Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
203/14.0TVLSB.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: DEFEITO DA COISA
VEÍCULO AUTOMÓVEL
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. Estando provado que os dois veículos apresentavam consumos médios de 38 a 40 litros por 100 km e que, nos termos defendidos pela ora apelada, esses consumos não deveriam exceder 32,72 l/100 kms, tal excesso de consumos, em relação ao expectável, consubstancia seguramente um defeito de funcionamento daqueles veículos que, no que mais diretamente releva, encarecia significativamente o custo do respetivo uso e, consequentemente, dos serviços de transporte por eles efetuados
2. Não é defensável a ideia de que os defeitos originários de funcionamento de um veículo, ao que se julga novo, poderiam não estar abrangidos pelo contrato de assistência em que a parte se obriga a fazer “todas as verificações, afinações, substituições e reparações necessárias para manter a viatura em boas condições de funcionamento e circulação, executadas de acordo com as recomendações do construtor”.
3. Um tal contrato, enquanto vigorasse, obrigava a ré a assegurar o bom funcionamento das viaturas, pelo menos em relação a quaisquer situações que não fossem imputáveis à autora.
4. E, incumbindo à ré assegurar esse bom funcionamento, a mesma não conseguiu tal desiderato. Nem ilidiu a presunção de culpa que sobre ela recai em relação a essa situação de incumprimento, fundada no art. 799.º do C. Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Transportes, SA, instaurou contra S. Portugal, SA, ambas identificadas nos autos, a presente ação declarativa de condenação, com forma ordinária, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 73 0189,47, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a propositura da ação até pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

Celebrou com a sociedade S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA, dois contratos de aluguer de veículo automóvel de mercadorias sem condutor, conforme documentos a juntar, relativos aos veículos de matrículas 96-JX-07 e 96-JX-08.
Os dois contratos foram celebrados no dia 19/11/2010, com início nessa data.
Desde a data em que esses veículos entraram ao serviço da autora apresentavam consumos mais elevados que os restantes que compõem a sua frota, rondando, em média, os 38/40 litros aos 100 km.
Apresentou, junto da ré, sucessivas reclamações por consumos excessivos e a ré intervencionou as viaturas diversas vezes, mas sem resultados.
No dia 22/05/2012 a autora reclamou da ré uma solução urgente do problema.
Nessas data, a ré atribuiu o consumo excessivo às caixas de velocidades e procedeu às respetivas substituições.
Mas os consumos excessivos continuaram.
No seguimento, por indicação da ré, foram substituídos os pneumáticos dos veículos.
Mas o excesso de consumo não ficou solucionado.
Então, a autora propôs a substituição das viaturas por outras novas.
Como o problema de excesso de consumo não foi resolvido, em 27/11/2012 a autora remeteu à locadora da ré, S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA, uma nota de débito nº 100132, no valor de 33 615,04€, em que foi liquidado, nos termos explicitados na carta, o excesso de consumo verificado na viatura 96-JX-07.
E, em 17/12/2012, a autora enviou à mesma locadora uma nota de débito n.º 100137, no valor de 34 056,04€, em que foi liquidado o excesso de consumo verificado na viatura 96-JX-08.
Após o envio dessas notas de débito, a ré continuou a fazer testes às viaturas, com troca de diferenciais, pneus, testes de estrada.
Que em nada resultaram.
Antes deram causa a que as viaturas estivessem paradas nas oficinas da ré.
A viatura 96-JX-08 esteve nas instalações da ré entre 26/12/2012 a 16/01/203, período de tempo em que a autora esteve impossibilitada de a utilizar.
No dia 21-01-2013 a autora reclamou da ré indemnização referente a essa paralisação da viatura 96-0X-08.
A ré fez tábua rasa de todas as reclamações da autora.
Antes de se decidir adquirir aquelas duas viaturas, a autora utilizou, por dois meses, outra viatura em tudo idêntica às adquiridas, cedida pela ré, que fazia consumos na ordem dos 30/31 litros por 100 km.
O excesso de consumo verificado nas duas viaturas importou no montante de € 67 671,08, conforme as duas notas de débito emitidas.
A privação do uso da viatura 96-JX-08, entre 26/12/2012 a 16/01/203, representou a perda de € 979,58.
Na troca dos pneus, a autora gastou € 4.367,81.
Por força da aquisição das viaturas e tal como decorre do Contrato de Assistência Scania junto, a ré estava obrigada a prestar toda a assistência às viaturas, designadamente a efetuar todas as reparações e substituição necessárias para as manter em boas condições de funcionamento.
Obrigação que nunca foi cumprida quanto ao excesso de consumo de combustível.

