Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
88/17.5PFSNT.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: E.M.A.
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: 1– Em face da alteração dada ao artº 170º/1-b), do CE, pela Lei 72/2013, de 3/09/2013, e do dever de interpretação das leis de acordo com o princípio da unidade do sistema, impõe-se a dedução da margem de erro ( E.M.A.) para encontrar o valor da taxa de álcool no sangue (T.A.S.) a considerar nos crimes de condução sob o efeito do álcool, sob pena de a sentença incorrer em erro notório na apreciação da prova.

2– Para achar o valor a considerar, há que converter a T.A.S. medida pelo alcoolímetro em T.A.E., a fim de ser determinada a taxa de conversão aplicável nos termos da do anexo da Portaria 1556/2007 de 10/12.

3– Esta operação implica a consideração do disposto no artº 81º/4, do CE, por força da qual 1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue. Por uma regra de três simples se encontra o valor da TAE, à qual há que deduzir o Ema, reconvertendo-se, depois, o valor calculado para TAS.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal.

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I–Relatório:


Em processo sumário, o arguido S.A.D., solteiro, motorista, nascido a 17/06/19XX, na freguesia de S. Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, filho de NMD e PAD, residente na Rua …………………Cacém, foi sentenciado nos seguintes termos:

a)- Foi absolvido da prática de dois crimes de injúrias agravadas, previstos e puníveis (p.s e p.s) pelos artigos 181º/ 1 e 184°, conjugados com o artº 132º/ 2- l), do Código Penal (CP);
b)- Foi condenado como autor material, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º/ 1, do CP, na pena de 6 meses de prisão;
c)- Foi condenado como autor material e na forma consumada, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada (relativamente a J.B. ), p. e p. pelos artigos 143º/ 1 e 145º/1- a), conjugado com o artº 132º/2-l), do CP, na pena de 3 meses de prisão;
d)- Foi condenado como autor material e na forma consumada, da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada (relativamente a N.R. ), p. e p. pelos artigos 143º/ 1 e 145º/1- a), conjugado com o artº 132º/2-l), do CP, na pena de 4 meses de prisão;
e)- Em cúmulo jurídico, foi condenado, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante sujeição a regime de prova;
g)- Foi condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de quaisquer categorias, pelo período de 15 meses, nos termos do artigo 69º/1- a), do CP.
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O arguido recorreu, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«I- O arguido, aqui recorrente, ficou plenamente consciente da gravidade dos factos praticados e dos quais se arrepende profundamente.
II- O arguido, aqui recorrente, por ser motorista profissional (condutor da Carris) e apesar de nunca ter ingerido bebidas alcoólicas em serviço, tem, agora, perfeita consciência da gravidade e das consequências que representa para sua vida pessoal e profissional, a condenação na pena de inibição de conduzir veículos a motor, de quaisquer categorias.
III- Devido a condenação anterior, o arguido, aqui recorrente, ficou já inibido de conduzir por um período de 7 (sete) meses.
IV- Apesar de ter tido ajuda e compreensão por parte da sua empresa, durante aquele período de inibição, tal poderá não voltar a ser possível, se o arguido ficar inibido de conduzir por tão longo período.
V- Por essa razão e estando agora plenamente consciente das consequências para a sua vida se perder o emprego, o arguido, aqui recorrente, apela a V. Exas. para que lhe seja dada nova e última oportunidade de poder manter o seu emprego, e da sua vida não ficar totalmente destruída, o que apenas poderá ser possível se não ficar inibido de conduzir por um período que ultrapasse os 12 (doze) meses.
VI- Apela à Elevada Ponderação de V. Exas., para que o período de tempo em que o arguido venha a ser condenado, na inibição de conduzir veículos a motor de quaisquer categorias, possa ficar aquém dos 12 (doze) meses.
VI- O arguido, aqui recorrente, irá procurar toda a ajuda necessária e possível para ultrapassar esta fase da sua vida e que lhe tem trazido todos os problemas psicológicos que o afectam, estando firmemente determinado a nunca mais ingerir bebidas alcoólicas.
Termos em que, e no mais que Vossas Excelências possam mui doutamente suprir, deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se pena acessória, de inibição de conduzir veículos a motor de quaisquer categorias, por período inferior a doze meses (…)».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso, com fundamento em que«(…)as exigências de prevenção especial também são elevadas, considerando os antecedentes criminais do arguido, sobretudo pelas condenações sofridas no âmbito dos processos n° 102/05.7RLSB e 341/16.5PCSNT. onde o arguido foi condenado pela prática de crime de condução perigosa de veículo rodoviário e crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo este último por factos da mesma natureza praticados em 16/03/2016. Acrescem, ainda, a intensidade do dolo, a perigosidade da conduta, a circunstância do arguido ser motorista de profissão (o que torna a conduta mais censurável) e a elevada taxa de alcoolemia que o arguido apresentava aquando do exercício da condução, tudo circunstâncias agravantes que concorrem na determinação da medida concreta da pena, nos termos do disposto no artigo 71°, n° 2, do Código Penal».
