Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1119/16.1PTLSB.L1-3
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
FALTA DE CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE
CONVENÇÃO DE ISTAMBUL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1– A atenuação da pena prevista no artigo 17º nº2 do C.Penal não é aplicável quando a conduta criminal atenta contra valores fundamentais da ética social, constitucionalmente consagrados e protegidos pelo Direito Internacional.

2– A conduta do Arguido que atentou gravemente contra o valor da dignidade da pessoa humana e da proibição de inflição de tratos cruéis e degradantes, consagrados nos artigos 1º e 25º da C.R.P., e que violou de forma séria e profunda os valores protegidos pelos artigos 1º, 4º e 12º da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, vulgo Convenção de Istambul, não pode ser recompensada com uma atenuação especial da pena, face à relevância na ordem jurídica nacional e internacional daqueles normativos.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 3ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa.



IRelatório:


Por Sentença proferida nestes Autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular, foram julgadas procedentes e provadas as Acusações pública e particular que imputavam ao Arguido J.G.S. a autoria material de um crime de violência doméstica, do artigo 152º nº 1 al. b) e 2 do Código Penal.

Tendo o Arguido sido condenado e fixada uma pena principal de 2 anos e 6 meses de prisão e uma pena acessória de proibição de contacto com a assistente, incluindo o afastamento da sua residência e do seu local de trabalho, pelo mesmo período de 2 anos e 6 meses.

Foi julgado procedente, por provado, ainda, o pedido de indemnização cível deduzido pela Assistente e, consequentemente, condenado o Arguido a pagar-lhe a quantia de €3.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva vigente desde a data da notificação do pedido e até ao integral e efetivo pagamento.

II– 
Inconformado com esta decisão, o Arguido veio interpor recurso. Da respetiva Motivação retirou as seguintes “Conclusões”:

1.– O Mº.Pº. acusou para julgamento, o arguido J.G.S. pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código Penal (CP).
2.– Realizado o julgamento, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material de um crime de violência doméstica (agravado), previsto e punível pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b), 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena principal de 2 (dois) anos e 6 (seis) messe de prisão e na pena acessória de proibição de contacto com a assistente, incluindo o afastamento da sua residência e do seu local de trabalho, pelo mesmo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
3.– O Tribunal recorrido, para a condenação do recorrente, sustenta a sua fundamentação na matéria factual dada como provada nomeadamente que o arguido agiu sempre com a intenção de molestar psicologicamente a assistente e de a perturbar nos seus sentimentos de liberdade e segurança, pretendia intimidá-la, que agiu sempre com propósito de causar medo e receio na assistente, até pela sua própria vida, que não se absteve de praticar algumas das descritas condutas na presença da filha do casal, B., agindo sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo sendo tais condutas proibidas por lei.
4.– Militou ainda para a delimitação da medida da pena (principal) o facto de o arguido ter sido condenado, em 10 de janeiro de 2016, pela prática de um crime de violência doméstica perpetrado também na pessoa da aqui assistente, no processo 1393/14.8PTLSB, na pena de três anos suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento da obrigação de frequentar e concluir um programa para agressores em espaço doméstico sob a supervisão da DGRSP.
5.– Não obstante entende o arguido, ora Recorrente que a pena (principal) que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada,
6.– Porquanto o Tribunal recorrido desconsiderou a confissão da prática de factos matérias, telefonemas para a assistente, deslocação à residência dos pais desta, deslocações ao local de trabalho daquela concretamente, no dia 05 de Setembro,
7.– Desconsiderou o arrependimento e vontade manifestada em reparar a suas atitudes e tomar um novo rumo de vida,
E
8.– Levou a cabo uma interpretação redutora dos relatórios de avaliação elaborados pela DGRSP, na parte que estes evidenciam por parte do arguido, défices de auto critica quanto aos factos que lhe são imputados, dificuldade de valorização do bem jurídico em causa, dificuldade de reconhecimento dos danos que causou na pessoa da ofendida, evidencias de ideação paranóide, distorções cognitivas, desorganização pessoal que parecem toldar ao recorrente a capacidade de auto–crítica tudo de tal forma evidente que o mesmo relatório aponta para a possibilidade de existir uma correlação entre o seu estado emocional e adopção de comportamentos agressivos.
9.– Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.° do Código Penal.
10.– A determinação da medida da pena, dentro dos limites da lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (arts. 71º, nº1 e 40º, nº 2, do CP).
11.– Na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, n.º 2, do CP, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que, a título exemplificativo, estão enumeradas naquele preceito. Por outro lado, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40º, n.º 1, do CP).
12.– No plano da prevenção geral (positiva) faz–se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e ao restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados. Já pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
13.– A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa, pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.
14.– Importa ponderar as circunstâncias gerais agravativas e atenuativas a considerar, que em nossa modesta opinião foram incorrectamente consideradas para a delimitação da medida da pena com que o Tribunal a quo veio a condenar o recorrente.
15.– Não obstante toda a prova produzida em audiência de julgamento, a mesma parece não ter sido concatenada coma prova analisada em julgamento concretamente, o relatório elaborado pela DGRSP com referência a 07 de junho de 2017, para aferir da culpa do recorrente e finalmente da medida da pena.
16.– Pois do relatório resulta desde logo que o recorrente foi confrontado com episódios de agressão no seio familiar, que o mesmo desvaloriza enquanto prática socialmente aceitável.
17.– Estamos convictos este episódio condiciona o seu posicionamento com o sexo oposto, desvirtua a forma como vê o relacionamento conjugal, de caris autoritário e com sentimento de posse, e condiciona fortemente a capacidade de aferição do desvalor de tais actos, quer conexos ou semelhantes (a agressão não é só física evidentemente, em grande parte dos fenómenos de violência doméstica é emocional, verbal e psicológica).
18.– Estamos em crer que esta vivência em concreto moldou o caracter do recorrente e que tem claras consequências na forma como se passou a relacionar com a mãe da sua filha. De realçar que o fim da relação conjugal foi imposta pela assistente, não foi aceite pelo recorrente, e dela o mesmo ainda não se encontra desvinculado.
19.– O mesmo relatório revela ter este sentimento de posse de desconfiança e de ciúme em relação à ex-cônjuge, e justifica que aquele apresente uma visão que traduz uma atitude de minimização da violência quer em termos de frequência quer em termos de serenidade da mesma.
20.– O Relatório deixa claro que o recorrente, apresenta um comportamento disforme no relacionamento com pessoas do sexo oposto, concretamente com quem cria laços de afinidade que colocam aquelas em perigo e o recorrente perante a possibilidade forte de comissão de ilícitos como aqueles por que foi condenado num primeiro julgamento e que em termos genéricos se encontram replicados na sentença de que ora se recorre.
21.– Infere-se do relatório que o recorrente apresenta um défice elevado de preparação para manter uma conduta lícita, no que à comissão de um crime desta natureza diz respeito, bem entendido.
22.– É nosso entendimento, face ao ora exposto que o tribunal a quo na determinação da medida da pena não ponderou esta circunstância (atenuante) em concreto - défice elevado de preparação para manter uma conduta lícita – facto que parcialmente contribuiu para a incorrecta determinação que desta faz.
23.– Por outro lado, o tribunal a quo na fundamentação de direito da sentença de que ora se recorre conclui que “o modo de execução dos factos e as suas consequências lesivas, não revestem, em termos relativos, especial gravidade”, (bold e sublinhado nosso).
24.– Mas esta convicção não se encontra reflectida na exacta determinação da medida da pena.
25.– Apesar de os factos terem ocorrido na sua maioria durante o dia, na presença de terceiros, maioritariamente no local de trabalho, fortemente frequentado por clientes como melhor se alcança da prova testemunhal da acusação e muito por meio de contacto telefónico – telefonemas para o telefone fixo e telemóvel da assistente.
26.– E da prova testemunhal alcançada em audiência de julgamento resultar que o recorrente nunca teve um plano para ligar, falar ou aproximar – se da assistente em local ermo, isolado ou mesmo na residência deste.
27.– Pelo contrário, da prova resulta que o recorrente agiu sempre de forma perfeitamente casuística e sem premeditação.
28.– E resultar ainda da prova alcançada em audiência de julgamento, concretamente da prova dada como não provada em sede do pedido de indemnização civil, que a assistente não padeceu de qualquer alteração grave do seu estado emocional ou psicológico de tal forma que a tenha incapacitado para o trabalho, para a realização das sua vida pessoal ou mesmo que se tenha sentido, em consequência dos factos praticados pelo recorrente, ter de recorrer a tratamento médico.
29.– Neste particular diga-se que a assistente, à data dos factos, se fazia acompanhar do dispositivo de emergência fornecido no âmbito do processo pelo qual o recorrente já havia sido condenado, não tendo contudo sido necessidade de a ele recorrer no período dos cerca de quatro meses que durou o comportamento do recorrido.
30.– Por tudo isto é nosso entendimento que o tribunal a quo na determinação da medida da pena não ponderou esta circunstância (atenuante) em concreto - modo de execução, a e gravidade das consequências, – facto que parcialmente contribuiu para a incorrecta determinação que desta faz.
31.– Resulta ainda do relatório a que se faz referência, que o recorrente tem comparecido na DGRSP de forma assídua, exibe uma atitude colaborante mas porque, estando a “frequentar” a primeira fase do programa para agressores de violência doméstica, de estabilização e motivação para a mudança, são ainda detectados constrangimentos ao nível de eventuais transferências das eventuais competências já adquiridas para uma efectiva alteração comportamental atendendo ao tempo que medeia entre uma primeira condenação e o cometimento dos factos pelos quais foi posteriormente julgado.
32.– Significa isto em nossa modesta opinião que o recorrente ainda não adquiriu em resultado da recente frequência no curso, “ferramentas” comportamentais, emotivas e de auto - estima que lhe permitam ter uma percepção clara sobre o desvalor dos seus actos e a motivação idealizada para a sua prática.
33.– O recorrente denota, como se infere do relatório sentimento e tristeza e vulnerabilidade psicológica causados pelo afastamento da assistente.
34.– Este facto associado aos défices de auto critica quanto às circunstâncias da comissão dos factos, à adopção de discurso de negação extrema das agressões verbas que lhe são imputadas, motiva a que a Técnica autora do relatório afirme que existem duvidas quanto à valorização que o recorrente faz do bem jurídico e do reconhecimento do dano causado.