A ré contestou, tendo oposto, em síntese:

A presente ação é da competência territorial do tribunal da comarca de Vila Franca de Xira, sendo o tribunal da comarca de Lisboa territorialmente incompetente.
A ré é parte ilegítima, uma vez que os contratos de aluguer de veículo foram estabelecidos entre a autora e a Scanrent, sem qualquer intervenção da ré.
A ré é apenas a empresa contratada pela S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA para fazer as revisões e a manutenção dos veículos alugados.
Devendo ser dirigidas à S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA quaisquer reclamações respeitantes estes veículos.
Por isso foram devolvidas as notas de débito.
Estas notas de débito foram, posteriormente, anuladas pela autora.
Feita a vistoria aos veículos, verificou-se que os consumos retirados das unidades eletrónicas das viaturas rondavam os 30,2/100 e 32,72/100.
A autora sempre teve conhecimento prévio, e aceitou, os tempos de paralisação dos veículos na oficina, com vista às respetivas reparações.
A mudança de pneus não representa prejuízo para a autora.

E deduziu reconvenção, pedindo que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 20 901,30, acrescida de juros desde a notificação da reconvenção até pagamento.

Para o que alegou, em síntese:
Por força do contrato de aluguer celebrado entre a autora e a Scanrent, a ré e a autora assinaram um contrato de assistência para os veículos 96-JX-07 e 96-JX-08.
A ré instalou sistemas de monotorização de consumos nesses veículos e verificou que não ultrapassavam 32,72 litros/100 Km,
Ainda assim, por uma questão de política comercial procedeu a diversas alterações nos veículos, na caixa de velocidades, e deu formação aos motoristas da autora.
E acabou por propor, primeiro à S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA e depois à autora, a substituição das viaturas por outras com iguais características, e, em troca, a autora anularia as notas de débito emitidas à S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA.
O que foi aceite pela S. – Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA e pela autora.
Tendo sido anuladas as notas de débito.
E tendo a ré procedido à encomenda de duas viaturas com as mesmas características.
Que foram recebidas pela ré no dia 23/05/2013.
Tendo esta pago o respetivo preço.
Mas a autora acabou por não aceitar o referido acordo.
A ré ficou com os veículos sem que a autora os levantasse por 222 dias, o que de acordo com a tabela da Antram, perfaz um prejuízo de paralisação de 20 901,30€.

A autora apresentou réplica onde:

Defendeu a improcedência das exceções e impugnou a reconvenção.
Impugnou que tivesse acordado na substituição das viaturas, uma vez que não esteve representada em qualquer reunião com a ré com esse propósito.
Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foram julgadas improcedentes as exceções dilatórias de incompetência territorial e de ilegitimidade passiva da ré.
Foi identificado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Prosseguindo os autos para julgamento.

Foi realizada a audiência de julgamento, no início da qual a autora ampliou o pedido para 142 626,12€.
Alegou, para tanto, que o valor do pedido inicial estava contabilizado até 27/11/2012 e que, desde então, tinha havido um acréscimo de despesas por consumo excessivo de combustível de mais 69 607,65€.
A ré respondeu, defendendo a inadmissibilidade da ampliação do pedido, pois que não se trataria de um desenvolvimento, ou de uma consequência, do pedido primitivo, e careceria de prova.
A ampliação do pedido foi admitida em despacho prévio à sentença final.