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Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto declarou a sua concordância com as contra-motivações.  
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II– Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pelo recorrente é o excesso da medida de inibição de conduzir.
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III– Fundamentação de facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes os factos:
1.– No dia 08/06/2017, em momento anterior às 0 horas e 20 minutos, na Avenida ……….., Agualva, concelho e comarca de Sintra, o arguido efectuava a condução do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, com a matrícula XX-XX-XX.
2.– Enquanto se encontrava a aguardar os procedimentos policiais, o arguido dirigiu-se ao agente da PSP que o fiscalizava, P.P., proferindo as seguintes expressões: “Espere aí, não me faça isto. Vai foder-me a vida toda. Trabalho na Carris e já estou com pena suspensa pelo mesmo crime. Não me fodas a vida”.
3.– Após a realização do teste de despistagem e enquanto o agente se encontrava a parquear a viatura do arguido, o mesmo pegou no seu telemóvel, afastando-se do local, pelo que foi abordado pelo agente da PSP J.B. , com vista a informá-lo de que não poderia afastar-se do local.
4.– Nesse momento, o arguido, dirigindo-se ao agente , proferiu a seguinte expressão: “Vai para o caralho, pá, mas agora não posso falar ao telemóvel”, empurrando o referido agente no sentido de o afastar do seu caminho.
5.– Perante tal actuação o Chefe N.R.  dirigiu-se ao arguido dizendo-lhe para se acalmar, tendo o arguido proferido a mesma expressão, mandando o agente de autoridade para o caralho, desferindo-lhe um empurrão, projectando-o contra o capot de uma viatura que se encontrava estacionada, quase o levando ao solo.
6.– De seguida, o arguido foi manietado para ser algemado, tendo o Chefe N.R. ficado com a farda rasgada.
7.- Após ter sido fiscalizado, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,50 g/l..
8.– O arguido foi notificado, de que podia requerer a contraprova ao resultado do teste, não a tendo pretendido.
9.– Por apresentar ferimentos, foi o arguido conduzido ao Hospital Fernando da Fonseca, na Amadora, onde foi assistido e, enquanto se aguardava a chegada dos Bombeiros, o arguido urinou no corredor da Esquadra ao aguardar a retirada das algemas.
10.– Bem sabia o arguido que antes dos factos havia ingerido bebidas alcoólicas e que não podia conduzir com a taxa de alcoolemia no sangue que apresentava.
11.– O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, ciente da condição profissional dos agentes da PSP que aí se encontravam, bem sabendo ainda, que estes se encontravam no exercício das suas funções e, não obstante, teve o propósito conseguido de atingir o corpo dos mesmos e a sua integridade física.
12.– O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas lhe eram vedadas por lei.
Outros factos, com relevo para a decisão da causa
13.– O arguido aufere cerca de € 750, mensais.
14.– Vive sozinho, em casa própria, suportando mensalmente empréstimo bancário para aquisição da mesma, no montante de € 230.
15.– A viatura é própria.
16.– O arguido tem o 12.° ano de escolaridade.
17.– O arguido já sofreu condenações:
a)- Por sentença do 4.° Juízo Criminal de Lisboa – 3ª Secção, datada de 05/07/2005, por factos praticados em 11/08/2000, transitada em julgado em 19/09/2005, por um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 180 dias de multa, declarada extinta, por cumprimento, em 15/01/2007;
b)- Por sentença do 2.° Juízo de Pequena Instância Criminal de Lisboa - 2.ª Secção, datada de 09/04/2008, por factos praticados em 28/05/2005, transitada em julgado em 09/04/2008, por um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena de 220 dias de multa e 6 meses de pena acessória de proibição de conduzir, declaradas extintas, por pagamento, em 25/06/2008 e por cumprimento, em 07/10/2010, respectivamente;
c)- Por sentença do Juízo de Pequena Instância Criminal da Amadora, datada de 11/12/2009, por factos praticados em 27/11/2009, transitada em julgado em 12/01/2010, por um crime de burla, na pena de 60 dias de multa, declarada extinta, por cumprimento, em 20/10/2010;
d)- Por sentença do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra - Juiz 2, datada de 01/04/2016, por factos praticados a 16/03/2016, transitada em julgado a 08/07/2016, por um crime dc condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão, substituída por trabalho a favor da comunidade e 7 meses de pena acessória de proibição de conduzir.

Para apreciação da causa há que considerar ainda que:
18.– A utilização do aparelho de despiste foi aprovada pelo IPQ pelo despacho 11037/2007, de 24/04/2007 e pela ANSR através do despacho 19684/2009, de 06/06&09 e foi verificado pelo IPQ em 2016-05-23.
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Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não se apurou que:
a)- No circunstancialismo referido em 4. e 5., dos factos provados, o arguido tivesse atingido o agente da PSP J.B.  e o Chefe da PSP N.R. , na dignidade pessoal e profissional.
b)- O arguido tivesse agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo estas suas condutas proibidas e punidas por lei.
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IV– Fundamentação probatória:

O Tribunal a quo justificou a aquisição probatória nos seguintes termos:
«Para responder à matéria de facto, o tribunal atendeu ao apurado em sede de audiência de julgamento, analisando global e criticamente, segundo as regras da experiência e da livre convicção do tribunal, nos termos do artigo 127.°, do Código de Processo Penal.
Foram tidos em conta os documentos juntos aos autos: auto de notícia, Certificado do Registo Criminal, talão do alcoolímetro e notificação para contraprova.
O arguido, em sede de declarações, confirmou os factos relativos à ingestão de bebidas alcoólicas e condução subsequente, bem como as expressões inicialmente proferidas em relação ao agente autuante, negando os demais factos imputados descrevendo ter sido imediatamente preso/detido, algemado e manietado, nunca tendo empurrado os agentes e proferido as demais expressões. Mais descreveu todo o circunstancialismo seguido à fiscalização e antecedente à condução à Esquadra, relacionando a actuação dos agentes com o facto do seu telemóvel estar sempre a tocar, acabando por ser o telemóvel retirado ao mesmo e que lhe foi devolvido partido.
Face à descrição efectuada pelo arguido, foi sugerido pelo Tribunal e requerido pelo arguido, ser o conteúdo das chamadas recebidas, efectuadas e não atendidas visualizado, como forma de comprovar o declarado pelo arguido. Efectuada a requerida visualização, foi possível constatar à evidência que a descrição feita pelo arguido enfermava de inveracidades, posto que, no período decorrente entre a abordagem inicial e o momento da algemagem, o mesmo registou uma chamada que decorreu durante cerca de 16 minutos e ficou pendente durante todo esse tempo, não podendo assim, de modo audível, recepcionar chamadas de entrada, pese embora hajam ocorrido, sendo que as chamadas não atendidas registadas o foram já no período após a manietação descrita no auto de notícia e a condução à Esquadra para realização de teste quantitativo, para além das concomitantes à chamada pendente.
Inquiridas as testemunhas P.P. e J.B. , agentes da PSP, o primeiro autuante e N.R. , chefe da PSP, atenta a forma como depuseram de forma objectiva e clara, os mesmos confirmaram toda a factualidade constante do auto de notícia, estranhando o comportamento do arguido, face à fiscalização efectuada.
Ora, do conjunto de prova produzida, não obstante a versão apresentada pelo arguido, não tem o Tribunal qualquer dúvida em dar como provados os factos descritos, tendo relevado para tal os depoimentos supra aludidos, contrariando assim o referido pelo mesmo, o qual, conforme logo confrontado o arguido, se estranhou, face aos procedimentos referidos e comportamentos adoptados pelos agentes de autoridade.
Relativamente aos factos subjectivos, por presunção natural e regras da experiência comum, permite-se dá-los como materialmente verdadeiros.
A verdade objecto do processo não é uma verdade ontológica ou científica, é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directa ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto.
Não restaram assim quaisquer dúvidas acerca do cometimento dos factos pelo arguido, conforme supra se expôs.
Foram consideradas as declarações do arguido, quanto às suas condições pessoais, porquanto vertidas em matéria não criminal e por daí não advir qualquer consequência criminal para o mesmo.
Em relação ao valor apurado, entende-se ser de ponderar o valor resultante do talão, por este constituir um meio de prova, não infirmado por qualquer outro elemento, relevando igualmente, a informação do IPQ, arquivada em pasta própria na secção de processos, na qual se afasta a aplicação de margens de erro a aparelhos devidamente aprovados, aferidos e verificados.
Pelo exposto, foram dados como provados os factos constantes na acusação e auto de notícia, sendo que, em relação aos factos não provados e, pese embora o depoimento das testemunhas/ofendidos, em relação à expressão que lhes foi dirigida, não poderá considerar-se a mesma susceptível de atingir a honra e consideração pessoal e profissional dos mesmos, por recurso a regras de experiência comum e nos termos melhor explanados seguidamente.»
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V– Fundamentos de direito:

Dos vícios de contradição insanável e do erro notório na apreciação da prova:
Os vícios referidos não foram alegados pelo recorrente nem pelo MP no presente recurso mas, uma vez que se trata de matéria de conhecimento oficioso deste Tribunal, impõe-se a sua apreciação (artº 410º/1 e 2, b) e c), do CPP).
Ambos os vícios resultam da consideração do texto da sentença.
A referida contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão é um vício de sentença que ocorre sempre que se verificam posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos provados e não provados ou entre essa descrição e a respectiva fundamentação. Verifica-se quando «segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto» ([3]). «Existe o vício (…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre facto provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal» ([4] ).

No caso dos autos temos que foi simultaneamente considerado provado e não provado que o arguido tenha agido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo estas suas condutas proibidas e punidas por lei - vide 12) do provado e b) do não provado. Contudo, manifestamente, o que está em causa no não provado é a ausência de prova desses factos na restrita medida em que eles se reportam aos factos contidos na alínea a), ou seja, que «no circunstancialismo referido em 4. e 5., dos factos provados, o arguido tivesse atingido o agente da PSP J.B.  e o Chefe da PSP N.R. , na dignidade pessoal e profissional». Ora, dando-se como não provada a materialidade desses factos essa não prova acarreta de forma lógica e imperativa a não prova de qualquer intenção relativa a factos que não se provaram. Temos assim que a consideração do não provado na alínea b) é excedentária relativamente à descrição factual adequada à prova produzida e acaba por ser contraditória com o provado, quando entendida da forma absoluta, relativa a toda a factualidade, como resulta da sua literalidade. A reparação do vício exige a eliminação desse ponto do não provado, o que se determina.