35.– O recorrente é descrito como uma pessoa vulnerável, instável, desorganizada, com índices paranóicos e de destorção cognitiva. Estas vulnerabilidades psicológicas, emocionais e comportamentais, tolhem ao recorrente o critério sobre a ilicitude dos factos praticados, associado ao facto de os mesmo se apresentarem para o recorrente como uma atitude que se limita a replicar da vivência que teve na adolescência e juventude, dentro do seio familiar.
36.– Na determinação da medida da pena, o tribunal a quo, desconsiderou esta avaliação psicológica (negativa) que resulta do relatório, e por consequência, valorizou de forma elevada o grau de ilicitude dos factos praticados e não teve em linha de conta as motivações (ainda que idealizadas e reprováveis) do recorrente.
37.– Se é verdade que o fundamento legitimador da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial e que a culpa do infractor desempenha o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar e se a convicção do tribunal a quo segundo é que - dos factos e as suas consequências lesivas, não revestem, em termos relativos, especial gravidade – condenar o recorrente a pena efectiva é inviabilizar a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
38.– Por tal motivo é nosso entendimento que o tribunal a quo na determinação da medida da pena não ponderou esta circunstância (atenuante) em concreto – consciência do recorrente do grau de ilicitude do facto e a motivação do agente, – facto que parcialmente contribuiu para a incorrecta determinação que desta faz.
39.– Como melhor resulta da sentença de que ora se recorre, o recorrente justifica a aproximação à assistente e as constantes comunicações telefónicas com esta, à necessidade de acompanhamento e proximidade com a filha menor B..
40.– O afastamento da B., que a rotura conjugal trouxe ao recorrente, é igualmente factor de alteração psicológica, emotiva e despoleta comportamentos reactivos de cariz agressivo. Bem sabemos que também não é o afastamento da filha, que justifica os factos comportamentais pelos quais foi acusado, mas é nossa convicção que o sentimento de abandono e de solidão, que muito claramente são valorados positivamente no relatório que temos vindo a analisar, têm forte repercussão no comportamento do recorrente concretamente, quando a menor se encontra na presença da progenitora e no que respeita aos telefonemas que foram estabelecidos com a assistente.
41.– O comportamento do recorrente evidenciado na presença da filha se mostra ajustado com as conclusões do relatório, ou seja, com a necessidade de acompanhamento do recorrente, com a importância de adquirir vivências de socialização, de atingir equilíbrio emocional e relacional.
42.– Neste particular, quanto à ponderação dos sentimentos manifestados no cometimento do crime, entendemos que o Tribunal recorrido não andou bem, ou ter desvalorizado de forma positiva a os sentimento de protecção que evidencia com a B., valorou de forma negativa a necessidade que invoca de pretender acompanhar a educação da filha, os seus estudos e de manter a proximidade a esta.
43.– O tribunal recorrido antes deu relevância ao desvalor das condutas, sendo certo que são reprováveis e passiveis de responsabilidade criminal, em detrimento de uma valoração objectiva aos sentimentos que o moveram, mas que face ao seu estado de fragilidade emocional, psíquica, motivacional e social, o conduziram, quanto ao objectivo, que diga –se, é nobre – de pai cuidador, extremoso , atento e interessado, por “caminhos” censuráveis acompanhados de actos integradores de um tipo criminal grave, mas de que estamos certos o recorrido, não tem capacidade nem discernimento para avaliar e valorar!
44.– Entendemos por tal motivo que o tribunal a quo na determinação da medida da pena não ponderou esta circunstância (atenuante) em concreto – sentimentos manifestados no cometimento do crime, – facto que parcialmente contribuiu para a incorrecta determinação que desta faz.
45.– O tribunal a quo condenou o arguido pela prática material de um crime de violência doméstica agravada, contudo face ao estado emocional e psicológico que consta do relatório técnico transcrito na sentença, é premente avaliar se este “quadro” pode e deve ser considerado para determinação de erro sobre as circunstâncias do facto, nos termos do art.º 16.º do C. Penal, com consequente exclusão do dolo, ou, pelo contrário, de um erro sobre a ilicitude, nos termos do art.º 17.º do C. Penal, tendo que se averiguar se lhe é ou não censurável.
46.– Se não for censurável não é punido, se for censurável o recorrente deve ser punido com a pena aplicável ao crime doloso, que pode ser especialmente atenuada, sendo esta última a posição pela qual se pugna. A questão a decidir é, no fundo, e não estando em causa a matéria de facto, a de se saber se, face ao direito vigente, a conduta do recorrente é ou não passível de censura penal.
47.– O direito penal prevê duas espécies de erro jurídico-penalmente relevante, com duas formas de relevância e diferentes efeitos sobre a responsabilidade do agente: uma exclui o dolo, ficando ressalvada a negligência nos termos gerais (artigo 16.º, do Código Penal); a outra, exclui a culpa, se for não censurável, constituindo causa de exclusão da culpa, mantendo-se a punição a título de dolo se for censurável, embora com pena especialmente atenuada (artigo 17.º, do Código Penal).
48.– Segundo Figueiredo Dias (in “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, pág. 503), :”o erro excluirá o dolo (a nível do tipo) sempre que determine uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor do ilícito e neste caso estamos perante uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento e que por isso, quando censurável, revela uma atitude interna de específico da culpa negligente, que em nossa modesta opinião não tem aplicabilidade no caso sub judice.
49.– No ensinamento do mesmo Autor “o erro fundamentará o dolo (da culpa) sempre que, detendo embora o agente todo o conhecimento razoavelmente indispensável àquela orientação, actua todavia em estado de erro sobre o carácter ilícito do facto e aqui estamos perante uma deficiência da própria consciência ética do agente, que lhe não permite apreender correctamente os valores jurídico- penais e que por isso, quando censurável, revela uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal e conforma paradigmaticamente o tipo específico da culpa dolosa”.
50. Esta concepção básica sobre o dolo do tipo, a consciência do ilícito e a culpa dolosa que está na base do regime constante dos artigos 16.º e 17.º, deve contudo ser compatibilizada com o que dispõe o art.º 16.º, n.º 1 do C. Penal com o que vem estatuído no art.º 17.º, n.º 2 do mesmo diploma.
51. É que enquanto o n.º 1 do art.º 16.º refere que “o erro sobre proibições cujo conhecimento seja razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto exclui o dolo”, o n.º 2 do art.º 17.º diz que se o erro sobre a ilicitude for censurável ao agente, “este será punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada”.
52. Em termos práticos significa que há proibições que o homem médio tem a obrigação de conhecer, são estas a generalidade das infracções prevista no C.P. sobretudo em crimes contra as  pessoas, e cujo conhecimento configura a “consciência da ilicitude”, cujo erro vem regulado no art.º 17.º do C. Penal; se estivermos perante um erro não censurável afasta a culpa, tendo o efeito de uma causa de exclusão da culpa, o que manifestamente não é o caso, mas se o erro for censurável, há culpa (culpa dolosa) e o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso, a qual pode ser especialmente atenuada, n.º 2 do mesmo artigo.
53. No caso sub judice sobre o qual temos vindo a discorrer, e considerando que o recorrente esteve exposto a alguns episódios de agressão verbal e física à sua mãe, perpetrados pelo progenitor, que delimitaram negativamente a sua personalidade, que denota sentimentos de tristeza e vulnerabilidade psicológica, que revela défices de autocritica em relação aos factos que lhe são imputados, que apresenta um quadro de desorganização pessoal pautado por ideação paranóide, que revela distorções cognitivas, que demonstra ter a capacidade de autocritica toldada, tudo ao ponto de ser considerada a possibilidade de existir uma correlação ente o seu estado emocional e a adopção de comportamentos agressivos, forçoso é concluir, na nossa opinião que estamos perante um erro sobre a ilicitude, nos termos do art.º 17.º do C. Penal, erro que lhe é censurável, mas cuja pena pode comportar especial atenuação.
54. Esta solução, em nosso entendimento em nada vem “beliscar” a dimensão da prevenção geral (positiva) que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão do recorrente na comissão de actos integradores do mesmo tipo de crime.
55. A imposição de medidas injuntivas de proibição de contacto pessoal e telefónico, controladas por dispositivo de vigilância, tudo acompanhado de regime de prova, seriam suficientes, por um lado, para salvaguardar a integridade pessoal, emocional, psicológica da assistente e por outro para garantir a “recuperação” emocional e psicológica do recorrente, mediante a sujeição compromissada a um acompanhamento médico especializado a par da manutenção do acompanhamento do plano individual de reabilitação social seguido pela DGRSP.
56. Assim, caso V. Exas. decidam pela manutenção da pena de prisão de 2 anos e 6 meses, permite o artº. 50º do C.P. suspende-la na sua execução se juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.
57. A suspensão da execução, pode e deve ser acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laborais e comportamental como factores de exclusão -(Ac. do STJ de 04-05-2005, proc. 05P1263, in www.dgsi.pt -.
TERMOS EM QUE DEVEM V. EXAS:

a)- UMA VEZ QUE O TRIBUNAL “A QUO” VIOLOU OS ARTºS. 40º Nº 1 E 71º DO C.P. APLICANDO UMA PENA DE PRISÃO DESAJUSTADA, DEVEM V.EXAS. REVOGAR TAL DECISÃO, APLICANDO UMA PENA SUSPENÇA NA SUA EXECUÇÃO;
b)- CONDENAR O ARGUIDO NA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONTACTO PESSOAL E TELEFÓNICO COM A ASSISTENTE MEDIANTE O CONTROLO A VIDEOVIGILANCIA;
CONDENAR O ARGUIDO AO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE CONCLUIR O PROGRAMA PARA AGRESSORES EM ESPAÇO DOMÉSTICO SOB A SUPERVISÃO DA DGRSP  MEDIANTE  REGIME DE PROVA;
c)- REVOGAR DE IMEDIATO A SUSPENSÃO DA PENA EFECTIVA DE PRISÃO EM QUALQUER CIRCUSTÂNCIA DE INCUMPRIMENTO, TUDO NO PERIODO DE DOIS ANOS E SEIS  MESES. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!

III
Nas suas respostas, a Digna Magistrada do Ministério Público (1) e a Assistente (2) articularam as seguintes Conclusões:
1.
1. Por tudo o que ficou exposto consideramos que a sentença, está de acordo com os factos que foram dados como provados e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
2. Provou-se nos autos que a acção do arguido durante um lapso de tempo significativo, efetuou numerosos telefonemas através dos quais insultou, ameaçou e intimidou a assistente, bastas vezes na presença da filha do casal.
3. A criminalização destas condutas inseridas na chamada "violência doméstica" e consequente responsabilização penal dos seus agentes, resulta da progressiva consciencialização da sua gravidade individual e social, sendo imperioso prevenir as condutas de quem, a coberto duma pretensa impunidade resultante da ausência de testemunhas presenciais, inflige ao cônjuge ou a menor, maus tratos físicos ou psíquicos.
4. Neste tipo de criminalidade as declarações das vítimas merecem uma ponderada valorização, uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos, ocorrem normalmente dentro do domicílio, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida privada de outrem.
5. Estamos perante um largo espectro de condutas ilícitas que só agora começaram a deixar de ser silenciadas e que, apesar de apontada consciencialização da sua gravidade, raramente chegam a julgamento face à ausência de prova testemunhal, desvalorizando-se o restante acervo indiciário, desvalorização essa que, nestes casos específicos de violência doméstica é manifestamente excessiva por conduzir a situações de impunidade.
6. Assim, o tipo legal de crime de violência doméstica visa proteger a pessoa individual e a sua dignidade humana.
7. O seu âmbito punitivo abarca os comportamentos que, de forma reiterada ou não, lesam a referida dignidade.
8. O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida esta enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo ser afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa e/ou afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge.
9. Por outro lado, concorda-se integralmente com a opção pela pena de prisão suspensa na sua execução de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e na pena acessória de proibição de contacto com a assistente, incluindo o afastamento da sua residência e do seu local de trabalho, pelo mesmo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, e no seu quantitativo que é feito na douta sentença, com os fundamentos constantes da mesma.
10. Deve, assim, ser nestes termos mantida a douta sentença.
No entanto Vossas Excelências melhor farão Justiça

2.
1) Como o próprio Recorrente indica em sede de Alegações, o Recurso visa apenas a aplicação da medida da pena e, sem prejuízo das considerações que faz ao longo das suas Alegações sobre a sua discordância da apreciação que foi feita da prova produzida, deve ser apenas e só esse o objecto do Recurso;
2) Por tudo quanto se expôs, é de considerar que a sentença proferida está de acordo com os factos que foram dados como provados e, ainda, de acordo com o princípio geral da livre apreciação da prova;
3) Todos os elementos de prova (seja testemunhal seja documental) foram plenamente apreciados de acordo com as regras processuais e de direito que cabem ao caso;
4) A douta sentença do Tribunal a quo encontra-se devidamente motivada e justificada, não sendo violadora de qualquer preceito legal;
5) Foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo as necessidades de punição e de prevenção necessárias face ao crime em apreço e bem assim face aos factos concretos que levaram à punição do Arguido-Recorrente;
6) Concorda-se integralmente com a opção pela pena de prisão efectiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e na pena acessória de proibição de contacto com a assistente, incluindo o afastamento da sua residência e do seu local de trabalho pelo mesmo período, e no seu quantitativo que é feito na douta sentença, com os fundamentos constantes da mesma.
7) Deve, assim, ser mantida na íntegra a douta sentença,
Contudo, VOSSAS EXCELÊNCIA FARÃO A COSTUMADA E MELHOR JUSTIÇA.