Foi proferida a sentença final, com a seguinte decisão:
«Em face do exposto, decide-se:
a)- Julgar a acção improcedente e, consequentemente, absolve-se a ré do pedido.
b)-Julgar a reconvenção improcedente e, consequentemente, absolve-se a autora reconvinda do pedido reconvencional.
Custas: Na acção, pela autora; na reconvenção pela ré

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações rematadas por conclusões que, apesar de extensas, adiante se transcreverão, fazendo-se a partir delas a delimitação e a apreciação do objeto do recurso.
A apelada contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

Cumpre decidir, o que, nos termos já referidos, se fará a partir das conclusões.
Previamente importa introduzir uma pequena correção na redação no ponto 11.º do elenco da matéria de facto provada, no que respeita aos valores de base de cálculo da nota de débito ali referidos. De facto, como resulta da carta em que foi remetida a nota de débito ali referida, respeitante ao excesso de consumo da viatura 96-JX-08, a mesma foi calculada com base no excesso de consumo de 6 l/100 kms, ao preço de 1,456/litro, e considerando 378 365 quilómetros percorridos.
E não o que ali consta, em repetição dos elementos referidos no ponto 10.º.

Assim, a matéria de facto a considerar é a seguinte:

1º-Com data de 11 de Novembro de 2010, entre a Scanrent – Aluguer de Veículos Sem Condutor, SA e a autora, foi celebrado contrato denominado “Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel de Mercadorias Sem Condutor – Contrato de Locação Operacional nº R 00176”, relativo à viatura de matrícula 96-JX-07, de que a Scanrent é proprietária, pelo prazo de 72 meses, com início em 19/11/2010 e termo em 19/10/2016, mediante o pagamento de renda mensal de 1 290,05€ mais IVA, pelo qual foi cedido o gozo do referido veículo à autora.
2º-Com data de 11 de Novembro de 2010, entre a Scanrent – Aluguer de Veículos Sem Condutor, SA e a autora, foi celebrado contrato denominado “Contrato de Aluguer de Veículo Automóvel de Mercadorias Sem Condutor – Contrato de Locação Operacional nº R 00177”, relativo à viatura de matrícula 96-JX-08, de que a Scanrent é proprietária, pelo prazo de 72 meses, com início em 19/11/2010 e termo em 19/10/2016, mediante o pagamento de renda mensal de 1 290,05€ mais IVA, pelo qual foi cedido o gozo do referido veículo à autora.
3º-A autora celebrou com a ré um contrato de nominado “Contrato de Assistência Scania”, pelo qual confiou à Scania a manutenção e reparação das viaturas Scania de sua propriedade e a ré se obrigou a executar esses trabalhos (ponto 1)
Ficou estipulado que nesse contrato se incluíam todas as verificações, afinações, substituições e reparações necessárias para manter a viatura em boas condições de financiamento e circulação, executadas de acordo com as recomendações do construtor, incluindo, sempre que necessário, a desempanagem na estrada (ponto 2). Nesse contrato estavam excluídas, além do mais, os trabalhos, verificação e despesas que são sempre da responsabilidade do cliente, relativas a: rodas completas, sua manutenção e calibração (ponto 11, a). Estavam ainda excluídos os danos em consequência da necessidade de efectuar manutenção ou reparação da viatura, tais como imobilização temporária das viaturas (ponto 11 n).