O vício do erro notório na apreciação da prova, a que alude o artº 410º/2-c), do CPP, tem a ver com a aptidão da fundamentação da aquisição probatória à consideração sobre se determinados factos se encontram, ou não, provados. Existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal. Ocorre o vício, quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta ([5]), quando se violam as regras sobre prova vinculada ou de «leges artis» ([6]), ou quando resulta do próprio texto da motivação da aquisição probatória que foram violadas as regras do «in dubio» ([7]).

No caso dos autos o teste de alcoolemia acusou uma taxa de 2,50 g/l.

Foi essa a taxa considerada para efeitos do provado e, uma vez que nada ficou a constar em contrário, também o foi para a apreciação do grau de ilicitude do facto. Ora, coloca-se a questão de saber se a consideração da referida taxa sem a dedução de margem de erro constitui, ou não, erro notório na apreciação da prova.

A questão da dedução da margem de erro muita tinta fez correr mas, de momento, afigura-se-nos que se mostra jurisprudencialmente aceite a tese de que ao valor medido pelo aparelho há que descontar o EMA, em face da alteração dada ao artº 170º/1-b), do CE, pela Lei 72/2013, de 3/09/2013.

Ainda antes da entrada em vigor da referida alteração, perfilhávamos o entendimento de que, em obediência do princípio do in dubio pro reo se impunha o desconto da referida taxa, numa argumentação que não sendo já totalmente adequada se mostra reforçada pela referida Lei, e que transcrevemos (retirada do ac. deste Tribunal da Relação, proferido no processo nº 162/11.1GEBNV.L1)

«Ora, existe erro notório na apreciação da prova quando, considerado o texto da decisão recorrida, por si, ou conjugado com as regras de experiência comum, se evidencia um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum ou do jurista com preparação normal. Ocorre o vício, quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica normal, revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados entre si, ou entre os provados e os não provados, ou traduzam uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável e, por isso, incorrecta.
Nem a letra da lei nem as regras de experiência comum impõem a consideração do valor resultante da medição efectuada nem o desconto do erro máximo admissível. Apreciemos então da legalidade do desconto feito, face às regras da livre apreciação da prova.

Nos termos do artº 127º/CPP a prova é livremente apreciada pelo julgador, salvo quando a lei dispuser de forma diferente. É nosso entendimento que a regra de apreciação probatória do in dubio impõe a correcção, porque só assim se atinge a necessária segurança sobre a verificação do facto que integra a previsão da norma.

O princípio in dubio é uma regra de decisão, que funciona na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos. Assim o impõe o processo penal da presunção de inocência, leal e respeitador da confiança legítima dos cidadãos nas decisões dos Tribunais ([8]). A sua aplicação desdobra-se em dois momentos: no da avaliação probatória directa, imediata, em primeira instância ou em sede de efectiva reapreciação de prova, na fase de recurso e no da apreciação do processo de aquisição processual da prova fixada, na vertente da avaliação sobre a existência ou não de vício de erro na sua apreciação. Numa primeira fase «o universo fáctico – de acordo com o «pro reo» passar a compor-se de dois hemisférios que receberão tratamento distinto no momento da emissão do juízo: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos que lhe são desfavoráveis. Diz o princípio que os primeiros devem dar-se como provados desde que certos ou duvidosos, ao passo que para prova dos segundos se exige certeza» ([9]). Numa segunda fase, que ao caso não interessa, funciona aquando da sua aplicação em Tribunal de recurso.
«Entendidos, assim, objectivamente, os princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo, sempre será de considerar este princípio violado quando o tribunal dá como provados factos duvidosos desfavoráveis ao arguido, mesmo que o tribunal não tenha manifestado ou sentido a dúvida que, porém, resulta de uma análise e apreciação objectiva da prova produzida à luz das regras da experiência e/ou de regras legais ou princípios válidos em matéria de direito probatório (cfr art. 127º do CPP)» ([10]).

Dispõe o artº 292º/1, do CP, que «Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1, 2g/l, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».

O preenchimento do tipo objectivo de crime impõe, assim, a determinação da concreta taxa de álcool no sangue de que o condutor é portador, na medida em que apenas a condução com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l integra a previsão normativa.

Os artigos 152º e seguintes, do Código da Estrada, regem sobre o procedimento para a fiscalização da condução sob influência de álcool e de substâncias psicotrópicas, determinando o artigo 158º/1, que são fixados em regulamento, além do mais, o tipo de material a utilizar na fiscalização e nos exames laboratoriais para determinação dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas e os métodos a utilizar para a determinação do doseamento de álcool ou de substâncias psicotrópicas no sangue.