IV
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios Autos e com efeito suspensivo. – cfr. fls.69.

V
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.417º nº2 do CPP.

VI
Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

É do seguinte teor a decisão recorrida:

1. FACTOS PROVADOS

1.1. Da acusação e do pedido de indemnização civil
O arguido manteve uma relação análoga à dos cônjuges com a assistente G.C.B. e, durante cerca de 12 anos, residiram na Rua …………….., em Lisboa.
Dessa relação nasceu B., em 22 de fevereiro de 2004.
Não suportando mais a convivência com o arguido, G.C.B. e a sua filha passaram a residir em casa dos seus pais, sita na Aª ……………., em Lisboa, a partir do mês de janeiro de 2015.
O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica, perpetrado também na pessoa da ora assistente, noutro processo (1393/14.8PTLSB), na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento da obrigação de frequentar e concluir um programa para agressores em espaço doméstico sob supervisão da DGRSP.
Foi ainda condenado a pagar à aqui assistente uma indemnização no valor de €3.000,00.
Após o trânsito em julgado da referida condenação, a 10-01-2016, e iniciada a execução da pena ali imposta, o arguido, pelos menos nos meses de junho a setembro de 2016, através do seu telemóvel com o n.º 9……….8, ligou várias e sucessivas vezes para o telemóvel da assistente, com o n.º 9………..0, bem como para o telefone fixo do estabelecimento onde esta labora.
No decurso dessas chamadas telefónicas, que ocorriam, em média, três a quatro vezes por semana, o arguido dirigiu amiúde à assistente, entre outras, as seguintes expressões: «vou-te matar, vou rebentar com o teu café [com efeito, a assistente explora um café], és uma puta, és uma vaca, tu não prestas, não vais ver a tua filha crescer, vou falar com o meu irmão para ficar com a custódia da menina, andas com traficantes».

Em data não concretamente apurada, mas no decurso do mês de junho de 2016, pelas 20h00, o arguido deslocou-se à residência dos pais da assistente, onde esta então vivia, sita na Rua ……………….., em Lisboa, sob o pretexto de ver a filha de ambos.

Interpelada, a assistente comunicou ao arguido que a filha não estava em casa, mas sim no Algarve, com uns amigos seus.
O arguido retorquiu-lhe, então, que «ia fazer queixa à esquadra» e que a matava. Durante os meses de julho e agosto de 2016, o arguido dirigiu-se várias vezes e a diferentes horas ao local de trabalho da assistente, o estabelecimento comercial denominado L…M…, sito na Rua …………. em Lisboa.
Nalgumas vezes, o arguido limitou-se a passar no seu veículo automóvel à frente do estabelecimento, olhando ostensivamente para o interior do mesmo.
Pelo menos numa ocasião, o arguido escondeu-se nas imediações, com o intuito de controlar os movimentos da assistente e com quem esta falava.
Noutras ocasiões, o arguido apeou-se e aproximou-se da entrada do estabelecimento, de onde dirigiu à assistente as seguintes expressões: «és uma puta, grande puta, és a maior puta do mundo, quando te apanhar a jeito mato-te».
Foi o que sucedeu nomeadamente no dia 11 de agosto de 2016, pelas 07h00, em que o arguido se deslocou ao local de trabalho da assistente, onde esta se encontrava, e da porta do café dirigiu-lhe as supracitadas expressões.
Tal comportamento do arguido só cessou quando a assistente lhe disse que ia chamar a polícia.
Entre os dias 11 e 18 de agosto de 2016, o arguido deslocou-se diariamente ao local de trabalho da assistente com a filha de ambos, que nessa data passava férias com o pai, e dirigiu à assistente as seguintes expressões: «és uma puta, és uma vaca, vou-te matar, não vais ver a tua filha crescer, vou informar o tribunal das tuas companhias para te tirarem a custódia da B.».
No dia 5 de setembro de 2016, o arguido deslocou-se novamente ao local de trabalho da assistente e dirigiu-lhe as seguintes expressões: «vou-te matar sua vaca, sua puta».

Ao longo do tempo, o arguido agiu sempre com a intenção de molestar psicologicamente a assistente e de a perturbar nos seus sentimentos de liberdade e segurança, o que conseguiu.

Mais pretendia intimidá-la, como efetivamente sucedeu.

O arguido agiu, ainda, com o propósito de causar medo e receio na assistente até pela sua própria vida.

O arguido não se absteve de praticar algumas das descritas condutas na presença da filha do casal, B. .

Em tudo agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo serem tais condutas proibidas e puníveis por Lei.

Mercê dos comportamentos descritos do arguido, a assistente sentiu-se publicamente humilhada e perturbada, receando pela sua vida e pelo seu bem-estar, físico e psicológico.

Sentimentos e emoções que perduram até ao presente.

1.2.Da contestação
Durante o período das férias de Verão de 2016 o arguido por diversas vezes instou a assistente sobre o paradeiro da filha de ambos.
Deslocou-se algumas vezes a casa dos pais da assistente.


