimentos cautelares em matéria de propriedade industrial, o direito subsidiário nesta matéria é ainda o constante do Código de Processo Civil, e isto significa que o procedimento cautelar é sempre dependente de acção principal já proposta ou a propor, salva a eventualidade de inversão do contencioso – artigo 364º do CPC.
Perguntamo-nos assim: de que acção será este procedimento cautelar dependente? Naturalmente das acções que, segundo o Regulamento, competem aos tribunais de desenhos ou modelos[5], ou seja, as acções previstas nos artigos 81º do Regulamento.
Nos termos do artigo 81º “Os tribunais de desenhos e modelos comunitários têm competência exclusiva em relação a:
a) Acções de contrafacção e — se a legislação nacional o permitir — acções por ameaça de contrafacção de desenhos ou modelos comunitários;
b) Acções de verificação de não contrafacção de desenhos ou modelos comunitários, se a legislação nacional as permitir;
c) Acções de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários não registados;
d) Pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de desenhos ou modelos comunitários apresentados em ligação com as acções referidas na alínea a)”.
Se cotejarmos o restante dispositivo em matéria de litígios sob decisão dos tribunais de desenhos, temos que:                
Artigo 84º: “1. As acções e os pedidos reconvencionais de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário só podem ser fundamentadas nas causas de nulidade previstas no artigo 25.º
2. Nos casos referidos nos n.ºs 2, 3, 4 e 5 do artigo 25.º, a acção ou o pedido reconvencional só podem ser apresentados pela pessoa habilitada nos termos dessas mesmas disposições.
3. Numa acção judicial em que o titular do desenho ou modelo comunitário não seja parte, este será informado do facto e poderá intervir no processo, de acordo com as condições previstas na legislação do Estado-Membro em que o tribunal estiver situado.
4. A validade de um desenho ou modelo comunitário não pode ser contestada numa acção de declaração de não infracção”.
Artigo 85º: “1. Nos processos resultantes de acções de contrafacção ou de acções por ameaça de contrafacção de um desenho ou modelo comunitário registado, os tribunais de desenhos e modelos comunitários considerarão o desenho ou modelo comunitário como válido. A validade só poderá ser contestada por meio de um pedido reconvencional de declaração de nulidade. A excepção de nulidade do desenho ou modelo comunitário apresentada por outra via que não seja um pedido reconvencional será, porém, admissível, se o requerido alegar que o desenho ou modelo comunitário poderia ser declarado nulo devido à existência de um direito nacional anterior, na acepção do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 25.º, que lhe pertence.
2. Nos processos resultantes de acções de contrafacção ou de acções por ameaça de contrafacção de um desenho ou modelo comunitário não registado, os tribunais de desenhos e modelos comunitários devem considerar o desenho ou modelo comunitário como válido, se o titular desse desenho ou modelo provar que estão reunidas as condições previstas no artigo 12.º e indicar em que aspectos o seu desenho ou modelo comunitário apresenta carácter singular. O requerido pode, todavia, contestar-lhe a validade por via de excepção ou por meio de um pedido reconvencional de declaração de nulidade”.
Artigo 86º: “1. Sempre que, num processo perante um tribunal de desenhos e modelos comunitários, a validade de um desenho ou modelo comunitário tenha sido contestada por meio de um pedido reconvencional:
a) Se se verificar que alguma das causas referidas no artigo 25.º se opõe à manutenção do desenho ou modelo comunitário, o tribunal declará-lo-á nulo;
b) Se se verificar que nenhuma das causas referidas no artigo 25.º se opõe à manutenção do desenho ou modelo comunitário, o tribunal rejeitará o pedido reconvencional.
2. O tribunal de desenhos e modelos comunitários perante o qual foi apresentado um pedido reconvencional de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado informará o Instituto da data de apresentação desse pedido. O Instituto procederá à inscrição desse facto no registo.
3. O tribunal de desenhos e modelos comunitários chamado a decidir sobre um pedido reconvencional de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado pode, a pedido do titular do desenho ou modelo comunitário registado e após audição das outras partes, suspender o processo e convidar o requerido a apresentar um pedido de declaração de nulidade no Instituto, num prazo que o tribunal determinará. Se o pedido não for apresentado nesse prazo, o processo será retomado; o pedido reconvencional será considerado retirado. É aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 91.º
4. Sempre que um tribunal de desenhos e modelos comunitários tenha proferido uma sentença transitada em julgado sobre um pedido reconvencional de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado, deve ser enviada ao Instituto uma cópia da sentença. Qualquer das partes pode pedir informações sobre esse envio. O Instituto inscreverá no registo uma menção da sentença, de acordo com o disposto no regulamento de execução.
5. Não é admissível qualquer pedido reconvencional de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado se um pedido com o mesmo objecto e o mesmo fundamento, e envolvendo as mesmas partes, tiver já sido resolvido pelo Instituto por decisão transitada em julgado”.
Artigo 91º: “1. Salvo se houver razões especiais para que o processo prossiga, um tribunal de desenhos e modelos comunitários em que seja intentada uma acção referida no artigo 81.º, com excepção da acção de verificação de não contrafacção, deve suspender a instância oficiosamente após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade do desenho ou modelo comunitário já tenha sido contestada perante um outro tribunal de desenhos e modelos comunitários por meio de um pedido reconvencional ou, no caso de um desenho ou modelo comunitário registado, sempre que já tenha sido apresentado no Instituto um pedido de declaração de nulidade.
2. Salvo se existirem razões especiais para que o processo prossiga, quando um pedido de declaração de nulidade de um desenho ou modelo comunitário registado for apresentado ao Instituto, este deve suspender a instância oficiosamente, após audição das partes, ou a pedido de uma das partes e após audição das outras partes, sempre que a validade do desenho ou modelo comunitário registado tenha já sido contestada junto de um tribunal de desenhos e modelos comunitários por meio de um pedido reconvencional. Todavia, se uma das partes no processo pendente perante o tribunal de desenhos e modelos comunitários o requerer, esse tribunal pode, após audição das outras partes, suspender o processo. Nesse caso, o Instituto prosseguirá o processo nele pendente.
3. Sempre que o tribunal de desenhos e modelos comunitários suspenda o processo, pode ordenar medidas provisórias e cautelares aplicáveis durante o período de suspensão”.            

