Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1250/16.3T8CSC-A.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: EXTINÇÃO
PESSOA COLECTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário:

1- Por força do disposto no nº 1 do artigo 323º do Código Civil, só haverá interrupção da prescrição se o titular do direito der a conhecer ao obrigado a intenção de o exercer.

2- À falta de citação também se aplica o disposto no nº 3 do artigo 323º do CC, nos casos em que se possa concluir que o devedor teve conhecimento, mesmo que indirecto, da vontade do credor exercer o seu direito.

3- No caso de extinção de pessoa colectiva empregadora, a consequência que se extrai do nº 2 do artigo 346º do CT é a caducidade dos contratos de trabalho, caso não haja transmissão da empresa ou do estabelecimento, não sendo aplicável o disposto nos artigos 360º e seguintes do CT, tal como no caso do nº 1 do artigo 346º.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            Acordam os Juízes na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            Relatório

            Na presente acção sob a forma de processo comum que Sofia, Maria, António e Francisco, intentaram contra ANPC- Autoridade Nacional de Protecção Civil, foi proferido despacho saneador que conheceu parcialmente do mérito da causa  nos seguintes termos:

  “Sofia, Maria, António e Francisco intentaram a presente acção contra o Estado Português, sustentando em síntese que eram trabalhadores da EMA, S.A., e que quando da extinção desta os seus contratos foram cedidos para a ANPC-Autoridade Nacional de Protecção Civil, sem que a EMA, S.A. tenha cumprido todas as formalidades impostas para os casos de extinção da pessoa colectiva empregadora, mormente a comunicação da intenção de proceder ao despedimento com a antecedência prevista na lei e com indicação das quantias a pagar aos autores (o que permitia e habilitava os autores a, atempadamente, tomar uma posição quanto à aceitação de celebração do contrato de cedência com a ANPC-Autoridade Nacional de Protecção Civil; e que em 16 de Abril de 2015 foi comunicado aos autores que se encontrava a correr o prazo para a outorga dos contratos de cessação para a posição contratual para a empresa privada vencedora do concurso de aquisição dos serviços de manutenção e de operação dos meios aéreos pesados próprios para as missões do MAI.

   Pedem por isso, e para além do mais, o pagamento da retribuição devida pela ausência de comunicação a cada um dos autores, com menção expressa do motivo e da data de cessação do contrato e extinção da empresa, indicação dos montantes, forma, momento e lugar do pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho, por escrito e com a antecedência mínima de 60 dias, relativamente à data da cessação, alegando que tal comunicação não lhes foi efectuada pela EMA, S.A., nem pela ANPC- Autoridade Nacional de Protecção Civil, e mais concretamente:

            - a quantia de €5.253,04 à 1ª autora;

            - a quantia de €5.253,04 à 2ª autora;

            - a quantia de €17.278,92 ao 3º autor;

            - a quantia de € 16.228,32 ao 4º autor.

            O réu contestou, sustentando em síntese que o processo de extinção da EMA, S.A. foi definido pelo Decreto-Lei nº 8/2014 de 17/01, sendo assim do conhecimento dos autores, e que resultava de forma clara e expressa dos acordos de cedência de interesse público que o seus contratos cessariam caso os autores não optassem pela integração nos quadros do operador privado que ganhasse o concurso público (obrigação que este operador assumiu contratualmente).

            II.

    Salvo o devido respeito e melhor apreciação, não se vislumbra que os autores tenham direito à reclamada indemnização por falta de aviso prévio.

   Desde logo, o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A., não seguiu o procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes do Código do Trabalho [cfr. art.346º, nº 3 do Código do Trabalho] porquanto o mesmo ocorreu directamente por força do Decreto-Lei nº.8/2014, de 17/01 (cfr.artigo 2.º, nº. 1) com efeitos a 18-01.2014 (cfr.artigo 8.º), tendo fixado em 120 dias o prazo da respectiva liquidação (cfr.artigo 3.º, n.º 1 do referido diploma legal), processo esse que –segundo decorre dos próprios acordos de cedência de interesse público e do documento de fls.311 a 314 foi concluído no final do mês de Outubro de 2014.

    Por outro lado, os contratos de trabalho dos autores não caducaram por força da extinção da EMA, S.A., na medida em que por força da declaração de acordo de cedência de interesse público por parte de cada um dos autores com ANPC-Autoridade Nacional de Protecção Civil os mesmos foram cedidos a esta entidade, temporariamente – até ao fim do prazo de 6 meses (prorrogável uma vez por igual período) ou até à adjudicação do concurso CPI/ANPC-2014 e respectiva cedência ao operador privado que viesse a vencer o referido concurso (cláusula 3.ª, n.1, dos referidos acordos de cedência).

            Nos termos expressamente previstos nos referidos acordos de cedência (cfr. cláusula 3.ª, n. 2, dos acordos de cedência), «O termo da cedência de interesse público sem que se verifique a cedência de posição contratual dos contratos de trabalho nos termos do número anterior, confere ao Terceiro Contraente [cada um dos aqui autores] o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA», assumindo a ANPC a responsabilidade pelo pagamento da referida indemnização (cfr.cláusula 3.ª, n.3, al.b), dos acordos de cedência.

  Ora, não tendo ocorrido tal cedência – em virtude dos autores terem recusado a cessão do vínculo laboral para o operador privada vencedor do citado concurso público internacional Everjets-Aviação Executiva, S.A. (cfr.arts.42.º e 43.º da petição inicial e declarações cujas cópias fazem fls 94 a 96) -, os autores apenas têm direito, nos termos contratualmente acordados com a ANPC, a uma indemnização nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA.

      Tal liquidação foi já liquidada – cf.artigos 65.º a 71.º da petição inicial [com excepção das quantias de € 584,99, €605,31, €20.448,74 e €15.848,83 respectivamente reclamada pelos Autores e que farão parte do objecto da acção infra enunciado]- não se vislumbrando qual o fundamento legal ou contratual para as reclamadas indemnizações por falta de aviso prévio.

            Improcedem, pois, estes pedidos dos autores.

            III.

            Destarte, julga-se [parcialmente]improcedente a acção no que respeita aos pedidos de indemnização por falta de aviso prévio – concretamente as quantias de €5.253,04, pedida pela 1ª autora; de €5.253,04 pedida pela 2ª autora; de € 17278,92 pedida pelo 3.º autor; e de €16.228,32 pedida pelo 4º autor -, deles absolvendo o réu.

    Custas, nesta parte e na proporção dos respectivos decaimentos, por cada um dos autores – artigo 527º do Código de Processo Civil.

            Notifique.”

   Inconformados com tal decisão, os Autores arguiram a sua nulidade e recorreram apresentando as seguintes conclusões:

            “1. Os Recorrentes não se conformam com o teor da decisão proferida em sede de despacho pré-saneador e que absolveu o réu do pagamento das compensações requeridas a título de falta de aviso prévio pela extinção da EMA e da cessação dos seus contratos de trabalho.

            2. Os recorrentes discordam da oportunidade da decisão, que ocorreu sem que tivesse havido uma audiência de julgamento onde apresentasse e interpretasse todas as provas carreadas para o processo que permitiriam enquadrar a matéria em discussão.

   3. Ao não ter sido produzida qualquer outra prova, nomeadamente a prova testemunhal requerida nas peças processuais a boa interpretação ou compreensão da relação existente entre recorrente e recorrida ficou automaticamente prejudicada.

     4. Ao permitir a produção de prova, evitar-se-ia a incorreta apreciação dos factos e sua aplicação ao direito, como acabou por acontecer.

       5. Ao decidir como decidiu, tal Decisão errou na apreciação, interpretação e aplicação da matéria de facto e de Direito.

     6. Nos termos no disposto no art.77º nº 1 do C.P.T., os ora Recorrentes arguiram a nulidade no requerimento do presente recurso, por omissão de fundamentação da matéria de facto, o que se reitera.

     7. Por mera cautela de patrocínio, caso não seja entendido que se verifica a nulidade arguida, o que não se admite, sempre se dirá que existe erro do Tribunal a quo na apreciação e decisão da matéria de facto.

      8. O Tribunal a quo decidiu aplicar o Direito, com base na súmula que fez dos articulados das partes, sem que tenha determinado a matéria de facto que no seu entender ficou assente e provada, bem como a prova valorada pelo Tribunal a quo.

     9. O Tribunal a quo não pode aplicar o Direito, sem antes selecionar a matéria de facto.

            10.Da fundamentação de direito da Decisão recorrida, consegue-se depreender que o Tribunal a quo terá tido como pressuposto que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. era do conhecimento dos autores,

            11. Contudo, não foi determinada a data em que os autores alegadamente tiveram conhecimento desse processo de extinção e liquidação da EMA.

            12. Facto essencial à decisão deste pedido, pelo que se impugna-se tal ponto da matéria de facto.

            13. Pois, tal facto não permite aplicar o Direito, sendo essencial para a apreciação e boa decisão da questão de mérito do pedido em apreço, saber quando é que os Autores foram informados da extinção da EMA.

            14. O estado do processo não permite ao Tribunal a quo proferir decisão sobre o mérito desta parte do pedido.

            15. Não existindo qualquer elemento probatório que permita sem realização de audiência de julgamento dar tal matéria de facto como provada ou não provada, atenta a posição assumida por cada uma das partes nos seus articulados.

            16. Impunha apurar se o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. devia ou ter seguido o procedimento previsto no art.360º do Código do Trabalho, factualidade que não foi apurada e que devia ter sido dada como provada.

            17. Não existe qualquer prova, nem qualquer matéria de facto provada que permita considerar que os contratos de trabalho não caducaram por força da extinção e que por força da celebração de acordo de cedência de interesse público por parte de cada um dos autores com a ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO CIVIL os mesmos foram cedidos, temporariamente – até ao fim do prazo de 6 meses.

            18. Sendo essencial apurar as circunstâncias e datas em que esses acordos de cedência foram assinados, matéria de facto que não foi apurada e que só em sede de audiência de julgamento se conseguirá determinar, tal como as circunstâncias em que terminou o contrato dos Autores.

            19. O Tribunal a quo não pode com base na mera alegação constante dos articulados decidir julgar improcedentes estes pedidos dos autores.

            20. O Tribunal a quo invoca três fundamentos de direito para decidir como decidiu, contudo, erra em todos eles, quer na interpretação dos elementos de facto, quer na aplicação do Direito, existindo, inclusive, contradição entre os mesmos.

            21. O Tribunal a quo reconhece e dá como assente que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. não seguiu o procedimento previsto no art. 360º e seguintes do Código do Trabalho, conforme art. 346º n.º 3 do CT

            22. Facto que foi alegado pelos ora Recorrentes e que deve ser dado como provado.

            23. Contudo, erradamente considera que tal incumprimento está justificado, porquanto o processo de extinção e liquidação da Ema ocorreu diretamente por força do Decreto-Lei n.º8/2014, de 17/01.

            24. Entendimento que não se pode aceitar, uma vez que o Decreto-Lei nº 8/2014, de 17/01 em nada exclui a aplicação do disposto no art.360º do C.T., por remissão do art.346º n.º 3 do mesmo diploma legal.

            25. Com efeito, o Decreto-Lei nº 8/2014, de 17/01 apenas define o processo de extinção e liquidação da EMA, sobre matéria societária.

            26. Sendo tal diploma totalmente omisso quanto à matéria laboral, à tramitação/cessação dos contratos de trabalhos dos trabalhadores daquela empresa.

            27. Não existe nenhuma norma que ermita afastar a aplicação das normas consagradas no Código do Trabalho, nos casos de extinção da pessoa coletiva empregadora, como é o caso dos autos.

            28. Encontra-se expressamente consagrado, no Decreto - Lei nº 109/2007, de 13 de abril, que criou a EMA, no capítulo IV, Pessoal, artº20º do seu Anexo, que corresponde aos Estatutos a que se refere o n.º 2 do artigo 1.º) art.1.º desse diploma, que o estatuto do pessoal da EMA rege-se pela norma do contrato individual de trabalho.

            29. Pelo que se impunha à EMA ter cumprido o disposto no art.360º do C.T., ao contrário do sufragado pelo Tribunal recorrido.

            30. Acresce que, nos termos do n.º 1 do art.3º do Decreto-Lei n.º08/2014, ficou fixado que a EMA devia estar encerrada no prazo de 120 dias, a contar da data da dissolução da sociedade.

            31. Sendo que a data da dissolução da EMA ocorreu com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 08/2014, de 17 de Janeiro de 2014, que ocorreu em 18 de Janeiro de 2014, conforme o disposto no art.2º n.º 1 e art.8 desse diploma.

            32. Logo, a EMA deveria ter sido liquidada e encerrada em 18 de Maio de 2014, o que não se verificou, não tendo, também, o réu cumprido o consagrado naquele diploma.