4º-As viaturas 96-JX-07 e 96-JX-08 apresentavam consumos médios de 38 a 40 litros por 100 km.
5º-A autora apresentou várias reclamações junto da ré por esses consumos dos veículos.
6º-A ré na sequência dessas reclamações, em Junho de 2012 procedeu a alterações na caixa de velocidades do veículo JX-07 e, em Dezembro de 2012 procedeu a alterações na caixa de velocidades da viatura JX-08.
7º-A autora em 20 de Julho de 2012 informou a ré que apesar da intervenção na caixa de velocidades, os consumos na ordem dos 38 a 40 litros/100 km persistiam.
8º-Em 25/09/2012, a autora voltou a apresentar reclamação pelos consumos dos veículos e propôs a substituição das viaturas.
9º-Por sugestão da ré, com vista a reduzir os consumos, os pneumáticos das viaturas foram substituídos, o que implicou um custo para a autora de 4 367,81€.
10º-A autora em 27/11/2012, enviou à locadora Scanrent uma nota de débito, nº 100132, no valor de 33 615,04€, com fundamento nos custos do excesso de consumo de combustível da viatura 96-JX-07, justificando uma diferença, para mais, de 6 litros/100 km em 373 497 km, ao valor de 1,498€/litro.
11º-A autora em 17/12/2012 enviou à Scanrent uma nota de débito, nº 100137, no valor de 34 056,04€, com fundamento nos custos do excesso de consumo de combustível da viatura 96-JX-08, justificando uma diferença, para mais, de 6 litros/100 km em 378 365 km, ao valor de 1,456€/litro.
12º-Em Dezembro de 2012, na sequência das reclamações da autora pelos consumos das viaturas, a ré substituiu os diferenciais das viaturas de matrícula JX-07 e JX-08.
13º-A autora remeteu à ré em, 21/01/2013, factura nº 21468 no valor de 979,58€, relativa ao tempo de paralisação da viatura JX-08, entre 26/12/212 e 16/01/2013.
14º- A autora, antes de celebrar os contratos de Aluguer de Viaturas Sem Condutor, SA, relativos aos veículos de matrículas 96-JX-07 e 96-JX-08, esteve a utilizar uma viatura de matrícula 40-HN-65, que fazia médias de 30 litros/100 km.
15º-A autora decidiu celebrar os contratos relativos às viaturas JX-07 e JX-08 com base nos consumos feitos pela viatura de experimentação HN-65.
16º-A autora, em 18/03/2013, emitiu uma nota de crédito, nº 100164, a favor da autora, no valor de 67 671,28€, a anular as notas de débito nº 100132 e nº 100137.
17º-Na sequência das reclamações da autora pelos consumos das viaturas, a ré deu formação aos motoristas da autora.
18º-A ré propôs à autora a possibilidade de os veículos JX-07 e JX-08 serem trocados por outros com as mesmas características, mediante a anulação das notas de débito 100132 e 100137 pela autora, o que a autora aceitou.
19º-A ré encomendou as duas viatura à fábrica as quais foram recepcionadas na ré em 29/09/2013.
20º-A autora acabou por não aceitar a troca das viaturas.
21º-A ré atribuiu um valor de mercado de 83 000€ a cada uma das viaturas encomendadas à fábrica.
22º-A ré vendeu as duas viaturas a terceira, Transaura Transportes, Lda, pelo valor de 83 000€ cada, em 30/12/2013.
23º-Entre a recepção pela ré e a respectiva venda à Transaura, as viaturas estiveram parqueadas na ré.