Ora, de toda esta arquitectura e para os efeitos do presente caso, resulta, como assinala o Tribunal de Justiça, a centralização da declaração de nulidade a título principal no IHMI, pois que a competência dos tribunais de desenho quanto à nulidade se refere apenas a desenhos e modelos não registados e quanto aos registados, apenas quando a questão da nulidade é suscitada no âmbito de pedido reconvencional ou excepção, isto é, quando é aquele que é demandado por violar o direito resultante do artigo 19º nº 1 do Regulamento que vem defender-se dizendo que esse direito invocado não existe, porque padece de nulidade. Ou seja, não há uma previsão de accionamento directo, a título principal, para o titular do direito de propriedade industrial sobre um desenho comunitário registado a seu favor, no âmbito da competência dos tribunais de desenho ou modelo. Quando o titular queira sustentar a sua pretensão – impeça-se que alguém, que tem um desenho que não provoca impressão global diferente do meu desenho que foi registado anteriormente, fabrique o correspondente objecto (que dará portanto impressão global não diferente daquele que eu, com base no meu desenho, fabrico) – a via a seguir é a interposição do pedido de declaração de nulidade junto do IHMI e não nos tribunais de desenhos ou nacionais.
Foi isto que implicitamente decidiu o tribunal recorrido e é disto que a recorrente não se conforma, pois que defende que assim o direito que lhe é reconhecido no artigo 19º na verdade não é pleno, não lhe permitindo actuar com rapidez para com o infractor que tenha registado desenho idêntico, digamos assim.
Num exemplo relativamente absurdo, se transportamos o caso para o direito de propriedade sobre um imóvel, o proprietário registado em primeiro lugar pode usar em exclusivo e defender-se contra todos os que não têm registo, mas já não pode defender-se de quem conseguiu também registar a seu favor. Porque o registo de desenho comunitário obedece apenas a um processo que verifica os requisitos formais e não os substanciais, imaginemos também que o registo predial apenas verificava a conformidade das declarações a um formulário, mas não confirmava o título de aquisição da propriedade: teríamos então dois proprietários registados à entrada da porta duma única casa.
Vem este exemplo a significar que, se o objectivo é agilizar a produção de desenho, enquanto motor de produção de novidades que sustentam o apetite dos consumidores, e se a variabilidade deste apetite é rápida, então o objectivo é também que tão logo surja um desenho novo, possa o seu autor começar a beneficiar da sua aplicação prática. Se surge um conflito prático, a lógica da urgência estende-se aos meios de defesa previstos, à acção de contrafacção e às providências cautelares. Se o conflito é apenas potencial – isto é, alguém que tem um registo a seu favor descobre que alguém registou depois um desenho idêntico e portanto poderá vir a produzir objecto idêntico ao seu, em condições possivelmente mais económicas e portanto a provocar a diminuição das suas vendas – o primeiro titular pode pedir a declaração de nulidade do segundo desenho. E se os dois proprietários já estão à porta da casa? A arquitectura percorrida diz-nos que o primeiro não pode impedir o segundo de entrar, nos tribunais nacionais – no caso dos autos, nem mesmo a título cautelar – tendo de ir pedir primeiro a declaração de nulidade ao IHMI, mas o segundo está dispensado desta demora se quiser demonstrar que o primeiro é que não tem direito.
Na prática, ocorre o risco duma utilização abusiva ser coberta, validada, por um simples segundo registo formal. Não diga o segundo titular que isto põe em causa a segurança jurídica, desde logo porque não está a salvo que um terceiro titular lhe não venha a fazer o mesmo. E por outro lado, de facto, quando a verificação que antecede o registo é meramente formal, não se pode daí retirar uma inabalável segurança.
Acresce que esta situação é ainda mais estranha quando pensamos num procedimento cautelar. Se a arquitectura regulamentar de meios de defesa não prevê a competência dos tribunais de desenho para declararem a título principal a nulidade do segundo desenho registado, se o procedimento cautelar é dependência da acção principal, esta acção só pode ser a de contrafacção e não a de declaração de nulidade. Mas então quedaria inútil a previsão do Regulamento de que podem ser decretadas medidas cautelares nos termos da legislação nacional pelos tribunais nacionais, não estando previsto que tais medidas sejam aplicadas pelo IHMI – ou a utilidade seria restringida aos casos de desenhos não registados – e ocorreria mesmo uma ablação da hipótese de defesa cautelar urgente quando a primeira questão de fundo a resolver no procedimento cautelar fosse a invalidade do segundo desenho registado. Tal solução contraria manifestamente o princípio constitucional e legal do direito de defesa.
Como resolver a deficiência desta arquitectura de meios processuais de defesa? Nada se faz e fica-se à espera que o legislador comunitário a supra, conforme defende a recorrida? Parece-nos que o princípio do direito de defesa – que é aliás a base mais antiga do sistema de direito, a transferência da justiça ou vingança privada para a esfera pública enquanto condição de manutenção de paz social – obriga a aceitar como melhor solução a que o Tribunal de Justiça produziu: - interpretar o conceito de terceiro no artigo 19º do Regulamento no sentido de não o restringir ao terceiro sem desenho ou modelo registado a seu favor, pelo contrário, dando relevo a um princípio de prioridade, que aliás está na base da própria concessão do direito de propriedade industrial, isto é, a protecção do novo e singular, levá-lo a contemplar também o terceiro titular dum registo posterior. 
Por outro lado, se assim salvamos a lógica da previsão de recurso aos tribunais nacionais para decretar providências cautelar, na sua conjugação com os casos em que estes conhecem da nulidade por via de reconvenção ou excepção, não tem assim fundamento decisivo a oposição que a recorrida apresenta com base num conflito de competências.
Em suma, entendemos que assiste razão à recorrente nesta primeira questão.