            33. Não existindo, assim, qualquer fundamento para afastar a aplicação do art.360º do C.T. ao caso em apreço, devendo o Réu ser condenado a pagar as compensações requeridas por cada um dos Autores, por lhe serem devidas.

            34. Os contratos dos Autores caducaram por força da extinção da EMA, S.A.

            35. Os acordos de cedência de interesse público foram tão só apresentados aos Autores, que foram impelidos a assinar, em 15 de outubro de 2014, nas vésperas do encerramento efetivo da EMA, que ocorreu nesse mesmo mês de outubro de 2014.

            36. A cedência dos Autores foi efetuada por seis meses, temporariamente, a título de interesse público, por autorização do Ministério da Administração interna, nos termos consagrados no documento junto com a petição inicial.

            37. Ficou, expressamente, consagrado nos referidos acordos de cedência de interesse público que: “ o termo da cedência de interesse público, sem que se verifique a cedência de posição contratual dos contratos de trabalho nos termos do número anterior, confere ao Terceiro Contraente o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA.” (sublinhado nosso).

            38. Cláusula que constituiu condição para a assinatura do referido acordo de cedência e sua consequente prorrogação, sem a qual os Autores não teriam assinado tal acordo.

            39. Não se pode assim aceitar que o Tribunal a quo venha entender que o facto dos Autores terem recusado a cessão do vínculo laboral para o operador privado vencedor do concurso público internacional Everjets-Aviação Executiva, S.A. não lhes permita reclamar a compensação por falta de aviso prévio ma que têm direito, quer por força de Lei, quer por força do contrato/acordo de cedência de interesse público celebrado entre as partes.

            40. Pois, foi expressamente consagrado no acordo, o direito a tal indemnização, uma vez que

            41. Ocorreu extinção da empresa empregadora, sem que a mesma tenha cumprido o disposto no artigo 360º do C.T., que estava obrigada a cumprir, indemnização devida nos termos n.º 3 do art.346º do C.T., disposição legal que expressamente as partes acordaram aplicar e atribuir, no caso do contrato dos trabalhadores não serem cedidos ao adjudicatário do concurso público, fosse qual fosse o motivo da cedência.

            42. Nestes termos, erra o Tribunal a quo na interpretação do acordo de cedência e na aplicação do disposto no art.346º e seguintes do Código do Trabalho, violando tais normativos legais.

            43. Acresce que, no dia 16 de abril de 2015, no dia a seguir à assinatura da prorrogação do acordo de cedência de interesse público, a ANPC comunica aos Autores, sem qualquer aviso prévio que os seus contratos de trabalho terminavam no final do mês, caso os mesmos não aceitassem ser cedidos para a empresa privada Everjets.

            44. Pelo que, também por aqui têm direito os Recorrentes à compensação reclamada a título de falta de aviso prévio, pois atentos os fundamentos da prorrogação do acordo assinado na véspera, foram mais uma vez os Recorrentes surpreendidos pela caducidade de mais um contrato/acordo de trabalho, sem qualquer pré-aviso, pois o clausulado no acordo de prorrogação apontava para a manutenção de vínculo por mais seis meses com a ANPC.

            45. Tanto assim é verdade que é o próprio Tribunal a quo que no último fundamento que apresenta para incompreensivelmente julgar improcedente este pedido, reconhece o direito dos Autores a uma indemnização nos termos do art.346º do C.T.

            46. Sufragando, que “ não tendo ocorrido tal cedência – em virtude dos autores terem recusado a cessão do vínculo laboral para o operador privado vencedor do citado concurso público internacional. Everjets- Aviação Executiva, S.A., (…) os autores apenas têm direito, nos termos contratualmente acordados com a ANPC, a uma indemnização nos termos do art.346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA.”    

            47. Contudo, entendeu erradamente que “ Tal indemnização foi já liquidada – cfr. art. 65º a 71º da petiçaõ inicial (com excepção das quantias (…)- não se vislumbrando qual o fundamento legal ou contratual para as reclamadas indemnizações por falta de aviso prévio.”

            48. Pois, a indemnização consagrada no contrato não se circunscreve, nem pode circunscrever à compensação consagrada no ponto 5 do artigo 346º do C.T., não foi isso que as partes acordaram, nem é isso que consta do clausulado.

            49. Está expressamente fixado o direito à indemnização por extinção da EMA, pelo que se aplica o disposto no artigo 346º do C.T., na sua integralidade, incluindo o disposto no nº 3, que remete para o art.360 e seguintes e consequentemente para o n.º 4 do art.363º do mesmo diploma legal, indemnização por ausência de aviso prévio.

            50. Deste modo, têm os Recorrentes direito à indemnização por falta de aviso prévio.

            51. Dúvidas não podem existir que uma pessoa medianamente instruída e prudente, na posição do real declaratário, perante o caso concreto dos Recorrentes, e com base em todo o seu circunstancialismo, interpretaria de igual forma aquela cláusula que fixa a indemnização nos termos do disposto no art.346º do C.T.em razão da extinção da EMA, tanto assim é que todos os trabalhadores, abrangidos por este processo, reclamaram desde sempre ao réu essa indemnização por falta de aviso prévio.

            52. Pelo exposto, com base no fundamento legal supra citado e no contrato celebrado entre as partes são devidas as indemnizações por falta de aviso prévio reclamadas nestes autos pelos Autores, ora Recorrentes.

            53. Por tudo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Decisão na parte recorrida, substituindo-se, condenando-se o Réu no pagamento das reclamadas indemnizações a título de falta de aviso prévio.”

            O Réu contra –alegou e formulou as seguintes conclusões:

            “I) O despacho saneador em crise não padece de nenhum dos vícios e nulidades apontadas pelos recorrentes nas suas alegações.

            II) Insurgem-se os recorrentes contra o facto do despacho em crise, na parte sindicada, ser totalmente omisso em termos de “fundamentos de facto” e no que tange à “ discriminação dos factos considerados provados” e “ dos factos não provados;”

            III) Crítica essa de todo infundada já que o novo Código de Processo Civil suprimiu a figura do despacho saneador, em sentido amplo e no seu modelo tradicional de fixação da matéria de facto assente e base instrutória, substituindo-o pela atual figura da fixação do objecto do litígio – que enquadrará o pedido, a causa de pedir, bem como as exceções que, eventualmente, haja, sido deduzidas – e dos temas da prova que, grosso modo, delimitarão o âmbito da prova a produzir em sede de audiência de discussão e julgamento;

            IV) Não vingando assim o modelo de fixação da matéria de facto pretendido, modelo esse ao estilo dos Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1961, isto é, de verdadeiro questionário/base instrutória;

            V) Pelo que improcede a apontada nulidade da “sentença” nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 668º do anterior Código de Processo Civil tanto por falta de discriminação dos factos provados e não provados como pela falta de exame crítico das provas;

            VI) Sendo de salientar que os recorrentes desconsideram que o objeto do recurso incide sobre o douto despacho saneador proferido e não sobre a sentença prevista no artigo 73º do Código de Processo do Trabalho a qual, no presente momento processual, não se encontra ainda proferida;

            VII) O presente momento processual, subsequente à prolação de despacho saneador, reitera a falta de pertinência da argumentação apresentada em relação à “ falta de exame crítico das provas” já que as provas existentes se limitam às apresentadas em sede de articulados, logo de natureza documental;

            VIII) Prova documental apresentadas pelos recorrentes que sempre mereceu crítica por parte do recorrido por não terem os mesmos logrado identificar, com precisão e de forma expressa, a sua identificação mediante a menção na parte superior de cada um deles, como é uso e seria de esperar, do respectivo número;

            IX) Tendo o douto despacho saneador considerado que, se a falta de identificação dos documentos a que se referem os factos articulados na petição inicial dificultar a sua prova, recairá sobre os recorrentes o respectivo ónus já que lhes competia proceder a tal identificação;

            X) Argumentação essa com a qual os recorrentes se conformaram;

            XI) Apesar da crítica apontada à “ falta de exame crítico das provas” os recorrentes nunca indicam qual a prova ou as provas que sendo examinadas criticamente permitiriam entendimento diferente do preconizado no douto despacho em crise no que concerne à reconhecida improcedência do pedido de indemnização por falta de aviso prévio;

            XII) Ficando mais uma vez demonstrada a improcedência da argumentação apresentada pelos recorrentes no recurso interposto do despacho saneador no que concerne à “falta de exame crítico das provas” e à insuficiência da matéria de facto;

            XIII) Constrangimento que se reitera pois a decisão proferida no despacho saneador relativamente ao pedido de indemnização por falta de aviso prévio configura, apenas e tão só, e como bem se considerou, uma questão de direito;

            XIV) Ou seja é o fruto de um labor jurisprudencial consubstanciado na interpretação do respetivo instituto ou figura jurídica de acordo com o direito constituído o que demonstra, uma vez mais, a falta de merecimento de toda a crítica apresentada pelos recorrentes no que concerne à “falta de exame crítico das provas”.

            XV) Decisão essa que se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito através de um cristalino raciocínio jurídico nos exatos termos transcritos em 15 e 16 das precedentes alegações.

            XVI) Não tendo em momento algum o Tribunal a quo cometido qualquer erro de direito na aplicação do artigo 346.º do Código do Trabalho.

            XVII) Pois em boa verdade foram livremente celebrados entre a EMA, representada pela sua Comissão Liquidatária, a ANCP e cada um dos recorrentes acordos de cedência de interesse público onde expressamente se convencionou que a não integração dos mesmos nos quadros da empresa vencedora do concurso público internacional lhes permitia o direito à perceção de indemnização nos termos do artigo 346.º do Código do Trabalho em função da extinção da EMA.

            XVIII) Sendo que o n.º 5 do artigo 346º do Código do Trabalho prevê que as compensações a atribuir aos recorrentes são calculadas com o artigo 366.º do mesmo Código, disposição que não contempla, de forma alguma, o direito à perceção de qualquer tipo de compensação a título de ausência de aviso prévio.

            XIX) Bem ajuizando o douto ao não reconhecer aos recorrentes o direito à perceção de indemnização por ausência de aviso prévio improcedendo assim todos os vícios de violação e de interpretação de lei apontados.

            XX) Os recorrentes nunca se dignam referir que, com o processo de extinção e de liquidação da EMA e a celebração de acordos de cedência de interesse público acima referidos, lhes foi conferida a possibilidade de integração nos quadros de pessoal do operador de meios aéreos vencedor do referido concurso público internacional com a manutenção do respetivo vínculo contratual bem como as suas categorias profissionais, antiguidade e os seus estatutos remuneratórios, incluindo remuneração base e suplementos.

            XXI) Havendo por isso de concluir que, por não terem optado pela reintegração nos quadros do operador privado nos referidos termos mas sim pela rescisão dos seus contratos de trabalho, a pretensão de lhes ser reconhecido direito à compensação por ausência de aviso prévio consubstancia ainda um verdadeiro abuso de direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil.

            XXII) Pois excede os limites impostos pela boa fé como entendem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.I, 3ª ed., pagas.296 e 297: “A pedra de toque da figurado abuso do direito reside no uso ou utilização de poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deverá ser exercido.”

            XXIII) Prova esclarecedora da total falta de merecimento do recurso apresentado é o entendimento de que não foi determinada a data em que os mesmos tiveram conhecimento do processo de extinção e de liquidação da EMA.

            XXIV) Já que o referido processo de extinção foi definido pelo Decreto-Lei n.º 8/2014, de 17 de janeiro, materializado por força de lei, sendo portanto um facto público e notório e cujo desconhecimento não podem invocar.

            XXV) Demonstrando-se assim a absoluta falta de pertinência da pretensão dos recorrentes no sentido da realização de: “audiência de discussão e julgamento para apuramento da referida factualidade.”

            Certos de que,

            Venerandos Desembargadores do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

            Farão a costumada Justiça!

*

             No despacho saneador, o Tribunal a quo ainda conheceu da invocada prescrição dos créditos laborais reclamados pelos Autores, nos seguintes termos:

            “ O réu ESTADO PORTUGUÊS, na sua contestação, invocou a prescrição dos créditos reclamados pelos autores.

            Os autores responderam, pugnando pela improcedência da excepção.

            Decidindo

            Com pertinência para a apreciação da suscitada excepção, tendo presente a posição assumida pelas partes e os elementos documentais carreados para os autos, releva a seguinte factualidade:

            1. Os autores alegam que cessaram os seus contratos de trabalho com efeitos a partir de 30 de Abril de 2015.

            2. Em 27 de Abril de 2015 interpuseram a presente acção contra a ANPC- AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL [para além das acções nºs 1251/16.1T8CSC-J1 e 1252/16.0T8CSC-J3, o que viria a constar-se ter resultado de lapso da sua Exma Mandatária – cfr. despacho de 28-4-2016 (fls.24) e requerimento de 28-04-2016], tendo requerido a citação urgente.