A matéria da fiscalização da condução sob o efeito do álcool está, no momento, vertida na Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio, que aprovou o Novo Regulamento da Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool. No artº 1º enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue; no artº 14.º prescreve-se que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, após homologação do modelo, pelo Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. Os aparelhos de medição quantitativa estão sujeitos a operações de controlo metrológico.

Por sua vez, a Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro que procedeu à aprovação do novo regulamento a que deve obedecer o controlo metrológico dos alcoolímetros, estabelece que este se aplica «a alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos». No artº 5º estabelece-se que: «O controlo metrológico dos alcoolímetros é da competência do Instituto Português da Qualidade, I.P. - IPQ e compreende as seguintes operações: a) Aprovação do modelo; b) Primeira verificação; c) Verificação periódica; d) Verificação extraordinária» e no artº 8º, sob a epígrafe «Erros Máximos Admissíveis», estabelece-se que «Os erros máximos admissíveis (EMA), variáveis em função do teor de álcool no ar expirado (TAE) são os constantes do quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante», resultando do anexo que a TAE para medições entre 0,400 e 2,000 é de ± 8%, em verificações periódicas ou extraordinárias do alcoolímetro.

Deste conjunto de normas resulta que é a própria legislação que, ao atribuir força probatória a determinada medição, adverte para a existência de uma margem de erro que, naturalmente, acarreta que a taxa efectiva varie entre um mínimo abaixo daquele que foi medido e um máximo que lhe é superior, mínimos e máximos esses cujo valor resulta da aplicação da referida taxa de EMA ao valor medido pelo aparelho. E é por força da aplicação do princípio in dubio, como regra de apreciação de prova, que há que considerar assente o valor mínimo dentre aqueles que são possíveis, considerada a margem de erro, isto é, a taxa que mais favorece o arguido: a mínima do «intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra» ([11]), dentro da margem de erro que, para determinado teor de álcool medido, o aparelho comporta, de acordo com o quadro para onde o artº 8º da Portaria 1556/2007, de 10/12, remete.

Não há, na apreciação deste tipo de prova, verdadeira liberdade na formação da convicção do julgador. O facto tem de ser considerado praticado apenas nos termos em que o rigor do resultado da medição feita pelo alcoolímetro permitir, resultado para o qual o julgador tem que se socorrer das regras científicas que se reportam ao estabelecimento desse rigor. «Ora cabendo ao IPQ a certificação, normalização e metrologia dos aparelhos em causa, este afere ou calibra os aparelhos e cada um deles desde que, e face à norma técnica aprovada, o mesmo não tenha uma margem de erro superior à permitida, do que decorre que qualquer aparelho certificado o é e pode ser usado com uma margem de erro, sendo esta a margem de erro que a lei permite. (…) Ora se existe um juízo técnico científico que nos diz que aquele aparelho, mesmo sobre controlo, tem, está em funcionamento e é usado, com um erro (tem sempre uma margem de erro - ou seja que o que ele traduz é não a realidade mas esta resulta de dois factores: a medida indicada e uma variável que nos permite aceder e estar o mais próximo possível da realidade) cremos que nos devemos aproximar da realidade. Ora se sabemos que o erro existe e qual é (mas entre duas margens: mínimo e máximo), cremos que o que há a fazer é só corrigi-lo usando (porque em direito sancionatório) a certeza do erro mínimo (porque cientificamente não é possível eliminá-lo)» ([12]).

Deste modo, entendemos que a interpretação sistemática da própria lei impõe que, dentre os elementos a considerar para a apreciação probatória do resultado do teste quantitativo - os quais não podem ser ignorados pelo aplicador do direito - há que ponderar a margem de erro de medição que se admite que ocorra nos aparelhos de fiscalização, sendo, aliás, que essa ocorrência nem colide com a respectiva aprovação, pelo que não se considera correcto o entendimento segundo o qual as regras supra enunciadas são válidas, apenas, na fase de aprovação desses aparelhos.

«Existem, como vimos, regras regulamentares válidas, relativas à apreciação dos resultados probatórios dos testes quantitativos em apreço, que devem ser tomadas em consideração pelo juiz.

E tais normas regulamentares devem ser tomadas em consideração porque elas permitem avaliar a fiabilidade dos aparelhos de medição. De facto, são regras que têm o mesmo valor que as regras da experiência comum sobre a credibilidade de um testemunho: projectam-se sobre a reconstrução do facto (do crime) em julgamento.

Ora, o facto típico e ilícito não é uma categoria dogmática (entidade abstracta do crime), mas um facto da vida real que deve ser reproduzido em audiência de julgamento, fora de toda a dúvida razoável.