O Direito.

Conclui a apelante:

A.O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou a acção movida pela A. improcedente, absolvendo a R. do pedido.
B.Está em causa, de uma forma muito sucinta a celebração de dois contratos de aluguer de veículos, sendo que após a data em que os mesmos entraram ao serviço da A. estes apresentavam consumos superiores aos normais, o que gerou o dano peticionado pela A.
C.O presente recurso vem interposto da douta sentença que julgou a acção movida pela A. improcedente, absolvendo a R. do pedido.
D.Ora, desde logo coloca a douta sentença ênfase no facto de não ter a A. configurado a acção de modo a imputar a responsabilidade pelos danos reclamados, que são dados como provados, à Scanrent - Aluguer de Viaturas Sem Condutor, S.A.
E.No entanto foi celebrado um contrato denominado "de assistência".
F.Em virtude do referido contrato a A. conferiu à R. "a manutenção e reparação da viatura Scania da sua propriedade" (cfr. cláusula 1 do mesmo).
G.Estando englobadas todas as "verificações, afinações, substituições e reparações necessárias para manter a viatura em boas condições de funcionamento e circulação" (cfr. cláusula 2 do mesmo).
H.Ora, conforme melhor exposto na P.I. e resultando também da matéria dada como provada, foi detectado um problema nas viaturas a que os autos se referem, tendo sido o mesmo reportado à R, que assumiu a reparação das mesmas (dr. doe. 4 junto com a P.I.)
I.Sem prejuízo das intervenções efectuadas não foi lograda a reparação das viaturas, que continuaram a exibir os problemas relacionados com os referidos consumos excessivos.
J.Os consumos excessivos causaram à A. os danos resultantes do pedido, dados como provados.
K.Não logrou assim a R cumprir o contrato a que se vinculou, incorrendo na obrigação de indemnizar a A, resultando não só da matéria dada como provada, como das diversas comunicações juntas pelas partes.
L.A R assumiu inequivocamente a obrigação de reparar as viaturas, pelo que com todo o devido respeito, não deveria o douto tribunal ter considerado a inaplicabilidade do contrato de manutenção.
M.Só assim se justifica que o R tenha procurado proceder à reparação das viaturas, pois se tal contrato fosse inaplicável não o teria feito.
N.O referido contrato também visava, naturalmente, eliminar qualquer tipo de discussão acerca da possível procedência das avarias, pois o encargo de reparação estaria sempre, em qualquer caso, a cargo da R.
O.O contrato não limita o tipo de intervenção a efectuar para atingir os respectivos fins.
P.O problema que se colocou não está na pura recusa de cumprimento das obrigações mas antes no facto de as reparações não se revelaram adequadas ao cumprimento da obrigação assumida.
Q.Pelo que é responsável pelos danos que o seu não cumprimento causou à A. (708° C.C.).
R.Resultando tal dano devidamente provado -em especial dos factos provados 4°, 6°, 7°, 8°, 9°, 12° e 13°.
S. Não logrou, salvo o devido respeito por entendimento diverso, a R demonstrar que tal não cumprimento não resultou da sua culpa (799º C.C.).
T.Sendo ainda importante referir que ainda que se tratasse de um defeito originário a conclusão não seria diversa pois, sem prejuízo do que adiante se dirá sobre a temática, também aqui estaríamos perante uma situação de não cumprimento, na medida em que os bens adquiridos não revelaram as características aptas e exactas a cumprir a finalidade para a qual se destinavam,
U.Dir-se-á também que tais considerações valem para a questão da substituição dos pneumáticos.
V.Resulta na verdade dos factos provados (facto 9°) que a alteração dos pneumáticos decorre de uma solicitação da R. no sentido de solucionar o referido problema com o consumo excessivo de combustível.
W.Os pneumáticos da viatura deviam garantir o funcionamento adequado da mesma.
X.Ao solicitar a sua substituição para dar cumprimento à obrigação de colocar as viaturas em boas condições de funcionamento a R. torna-se responsável por tal dano.
Y.Por outro, nem sequer a dita substituição resolveu o problema.
Z.Existe assim responsabilidade contratual, sendo certo que, ainda que assim não se entendesse, seria sempre de considerar a responsabilidade civil extracontratual.

Neste conjunto de conclusões a apelante defende que a apelada, estava obrigada, por força do contrato de assistência celebrado entre as duas partes, referido no ponto 3.º do elenco da matéria de facto, a reparar o excesso de consumo de combustível verificado nos dois veículos dos autos, desde o início da sua utilização pela autora.

Na decisão recorrida foi entendido que essa obrigação não existia, o que foi justificado nos seguintes termos:
«A ré obrigou-se a realizar a manutenção dos veículos. Manutenção não significa modificação da coisa nem eliminação dos defeitos originais de que a coisa possa padecer.
Quem se obriga à manutenção não assume os riscos dos vícios de que a coisa pudesse padecer anteriormente. Aliás, esses vícios (de excesso de consumo de combustível) a existirem, poderiam ser imputados à locadora.
As obrigações contratualmente assumidas pela ré foram: efectuar verificações, afinações, substituições e reparações necessárias a manter as viaturas em boas condições de funcionamento. Essas obrigações não implicavam a modificação ou alteração das viaturas nem a eliminação de defeitos originários.
Significa isto, portanto, que entendemos que a ré não poder ser responsabilizada pelos invocados prejuízos resultantes do vício de excesso de consumo de combustíveis

Ou seja, foi entendido que a manutenção dos veículos não envolvia a eliminação/reparação de defeitos originais, dando-se por adquirido que estavam em causa defeitos originais.