            3. Por despacho de 29.04.2016 (fls.117) foi convocada audiência de partes e ordenada a citação da ANPC – AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL.

            4. A ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL foi citada no dia 29 de Abril de 2016 (fls.338).

            5. Por despacho de 24.05.2016 (fls.146), e pelas razões que do mesmo melhor constam foi julgada verificada a [a invocada] falta de personalidade judiciária da ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL e convidados os autores a requererem a intervenção do ESTADO PORTUGUÊS.

            6. Tendo os autores requerido tal intervenção, foi a mesma admitida e designada nova data para a audiência de partes, tendo o réu ESTADO PORTUGUÊS sido citado na pessoa do Exmo Procurador da República em 27 de Junho de 2016 (fls.168).

            De acordo com o disposto no artigo 337º, nº 1 do Código do Trabalho «O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.»

            A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou que a lei não declare isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo (cfr.artigo 298.º nº 1 do Código Civil).

            No que tange aos créditos laborais, a lei prevê um prazo relativamente curto, que encontra a sua justificação essencialmente em razões de segurança e certeza das relações laborais, mas que é simultaneamente contrapartida da circunstância de os créditos laborais não prescreverem durante a manutenção da relação laboral.

            No caso vertente, os autores [invocando a natureza laboral da relação jurídica existente entre as partes] alegam que a relação cessou no dia 30-04-2015.

            Assim, e por força do disposto no artigo 337.º, n.º 1, do Código do Trabalho, o prazo de prescrição iniciou-se no dia 01-05-2015, terminando às 24horas do dia 1 de Maio de 2016 (artigo 279.º, al.c) do Código Civil, aplicável ex vi do artigo 296.º do mesmo diploma).

            O prazo de prescrição, enquanto não decorrer na sua totalidade, é susceptível de ser interrompido. A interrupção pode ocorrer por promoção do titular do direito (artigo 323. do Código Civil), por compromisso arbitral (artigo 324.º do Código Civil) ou pelo reconhecimento do direito (artigo 325.º do Código Civil)

            A interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito ocorre designadamente pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (artigo 323.º, nº 1, do Código Civil).

            Ora, conforme decorre dos autos a A ANPC- AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL foi citada no dia 29 de Abril de 2016- antes, portanto, de decorrido o prazo de um ano de prescrição, que apenas se esgotaria às 24horas do dia 1 de Maio de 2016.

            A questão essencial que se coloca é no entanto a de saber se tal citação tem a virtualidade de interromper a prescrição, tendo em conta que viria a ser julgada verificada a falta de personalidade judiciária da ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL, vindo o réu ESTADO PORTUGUÊS a ser citado, na pessoa do Exmº Procurador da República, em 27 de Junho de 2016 (depois, portanto, de decorrido o mencionado prazo de um ano).

            Ora, salvo o devido respeito e melhor apreciação, afigura-se-nos que a resposta não poderá deixar de ser positiva.

            Com efeito, e como supra se referiu, a interrupção da prescrição ocorre designadamente pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito (cfr.artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil), sendo certo que a anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo (cfr.artigo 323.º n.º 3, do Código Civil).

            Ora, consubstanciando a ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL um serviço central de natureza operacional integrante da administração directa do Estado, mais concretamente do Ministério da Administração Interna, sendo destituída de personalidade jurídica, conforme se referiu no despacho de 24-05-2016 (fls.146), não poderá deixar de considerar-se, com coerência, que a citação da mesma exprime, relativamente ao Estado (de cuja administração directa a mesma faz parte integrante) a intenção de exercer o direito. Não está em causa a citação de duas pessoas jurídicas distintas (na medida em que a ANPC-AUTORIDADE NACIONAL DE PROTECÇÃO CIVIL não dispõe de personalidade jurídica) mas apenas a citação de um serviço do ESTADO PORTUGUÊS (que em nosso entender, para efeitos de interrupção da prescrição, não pode deixar de se considerar relevante.

            Conclui-se, por tudo o exposto, a prescrição se interrompeu antes de esgotado o respectivo prazo de um ano.

            Destarte, julga-se improcedente a invocada excepção da prescrição.

            Notifique.”

            Inconformado com tal despacho, o Réu interpôs recurso, sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:

            “1.O presente Recurso pretende sindicar o douto despacho saneador proferido nos presentes autos que, sem por termo ao processo conheceu do mérito ou fundo da causa ao considerar improcedente a exceção peremptória da prescrição de créditos laborais dos autores invocada pelo ora Recorrente em sede de contestação;

            2. Desconsiderando toda a argumentação apresentada pelo recorrente na sua contestação no que concerne ao erro grosseiro e indesculpável dos autores na identificação e consequente citação tardia do Estado Português como réu no âmbito dos presentes autos.

            3. Erro esse que determina a verificação da prescrição dos seus créditos laborais, pelo decurso do prazo de 1 ano previsto no nº 1 do artigo 337.º do Código do Trabalho.

            4. Padecendo de falta de fundamentação já que, propendendo para o não reconhecimento da exceção da não prescrição dos créditos laborais dos autores, não logra em momento algum fundamentar, como se impõe a um texto decisório, em que medida a argumentação apresentada pelo recorrente no seu articulado, em especial no que concerne ao erro indesculpável dos autores na identificação do réu Estado Português.

            5. O que determina a sua nulidade, nos termos ex vi da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil a qual se invoca com todas as cominações legais.

            6. Também a factualidade narrada no despacho saneador sindicado, a fls.5 do mesmo é merecedora de censura por erro de julgamento na sua apreciação, já que deficitária.

            7. Na medida em que não retrata que os autores, apesar de notificados do requerimento apresentado em 4 de maio de 2016 pela Autoridade Nacional de Protecção Civil no qual se invocava a nulidade da citação anteriormente concretizada, a sua falta de personalidade jurídica e judiciária e que a legitimidade passiva competiria ao Estado Português devidamente representado pelo Ministério Público, sustentaram em erro grosseiro e indesculpável que aquela Autoridade dispunha de personalidade jurídica e judiciária competindo a sua representação ao seu Presidente.

            8. Devendo assim tal factualidade ser retificada com a inclusão de tal circunstancialismo.

            9. Verifica-se, ainda, erro de julgamento, com as legais cominações, em função da errada subsunção dos factos à norma jurídica pois o douto despacho saneador em crise traça um quadro lógico de aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 323.º do Código Civil que desconsidera que os presentes autos propostos contra entidade que não tinha personalidade jurídica não podendo assim a citação concretizada ter o efeito de interrupção do prazo de prescrição dos créditos laborais peticionados, nos termos jurisprudenciais referidos;

            10. O que deverá determinar a consequente alteração do mesmo com o reconhecimento da prescrição dos créditos laborais peticionados pelos autores pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

            Os Autores contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões:

            1.Não pode ser conhecida a nulidade invocada pelo Recorrente, pois não foi arguida em conformidade com o disposto no artigo 77º do C.P.T.

            2. Em processo de trabalho, a arguição de nulidades da sentença deve ser individualizada e feita no próprio requerimento de interposição de recurso, o que não aconteceu no caso em apreço.

            3. A regra específica de arguição de nulidades, em processo de trabalho, impõe que as mesmas têm de ser arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, para os efeitos consagrados no n.º 3 do mesmo dispositivo legal.

            4. O Recorrente arguiu a nulidade nas alegações do seu recurso, ao invés de ter arguido em separado, no requerimento de interposição de recurso, como é obrigatório.

            5. A arguição da nulidade, nos termos em que foi feita, é extemporânea e não pode ser conhecida, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência.

            6. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

            7. Não obstante e sem prescindir, por cautela de patrocínio, sempre se dirá que não existe qualquer vício de sentença quanto à questão da prescrição, tendo o Tribunal, nesta parte, apreciado todos os elementos de facto e aplicado corretamente o Direito.

            8. O facto de a Autoridade Nacional de Protecção Civil ter apresentado um requerimento em 4 de Maio de 2016, invocando a nulidade da citação, concretizada em virtude da alegada falta de personalidade jurídica e judiciária, não revela qualquer erro grosseiro e indesculpável dos ora Recorridos.

            9. A resposta dos Recorridos, ao requerimento supra, não pode sustentar a tese de erro grosseiro, que a Recorrente insistentemente pretende fazer valer, sem qualquer fundamento, uma vez que

            10. Ao contrário do alegado, essa própria resposta dos Recorridos demonstra, precisamente, que não existe, nem nunca existiu qualquer erro indesculpável dos mesmos.

            11. Os Recorridos aceitaram o convite do Tribunal a quo requereram a intervenção e a citação do Ministério Público, em representação do Estado Português, como réu nestes autos.

            12. Não existiu qualquer erro grosseiro e indesculpável dos ora Recorridos na identificação do réu destes autos, tal como foi devidamente justificado e explicado na resposta ao requerimento que veio invocar a falta de personalidade jurídica e judiciária.

            13. Tendo os Recorridos justificados os motivos que determinaram a identificação da Autoridade Nacional de Proteção Civil, como ré, motivos atendíveis e compreensíveis, não se aceitando a alegação do Recorrente.

            14. Pois, os Autores, aqui Recorridos, cessaram os seus contratos de trabalho com efeitos a partir de 30 de abril de 2015 e instauraram a presente ação em 27 de abril de 2016, requerendo a citação urgente da ré.

            15. Na petição inicial, foi a Autoridade Nacional de Proteção Civil identificada como Ré, pois foi para essa entidade que foram cedidos os contratos de trabalho dos Autores, foi com quem celebraram os respetivos acordos de cedência e de quem dependiam até cessarem os seus contratos de trabalho.

            16. Foi com a Autoridade Nacional de Proteção Civil que os Autores, aqui Recorridos, celebraram os acordos de cedência de interesse público dos seus contratos de trabalho, no âmbito dos quais ficou expressamente consagrado que esta entidade seria responsável pelo pagamento de quaisquer créditos emergentes do contrato de trabalho.

            17. Pelo que, os Autores intentaram a presente ação contra da Autoridade Nacional de Proteção Civil, convictos da sua personalidade jurídica e judiciária, uma vez que

            18. A Autoridade Nacional de Proteção Civil é a entidade responsável pelo pagamento dos créditos reclamados nestes autos e foi quem diretamente celebrou os acordos de cedência dos seus contratos, sem intervenção de terceiros.

            19. Não havendo por isso motivo para se considerar que os Autores incorreram num erro grosseiro e de “impossível desculpabilidade”.

            20. Os Autores, ora Recorridos, sempre agiram de boa fé e de forma diligente, convitos da personalidade jurídica Autoridade Nacional de Proteção Civil, atenta a forma como esta entidade sempre agiu, a sua Lei Orgânica, o acordo celebrado e até o facto de esta entidade ter sido parte em vários processos.

            21. Aliás, o próprio Tribunal a quo, atenta a procuração junta aos autos pela ANCP, nos termos da sua Lei Orgânica, permitiu que um representante da ANPC, nos termos da sua Lei Orgânica, tivesse intervenção na audiência de partes realizada nestes autos.

            22. Na audiência de partes, a Autoridade Nacional de Proteção Civil apresentou-se com poderes para estar em juízo, a acompanhar o Digníssimo Ministério Público que representa o Estado Português, com base no despacho de representação a folhas dos autos.

            23. Despacho emitido pelo Presidente da ANPC “(…) Ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei n.73/2013, de 31 de maio, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º163/2014, de 31 de Outubro, (…)

            24. Pelo que, ao contrário do alegado pelo Recorrente, não é facto público e notório que a Autoridade Nacional de Proteção Civil não tenha personalidade jurídica e judiciária.

            25. O Tribunal a quo, admitiu a presença e intervenção da Autoridade Nacional de Proteção Civil na audiência de partes, reconhecendo que a ANPC é a entidade responsável pelo pagamento dos créditos laborais reclamados pelos Autores (como referiu o Tribunal a quo no despacho que admitiu a presença e intervenção desta entidade na audiência prévia a folhas dos autos.

            26. Logo, sendo a Autoridade Nacional de Proteção Civil a entidade responsável pelo pagamento dos créditos laborais reclamados pelos Autores, é natural que os Autores, ora Recorridos, tendo em conta tudo o mais quanto supra se referiu, tenham inicialmente indicado a ANPC como réu destes autos.

            27. Pelo que, tal facto não pode impedir a verificada interrupção da prescrição ocorrida no dia 29 de abril de 2016, com a citação da Autoridade Nacional de Proteção Civil, por agente de execução e que foi precedida de respetivo despacho judicial.

            28. A citação da Autoridade Nacional de Proteção Civil interrompeu efetivamente o prazo de prescrição, nos termos do disposto no art.323.ºe 326.º do Código Civil, conforme bem decidiu o Tribunal a quo.

            29. O importante é que o devedor tenha conhecimento, ainda que de forma indireta, de que o credor pretende exercer o seu direito, como aconteceu no caso em apreço nestes autos.