1.3. Da instrução e discussão da causa (artigos 339.°, n.º 4, 2.a parte, e 368°, n.º 2, 2.a parte do proémio, do Código de Processo Penal):

Na douta Sentença proferida no processo 1393/14.8PTLSB consideraram-se provados os seguintes factos:
Depois do nascimento da filha a relação do casal sempre se pautou por frequentes discussões designadamente por questões monetárias e devido ao facto de o arguido chegar a casa diversas vezes embriagado.
Até engravidar G.C.B. entregava ao arguido mensalmente todo o seu ordenado do modo a evitar mais discussões.
A partir do momento em que engravidou e em que passou a ficar com o seu ordenado, o arguido começou a dirigir a G.C.B. frequentemente expressões como «puta, vaca, vai para o caralho, andas com todos e mais algum, és uma ordinária, vaca de merda, não prestas, eu dou cabo de ti, eu mato-te, eu dou-te um tiro».
No dia 7 de dezembro de 2014, cerca das 10h30, quando se encontravam no interior do seu quarto com a filha menor, o arguido desferiu duas bofetadas na face de G.C.B., ao mesmo tempo que lhe disse o seguinte: «és uma vaca, uma puta, não prestas para nada, não serves para nada, andas com uns e com outros».
Não suportando mais a convivência com o arguido, G.C.B. e a sua filha passaram a residir em casa dos seus pais, sita na avenida …………………. em Lisboa, a partir do mês de janeiro de 2015.
Poucos dias depois o arguido encontrou G.C.B. na Alameda ……………. e na sequência de discussão por motivos não apurados o arguido gritou-lhe o seguinte: «podes ir à polícia que eu não tenho medo nenhum, vaca, puta, eu vou dar cabo de ti, deves ter outro, se eu descubro o outro eu mato-vos aos dois, dou-vos um tiro, destruíste-me vaca do caralho».
E atingiu-a com uma chapada na cara.
No dia 10 de fevereiro de 2015, cerca das 07h o arguido deslocou­-se ao estabelecimento comercial L….M….., sito na Rua …………………. em Lisboa local de trabalho de G.C.B.   .
Aí chegado o arguido disse-lhe: «és uma puta, vais ser uma miserável, roubaste a minha filha de mim, senão voltares vais ver o que eu te faço puta do caralho».
Devido aos fatos acima descritos G.C.B. sofreu dores nas partes do corpo atingidas, sentiu vergonha, medo e intranquilidade, e ficou convencida de que o arguido concretizaria os factos que lhe anunciava desde que se proporcionasse ocasião para tanto.
O arguido agiu sempre com o propósito conseguido de amedrontar e agredir física e psicologicamente G.C.B., fazendo-a temer pela sua integridade física e pela sua vida e de lhe causar, como efetivamente causou, dores, humilhação e sofrimento, bem sabendo que as suas condutas eram adequadas a provocar tais resultados.
Com base em entrevista com o arguido; contacto telefónico estabelecido com a assistente; consulta do dossiê individual existente na DGRSP e na consulta de informação disponibilizada pelo Núcleo de Informações da Polícia de Segurança Pública, apurou a DGRSP o seguinte (com referência a 07-06-2017):
Ao nível da dinâmica afetiva relacional com os progenitores J.G.S.  aponta a coesão familiar existente e destaca o papel educativo o progenitor enquanto elemento disciplinador no seu processo educativo e desenvolvimental [sic].
Conforme verbalizado pelo arguido terão ocorrido a alguns episódios de agressão verbal e física à sua mãe perpetrados pelo progenitor no entanto tende a minimizar tal comportamento legitimando enquanto prática socialmente aceitável num período de acentuada diferenciação social dos papéis de género.
Do seu percurso escolar realça-se o fraco investimento de J.G.S.  no prosseguimento de estudos, alegadamente por falta de motivação, tendo o arguido registado uma retenção e abandonado a escola após obtenção do 6.° ano de escolaridade.
Em termos profissionais o arguido realizou diversos trabalhos agrícolas, tais como apanha da azeitona e vindimas no período entre os 12 e os 15 anos, após o qual se deslocou para o Algarve para desempenhar funções indiferenciadas na área da construção civil, atividade que manteve até ao momento. Deste modo o percurso profissional do arguido foi pautado pela continuidade, beneficiando de vínculos contratuais estáveis e economicamente satisfatórios.
Em termos afetivos, o arguido após ter mantido alguns relacionamentos amorosos anteriores, encetou aos 34 anos uma união de facto com a ex-companheira a qual teve a duração de 12 anos e da qual resultou uma filha atualmente com 13 anos de idade.
À data dos alegados factos do presente processo judicial, o arguido encontrava-se separado da alegada ofendida desde 2015, situação que mantém até ao momento presente, encontrando-se a residir sozinho numa habitação adquirida via empréstimo bancário a qual constitui um encargo mensal de €326,00 por mês. A condição económica do arguido surgia descrita como equilibrada porquanto se mantinha integrado laboralmente numa empresa inscrita no setor da construção civil, dispondo de vínculo contratual.
[ ... ]
[O arguido] revela ainda de ter sentimentos de posse, de desconfiança e de ciúme desrealizado [sic] em relação [à assistente]. Tais comportamentos terão sido intensificados aquando da rutura do relacionamento, por opção da ofendida, situação que não foi aceite de forma pacífica arguido.
Relativamente à dinâmica relacional importa aludir à diferença de perceção revelada no autorrelato de J.G.S.. Este apresenta uma visão que traduz uma atitude de minimização e negação da alegada violência quer em termos de frequência quer em termos severidade da mesma. Adicionalmente reitera e tende a justificar a atitude persecutória porquanto atribui à necessidade de acompanhar a educação a filha, legitimando desta forma as tentativas de aproximação e de controlo.
Com efeito, ao que nos foi possível apurar, perduram no arguido sentimentos de abandono e de rejeição suscitados pela rutura conjugal.
[ ... ]
No contexto vivencial atual de J.G.S. evidencia-se o agravamento da situação ocupacional e económica porquanto se encontra formalmente desempregado desde novembro do ano transato, auferindo o subsídio de desemprego no valor de €658,00. A fim de aumentar o rendimento disponível, o arguido efetua pontualmente biscates na construção civil. Acresce o facto de pontual beneficiar de ajuda pecuniária prestada por familiares.
No entanto releva-se a atitude investida direcionada a consolidação da integração laboral, perspetivando a médio prazo a celebração de vínculo contratual numa empresa inserida na área mencionada, detida pelo irmão.
Menciona-se ainda que o arguido, no âmbito da regulação das responsabilidades parentais estipuladas, não tem procedido ao pagamento da pensão de alimentos à sua filha (€358,00), atendendo à sua situação económica e profissional deficitária (excetuando um pagamento de €100,00 em maio do corrente ano).
Não obstante, J.G.S. mantém uma relação de proximidade com a menor evidenciando a existência de fortes laços de afetividade, os quais menciona vivenciar de forma gratificante. Com a descendente despende tempo útil em fins de semana alternados e outros dias da semana quando oportuno. Refira-se que esta manutenção de vínculos de proximidade é incentivada pela ofendida porquanto mantém intenção de não privar a filha do contacto regular com o respetivo progenitor. Os seus tempos livres são predominantemente ocupados com a filha e numa base regular com o seu irmão mais velho.
Em termos afetivo-relacionais, o arguido encetou recentemente uma relação de namoro perante a qual assume uma postura algo distanciada alegadamente suscitada pela fase prematura em que a mesma se encontra.
J.G.S. evidencia uma postura de desvalorização face aos hábitos de consumo de álcool, o qual assevera efetuar de modo moderado, minimizando a repercussão eventual de tal prática aditiva na sua autogestão emocional e controlo dos impulsos. No entanto, de acordo com a ofendida, o consumo abusivo de álcool terá ocasionalmente espoletado atitudes pautadas pela agressividade e disrupção.
O arguido aparenta de ter falhas na capacidade de regeneração, bem como baixo limiar de tolerância à frustração tanto.
[ ... ]
De acordo com a técnica que assegura o acompanhamento [no processo 1393/14.8PTLSB], este [o ora arguido] tem comparecido aos atendimentos de forma assídua e exibe uma atitude colaborante e cordata para com estes serviços. No entanto, ainda que se encontre integrado no programa para agressores de violência doméstica atualmente na primeira fase de estabilização e motivação para a mudança, parecem inferir-se constrangimentos ao nível da transferência das eventuais competências adquiridas para uma efetiva alteração comportamental, se atendermos ao facto de o processo atual ter surgido no decurso da execução de uma medida judicial [ ... ]
Quanto ao eventual ao impacto da atual situação jurídico-penal, J.G.S.denota ainda sentimentos de tristeza e vulnerabilidade psicológica causados pelo afastamento da ofendida.
Face à matéria de que está acusado, o arguido revela défices de autocrítica quanto às circunstâncias que lhe são imputadas. Com efeito, adota um discurso de negação extrema das alegadas agressões físicas e verbais, suscitando-nos dúvidas quanto à valorização do bem jurídico e de reconhecimento do dano causado. Este quadro de desorganização pessoal pautado por ideação paranoide, com presença de distorções cognitivas, parece toldar-lhe a capacidade de autocrítica, levando-nos a considerar a possibilidade de existir uma correlação entre o seu estado emocional e a adoção de comportamentos agressivos.
[ ... ]
No seu enquadramento de vida atual identificam-se como preditores negativos a situação de desemprego formal, o registo de condenação anterior, o facto de o presente processo ter surgido no decurso do cumprimento de uma medida judicial pelo mesmo tipo de crime contra a mesma ofendida, o consumo do regular de bebidas alcoólicas, o défice assinalado de controlo dos impulsos, a desvalorização do bem jurídico em apreço e a atitude de minimização e de negação perante a matéria acusatória.
Destacamos enquanto eventuais agentes de proteção e prevenção criminal a motivação demonstrada quanto à manutenção de uma atividade laboral como instrumento de estruturação do seu quotidiano, existência de um novo relacionamento amoroso e o apoio familiar de que dispõe por parte do seu irmão mais velho.
[ ... ]
No âmbito da execução do plano individual de readaptação social do processo n.º 1393/14.8PTLSB, a DGRSP reportou, em 12-10-2016, a seguinte anomalia:
J.G.S. foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de três anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova.
A sentença transitou em julgado a 10 de janeiro de 2016 e o termo da pena está previsto para 10 de janeiro de 2019.
Em contacto telefónico com o condenado a 12 de setembro de 2016 e posterior entrevista realizada em 22 de setembro de 2016, o próprio condenado fez referência a situações de alegados conflitos com a ofendida e que esta teria apresentado queixa junto da Polícia de Segurança Pública.
J.G.S. contextualizou estes conflitos, referindo que na sua génese esteve a sua convicção de que a ofendida teria iniciado uma relação afetiva com um indivíduo que descreveu de forma negativa, nomeadamente como cadastrado, argumentando que tal poderia pôr em risco a segurança da filha.
Contactámos a ofendida G.C.B. a qual confirmou as situações de tensão e alegadas injúrias e ameaças, tendo um dos incidentes ocorrido à frente do seu local de trabalho com intervenção das forças policiais. Verbalizou ter apresentado queixa contra J.G.S. mostrando-se desgastada com o alegado controlo que o mesmo continuará a tentar exercer sobre si, o seu modo de vida e relações interpessoais. A situação da filha menor está novamente a ser acompanhada pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens.
[ ... ]
Em sede de entrevistas, J.G.S. evidencia uma atenção relativamente constante no que concerne a atitudes e comportamentos da ex-companheira, geralmente com o argumento de que pretende proteger a filha que têm em comum ou que não estão a ser tidos em conta os seus direitos enquanto progenitor. Tem sido alertado por estes serviços de reinserção no sentido de interiorizar a situação de separação, para empenhar-se na pacificação estabilidade relacional com a ofendida a nível geral e sobretudo no âmbito das responsabilidades parentais de ambos, e para a sua situação-jurídico penal.
[ ... ]
A nível da obrigação imposta em sentença de frequência do programa para agressores de violência doméstica, J.G.S.  já se encontra integrado no mesmo estando na primeira fase de estabilização e motivação para a mudança.
Quanto à indenização fixada, o condenado terá tentado entrar em acordo com a ofendida através dos Advogados no sentido de efetuar o pagamento faseado da quantia determinada. Contudo, as partes ainda não terão acordado o valor das prestações mensais, pelo que ainda não foi iniciado o pagamento da indemnização.
Relativamente ao acompanhamento efetuado por esta equipa o condenado tem comparecido de forma assídua às entrevistas marcadas, exibe uma atitude colaborante, tendo sido o próprio a informar-nos da existência duma nova queixa-crime. No entanto, continua a assumir urna postura desresponsabilizante e de fraca interiorização do desvalor das condutas que determinaram a sua condenação nos presentes autos.
O arguido averba a condenação supracitada pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.°, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código Penal.
Não tem outros antecedentes criminais registados.