Por seu turno, a recorrida, nas suas contra-alegações, defende que o contrato de assistência só foi invocado como causa de pedir da presente ação, já no âmbito do presente recurso, e ainda assim, de forma geral e evasiva. E que também não foi oportunamente alegada matéria de facto que permita caracterizar o excesso de consumo de combustível verificado nos veículos como defeito originário.

Começando pelo princípio, acompanha-se a decisão recorrida quando concluiu que a presente ação foi fundada no incumprimento do contrato de assistência aos veículos celebrado entre as partes.

É certo que a existência deste contrato só foi alegada já no final da petição inicial, e na parte deste articulado formalmente dedicada à fundamentação de direito, parecendo que a autora o considerou como um simples complemento dos dois contratos de aluguer. Em todo o caso, a existência e os termos deste contrato foram ali suficientemente alegados e o documento foi junto com o articulado.

E, se alguma dúvida pudesse subsistir, ela teria sido oportunamente esclarecida na réplica, onde a autora deixou claro que o que estava em causa nos presentes autos era, tão somente, a assistência técnica prestada às viaturas, e o contrato de assistência junto à petição inicial como doc. n.º 3.

Assim, a pretensão indemnizatória da recorrente, deduzida na presente ação foi oportunamente fundada no contrato de assistência celebrado entre as duas partes, referido no ponto 3.º do elenco da matéria de facto.

Prosseguindo, julga-se que da matéria de facto provada resulta que os problemas de consumo excessivo de combustível, apresentados pelas duas viaturas, eram originários, e que se verificavam desde que as mesmas entraram ao serviço da autora.

Tal como, de resto, a mesma alegou.
Julga-se que é esse o sentido do ponto 4.º da matéria de facto, do seguinte teor:
4º-As viaturas 96-JX-07 e 96-JX-08 apresentavam consumos médios de 38 a 40 litros por 100 km.

Corroborado pela respetiva fundamentação:

«Para a decisão do ponto 4º, baseou-se o tribunal nos depoimentos de José Manuel Ferreira, que mencionou consumos da JX-07, entre 2010 e 2011, altura em que a conduziu, da ordem dos “40, 42, 44” litros/100 km e, depois, apresentava consumos da ordem dos 39 litros/100km; Fernando Ouro, disse que a viatura JX-08 de início tinha consumos da ordem dos “36, 37, 38, 40 e 42” litros/100km; Ion Filon disse que o JX-08 fazia consumos da ordem
dos 37, 38 Litros/100km; José Carlos Morgado disse que o JX-07 fazia consumos da ordem dos 38 a 40 litros/100km; Paulo Pereira disse que o JX-07 fazia consumos 38 a 39 litros/100 km; todas estas testemunhas foram motoristas que conduziram esses veículos. Maria Teles Nascimento disse que faziam a média dos consumos dos veículos com base nos litros consumidos/quilómetros percorridos e apuraram média de 38 litros a 40 litros por 100km. Apesar de as testemunhas Francisco Rézio e Telmo Lage terem referido que as viaturas apresentavam consumos normais e justificarem essa afirmação com os documentos de fls 133 a 136, que referiram consistirem em relatórios de monotorização electrónica de consumos de combustível e que apontam para valores da ordem dos 30 a 32 litros/100 km (aliás apenas para a viatura JX-07) a verdade é que o tribunal não ficou convencidos desses consumos, porque aquela “monotorização” terá sido efectuada em 2013 e, não é verosímil que se os consumos fossem da ordem dos 30 a 32 litros/100 km, a Scania tivesse anuído, desde o início de 2012, em fazer tantas intervenções nos veículos – substituição de injectores, alterações na caixa de velocidade, nos diferenciais, nos pneumáticos, formação a motoristas – se não houvesse um consumo da ordem dos 38 a 40 litros /100 km

Posto isto, importa saber se o contrato de assistência celebrado entre as partes obrigava a autora a reparar o defeito originário dos veículos traduzido no excesso de consumo de combustível.