            30. Pois, a citação da Autoridade Nacional de Proteção Civil produziu esse efeito.

            31. A Autoridade Nacional de Proteção Civil é um serviço da administração direta do Estado – o réu Estado Português acabou por ter conhecimento, ainda que indireto, da intenção dos Autores em exercerem o direito reclamados nestes autos.

            32. Como bem entendeu o Tribunal a quo não podia deixar de se considerar que a citação da Autoridade Nacional de Proteção Civil exprime em relação ao Estado a intenção de exercer um direito.

            33. Não está em causa a citação de duas pessoas jurídicas distintas, mas a citação de um serviço do Estado Português.

            34. Pelo que andou bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a exceção invocada pelo Recorrente, devendo essa decisão ser confirmada pelo Tribunal ad quem.

            35. Pelo exposto, e salvo melhor entendimento, deve ser julgado improcedente o presente Recurso de Apelação e, consequentemente, ser confirmada a Douta Sentença Recorrida.

            Como é imperativo do Direito e da Justiça.”

            Os recursos foram admitidos na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

            O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a nulidade da sentença arguida pelos Autores, no sentido de que não se verifica.

            Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

            Objecto do recurso

    Sendo pacífico que o âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC) e sendo certo que, no caso, estão em apreciação dois recursos (artigo 645º nº 3 do CPC), por uma questão de precedência lógico-jurídica há que conhecer, em primeiro lugar, do recurso interposto pelo Réu e, em segundo lugar, do recurso interposto pelos Autores.

            No recurso do Réu suscitam-se as questões seguintes:

    1ª- Se deve ser apreciada a arguida nulidade do despacho saneador e, em caso afirmativo, se procede;

      2ª - Da impugnação da matéria de facto;

    3ª - Se o Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar que os créditos laborais reclamados pelos Autores não prescreveram;

 No recurso dos Autores importa apreciar as seguintes questões:

 1ª-Se o despacho saneador na parte em que conheceu dos pedidos de indemnização por falta de aviso prévio é nulo;

            2ª- Da impugnação da matéria de facto;

            3ª- Se o Tribunal a quo errou o julgamento ao absolver o Réu do pagamento das indemnizações reclamadas pelos Autores a título de falta de aviso prévio;

   4ª- Se os Autores actuaram com abuso de direito (questão suscitada pelo Recorrido nas contra-alegações).

            Do recurso interposto pelo Réu.

            Fundamentação

  Comecemos, então, por apreciar se deve ser apreciada a nulidade do despacho, saneador arguida pelo Réu, pugnando os Recorridos no sentido de que esta questão não pode ser conhecida uma vez que o Recorrente não observou o disposto no artigo 77º do CPT.

            Vejamos:

   Nas alegações invocou o Recorrente que a sentença padece de falta de fundamentação o que determina a sua nulidade, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.

Como é sabido, o Código de Processo do Trabalho, diferentemente do Código de Processo Civil, contém uma norma, o artigo 77º, que estabelece um regime específico de arguição de nulidades da sentença.

            Tal regime, face ao disposto no nº 3 do artigo 613º do CPC, também é aplicável à arguição das nulidades dos despachos.

            Assim, dispõe o nº 1 do artigo 77º do CPT que” a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.

            Sobre este artigo, escreve António Santos Abrantes Geraldes, em “Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime”, pag. 61: “Em especial, as nulidades da sentença devem ser arguidas expressa e separadamente, como determina o art.77º nº 1 do CPT, exigência que vem sendo interpretada de forma rigorosa e cujo incumprimento determina o não conhecimento das mesmas”

A citada norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades ser, em primeira linha, dirigida à apreciação pelo juiz do tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer. Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade”- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada.

E conforme se afirma no Acórdão do STJ de 16.6.2015, in www.dgsi.pt: “1(…)

 2. Só se mostra cumprido o desiderato constante do art. 77º/1 do CPT, quando o recorrente, no próprio requerimento em que interpõe recurso da decisão, consigna, de forma expressa e em separado – dizer, em separado do pedido ou da intenção de recurso -, que argui nulidades dessa mesma decisão, explicitando-as.”

  Ora, da leitura do requerimento de interposição do recurso logo ressalta que o Recorrente não arguiu a nulidade do despacho saneador de forma expressa e separada como lhe era imposto, sendo certo que em tal requerimento nada diz sobre a arguição de nulidades do despacho, arguição que levou a cabo apenas nas alegações.

  Assim, não tendo o Recorrente observado o disposto no artigo 77º do CPT, a consequência a extrair é a de que tal arguição tem de ser considerada extemporânea, pelo que dela não se conhece.

*

Apreciemos, agora, a 2ª questão suscitada no recurso (da impugnação da matéria de facto), sendo certo que das alegações e das conclusões resulta que o impugnante cumpriu os ónus a que alude o artigo 640º do CPC que dispõe:     “ 1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

            (…)”.

   Nesta sede, sustenta o Recorrente, em resumo, que a factualidade narrada no despacho que apreciou a excepção da prescrição padece de erro por ser deficitária na medida em que não retrata que os autores, apesar de notificados do requerimento apresentado em 4 de Maio de 2016 pela Autoridade Nacional de Protecção Civil no qual se invocava a nulidade da citação anteriormente concretizada, a sua falta de personalidade jurídica e judiciária e que a legitimidade passiva competiria ao Estado Português devidamente representado pelo Ministério Público, sustentaram em erro grosseiro e indesculpável que aquela Autoridade dispunha de personalidade jurídica e judiciária competindo a sua representação ao seu Presidente, pelo que a factualidade provada deve ser rectificada no sentido de nela ser incluída tal circunstancialismo.

   Dos autos decorre que, por despacho de 29.4.2016, foi designada a audiência de partes e ordenada a citação da Ré identificada pelos Autores na petição inicial -  ANPC-Autoridade Nacional de Protecção Civil (fls.105).

            Nessa mesma data, os Autores requereram que a citação da Ré fosse feita por Agente de Execução, o que foi deferido por despacho proferido também no dia 29.4.2016 (fls.107 e 109).

            A ANPC-Autoridade Nacional de Protecção Civil foi citada em 29.4.2016 e, por requerimento datado de 4 de Maio de 2016, veio informar aos autos que é um serviço central da administração directa do Estado, dotada de autonomia administrativa e financeira e de património próprio, integrada na orgânica do Ministério da Administração Interna, não detendo personalidade jurídica nem personalidade judiciária, o que, configurando uma excepção dilatória determinará a sua absolvição da instância, bem como requereu que a citação anteriormente concretizada fosse declarada nula, procedendo-se a nova citação na pessoa do Digníssimo Magistrado do Ministério Público (fls.110 e 111).

Os Autores, tendo sido notificados do requerimento apresentado pela ANPC, vieram, em 19.5.2016, defender que, ao contrário do que alega a ANPC, esta tem personalidade jurídica, que a acção foi regularmente proposta contra ela não existindo, assim, a invocada nulidade de citação e devendo ser julgada improcedente por não provada a excepção e nulidade invocadas. (fls.115).

            Em 24.5.2016 foi proferido despacho que considerou ocorrer uma excepção dilatória por falta de personalidade jurídica da ANPC susceptível de ser sanada e, nessa sequência, convidou os Autores a, no prazo de 10 dias, requererem o que tivessem por pertinente em ordem à regularização da instância, com vista a que tivesse intervenção nos autos o Estado Português (fls.118 e 119), o que os Autores fizeram, requerendo a intervenção deste último (fls.121 e 122).

            Ora, resultando dos autos, por ter sido alegado pelos Autores e não ter sido impugnado, que os respectivos contratos de trabalho cessaram no dia 30 de Abril de 2015 (arts.1º, 6º e 43º da petição inicial) e considerando que, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 337º do Código do Trabalho a prescrição dos créditos laborais peticionados pelos Autores ocorreria às 24 horas do dia 1 de Maio de 2016, salvo o devido respeito, o facto de os Autores, na sequência do requerimento junto aos autos pela ANPC em 4.5.2016, terem reafirmado que esta entidade gozava de personalidade jurídica, em nada releva para a decisão da causa, na medida em que, nessa data (4.5.2016) e de acordo com o entendimento do Réu, os créditos já estariam prescritos.

    E, nessa medida, não há que aditar o facto em questão aos provados, improcedendo a impugnação da matéria de facto deduzida pelo Réu.

 Em consequência, os factos provados com relevo para a decisão da questão relativa à alegada prescrição dos créditos laborais são os que constam do relatório supra para o qual se remete.

*

    Analisemos, por fim, a questão fulcral suscitada no recurso do Réu e que se traduz em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao considerar que os créditos laborais reclamados pelos Autores não prescreveram.

      A este propósito entendeu o Tribunal a quo que fazendo a ANPC parte integrante da administração directa do Estado, mais concretamente do Ministério da Administração Interna, sendo destituída de personalidade jurídica, não poderia deixar de considerar-se, com coerência, que a citação da mesma exprime, relativamente ao Estado a intenção de exercer o direito e que no caso não está em causa a citação de duas pessoas jurídicas distintas (na medida em que a ANPC não dispõe de personalidade jurídica) mas apenas a citação de um serviço do Estado Português o que, para efeitos de interrupção da prescrição, não pode deixar de se considerar relevante, pelo que a citação daquele serviço interrompeu a prescrição antes de esgotado o respectivo prazo.

   Discordando do entendimento do Tribunal a quo, defende o Recorrente, em síntese, que há erro de julgamento em função da errada subsunção dos factos à norma jurídica, pois o despacho recorrida traça um quadro lógico de aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 323.º do Código Civil que desconsidera que os presentes autos foram propostos contra entidade que não tinha personalidade jurídica, não podendo assim a citação concretizada ter o efeito de interrupção do prazo de prescrição dos créditos laborais, sendo que quando o legal representante do Estado Português foi citado já se tinha verificado a prescrição, posto que os Autores, por erro grosseiro, indesculpável e de impossível indesculpabilidade não lograram interromper o prazo de prescrição e que é um facto público e notório que a ANPC é um serviço central da administração directa do Estado, não detendo personalidade jurídica, o que os Autores não podiam desconhecer.

     Por sua banda, defendem os Recorridos que requereram a citação urgente da Ré, que foi para essa entidade que foram cedidos os contratos de trabalho dos Autores e com quem celebraram os respectivos contratos de cedência e de quem dependiam até que cessaram os contratos e que foi a ANCP que se responsabilizou pelos créditos que os Autores reclamam nestes autos, pelo que a sua citação interrompeu a prescrição que, por isso, não se verifica.

            Vejamos:

    Nos termos do art. 298º, nº 1 do CC: “Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”.

    Conforme se escreve no Acórdão do STJ de 22.9.2016, in www.dgsi.pt “I - A prescrição, cujo nome (praescriptio) e raízes mergulham no húmus fecundo do direito romano, assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas e visa, no essencial, tutelar o interesse do devedor.

  II – O fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual ser legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica (dormientibus non succurrit jus)».

            III - Ainda que olhada, sob o ponto de vista da moral e do direito natural, com certo desfavor (os antigos qualificaram-na como impium remedium ou impium praesidium), a prescrição continua a ser reclamada pela boa organização das sociedades civilizadas, apresentando-se, entre nós, como uma excepção não privativa dos direitos de crédito (art.º 298º do Cód. Civil) e, por isso mesmo, inserida na sua parte geral, no capítulo relativo ao tempo e à sua repercussão sobre as relações jurídicas (art.ºs 296º a 327º do Cód. Civil).

            IV - À prescrição estão sujeitos todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela (art.º 298º, n.º 1, do Cód. Civil) e, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de excepção peremptória (art.º 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).”

            Por seu turno, dispõe o art. 337, nº 1 do Código do Trabalho: “O crédito de empregador ou de trabalhador emergente de contrato de trabalho, da sua violação ou cessação prescreve decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho”.

      Decorre dos autos que o contrato de trabalho dos Autores cessou no dia 30.4.2015.

            Por conseguinte e como já se disse, iniciando-se o decurso do prazo prescricional no dia 1 de Maio de 2015 o mesmo atingiria o seu terminus às 24 horas do dia 01.05.2016, o que não é posto em causa pelas partes.

  Mas prevê a lei a possibilidade do titular promover a interrupção da prescrição, regendo quanto a esta matéria o artigo 323º do Código Civil que dispõe:

            1- A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

            2- Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.

  3- A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.

  4- É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

            Em anotação a este artigo escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, Vol I, pags.288 e 289:

  “ Decorre deste preceito que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de actos judiciais que, directa ou indirectamente, dêem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão.

            (…)

O facto interruptivo da prescrição consiste no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito daí as disposições dos nºs 3 e 4.

            (…).”

            Por seu turno, estabelece o artigo 326º do Código Civil:

            “ 1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte.