2. FACTOS NÃO PROVADOS
2.1. Da acusação e do pedido de indemnização civil
Nenhuns.
2.2. Da contestação (sem prejuízo do enunciado em 1.2.)
Durante as férias de Verão de 2016 o arguido instou a assistente sobre o paradeiro da filha de ambos porque a menor era sistematicamente entregue para passar a noite em casa de estranhos, enquanto a mãe permanecia fora de casa.
Por não concordar com este comportamento da assistente o arguido dirigiu-se, por diversas vezes, a casa dos pais daquela somente porque tentava falar com a filha ao final do dia/noite pelo telemóvel e esta não atendia.
As ligações para o telemóvel da assistente ocorreram unicamente porque não conseguia falar com a filha e discordava de que esta permanecesse fora de casa, em casa de estranhos, no período em que se encontrava à guarda da mãe.
A intenção do arguido era apenas a de obter informações sobre o paradeiro da filha e a identidade das pessoas a quem a assistente a confiara durante vários períodos noturnos.
Como não obtinha resposta da assistente, deslocava-se às imediações do estabelecimento identificado.
Foi o que sucedeu no dia 05-09-2016, em que se limitou a permanecer fora do café e a esperar que a filha viesse ao seu encontro.
2.3. De novo, apenas se abordam os factos - não as formulações conclusivas nem as descrições de meios de prova - relevantes para a decisão da causa, sem prejuízo do consignado em 1.