Parecendo não haver dúvidas de que esse defeito existia.

Nos termos provados os dois veículos apresentavam consumos médios de 38 a 40 litros por 100 km. E, nos termos defendidos pela ora apelada, esses consumos não deveriam exceder 32,72 l/100 kms. Verificando-se uma diferença muito relevante entre estes valores, diferença que, de resto, a ora recorrente tentou esforçadamente reduzir, sem o ter conseguido. Ao menos em termos relevantes, posto que nada foi fixado a esse respeito na decisão sobre matéria de facto e nenhuma impugnação vem deduzida.

E um tal excesso de consumos, em relação ao expectável, consubstancia seguramente um defeito de funcionamento daqueles veículos que, no que mais diretamente releva, encarecia significativamente o custo do uso desses veículos e, consequentemente, dos serviços de transporte por eles efetuados.

Conclui-se, assim, que os dois veículos apresentavam defeito de funcionamento, traduzido em excesso relevante de consumo de combustível, e que esse defeito não foi resolvido pela ré, apesar das sucessivas tentativas realizadas para esse fim, em ambos os veículos.

Colocando-se agora a questão de saber se a reparação desde defeito, considerado originário, de funcionamento dos dois veículos estava abrangido pelo contrato de assistência celebrado entre as partes.

E a resposta a esta questão começou por ser dada pela própria ré, nas sucessivas tentativas que fez, algumas bem dispendiosas, no sentido de resolver esse problema. Sem que, alguma vez tivesse questionado o facto de estar em causa um defeito de origem. Tendo inclusivamente proposto a substituição das viaturas, ainda que com a contrapartida da anulação da pretensão indemnizatória da autora fundada no excesso de consumos.

E nada disso faria sentido se aquele defeito de funcionamento não estivesse abrangido pelo contrato de assistência.

E, ressalvado sempre o devido respeito, julga-se não ser defensável a ideia de que os defeitos originários de funcionamento de um veículo, ao que se julga novo, poderiam não estar abrangidos pelo contrato de assistência em que a parte se obriga a fazer “todas as verificações, afinações, substituições e reparações necessárias para manter a viatura em boas condições de financiamento e circulação, executadas de acordo com as recomendações do construtor”.

Um tal contrato, enquanto vigorasse, obrigava a ré a assegurar o bom funcionamento das viaturas, pelo menos em relação a quaisquer situações que não fossem imputáveis à autora.

E, incumbindo à ré assegurar esse bom funcionamento, a mesma não conseguiu tal desiderato. Nem ilidiu a presunção de culpa que sobre ela recai em relação a essa situação de incumprimento, fundada no art. 799.º do C. Civil.

Entendendo-se assim, que estão verificados, em relação à ré, os pressupostos da obrigação de indemnizar os danos sofridos pela autora com a não resolução do problema de excesso de consumo dos dois veículos, com fundamento em responsabilidade contratual.

Esses danos consistem., essencialmente, no excesso de consumo de combustível verificado nos dois veículos. E, como a ré apenas responde por esses danos na qualidade de responsável pelo bom funcionamento dos veículos, apenas será atendível o excesso de consumos verificado depois de a ré ter sido interpelada para proceder à verificação/resolução do problema de excesso de consumos.

Não se encontrando fixada na matéria de facto a data em que isso sucedeu.

Por outro lado, também não se mostram objetivamente fixados nos autos os valores que serviram de base à emissão das duas notas de débito, que foram anuladas, em especial o do preço do combustível, que respeita a abastecimentos feitos ao longo de bastante tempo e, certamente em lugares muito diferentes, e ao número de quilómetros percorridos pelas duas viaturas até ao momento da ampliação do pedido. Apenas podendo ser razoavelmente considerado assente que o excesso de consumo verificado nos dois veículos foi da ordem dos 6/litros/100 kms, pois que é essa a diferença entre o que foi julgado provado sob o n.º 4 e o valor dos consumos alegados pela ré.