     2. A nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva, salvo o disposto no artigo 311.”

            Por fim, refere o artigo 327º do CC:

    “1- Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

            (…)”

   Regressando ao caso, constata-se que, em 29.4.2016, foi citada a ANPC- Autoridade Nacional de Protecção Civil, serviço da administração directa do Estado, que não goza de personalidade jurídica, quando deveria ter sido citado o Estado, na pessoa do seu representante legal, o que, em nosso entender, configura uma situação de falta de citação enquadrável na al.b) do nº 1 do artigo 188º do CPC.

  Ora, como se afirma no sumário do Acórdão do STJ de 31.5.2006, citado pelos Autores e cujo entendimento perfilhamos: “I - No que respeita aos limites subjectivos da interrupção da prescrição, a regra que decorre da aplicação do n.º 2 do art. 323.º e dos n.ºs 1 e 3 do art. 327.º, ambos do CC, é de que a interrupção da prescrição só produz efeitos relativamente às pessoas entre as quais se verifica, ou seja, o acto interruptivo apenas produz efeitos a favor do credor que o pratica e contra o devedor sobre que incide.”

   E ainda de acordo com o mesmo Acórdão: “Há que dizer que, em princípio, a aplicação do n.º 2 do art.º 323º e dos n.ºs 1 e 3 do art.º 327º pressupõe que se esteja perante o mesmo réu.

   Lê-se, a propósito, no sumário do acórdão do STJ de 22.09.1989, Rec. n.º 2176, AJ, 1º/1-17:
            "I. À luz do art. 323º do Cód. Civil, só haverá interrupção da prescrição quando a afirmação do exercício do direito seja levada ao conhecimento do obrigado por via judicial.
            II. Essa interrupção incide apenas sobre a pessoa concreta relativamente à qual é dirigido o acto interruptivo”.

    Ora, no caso dos autos, o obrigado era o Estado Português, pelo que tendo este sido citado já depois de decorrido o prazo prescricional, estaríamos inclinados a concluir que não houve interrupção da prescrição, não fora o disposto no nº 3 do artigo 323º do CC que refere: – “ A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.”

  Com efeito, não obstante estarmos perante uma situação de falta de citação, a verdade é que, tanto a nulidade da citação, como a falta de citação constituem modalidades de nulidade (latu sensu). Com efeito, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.1º, 3ª Edição, pag. 364, “ Distingue a lei duas modalidades de nulidade (latu sensu) da citação: a falta e a nulidade de citação (stricto sensu).

   E, por isso, entendemos que à falta de citação também se aplicará o disposto no nº 2 do artigo 323º do CC, nos casos em que se possa concluir que o Réu teve conhecimento, mesmo que indirecto, da vontade do credor exercer o seu direito, o que sucedeu no caso dos autos, tanto mais que, de acordo com a al.a) do artigo 187º do CPC, é nulo tudo o que se processe depois da petição inicial, salvando-se apenas esta.

      Na verdade, como refere a decisão recorrida, a ANPC é um serviço central de natureza operacional integrante da administração directa do Estado, mais concretamente do Ministério da Administração Interna. Isto é, a ANPC não é uma pessoa colectiva completamente estranha ao Estado, mas um serviço que dele faz parte integrante, pelo que não se pode deixar de considerar que a citação da mesma exprime, relativamente ao Estado, a intenção dos Autores exercerem o seu direito.

            Com efeito, como refere a decisão recorrida, não se tratou da citação de duas pessoas jurídicas distintas mas, tão só, da citação de um serviço integrante da pessoa jurídica que deveria figurar como réu.

     E ciente dessa realidade, o Tribunal a quo não absolveu a ANPC da instância, limitando-se a referir que estávamos perante uma excepção dilatória de falta de personalidade jurídica que podia ser sanada tendo, para o efeito, notificado os Autores para requererem a intervenção do Estado, o que estes acabaram por fazer.

            Ora, seguindo de perto o citado Acórdão do STJ, no caso, o que também sucedeu foi que o Tribunal a quo permitiu que o Estado substituísse a ANPC no processo “ numa perspectiva que tem a ver com os poderes de actuação em juízo, inerentes à personalidade jurídica e judiciária” que a ANPC não tinha e “no quadro de uma questão de "foro interno" do Estado e da ANPC.

    E concluiu aquele aresto que “III - É de equiparar à anulação da citação, com consequente interrupção da prescrição, o caso em que, intentada uma acção emergente de contrato individual de trabalho contra o Estádio Universitário de Lisboa, serviço dependente da administração central do Estado, sem personalidade judiciária, e citado aquele, na pessoa do seu director, veio posteriormente o juiz (ao abrigo do disposto no art. 265.º, n.º 2, do CPC) convidar o autor a praticar os actos necessários à regularização da instância, tendo, nessa sequência, a parte requerido que fosse demandado o Estado, após o que se procedeu à citação deste, com processamento dos ulteriores termos da acção. “

            Tal é o caso dos presentes autos.

     Mas ainda invoca o Recorrente que a citação tardia do Réu resultou de erro grosseiro e indesculpável dos Autores.

     É certo que os Autores erraram na identificação do Réu, o que determinou a demora na citação deste último.

  Mas entendemos que não estamos perante um erro qualificável como grosseiro e indesculpável.

  Ora, o erro grosseiro e indesculpável pressupõe, necessariamente, que o titular do direito que promoveu a interrupção da prescrição teve culpa na não verificação da citação antes de ter decorrido o prazo prescricional. Ou seja, a verificação de erro grosseiro e indesculpável significa que o titular do direito não actuou com a diligência que lhe era exigida no caso concreto, sendo que essa diligência se afere pela diligência de um bom pai de família.

      Analisados os autos, constata-se que os Autores celebraram contratos de trabalho com a EMA, S.A e que, posteriormente, em 15 de Outubro de 2014 foram celebrados acordos de cedência de interesse público em que figuraram como outorgantes a EMA, S.A., a Autoridade Nacional de Protecção Civil e cada um dos Autores e nos quais ficou consignado, além do mais, que o processo de liquidação da EMA termina no dia 31 de Outubro de 2014, que a ANCP assume a gestão dos meios aéreos que integram o património do Estado, que os trabalhadores da EMA devem assim acompanhar a transmissão daquele estabelecimento, estando reunidos os demais pressupostos da cedência de interesse público, que o estabelecimento será depois cedido pela ANPC a empresa privada nos termos e no âmbito do concurso público internacional CPI/02/ANPC-2014, que de acordo com o acordo de cedência, a EMA cedeu à ANPC cada um dos Autores e que a ANPC será responsável perante os Autores, de entre outras, pelas seguintes obrigações: quaisquer créditos emergentes do contrato de trabalho vencidos ou vincendos até ao início da vigência do acordo de cedência, quaisquer créditos vencidos ou vincendos, na pendência do acordo de cedência de interesse público, incluindo a obrigação de indemnização nos termos do artigo 346º do CT.

   Ou seja, conforme decorre dos acordos de cedência de interesse público, a ANPC, assumiu os créditos que são reclamados pelos Autores na presente acção.

   Acresce que nos ditos acordos de cedência de interesse público, a Autoridade Nacional de Protecção Civil apenas é identificada nos seguintes termos: “Autoridade Nacional de Protecção Civil, doravante ANPC ou Segunda Outorgante, pessoa colectiva de direito público nº 600082490, com sede na Avenida do Forte, Carnaxide, representada neste acto pelo seu Presidente, Senhor General Grave Pereira”, não decorrendo de tais acordos a existência, ou não, de personalidade jurídica da ANPC.

    O que resulta dos acordos em questão é que, mediante a figura da cedência de interesse público, os Autores foram cedidos pela sua empregadora, EMA, S.A., à pessoa colectiva ANPC, pelo que não podemos afirmar, como faz o Recorrente, que não é possível desculpar o erro dos Autores ao interporem a acção contra a ANCP.

     Discordamos ainda da afirmação feita pelo Recorrente no sentido de que a falta de personalidade jurídica da ANPC é um facto público e notório e que não poderia deixar de ser do conhecimento dos Autores, posto que nada nos acordos de cedência apontava nesse sentido, nem tal é um facto de conhecimento geral.

   Assim, socorrendo-nos da diligência que, no caso, seria exigida a um bom pai de família, sempre teríamos de concluir que, perante o quadro descrito, não lhe seria exigível e, por isso, também não seria exigível aos Autores que soubessem que a ANCP não tinha personalidade jurídica, tanto mais que a partir das cedências de interesse público esta assumiu as obrigações decorrentes de eventuais créditos dos Autores e se colocou na posição de empregadora.

        Consequentemente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 323º do CC, a interrupção da prescrição dos direitos dos Autores, tal como decidiu o Tribunal a quo, ocorreu no dia 29.4.2016, data em que foi citada a ANPC e antes de decorrido o prazo prescricional cujo termo ocorreria no dia 1 de Maio de 2016.

            Improcede, assim, o recurso do Réu, devendo ser confirmado o despacho recorrido.

*

            Recurso dos Autores

            Fundamentação

     Tendo os Autores observado o disposto no artigo 77º do CPT, apreciemos, então, se o despacho saneador na parte em que conheceu dos pedidos de indemnização por falta de aviso prévio é nulo.

  A este propósito invocam os Recorrentes, no que são contrariados pelo Recorrido, que o despacho recorrido enferma da nulidade prevista na al.b) do nº 1 do artigo 615º do CPC uma vez que o mesmo não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão e por falta de exame crítico das provas, pois o Tribunal a quo limita-se a enunciar de forma sumária a posição das partes, alegada nos articulados e, sem mais, sem apreciar a matéria de facto, passa para o Direito, tendo sido violados os artigos 154º e 607º nºs 3 e 4 do CPC e o artigo 205º da Constituição.

            Apreciando:

    De acordo com o nº 1 do artigo 61º do CPT “ Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho nos termos e para os efeitos do artigo 508º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no artigo 27º.”

   E nos termos do nº 2 do mesmo artigo, “ Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 3º do Código de Processo Civil, julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer ou decidir do mérito da causa.”

     Permite, assim, esta norma que o juiz, na fase de saneamento do processo, se entender que este contém os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, julgue procedente alguma excepção dilatória ou nulidade ou decida do mérito da causa.

   No caso, entendeu o Tribunal a quo que o processo já continha os elementos necessários ao conhecimento parcial do mérito da causa, o que fez ao abrigo do disposto na citada norma.

     Assim, tendo o Tribunal a quo conhecido parcialmente do mérito da causa, entendemos que, para todos os efeitos, o saneador vale como saneador/sentença.

            Com efeito, conforme decorre da al.b) do nº 1 e da 2ª parte do nº 3 do artigo 595º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 1º nº 2 al.a) do CPT, o despacho saneador que conheça imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória, fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

            Como corolário do princípio da fundamentação das decisões judiciais previsto no artigo 205º da CRP, determina o artigo 154º do CPC:

  “ 1-As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

            2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de um despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”

            Por seu turno, estabelece o artigo 607º do CPC:

            “ 1-(…).

            2-(…)

            3- Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas, correspondentes, concluindo pela decisão final.

            4- Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.”

            Defendem os Recorrentes que o despacho saneador/sentença enferma do vício da nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

    Dispõe a al.b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, norma que corresponde à mesma alínea do anterior artigo 668º do CPC, que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

Sobre esta causa de nulidade elucida o Professor Alberto dos Reis, no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.V. pag.139:

“ Uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas; é uma peça sem base.

(…)

Não basta, pois, que o juiz decida a questão posta; é indispensável que produza as razões em que apoia o seu veredicto. A sentença como peça jurídica, vale o que valerem os seus fundamentos. Referimo-nos ao valor doutrinal, ao valor como elemento de convicção e não ao valor legal. Este deriva, como já assinalámos, do poder de jurisdição de que o juiz está investido.

Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do nº 2 do artigo 668º.”

            Também sobre esta causa de nulidade da sentença escrevem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora no “Manual de Processo Civil”, pag. 687:”Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”

      E na pag.688 da citada obra ainda lemos: “ Para que haja falta de fundamentação como causa de nulidade da sentença, torna-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na base da decisão.

     Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar:

   Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.

    Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia”.

            Em suma, a nulidade da sentença por falta de fundamentação a que alude a al.b) do nº 1 do artigo 615º do CPC, consiste na falta absoluta de fundamentação, quer de facto, quer de direito.

     Regressando ao caso e analisada a decisão em causa, constata-se que o Tribunal a quo não elencou os factos que julgou provados e os que julgou não provados, nem fez qualquer exame crítico da prova que sustentou a sua decisão.

  Contudo, a mesma decisão, embora não o faça de modo discriminado e sequencial, incorpora os factos, bem como os elementos de prova que serviram para a alicerçar.