É na construção deste juízo sempre falível (…) que têm aplicação as regras do Cód. Proc. Penal, designadamente o princípio “in dubio pro reo”. Deste princípio (enquanto corolário da presunção de inocência consagrada no art. 32º, 2 da Constituição) resulta que toda a dúvida sobre a prática do facto deve resolver-se a favor do arguido, isto é, todo o facto típico cuja verificação seja duvidosa deve dar-se como não provado – cfr. Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, acórdãos de 1-11-66 e 17-12-80, citados por Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Coimbra, 2002, pág. 338. Também Germano Marques da Silva, Curso de Direito Penal, II, Editorial Verbo, 2002, pág. 110, refere que “o princípio da presunção de inocência é também um princípio de prova, segundo o qual um “non liquet” na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido”. Dito de outro modo – acompanhando, agora, Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, Coimbra, 1974, pág. 205 – só no caso de o Tribunal não lograr afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímeis ou prováveis que elas se apresentassem, deve dar o facto como não provado» ([13]).

Aqui chegados, convém acrescentar que à conclusão retirada não se opõe a natureza da prova produzida, relativa à taxa de álcool, que pode ser considerada documental ou pericial, mas jamais confessória.

Confissão é o reconhecimento da realidade de um facto que é desfavorável ao autor da declaração (artº 352º/CC), o que, transposto para o âmbito do direito penal, significa o reconhecimento da prática de factos penalmente relevantes. Ora, o facto praticado pelo agente susceptível de confissão é tão-somente a ingestão de álcool - ou, quanto muito, essa ingestão em quantidade suficiente e adequada à produção de uma taxa de alcoolemia igual ou superior à prevista na norma incriminadora. Jamais a taxa de alcoolemia é um facto susceptível de confissão. É um facto sujeito a prova vinculada, na medida em que o resultado susceptível de ser usado para o preenchimento da previsão normativa carece de ser produzido por determinado tipo de aparelho, em determinadas condições (conforma acima se viu). Ressalta a insusceptibilidade de confissão do facto (taxa) da impossibilidade de fazer subsumir à norma legal qualquer agente que não tenha sido submetido à medição por intermédio do aparelho, ou da irrelevância da admissão de uma taxa que não tenha correspondência com a medida.

Independentemente de se considerar que estamos face a prova documental (uma vez que o resultado consubstancia uma «notação corporizada em escrito ou qualquer outro meio técnico, nos termos da lei penal» - artsº 164º/ 1, do C.P.P., e 255º- b) e 258º, do CP) ([14]) ou pericial (por implicar a percepção ou apreciação de factos que exijam «especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos» - artº 151º, do CPP) ([15]), certo é que o facto a provar apenas pode ser validamente adquirido através de medição (mecânica ou outra) e no respeito dos próprios limites da capacidade probatória dos equipamentos em causa.

«Ora, como já se assinalou, ainda que a margem de erro legalmente admissível seja levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites definidos por aquelas margens de erro. Em termos gerais, mas sobretudo numa situação como a dos autos, em que a alcoolemia registada pelo alcoolímetro se situa precisamente na fronteira que delimita a contra-ordenação do crime, afigura-se-nos inteiramente justificado atender ao erro máximo admissível, deduzindo-o ao valor registado no talão emitido pelo alcoolímetro, o que se impõe desde logo por força do princípio in dubio pro reo. Estamos perante uma incerteza balizada por normas do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, resultante das margens de erro toleradas, que o tribunal não pode ignorar sob pena de, uma vez desconsideradas, poderem levar à condenação do arguido por crime sem que a taxa real de álcool chegue a atingir o limiar que define o ilícito criminal ou, em todo o caso, com efeitos desfavoráveis ao nível da determinação da sanção» ([16])».

No caso, face ao que acima se referiu, ocorre uma situação de erro notório na apreciação da prova, determinante de vício da sentença. Mas, o vício pode ser suprido neste Tribunal, ao abrigo do artº 426º/1, do CPP, pela aplicação à taxa medida através do aparelho, do E.M.A. correspondente, nos termos do anexo à Portaria 1556/2007, de 10/12. Neste mesmo sentido veja-se o ac. RP de 23/06/2010, tirado no processo 127/09.3GARSD.P1»

Vigentes que se mostram as alterações ao Código da Estrada decorrentes da Lei nº 72/2013 de 3/9/2013, que iniciou vigência em 1 de Janeiro de 2014, só vemos motivo acrescido para sustentar aquela nossa posição.

A referida Lei 72/2013 deu nova redacção ao artigo 170º/CE, estabelecendo que deve constar, do auto de notícia elaborado pelo agente de autoridade, «b) O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares». 

É facto que a norma se refere a infracção contra-ordenacional, mas não há motivo algum para, num mesmo sistema jurídico, se divergir na forma de medição consoante a natureza do ilícito. A isso se opõe, precisamente, o princípio da unidade do sistema. Consequentemente, há que aplicar a determinação às infracções criminais, ou seja, ao caso em apreço que nem sequer coloca a questão da aplicação retroactiva de lei mais favorável, porquanto os factos são do domínio da referida alteração.

O teste de pesquisa álcool no sangue do arguido revelou um resultado de 2,50 g/l.

A utilização do aparelho de despiste foi aprovada pelo IPQ pelo despacho 11037/2007, de 24/04/2007 e pela ANSR através do despacho 19684/2009, de 06/06&09 e foi verificado pelo IPQ em 2016-05-23. Ou seja, para o que interessa à aplicação das taxas de dedução constantes do anexo da Portaria 1556/2007 de 10/12, temos que considerar que se está perante uma verificação periódica posterior à primeira verificação.