2ª Questão: - o fabrico e comercialização da “sola …” constitui acto de infracção do desenho comunitário “T…”, porquanto as características da referida “sola V…” – nomeadamente, a sua configuração, contornos e forma – não suscita a um utilizador informado uma impressão global distinta da sola protegida pelo desenho “T…”, nos termos do artigo 10.º, n.º 1 do RDC?

A recorrida sustentou ainda duas questões que importa resolver antes de entrar nesta apreciação.
A partir da correspondência trocada entre as partes e dada como provada, defende a recorrida que a recorrente esperou um ano para intentar o procedimento cautelar e que tinha reconhecido que não havia no mercado calçado que incorporasse a sola “Carroça”.
Ora bem, dar a correspondência como provada não significa dar como provado o que consta dessa correspondência, e no que diz respeito à fabricação, comercialização e incorporação da sola “Carroça” em várias marcas de calçado, isso resulta realmente provado. Portanto, não é relevante este argumento.
Sendo verdade que o que subjaz a qualquer procedimento cautelar é a urgência, e que é esta que justifica que o tribunal aligeire a apreciação e a fundamentação, sendo por isso que se quem é ofendido aguarda um ano até dizer que o tribunal tem de decidir urgentemente, então não se justificaria a preclusão da intervenção mais aprofundada e fundamentada do tribunal. Simplesmente, essa questão acaba por não ter relevância em sede de procedimento cautelar relativo à ofensa de direito de propriedade industrial, precisamente porque, como consta da decisão recorrida e ambas as partes estão de acordo, no procedimento cautelar nesta matéria prescinde-se da alegação e prova sumária do perigo de lesão grave e dificilmente reparável, pois que a mesma se presume a partir da mera violação. Assim, somos remetidos a uma subjectividade incontrolável por parte do titular do direito ameaçado na definição da urgência da sua necessidade, no fundo, sabendo ele que o seu direito está violado, a ele cabe ponderar quando é a persistência da violação se lhe torna intolerável e requer actuação judicial urgente.