  Admite-se que o método usado não é o melhor. Mas a verdade é que da leitura da decisão em causa, extrai-se, facilmente, quais os factos que a fundamentaram, as regras e normas que a sustentam, bem como os meios de prova em que se alicerça - prova documental (acordos de cedência e declarações juntos aos autos) - e factos invocados pelos Autores na petição inicial, cujos artigos identifica e que não foram impugnados pelo Réu (admitidos por acordo).

   Consequentemente, a conclusão a extrair é a de que o despacho saneador/ sentença está, minimamente, fundamentado de facto e de direito.

  Quanto à alegada falta de exame crítico das provas, ainda importa referir que, destinando-se a análise crítica das provas a expor as razões que levaram o tribunal a fundamentar a sua convicção quanto aos factos que entendeu terem resultado provados ou não provados, então, a alegada falta de tal juízo crítico deverá ser atacada em sede de impugnação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto, não constituindo nulidade da sentença, como invocam os Recorrentes.

            Em consequência, impõe-se, desde já, declarar improcedente a arguição da nulidade do despacho saneador.


*

            Da impugnação da matéria de facto.

            Entendem os Recorrentes que da fundamentação de direito da decisão recorrida, consegue-se depreender que o Tribunal a quo terá tido como pressuposto que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. era do conhecimento dos autores. Contudo, não foi determinada a data em que os autores alegadamente tiveram conhecimento desse processo de extinção e liquidação da EMA, facto essencial à decisão deste pedido, pelo que impugna tal ponto da matéria de facto, pois, tal facto não permite aplicar o Direito, sendo essencial para a apreciação e boa decisão da questão de mérito do pedido em apreço, saber quando é que os Autores foram informados da extinção da EMA.

   A impugnação da matéria de facto pressupõe a observância por parte do impugnante dos ónus a que alude o artigo 640º do CPC e acima citados.

  Das alegações e conclusões extrai-se que os Recorrentes entendem que o Tribunal a quo considerou provado que os Autores tinham conhecimento da extinção e liquidação da EMA, o que impugnam, mas que é essencial para a apreciação e boa decisão da questão de mérito do pedido em apreço, saber quando é que os Autores foram informados da sua extinção, nada adiantando quanto a tal data.

  Ou seja, os Recorrentes entendem que se impõe apurar quando é que os Autores foram informados da extinção e liquidação da EMA, sem que digam em que data ocorreu tal facto e ainda ficamos sem saber se os Recorrentes pretendem que se considere não provado que os Autores tinham conhecimento da extinção e liquidação da EMA.

            E sendo assim, não cumpriram os Autores o ónus a que alude a al.c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, pelo que nessa parte se rejeita a impugnação.

     De qualquer modo, dos acordos de cedência de interesse público juntos aos autos e que não foram impugnados, resulta claro que os Autores, pelo menos, nessa data, tiveram conhecimento do processo de extinção e liquidação da EMA e da data prevista para o terminus da liquidação, pelo que tal facto não poderia ser considerado não provado, não merecendo censura o Tribunal, por se estribar em tal facto.

   Na verdade, do ponto B. dos acordos de cedência de interesse público juntos aos autos, datados de 15 de Outubro de 2014 e assinados pelos Autores, consta dos respectivos “Considerandos” que “ O processo de liquidação da EMA, S.A. termina no dia 31 de Outubro de 2014, nos termos do referido Decreto-Lei e da deliberação social unânime datada de 17 de Fevereiro de 2014.”

  E de acordo com a cláusula 5ª dos mencionados acordos de cedência, “ 1. A cedência de interesse público é realizada na data de transmissão do estabelecimento da EMA para a ANPC, após obtida a necessária autorização de Sua Excelência a Ministra de Estado e das Finanças e sua Exa. o Ministro da Administração Interna, autorizações que deverão ser notificadas ao Terceiro Contraente, até dia 31 de outubro do presente ano. 2. A eficácia e produção de efeitos das declarações negociais do Terceiro Contraente estarão dependentes das autorizações previstas no número anterior e da sua emissão nos termos e prazos aí consignados, bem como da validade integral da presente cedência de interesse público.”

    Por outro lado, o facto de se saber quando é que os Autores foram informados da data da extinção e liquidação da EMA, sem prejuízo de se reafirmar que os Autores, pelo menos, em 15 de Outubro de 2014, data dos acordos de cedência de interesse público, tiveram conhecimento que o processo de liquidação tinha o seu terminus no dia 31 de Outubro de 2014, não releva para a questão de saber se os Autores têm direito à reclamada indemnização por falta de aviso prévio, sendo certo que o Tribunal a quo considerou que não foram observados os procedimentos do artigo 360º e seguintes do CT, constatação que resulta clara dos autos.

            Mas ainda invocam os Recorrentes que o estado do processo não permitia ao Tribunal a quo proferir decisão sobre o mérito desta parte do pedido, não existindo qualquer elemento probatório que permita, sem realização de audiência de julgamento, dar tal matéria de facto como provada ou não provada, atenta a posição assumida por cada uma das partes nos seus articulados, que impunha apurar se o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. devia ou não ter seguido o procedimento previsto no art.360º do Código do Trabalho, factualidade que não foi apurada e que devia ter sido dada como provada, que não existe qualquer prova, nem qualquer matéria de facto provada que permita considerar que os contratos de trabalho não caducaram por força da extinção e que por força da celebração de acordo de cedência de interesse público por parte de cada um dos autores com a ANPC os mesmos foram cedidos, temporariamente – até ao fim do prazo de 6 meses, sendo essencial apurar as circunstâncias e datas em que esses acordos de cedência foram assinados, matéria de facto que não foi apurada e que só em sede de audiência de julgamento se conseguirá determinar, tal como as circunstâncias em que terminou o contrato dos Autores e que o Tribunal a quo não pode com base na mera alegação constante dos articulados decidir julgar improcedentes estes pedidos dos Autores. 

      Ora, saber se o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. devia ou não ter seguido o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes do Código do Trabalho e se os contratos de trabalho do Autor cessaram por caducidade são questões de direito.

   Por outro lado, os documentos juntos aos autos e que não foram impugnados (contratos de trabalho, acordos de cedência de interesse público, declarações de recusa de cedência do vínculo laboral para a Everjets-Aviação Executiva, S.A., contrato celebrado entre o Estado Português e a Everjets-Aviação Executiva, S.A. e os recibos de vencimento dos Autores juntos aos autos), bem como os factos admitidos por acordo invocados nos artigos 43º, 65º a 71º e 43º da petição inicial permitem, sem necessidade de produção de qualquer prova, conhecer dos pedidos de indemnização pela alegada falta de aviso prévio.

    Acresce que, apesar dos Autores terem invocado nos artigos 43º e 44º da petição inicial, respectivamente que: “ Atenta a postura da Ré, instando-os a assinar a declaração de recusa de cessão de vínculo laboral para a empresa Everjets- Aviação Executiva, S.A.”  e que “ no dia 27 de Dezembro de 2015, os Autores assinaram a minuta da declaração, cessando assim o contrato de trabalho com efeitos a partir de 30 de abril de 2015”, o facto é que não alegaram quaisquer factos que concretizassem a alegada postura da Ré e que levassem a concluir por uma eventual situação de coacção, que os próprios Autores nem referem.

    Por outro lado, entendemos que o facto invocado no artigo 43º da petição inicial, não assume relevância para efeitos da indemnização por falta de aviso prévio, pelo que disponha o Tribunal a quo dos elementos necessários ao conhecimento deste pedido.

    Contudo, para uma mais fácil compreensão da factualidade provada com interesse para a decisão destes pedidos, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC este Tribunal passa a enunciá-la:

            1. A 7 de Setembro de 2007, a 1ª Autora celebrou um contrato de trabalho a tempo indeterminado com a EMA-Empresa de Meios Aéreos, S.A., no qual lhe foi atribuída a categoria de Economista.  

     2. Em 20 de Outubro de 2009, a 2ª Autora celebrou um contrato de trabalho a tempo indeterminado com a EMA-Empresa de Meios Aéreos, S.A. no qual lhe foi atribuída a categoria de jurista.

    3. Em 01 de Outubro de 2007, o 3º Autor celebrou um contrato de trabalho a tempo indeterminado com a EMA-Empresa de Meios Aéreos, S.A. no qual lhe foi atribuída a categoria de Piloto Comandante Kamov 32ª11BC.

    4. Em 29 de Novembro de 2010, o 4º autor celebrou um contrato promessa bilateral de contrato de trabalho com a EMA- Empresa de Meios Aéreos, S.A., para a categoria profissional de Piloto Comandante Kamov, 32ª11BC.

            5. Em 01 de Janeiro de 2011 o 4º Autor ficou desvinculado do INAC- Instituto Nacional de Aviação Civil.

  6. Em 01.de Janeiro de 2011, iniciou-se o contrato de trabalho do 4º Autor com a EMA- Empresa de Meios Aéreos, S.A.

            7.A EMA-Empresa de Meios Aéreos, S.A. era uma sociedade anónima de capitais públicos constituída pelo Estado Português que tinha como objecto a gestão integrada do dispositivo permanente de meios aéreos para as missões públicas atribuídas ao Ministério da Administração Interna.

            8. Com data de 15 de Outubro de 2014, entre EMA- Empresa de Meios Aéreos, S.A., Autoridade Nacional de Protecção Civil e cada um dos Autores foram celebrados “Acordos de Cedência de Interesse Público” dos quais constam, para além de outros os seguintes “Considerandos e cláusulas:

            “ A. A EMA é uma empresa pública na forma de sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, em processo de liquidação, nos termos do Decreto-Lei nº 8/2004 de 19 de janeiro;

    B.O processo de liquidação da EMA, S.A. termina no dia 31 de Outubro de 2014, nos termos do referido Decreto-Lei e de deliberação social unânime datada de 17 de Fevereiro de 2014.

  C. Nos termos do referido diploma, a ANPC assume a gestão dos meios aéreos que integram o património da EMA, no termo do processo de liquidação desta sociedade.

    D. Os trabalhadores da EMA devem assim acompanhar a transmissão daquele estabelecimento, estando reunidos os demais pressupostos da cedência de interesse público regulada nos artigos 154º, nº 2 e 241º a 244º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas- LTFP (aprovada em anexo à Lei nº 35/2014 de 29 de Junho).

      Mediante o presente documento e ao abrigo da figura da cedência de interesse público, a EMA cede o Terceiro Outorgante à ANPC, mantendo-se aquele adstrito ao mesmo local de trabalho, bem como aos mesmos deveres, funções e categoria profissional até aqui desempenhados.

     1.A presente cedência de interesse público tem a duração de 6 meses, prorrogável por igual período por uma vez, por expresso acordo entre as partes, e tem o seu termo no fim daquele prazo ou com a adjudicação do concurso CPI/ANPC-2014 (Aquisição dos serviços de Manutenção e de Operação dos Meios Aéreos Pesados Próprios para Missões do Ministério da Administração Interna) e respetiva cedência da posição contratual dos contratos de trabalho nos termos da cláusula 30ª do Caderno de Encargos, consoante o que venha a ocorrer primeiro.

            2. O termo da cedência de interesse público, sem que se verifique a cedência de posição contratual dos contratos de trabalho nos termos do número anterior, confere ao Terceiro Contraente o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA.

            3.(…)

            4. (…)

            5 (…).

     1.A cedência de interesse público é realizada na data da transmissão do estabelecimento da EMA para a ANPC, após obtida a necessária autorização de Sua Exa. a Ministra de Estado e das Finanças e sua Exa. o Ministro da Administração interna, autorizações que deverão ser notificadas aos Terceiro Contraente, até dia 31 de Outubro do presente ano.

   2. A eficácia e produção de efeitos das declarações negociais do Terceiro Contraente estarão dependentes das autorizações previstas no número anterior e da sua emissão nos termos e prazos aí consignados, bem como da validade integral da presente cedência de interesse público.”

    9. Em 15 de Abril de 2015 entre a ANPC e cada um dos Autores foi acordada uma prorrogação do acordo de cedência de interesse público, por um período de seis meses.

            10. Com data de 16.4.2015, a ANPC comunicou aos Autores que corria o prazo para a outorga dos contratos de cessão da posição contratual para a empresa vencedora do concurso público, prevendo que os mesmos sejam celebrados no próximo dia 7 de Maio e para, se pronunciarem sobre se aceitavam, ou não, a cessão da posição contratual, devendo em caso de recusa de cessão do vínculo laboral, remeter declaração escrita para a ANPC.

       11. Com data de 27 de Abril de 2015, cada um dos Autores declarou “ para os devidos e legais efeitos, recusa a cessão do vínculo laboral para a empresa Everjets-Aviação Executiva, S.A., com efeitos a 30 de Abril de 2015.

    A presente Declaração visa dar cumprimento ao disposto no n.º 6 da Cláusula 30.ª do Contrato de Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios para Missões do Ministério da Administração Interna.” 