O quadro anexo a que o artº 8º da Portaria referida faz referência define os valores dos EMA em função de intervalos de teor de álcool no ar expirado, denominados TAE.

Assim, para achar o valor da TAS a considerar, a primeira operação a realizar consiste na conversão da TAS medida pelo alcoolímetro em TAE, a fim de ser determinada a taxa de conversão aplicável.

Esta operação implica a consideração do disposto no artº 81º/4, do CE, por força da qual 1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue. Por uma regra de três simples se encontra o valor da TAE que, no caso, é de 1,0869. A tal TAE corresponde um EMA de ± 8% o que equivale a um TAE de 1,00.

Convertendo o resultado para TAS encont o valor de 2,3 g/l [(1,00 x 2,3 g/l): 1 mg/l] ([17]).

Assim, impõe-se alterar a matéria de facto provada constante do 7 por forma a dele fazer consta que «7. Após ter sido fiscalizado, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,3 g/l.».

Ainda a propósito da fiscalização efectuada nestes autos importa referir que à data dos factos a verificação do alcoolímetro utilizado já tinha ultrapassado o prazo de um ano de validade das verificações.

Nos termos do artº 7º/2, da referida Portaria estabelece-se a obrigatoriedade de uma verificação periódica anual. Contudo, há que considerar que, fixando tal norma os termos da contagem desse período, é imperativo socorrermo-nos do regime geral estabelecido para os vários métodos e instrumentos de medição, contido no DL 291/90, de 20/09, e nas disposições regulamentares constantes do Regulamento Geral do Controlo Metrológico aprovado pela Portaria 962/90, de 9/10/1990. Nos termos do artº 4º/2, do DL 291/90, de 20/09 fixa-se que «os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário.», o que aplicado ao caso dos autos impõe a consideração de que na data da utilização do alcoolímetro a verificação feita em 2016 ainda mantinha validade.
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Da medida da pena acessória de inibição de condução:
A única questão que o recorrente coloca é a medida da pena de inibição, que pretende ver diminuída até um máximo de 12 meses, com fundamento em que, sendo condutor da Carris e sendo a segunda vez que cumpre inibição de conduzir, a empresa admite mantê-lo ao serviço se a nova inibição não ultrapassar os referidos 12 meses mas, caso contrário, ver-se-á confrontado com um despedimento por justa causa, o que abalará ainda mais o seu já fraco equilíbrio psicológico.

A fundamentação exarada para a fixação da medida da pena de inibição conteve-se nos seguintes termos:
«Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, praticado pelo arguido corresponde em abstracto, a aplicação da pena acessória prescrita pelo artigo 69.°, do Código Penal, de proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre três meses e três anos.
De acordo com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n.° 5/99, publicado no D.R., Série I-A, de 20 de Julho de 1999, «O agente do crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292.° do C.P., deve ser sancionado, a título de pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no art. 69.°, n.° 1, alínea a) do C.P.». (…).
Considera-se assim, conforme se salientou no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21 de Junho de 1995, que a lei “não estabelece qualquer proporcionalidade entre a taxa de álcool no sangue e a sanção acessória de inibição de conduzir, devendo esta ser fixada pelo tribunal perante todas as circunstâncias apuradas, nos termos do disposto no artigo 72.° do Código Penal”.
O mesmo é dizer que a aplicação do artigo 69.°, do Código Penal não pode ocorrer como simples consequência da condenação pelas infracções nele referidas, de forma meramente mecanicista, sem qualquer mediação do julgador e consideração dos factos pertinentes, devendo realçar-se, no entanto, as fortes motivações de prevenção geral que subjazem a tal preceito.
Ora, in casu, a demonstrada condução em estado de embriaguez, assim como a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido e o perigo que a conduta do arguido gerou, acrescidas do grau de culpa do agente, julga-se necessária a aplicação da referida pena acessória, não podendo deixar de considerar a muito elevada taxa de alcoolemia apresentada e a recorrência da prática de factos contra a segurança rodoviária, sendo que, apesar do arguido não se encontrar em serviço, o mesmo é motorista, logo, as cautelas que devem rodear a sua vida pessoal, nesta óptica - de condução de veículos - são mais apertadas do que um cidadão comum, porquanto, o mesmo carece da sua carta de condução para subsistir, o que foi desconsiderado pelo mesmo, não podendo assim, sobrevalorizar o Tribunal, o que não foi sequer considerado por aquele.
Tudo ponderado, e atentos igualmente os critérios gerais referidos no artigo 71.°, do Código Penal, nomeadamente o grau de ilicitude do facto e a intensidade do dolo, temos por adequado fixar a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 15 meses, nos termos do disposto no artigo 69.°, n.° 1, alínea a), do Código Penal».

Conforme resulta do transcrito foram preponderantes as considerações acerca da elevada taxa de alcoolemia, a recorrência da prática de factos contra a segurança rodoviária e os especiais deveres de respeito pelas normas de segurança rodoviárias emergentes do facto de o recorrente ser motorista profissional.