Não há, assim, condições para liquidar o valor do excesso de consumo de combustível que a autora suportou, devendo essa liquidação ser relegada para momento posterior, em incidente de liquidação.

A autora, ora apelante, pretende ainda ser indemnizada por dano traduzido na imobilização do veículo de matrícula 96-JX-08, pelo período de vinte dias, entre os dias 26-12-2012 e 16-01-2013.

Com interesse para a apreciação desta pretensão apenas resulta da matéria de facto provada o seguinte:
13º-A autora remeteu à ré em, 21/01/2013, factura nº 21468 no valor de 979,58€, relativa ao tempo de paralisação da viatura JX-08, entre 26/12/212 e 16/01/2013.
O que é manifestamente insuficiente para fundar o pedido de pagamento da quantia ali referida.
 E mesmo que pudesse ser considerado admitido por acordo que o veículo esteve imobilizado no período ali indicado, não poderia ser considerado assente, por não ter sido suficientemente alegado, que essa imobilização teve por causa a questão do excesso de consumos e o facto de a ré não a ter resolvido antes.
Para além de que sempre seria questionável a medida do tempo de que a ré teria de dispor para fazer face à reparação do excesso de consumos.
Este pedido não pode, pois, ser atendido.
Finalmente, a autora/apelante pretende ser indemnizada do valor que gastou na troca de pneus das viaturas, feita por indicação da ré, tendo em vista a resolução do problema de excesso de consumos, e que não resolveu esse problema.
Nesta parte, julga-se que deve ser reconhecida, em parte, razão à recorrente. De facto, como resulta do ponto 9.º da matéria de facto, os pneus dos dois veículos foram substituídos por sugestão da ré, e tendo em vista reduzir consumos. Ora, se a substituição dos pneus visou resolver um defeito de funcionamento do veículo, que não era imputável à autora, nunca poderia ser imputado a esta o custo da substituição. Para mais, não tendo resolvido, ao menos em termos relevantes, o problema do excesso de consumos.
Em todo o caso, o dano sofrido pela autora não corresponde ao custo dos pneus novos que foram colocados nos veículos, devendo ser limitado ao custo do trabalho de substituição dos pneus, acrescido do valor residual dos pneus substituídos. Já que foi o valor destes pneus que se perdeu, com a sua substituição.
Valor cujo apuramento também terá de ser relegado para posterior liquidação.
Podendo ser proferida decisão nos termos já enunciados.
E considerando-se prejudicada a apreciação das demais conclusões do recurso.
Sempre se observando que nelas vem invocada matéria de facto que não foi oportunamente alegada, nem submetida a discussão e que, por isso, não pode ser atendida, e é feito apelo aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, o que não faz sentido estando em causa os mesmos factos em que se funda a responsabilidade contratual da ré.

Tudo visto, acordam em julgar parcialmente procedente a presente apelação revogando-se a decisão recorrida e em julgar parcialmente procedente a ação condenando a ré/apelada a pagar à autora/apelante, a quantia que se vier a apurar em incidente de liquidação, a título de:
-Custo suportado pela autora com o excesso de consumo de combustível verificado com as duas viaturas dos autos, desde ao momento em que a ré foi interpelada para proceder à verificação/resolução do problema de excesso de consumos até à data da ampliação do pedido, dando-se por adquirido que o excesso de consumo verificado em cada um dos dois veículos foi, em média de 6l/100 kms.
-Custo do trabalho de substituição dos pneus dos dois veículos, acrescido do valor residual dos pneus substituídos.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que, por ora, se fixa em 1/20 para a autora/apelante e 19/20 para a ré/apelada.


Lisboa, 22-09-2016


(Farinha Alves)
(Tibério Silva)
(Ezaguy Martins)