     12. A ANPC pagou à 1ª Autora, a título de compensação, o valor de €15.597, 27.

   13. A ANPC pagou à 2ª Autora, a título de compensação, o valor de €11.804,74.

   14. A ANPC pagou ao 3º Autor, a título de compensação o valor de €34.219,83.

   15. A ANPC pagou ao 4º Autor, a título de cessação do contrato de trabalho, o valor ilíquido de € 31.254,26.

            16. Em 6 de Fevereiro de 2015, entre o Estado Português e a empresa Everjets-Aviação Executiva, foi celebrado um “Contrato de Aquisição dos Serviços de Operação, de Gestão da Continuidade da Aeronavegabilidade e de Manutenção dos Meios Aéreos Pesados Próprios para Missões do Ministério da Administração Interna.

            17. De acordo com a cláusula 30ª do referido contrato:

  “ 1- A SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se a aceitar a cedência da posição contratual de empregador, detida pela EMA, nos contratos de trabalho dos 29 (vinte e nove) trabalhadores a exercer funções na ANPC, através da celebração de contrato de cedência de interesse público, cuja categoria profissional e funções são elencados no Anexo VII.

            2- A aceitação pela SEGUNDA OUTORGANTE da posição contratual da EMA em cada um dos vínculos laborais nos termos referidos no número anterior implica a preservação da tipologia de vínculo laboral (v.g. contrato de trabalho a termo, contrato de trabalho por tempo indeterminado), categoria profissional, da antiguidade e do estatuto remuneratório (remuneração base e suplementos) de cada trabalhador.

            3. No prazo de 3 (três) dias a contar do início da vigência do CONTRATO, o PRIMEIRO OUTORGANTE fornece à SEGUNDA OUTORGANTE uma lista nominativa dos trabalhadores cujas categorias e funções estão elencadas no Anexo VII.

            4. A SEGUNDA OUTORGANTE dispõe do prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar do início da vigência do CONTRATO para outorgar os acordos de cessão da posição contratual da EMA em tantos contratos de trabalho quantos os indicados o nº 1.

            5. A SEGUNDA OUTORGANTE só pode desonerar-se total ou parcialmente da obrigação a que se referem os números anteriores caso os trabalhadores tipologicamente elencados no Anexo VII e identificados na lista nominativa referida no nº 3 não aceitem a cessão da posição contratual.

            6. A prova da impossibilidade total ou parcial de execução da obrigação a que se refere o número anterior só pode ser realizada mediante declaração de recusa da cessão do vínculo laboral em suporte escrito e assinada pelos respectivos trabalhadores.

  7. A EMA responde directamente perante o trabalhador pelos créditos laborais vencidos até à data da outorga do respectivo acordo de cessão da posição contratual.”

18º Nos termos da cláusula 60ª do mencionado contrato “ 1. O contrato entra em vigor no dia seguinte à emissão do visto prévio pelo Tribunal de Contas, nos termos prescritos no nº 4 do artigo 45º da Lei 98/97, 26 de Agosto. 2. O PRIMEIRO OUTORGANTE obriga-se a notificar imediatamente a SEGUNDA OUTORGANTE da decisão de concessão ou de recusa do visto prévio pelo Tribunal de Contas.”

19º- A EMA, S.A. não observou os procedimentos a que alude o artigo 360º e seguintes do CT.  

Os factos constantes dos pontos 1 a 6 resultam dos documentos juntos a fls. 33 a 59; o facto do ponto 7 decorre do diploma que criou a EMA, os factos 8 e 9 decorrem dos documentos de fls.83 a 90, o facto 10 resulta do documento de fls. 91 e foi admitido por acordo, o facto 11 resulta do documento de fls.93 a 95, os factos 12 a 15 resultam dos documentos de fls. 90 a 99vº e foi admitido por acordo, os factos 16 a 18 decorrem do documento de fls.160 a 222 e o facto 19 foi admitido por acordo.


*

  Apreciemos, agora, a 3ª questão suscitada no recurso e que consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao absolver o Réu do pagamento das indemnizações reclamadas pelos Autores a título de falta de aviso prévio.

            Nesta sede, invocam os Recorrentes, numa primeira linha de argumentação, que o Tribunal a quo reconhece e dá como assente que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. não seguiu o procedimento previsto no art. 360º e seguintes do Código do Trabalho, conforme art. 346º n.º 3 do CT, o que deve ser considerado como provado mas, erradamente, considera que tal incumprimento está justificado, porquanto o processo de extinção e liquidação da EMA ocorreu directamente por força do Decreto-Lei n.º8/2014, de 17/01, entendimento que não pode aceitar, uma vez que o Decreto-Lei nº 8/2014, de 17/01 apenas define o processo de extinção e liquidação da EMA em termos societários sendo omisso quanto à matéria laboral e em nada exclui a aplicação do disposto no art.360º do C.T., por remissão do art.346º n.º 3 do mesmo diploma legal, sendo que está expressamente consagrado, no Decreto - Lei nº 109/2007, de 13 de Abril, que criou a EMA, que o estatuto do seu pessoal rege-se pela norma do contrato individual de trabalho, pelo que se impunha à EMA ter cumprido o disposto no art.360º do C.T.,  que, nos termos do n.º 1 do art.3º do Decreto-Lei n.º8/2014, ficou fixado que a EMA devia estar encerrada no prazo de 120 dias, a contar da data da dissolução da sociedade, a EMA deveria ter sido liquidada e encerrada em 18 de Maio de 2014, o que não se verificou, não tendo, também, o réu cumprido o consagrado naquele diploma, não existindo, assim, qualquer fundamento para afastar a aplicação do art.360º do C.T. ao caso em apreço, devendo o Réu ser condenado a pagar as compensações por falta de aviso prévio.

            Apreciando:

Antes do mais, importa referir que, considerando os Recorrentes que o Tribunal a quo reconhece e dá como assente que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A. não seguiu o procedimento previsto no art. 360º e seguintes do Código do Trabalho e que este facto foi alegado pelos ora Recorrentes, não se percebe porque, de novo, deve ser considerado provado quando o Tribunal a quo já assim o considerou.

  Na verdade, refere a decisão recorrida, que o processo de extinção e liquidação da EMA, S.A., não seguiu o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes do CT, tendo decorrido por força do disposto na Lei 8/2014 de 17 de Janeiro.

     De qualquer modo, o facto em questão já consta do elenco dos factos provados que acima se enunciou.

     Resta, então, saber se a EMA, S.A. deveria ter observado o procedimento previsto nos artigos 360º, e seguintes do CT.

     Nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 8/2014 de 17 de Janeiro “O presente diploma define o processo de extinção da EMA- Empresa de Meios Aéreos, S.A., sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos criada pelo Decreto-Lei nº 109/2007, de 13 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 57/2013, de 19 de Abri.”

  E de acordo com o artigo 2º do mesmo diploma“1- É dissolvida a EMA-Empresa de Meios Aéreos, S.A. (EMA), sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos, criada pelo Decreto-Lei nº 109/2007, de 13 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 57/2013 de 19 de Abril.

     2- O registo da dissolução deve ser requerido no prazo de 15 dias úteis, a contar da data da entrada em vigor do presente decreto-lei.”

  Nos termos do nº 1 do artigo 3º do mesmo diploma legal, “ Sem prejuízo do disposto nos números seguintes ou em deliberação do accionista Estado, a liquidação da EMA é efetuada nos termos da lei e deve estar encerrada no prazo de 120 dias, a contar da data da dissolução da sociedade.”

O mencionado Decreto-Lei entrou em vigor no dia 18 de Janeiro de 2014 (artigo 8º).

  Para além de regular a liquidação da EMA, S.A., definir a entidade que assumiria a gestão dos seus meios aéreos (ANPC), o estatuto dos referidos meios e a forma dos actos a praticar pelos liquidatários, o diploma em causa nada refere sobre o pessoal da EMA, não excluindo, como referem os Recorrentes, a aplicabilidade do Código do Trabalho.

  Também é certo que, de acordo com o artigo 20º dos Estatutos da EMA (Anexo a que se refere o nº 2 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 109/2007 de 13 de Abril - diploma que cria a EMA e aprova os seus estatutos, “ O estatuto do pessoal da EMA, S.A., rege-se pelas normas aplicáveis ao contrato individual de trabalho e, subsidiariamente, pelo disposto nos regulamentos internos da sociedade.”

  Tal significa, pois, que, aos Autores, por força da referida norma são aplicáveis as disposições do Código do Trabalho e no que à questão em apreciação importa, o disposto no artigo 346º do CT.

E tal também é reconhecido pelas partes outorgantes dos contratos de cedência de interesse público quando no ponto 2 da cláusula 3ª estipulam que “O termo da cedência de interesse público, sem que se verifique a cedência de posição contratual dos contratos de trabalho nos termos do número anterior, confere ao Terceiro Contraente o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA.”

  Por outro lado, tratando-se da extinção de pessoa colectiva, como se trata, não existem dúvidas que ao caso em apreço é aplicável o disposto no nº 2 do artigo 346º do CT que dispõe: “A extinção da pessoa colectiva empregadora, quando não se verifique a transmissão da empresa ou estabelecimento, determina a caducidade do contrato de trabalho.”

Mas subsiste a questão de saber se também lhe era aplicável o disposto no nº 3 do artigo 346º do CT que refere: “ O encerramento total e definitivo de empresa determina a caducidade do contrato de trabalho, devendo seguir-se o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes, com as necessárias adaptações” e, em concreto, se a EMA, S.A. estava obrigada a observar o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes do CT.

   Adiantamos, desde, já que a questão merece resposta negativa.

    Na verdade, do confronto entre o nº2 e o nº 3 do artigo 346º do Código do Trabalho resulta que a lei distingue os casos de extinção da pessoa colectiva empregadora, dos casos de encerramento total e definitivo de empresa; verificando-se aquela, os contratos de trabalho caducam, se não tiver havido transmissão da empresa ou de estabelecimento; verificando-se este, também há lugar à caducidade do contrato de trabalho mas deve ser observado o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes do CT.

  E conforme escreve João Leal Amado, em “Contrato de Trabalho”, 3ª Edição Reimpressão, pag.358, referindo-se aos casos de extinção da pessoa colectiva empregadora e ao encerramento definitivo de empresa “Em qualquer destes casos, e porque o contrato caducará em virtude de um facto não imputável ao trabalhador (o encerramento da empresa, haja ou não morte ou extinção da entidade empregadora), este terá direito à compensação devida em caso de despedimento colectivo, pela qual responde o património da empresa (art.346º, nº 5).

            Registe-se que, em caso de encerramento total e definitivo de empresa a lei estabelece que o contrato de trabalho caducará, mas a mesma lei exige a observância do procedimento previsto em sede de despedimento colectivo.”

Também pronunciando-se sobre a extinção da pessoa colectiva escreve Pedro Furtado Martins em “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3ª Edição Revista e Actualizada, pags.85 e 86:” Tratando-se de uma pessoa coletiva, a extinção desta determinará igualmente a caducidade do contrato de trabalho, salvo quando ocorra a transmissão do estabelecimento.

            Em ambas as situações, a cessação do contrato confere ao trabalhador o direito a receber uma compensação correspondente a um mês de retribuição base por cada ano de antiguidade (art.346.º 5)”.

  Ora, a situação da EMA-S.A. enquadra-se no caso de extinção de pessoa colectiva empregadora, pelo que a consequência a extrair do nº 2 do artigo 346º do CT seria apenas a caducidade dos contratos de trabalho, caso não tivesse havido transmissão da empresa ou do estabelecimento, do que decorre que, no caso, não era aplicável o disposto nos artigos 360º e seguintes do CT e, consequentemente, a obrigatoriedade de aviso prévio.

  Acresce que a extinção da EMA, S.A. resultou de um acto legal – Decreto-Lei que a dissolveu e regulou os termos da sua liquidação – e, consequentemente, determinou a impossibilidade de continuar a prosseguir o seu objecto - pelo que não faz sentido que lhe seja aplicável o disposto no nº 3 do artigo 346º, tal como não é aplicável aos casos previstos no nº 1 do artigo 346º.

            De salientar ainda que, nos termos dos contratos de cedência, a cedência de interesse público teria a duração de 6 meses, prorrogável por igual período, por uma vez, por expresso acordo das partes e teria o seu termo no fim daquele prazo ou com a adjudicação do concurso CPI/ANPC-2014 e respectiva cedência da posição contratual dos contrato de trabalho consoante o que viesse a ocorrer primeiro, pelo que não se pode concordar com os Recorrentes quando afirmam que foi com surpresa que tomaram conhecimento que os contratos cessavam no final do mês, caso não aceitassem ser cedidos para a Everjets (cfr.art.40º da petição inicial).