O grau de alcoolemia a considerar foi de 2,3 g/l. O grau de alcoolemia a partir do qual a conduta é crime é de 1,20 g/l, sendo que se estabelece comummente que uma taxa de alcoolemia superior a 5 g/l implica um estado de coma alcoólico. Em face destes considerandos entende-se que a taxa detectada é mediana. É uma taxa que implica o cometimento de um crime, ou seja, a prática de uma conduta socialmente indesejável, mas longe de uma conduta especialmente danosa dentro do tipo que a pune.

Os antecedentes criminais do arguido por crimes estradais emergentes do consumo de álcool resumem-se a uma pena, à qual foi associada uma inibição de conduzir por 7 meses, por factos praticados em Março de 2016, ou seja, 1 ano e 3 meses antes da conduta ora em apreço.

Conta, no entanto, com mais uma punição por condução perigosa, datada de 2005, ou seja, 11 anos antes dos factos em apreço, sendo que o decurso de um tão grande período de tempo não releva em termos de necessidades especiais de prevenção.

É verdade que a conduta do arguido é particularmente preocupante pela profissão que exerce, mas há que ponderar que não foi cometida no exercício dessa profissão.

A pena acessória tem um mínimo de 3 meses de duração e um máximo de 3 anos.

Em face do exposto considerando a taxa apresentada, os antecedentes por crimes relativos a condução sob o efeito do álcool, à confissão relativa à ingestão de bebidas alcoólicas, concede-se provimento ao recurso, fixando a pena acessória em 10 meses de inibição de condução.
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VI–Decisão:

Acorda-se, pois:
- Em declarar que a sentença recorrida padece de vício de contradição insanável entre o provado e o não provado que se repara determinando a eliminação da alínea b) do não provado;
 - Em declarar que a sentença recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, o que se repara alterando a redacção do ponto 7 do provado, do qual passará a constar que «7. Após ter sido fiscalizado, o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,3 g/l.»;
- Em revogar a medida da pena acessória de inibição de conduzir, condenando o arguido na pena de dez meses de inibição de condução.
Sem custas.
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Lisboa, 22/11/2017

                                                                                             
                                  
(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva) - Texto processado e integralmente revisto pela relatora.                                
(A.Augusto Lourenço)



[1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.
[3]Cf. Ac. do STJ, de 10.12.1996, em www.dgsi.pt.
[4]Cf. Ac. do STJ de 13.10.1999, in CJSTJ, ano XXIV, III, pág.184.
[5]Cf. Ac. do STJ, de 24.03.2004, proferido no processo nº.03P4043, em www.dgsi.pt.
[6]Cf. AC RP de 2/2/2005, no proc. 0413844; da R.G, de 27/6/2005, no proc. 895/05-1ª.
[7]CF ac. STJ 3/3/99, proc. 98P930, da RG. de 27/4/2006, proc. 625/06.
[8]CF Acs do TC nº 429/95, 39/2004, 44/2004, 159/2004 e 722/2004.
[9]Cf Cristina Líbano Monteiro, em Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra Editora, 1997, 53.
[10]CF. AC.RE., nº 2457/06-1, de 30/01/2007, em www.dgsi.pt.
[11] Comunicação apresentada por Maria do Céu Ferreira e António Cruz no 2.º Encontro Nacional da Sociedade Portuguesa de Metrologia, em 17 de Novembro de 2006, com o título «Controlo Metrológico de alcoolímetros no instituto português da qualidade», em www.spmet.pt/comunicacoes_2_encontro/ Alcoolimetros_MCFerreira.pdf.  
Desta comunicação resulta que os autores entendem que os EMA não representam valores reais de erro mas o intervalo dentro do qual o valor correcto da medição se encontra. Salvo devido respeito por essa opinião, a admissão de um intervalo de valores dentre dos quais a medição correcta se haverá de encontrar corresponde precisamente a uma margem de erro, como aliás se impõe pela Recomendação nº 126, da Organização Internacional de Metrologia Legal. Neste sentido também o AC RL de 7/05/2008, no proc. 2199/08.3. Para uma resenha da questão em termos de direito comparado, veja-se o ACRP, de 23/06/2010, proc. RP20100623127/ 09.3 GARSD.P1).
[12]Cf Ac. RP200805070810638, de 17/05/2008.
[13]CF. AC RP, de 27/10/2010, no proc. RP20101027741/10.4GBVNG.P1, em www.dgsi.pt.
[14]Cf. Ac. da RL, de 7 /05/2008, no proc. n.º 2199/2008-3 e Paula Melo, em «Condução sob influência do álcool – Apreciação dos meios de prova», Maia Jurídica, Revista de Direito, Ano II, n.º2, Julho-Dezembro de 2004.
[15]Cf Benjamim Rodrigues, em «Da prova penal», Tomo I, Coimbra 2008, p. 117.
[16]Cf ACRP, de 23/06/2010, proc. RP20100623127/ 09.3 GARSD.P1.
[17]Vide Ac. TRC, de 29/04/2015.