Passemos então à apreciação da impressão global que os desenhos das solas, que estão em discussão nos autos, produzem num utilizador informado.
               
Já sabemos várias coisas: a impressão global diferente reproduz o conceito de novo e singular que é a razão funda da concessão do direito. Nessa diferença reside afinal, na comparação com o anterior, o que é novo e singular no posterior. Por outro lado, não entram para o cômputo das similitudes, não serão por isso objecto de apreciação para impressão, todos os elementos que resultam necessariamente da função técnica do objecto sobre que o desenho se pronuncia. Assim, o facto da sola nova manter, relativamente à antiga, o tamanho e a forma do pé humano na essencialidade técnica do andar humano, e o carácter plano (sem embargo do plano se poder realizar sobre pontos de apoio e autorizar curvaturas e arcos intermédios a esses pontos) é descartado para o juízo da impressão de semelhança. Sabemos também que há situações já há muito adquiridas para a construção técnica do objecto, seja o material com que se fabrica a sola, seja a aceitação consumidora da diversidade de cores. Sabemos também que o facto da sola apresentar pontos de maior aderência ao chão, seja por via da rugosidade da superfície, seja por via de entalhes (estes com a vantagem adicional de cortarem, por escoamento, os perigos do piso molhado), acaba por ser eminentemente uma exigência da função técnica, assim afastada da apreciação. Deste modo, como ao longo dos autos se discutiu, o essencial que é trazido ao juízo sobre a impressão global reporta-se ao desenho – pontos, linhas, manchas ou áreas – que se encontra inscrito na parte inferior da sola. E não deixa de ser verdade que quando, em função dos aspectos que se apresentam como exigências da técnica, a liberdade de criação do autor do desenho é particularmente restringida, a impressão global tem de apurar-se com atenção à inversa dessa liberdade restrita, ou seja, com mais atenção a uma série de pequenas diferenças do que a grandes diferenças. Pensemos num volante de automóvel para entender que serão pormenores mínimos que fazem a diferença.
Agora, é também facto que o utilizador informado não deixa de contar nessa sua especial informação, com o conhecimento que tem sobre a necessidade e a apetência do utilizador final, e é verdade que nenhum utilizador final compra solas de sapatos, mas sim solas incorporadas em sapatos, ou seja, sapatos. E é facto básico do conforto, que é uma das boas razões de compra de sapatos, que a altura da sola – isto é, a distância de amortecimento do pé ao impacto com o chão – é um factor muito apreciado, por essa capacidade de amortecimento e ainda por razões estéticas relacionadas com a altura do utilizador final.
Finalmente, não deixa de ser verdade que no mundo do utilizador final a estética do próprio objecto é relevante, e por isso o desenho das partes visíveis na acção de marcha ou corrida, tem de ser especialmente considerado.