    Na verdade, os contratos de cedência de interesse público sempre se assumiram como temporários: até que se verificasse o prazo da prorrogação ou adjudicação do concurso público internacional e cedência para o vencedor do concurso, consoante o que ocorresse primeiro, pelo que não vislumbramos qualquer razão que justificasse o aviso prévio numa situação com estes contornos.

  Mas ainda defendem os Recorrentes que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, os contratos dos Autores caducaram por força da extinção da EMA, S.A., que a cláusula de indemnização a que aludem os contratos de cedência de interesse público constituiu condição para a assinatura do referido acordo de cedência e sua consequente prorrogação, sem a qual os Autores não teriam assinado tal acordo, pelo que não se pode aceitar que o Tribunal a quo venha entender que o facto dos Autores terem recusado a cessão do vínculo laboral para o operador privado vencedor do concurso público internacional Everjets-Aviação Executiva, S.A. não lhes permita reclamar a compensação por falta de aviso prévio pois, que essa indemnização não se circunscreve, nem pode circunscrever à compensação consagrada no ponto 5 do artigo 346º do C.T., que o que está expressamente fixado é o direito à indemnização por extinção da EMA, pelo que se aplica o disposto no artigo 346º do C.T., na sua integralidade, incluindo o disposto no nº 3, e que uma pessoa medianamente instruída e prudente, na posição do real declaratário, perante o caso concreto dos Recorrentes, e com base em todo o seu circunstancialismo, interpretaria de igual forma aquela cláusula que fixa a indemnização nos termos do disposto no art.346º do C.T.em razão da extinção da EMA.

   Ora, a extinção da pessoa colectiva empregadora - EMA, S.A., conforme já vimos, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 346º do CT, teria como efeito fazer caducar, de imediato, os contratos de trabalho dos Autores.

    E como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção de 3.12.2008, in www.dgsi.pt “A caducidade é a cessação do contrato em virtude da ocorrência de um facto a que a lei associa a extinção da relação contratual. A extinção verifica-se automaticamente, por força da lei, independentemente da vontade das partes.”

Assim, face ao disposto no nº 2 do artigo 346º do CT, a caducidade verifica-se no momento da extinção, sendo que o facto determinante da caducidade é a própria extinção.

  Ora, de acordo com o nº 2 do artigo 160º do Código das Sociedades Comerciais, “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos artigos 162.º a 164.º, pelo registo do encerramento da liquidação.”

  À data dos acordos de cedência de interesse público e de acordo com o seu teor, a EMA, S.A. ainda estava em liquidação cujo termo estava previsto para o dia 31 de Outubro de 2014, o que significa que a EMA, ainda não se podia considerar extinta, nem tinham caducado os contratos dos Autores, pelo que se impõe acompanhar o entendimento do Tribunal a quo quando conclui que os contratos de trabalho não caducaram por força da extinção da EMA, S.A. 

            Acresce que, atento o disposto no nº 1 do artigo 241º da Lei nº 35/2014 de 20 de Junho (Lei Geral em Funções Públicas), no acordo de cedência de interesse público mantém-se o vínculo inicial.

  E são os próprios Autores que no artigo 28º da petição inicial, referindo-se aos acordos de cedência, alegam que: Acordo que os Autores acabaram por assinar, de modo a evitar a imediata caducidade dos seus contratos de trabalho conforme documento nº…uma vez que”, reconhecendo, assim, que a caducidade dos seus contratos não operou de imediato.

  Por outro lado, o ponto 2 da cláusula 3ª dos acordos de cedência por interesse público que dispõe “O termo da cedência de interesse público, sem que se verifique a cedência de posição contratual dos contratos de trabalho nos termos do número anterior, confere ao Terceiro Contraente o direito a ser indemnizado nos termos do artigo 346º do Código do Trabalho, em razão da extinção da EMA”, não contraria esta conclusão.

   Na verdade, o que se extrai desta cláusula é que as partes acordaram que, no caso de não haver cessão da posição contratual no termo da cedência de interesse público, como não houve, porque os Autores a recusaram, o termo desta conferiria aos Autores uma indemnização nos termos do artigo 346º do CT, em virtude da extinção da EMA e não por força do termo da cedência de interesse público.

Contudo, contrariamente ao que referem os Recorrentes, as partes não acordaram expressamente que essa indemnização integraria, para além da compensação, a que alude o nº 5 do artigo 346º, a indemnização por falta de aviso prévio.

  Com efeito, o texto dos acordos de cedência por interesse público, limita-se a conferir aos autores o direito à indemnização nos termos do artigo 346º do CT.

E isso não permite extrapolar para o alegado direito à indemnização por falta de aviso prévio posto que tratando-se de extinção de pessoa colectiva como é o caso, a indemnização ou compensação pela caducidade do contrato é calculada nos termos do artigo 366º do CT.

    Acresce que a indemnização prevista no artigo 346º é a do seu nº 5, não prevendo os restantes números outra indemnização que não esta; o nº 3 do artigo 346º não prevê uma indemnização, mas a obrigatoriedade de ser seguido o procedimento previsto nos artigos 360º e seguintes do CT, pelo que a consequência do seu incumprimento terá de ser encontrada no conjunto dessas normas, no caso, no artigo 363º nº 4 do CT e não no artigo 346º do CT.

            Consequentemente, não merece reparo a decisão recorrida ao considerar que aos Autores não assiste o direito à indemnização por falta de aviso prévio mas, tão só, o direito à compensação a que alude o nº 5 do artigo 346º do CT e que, conforme decorre dos factos provados, já foi paga improcedendo, assim, o recurso.


*

            Por último, vejamos a questão suscitada pelo Recorrido nas contra-alegações e que consiste em saber se os Autores actuaram com abuso do direito.

            A este propósito invoca o Recorrido que os recorrentes nunca se dignam referir que, com o processo de extinção e de liquidação da EMA e a celebração de acordos de cedência de interesse público lhes foi conferida a possibilidade de integração nos quadros de pessoal do operador de meios aéreos vencedor do referido concurso público internacional com a manutenção do respectivo vínculo contratual, bem como as suas categorias profissionais, antiguidade e os seus estatutos remuneratórios, incluindo remuneração base e suplementos, havendo, por isso, de concluir que, por não terem optado pela reintegração nos quadros do operador privado nos referidos termos mas sim pela rescisão dos seus contratos de trabalho, a pretensão de lhes ser reconhecido direito à compensação por ausência de aviso prévio consubstancia ainda um verdadeiro abuso de direito nos termos do artigo 334.º do Código Civil, por exceder os limites impostos pela boa fé.

            Vejamos:

            De acordo com o artigo 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

  Em anotação a esta norma escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol.I, pag. 296

            A concepção adoptada de abuso do direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício, os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites.

            Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no artigo 334º, sejam alheios factores subjectivos, como por exemplo a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, quer para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para se decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito”

            Por pertinente, transcreve-se o que sobre esta figura se refere no Acórdão do STJ de 5 de Junho de 2016:

   “Porque o Código Civil vigente consagrou a concepção objectivista do abuso de direito, não se exige, por parte do titular do direito, a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, bastando que, objectivamente, esses limites tenham sido excedidos de forma manifesta e grave – cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 5.5.2015, Procº 3820/07.1TVLSB.L2lS1, in www.dgsi.pt.

   Consagra-se, como se afirma no acórdão deste Supremo Tribunal que passaremos a citar, de 9.9.2015, Pº nº 499/12.2TTVCT.G1.S1, neste dispositivo um princípio fundamental da ordem jurídica, qual seja o de que o exercício dos direitos tem limites, pelo que a titularidade de um direito não confere um complexo de poderes absolutos inerente ao seu exercício.

    Por um lado, o exercício dos direitos está limitado pela boa fé e pelos bons costumes, e, por outro lado, pelas finalidades de natureza económica e social subjacentes à conformação desse direito.

   Deste modo, «o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico, pelo que «os sujeitos de determinada relação jurídica devem agir como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuírem, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica» ( cf. Ac. do STJ, de 15.12.2011, Pº 2/08.9TTLMG.P1.S1).

   Assim, «serão excedidos limites impostos pela boa fé, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objetivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito», e «outro tanto se poderá dizer dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta no meio social onde se mostram integradas»[14].

            De acordo com VAZ SERRA, Abuso do Direito (em Matéria de Responsabilidade Civil”, Boletim do Ministério da Justiça, nº 85, Abril de 1959, p. 253, «há abuso do direito quando o direito, legítimo (razoável) em princípio, é exercido, em determinado caso, de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante; e a consequência é a do titular do direito ser tratado como se não tivesse direito ou a de contra ele se admitir um direito de indemnização baseado em facto ilícito contratual», e de acordo com o mesmo autor, quanto a saber quando haveria «ofensa clamorosa do sentimento jurídico», existiriam duas orientações fundamentais: «a subjetiva, segundo a qual há abuso quando o direito é utilizado com o propósito exclusivo de prejudicar outrem (ato emulativo); a objetiva, segundo a qual o abuso se manifesta, objetivamente, na grave oposição à função social do direito, no facto de se exceder o uso normal do direito ou em circunstâncias mais ou menos equivalentes»[15].

   De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, 3ª edição, 1982, p. 297, «para determinar os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes, há que atender de modo especial às concepções ético-jurídicas dominantes na coletividade» e no que respeita «ao fim social ou económico do direito, deverão considerar-se os juízos de valor positivamente consagrados na lei»[16].

    Ainda segundo estes autores, «a nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito o do contexto em que ele deve ser exercido», ibidem, citando Castanheira Neves – Questão de Direito, I, pp. 513 e ss.

            Na síntese do acórdão desta Secção, de 15 de Dezembro de 2011, proferido na revista n.º 2/08.9TTLMG.P1S1, poderá dizer-se que «existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado».”

  Ora, de entre os possíveis casos de abuso do direito (exceptio doli, venire contra factum proprium inalegabilidade de nulidades formais, supressio e surrectio, o desequilíbrio no exercício jurídico), a que se alude no Acórdão deste Tribunal e Secção proferido em 2.11.2016, no Processo nº 19836/15.1T8LSB.L1 em que a ora relatora interveio como 1ª adjunta, certamente, que o Recorrido pretendeu avocar o abuso do direito na vertente do venire contra factum próprio.

  Ora, conforme se escreve no citado Acórdão, “O venire contra factum proprium traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente: o comportamento que tenha imprimido confiança aos sujeitos envolvidos ficará de pé. Os seus pressupostos passam por:

   a) situação de confiança, justificada pela boa fé, que levam uma pessoa a acreditar, estavelmente, em conduta alheia – no factum proprium – determinante da aquisição de posição jurídica;

             b) investimento dessa confiança como orientação de vida, desenvolvendo actividade na crença do factum proprium, actividade que se vê agora destruída pelo venire, com o correlativo regresso à situação anterior;

            c) imputação da situação criada à outra parte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma prevista pela lei ou ter-se assistido à execução do contrato através de situações que se arrastaram no tempo e pacificamente” – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.2.98, BMJ, 474-431 e ss.”

  Ora, analisando o caso dos Autores, facilmente se constata não estarmos perante um abuso de direito na referida vertente.

    Com efeito, não obstante estar prevista a integração dos Autores na empresa vencedora do concurso público internacional, mediante cedência da posição contratual, o que não sucedeu porque estes a recusaram, a verdade é que o pedido que formulam relativamente à indemnização por falta de aviso prévio, assenta na interpretação que fazem do ponto 2 da cláusula 3ª dos Acordos de cedência e que, em seu entender, determinaria a aplicação do disposto nos nºs 2, 3 e 5 do artigo 346º do Código do Trabalho, caso não se verificasse essa integração, como não se verificou.

  Acresce que a não opção pela integração na empresa vencedora do concurso, não é, em si, incompatível com o pedido de indemnização por falta de aviso prévio.

            Porque assim, não vemos que o exercício do alegado direito dos Autores constitua uma “clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante” mas, tão só, o exercício de um direito, que, contrariamente ao que defendem, não tem fundamentação legal que o sustente, não constituindo, assim, abuso do direito.

  Em consequência, do exposto, terá de ser julgado improcedente o recurso dos Autores e mantido o saneador/sentença que conheceu dos pedidos de indemnização por falta de aviso prévio.

            Face ao disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas dos recursos são da responsabilidade dos respectivos recorrentes.

            Decisão

            Em face do exposto acorda-se em:

   1- Julgar improcedente o recurso interposto pelo Estado Português do despacho que julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição dos créditos laborais e confirmar o despacho recorrido.

            2- Julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores do despacho/saneador sentença que julgou improcedentes os pedidos de indemnização por falta de aviso prévio e confirmar a decisão recorrida.

            Custas dos recursos pelos respectivos recorrentes.

            Lisboa, 14 de Junho de 2017

                        Maria Celina de Jesus de Nóbrega

                        Paula de Jesus Jorge dos Santos

                        Maria João Romba