O utilizador informado, também já está adquirido, situa-se no presente caso a meio caminho entre o técnico e o consumidor final de sapatos, portanto no lugar mais próximo ao do fabricante de sapatos que está habituado a apreciar a diversidade de solas que pode adquirir para nelas implantar os restantes materiais que fazem o sapato.
Portanto, vamos colocar-nos no lugar do fabricante de sapatos.
Quantas solas de borracha com entalhes descritos por linhas não rectas, trilobadas ou mais ou menos arredondas até à onda marítima, mais ou menos agitada, de cima a baixo ou em intervalos, é que já vimos? Não poderá o fabricante de sapatos dizer que apenas viu a sola T… em discussão nos autos, pelo contrário, já viu bastantes solas com essas características.
Se é verdade que as linhas T… se orientam num sentido e as linhas V… no sentido exactamente inverso, tanto que se colocássemos um esquerdo T… ao lado dum direito V…, o que teríamos (na parte superior e na parte inferior) era a continuação da ondulação, já não concordamos que seja essa – a inversão de orientação das linhas – a única diferença, portanto mínima e insusceptível de produzir uma impressão global nova, por diferente. É que, tirando a visão do calcanhar na posição de andamento – e teria de ser uma corrida bastante rápida para se conseguir ver razoavelmente, porque o olhar não se situa na mesma linha do calcanhar – que dá a mesma impressão, já no levantamento da biqueira se consegue bem ver uma diferença. Como se salienta no parecer técnico junto aos autos, na sola V… existe na biqueira a base dum leque e na sola T… existe uma banda curva. Por outro lado, na visão lateral da sola assente no chão, a diferença de altura dos entalhes em forma de arco romano é maior, em sentido ascendente da biqueira para o calcanhar, aliás, em T…, sustentam-se dois imponentes arcos romanos na zona do calcanhar, o que é coerente com a maior altura que a sola aí tem, na comparação com a sola V…. Assim, para o utilizador final, o maior conforto que resulta desta maior altura e a maior altura que o mesmo utilizador conseguirá evidenciar no relacionamento com os demais, ressalta de forma imediata. Disto, o utilizador informado está manifestamente ciente, disto, que é uma grande valia em termos de vendas e que justifica, claro, um aumento de preço, está o fabricante de sapatos bem consciente.
Finalmente, o mais importante. É por decorrência oftalmológica mas possivelmente mais pelo próprio funcionamento cerebral que nos concentramos no ponto central mais – ou primeiramente do que – na periferia. Na comparação dos dois desenhos, a parte central, que corresponde ao arco da sola do pé, revela-se de dimensão diferente, independentemente da coloração zebrada, mas sobretudo ostenta um motivo ou medalhão central que é notavelmente diverso. Na sola T… temos um losango com pretensões a transformar-se em octógono, rectificando os cantos e arredondando os lados, que ostenta um círculo no seu interior, e na sola V… temos uma moldura rectangular que expande os seus cantos para a forma duma seta apontada ao exterior, ostentando um rectângulo no seu interior.
Deste modo, desta diversidade medalhística, resulta imediatamente uma impressão diferente, à qual se segue, na observação, a periferia linear e entalhística, e a conclusão de que “é parecido mas não, afinal é diferente, porque é ao contrário”. Assim, o primeiro passo do processo de observação impede que se conclua, no segundo passo, pela impressão global idêntica.
Considerando pois estas diferenças que descrevemos, que nos parecem mais importantes – no apuramento duma impressão geral – que a suposta irrelevância de uma inversão de linhas, não somos a concluir que a impressão que a observação dos dois desenhos nos produz não é globalmente diversa, pelo contrário, parece-nos que é globalmente diferente.
               
Assim sendo, não se conclui que o desenho da sola V… – e a actividade eu a partir dele a recorrida levou a cabo – infrinjam o desenho comunitário registado T… nos autos em apreciação, assim se devendo concluir pela improcedência do procedimento cautelar e pelo não decretamento das providências, do pedido de informações e da sanção pecuniária compulsiva.
Termos em que improcede o recurso, confirmando-se a decisão recorrida ainda que por razões diversas. 

Tendo decaído no recurso, é a recorrente responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.

V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam negar provimento ao recurso e em consequência, e ainda que por razões diversas, confirmam a decisão de improcedência decretada pelo tribunal recorrido.

Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 20 de Setembro de 2018

Eduardo Petersen Silva

Cristina Neves

Manuel Rodrigues

[1] Com aproveitamento do relatório da decisão recorrida.
[2] E alterações introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 1891/2006 do Conselho, de 18 de Dezembro de 2006.
[3] Que a recorrente juntou aos autos, e que se encontra disponível electronicamente sob EUR-Lex - 62010CJ0488.
[4] Ainda que tirado num caso diverso do dos presentes autos, sob o ponto da posição processual, mas curiosamente também sobre solas.
[5] Conforme artigo 88º, que dispõe: 1. Os tribunais de desenhos e modelos comunitários aplicarão as disposições do presente regulamento.
2. Às questões não abrangidas pelo presente regulamento, os tribunais de desenhos e modelos comunitários aplicarão o seu direito nacional, incluindo o seu direito internacional privado.
3. Salvo disposição em contrário do presente regulamento, os tribunais de desenhos e modelos comunitários aplicarão as regras processuais aplicáveis ao mesmo tipo de processo relativo a um desenho ou modelo nacional do Estado-Membro em cujo território esse tribunal estiver situado.