3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Na decisão da matéria de facto assume capital importância a regra geral contida no artigo 127.° do Código de Processo Penal, de acordo com a qual «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente». Na apreciação da prova o tribunal é livre de formar a sua convicção desde que essa apreciação não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. De facto, a livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Sendo a liberdade de apreciação da prova, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir idealmente a verdade material, que tem de ser compatibilizado com as garantias de defesa com consagração constitucional- impõe a lei (cf. n.º 2 do artigo 374.° do Código de Processo Penal) um dever de fundamentação alargado, exigindo que o julgador desvende o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção (indicando os meios de prova em que a fez assentar e esclarecendo as razões pelas quais lhes conferiu relevância), não só para que a decisão se possa impor a outrem, mas também para permitir o controlo da sua correção pelas instâncias de recurso.
A prova que fundamenta a convicção do tribunal limita-se, única e exclusivamente, àquela que é produzida ou examinada em audiência de julgamento.
Por fim, na apreciação dessa prova, a enunciação dos motivos da decisão de facto não consiste na descrição do teor dela (a qual, aliás, se mostra registada). O tribunal deve, isso sim, proceder à exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito fundamentadores da decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção. A enunciação dos motivos da decisão de facto não consiste, em princípio, na descrição mais ou menos exaustiva do teor da prova produzida. Com efeito, quanto à exposição de motivos que fundamentaram a decisão, importa ter presente que a motivação da decisão de facto, seja qual for a orientação que se lhe dê, não pode ser um substituto do princípio da oralidade e da imediação no que tange à atividade de produção da prova, transformando-a em documentação da oralidade da audiência, nem se propõe refletir nela exaustivamente todos os fatores probatórios, argumentos, intuições, etc., que fundamentam a convicção do resultado probatório; a Lei não exige, outrossim, que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se deu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível; nem, por último, obriga o tribunal a fazer qualquer extrato das declarações ou dos depoimentos prestados em audiência ou o seu resumo: basta-se com o necessário para permitir avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Tudo isto sem prejuízo de o tribunal, por vezes, fazer um enunciado mais ou menos extenso do conteúdo dos contributos probatórios ou de um ou outro aspeto dos mesmos, desde que se revele conveniente e adequado à exigência legal de motivação da decisão - como sucederá seguidamente, aliás.
Isto posto, nos presentes autos, a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou da análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, analisada de forma crítica e com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do artigo 127.° do Código de Processo Penal, conforme de seguida explanado.

Em primeiro lugar, a factualidade provada foi confirmada pela assistente cujas declarações se mostraram naturalmente sinceras e espontâneas e se pautaram ela coerência, clareza e assertividade; apenas na localização cronológica de alguns factos a assistente foi menos precisa, o que bem pode levar-se à conta do elevado número e da sucessão temporal dos eventos, semelhantes entre si. Não se detetou, apesar natureza do crime de que é a vítima, qualquer viés ou intenção de prejudicar injustamente o arguido, antes se esforçou a assistente por relatar os facto co objetividade e exatidão, sendo percetível, isso sim, a saturação e o desgaste que toda esta situação lhe vem causando (com evidente prejuízo para a sua vida pessoal e profissional).

Em segundo lugar, no mesmo sentido depôs a testemunha ARF, amiga da assistente, coonestando as declarações desta. Segundo referiu, no verão de 2016 (em que esteve desempregada) frequentava assiduamente o café explorado da assistente - com quem veio a forjar uma relação de amizade - quer de manhã quer de tarde. Por isso que diversas vezes presenciou o arguido a circular de carro e a olhar deliberadamente para o interior do café; como também assistiu a várias situações em que o arguido se apeava e, abeirando-se da entrada do estabelecimento, insultava a assistente e a ameaçava de morte; como, enfim, o viu escondido atrás de um arbusto, nas proximidades, no intuito de controlar os movimentos e a identidade dos interlocutores da assistente. Além disso, pôde escutar alguns dos telefonemas feitos pelo arguido, graças ao sistema de alta voz acionado, na sua presença, pela assistente, recordando-se, por exemplo das seguintes expressões proferidas: «deixas a miúda [querendo aludir à filha comum, B. ] por aqui e por acolá, andas com um traficante, vou-te matar, és uma puta, vaca». Por último, testemunhou um incidente à porta da residência da assistente no decurso do qual o arguido, ao mesmo tempo que afastava a filha com empurrões, repetia para aquela as frases «do costume» [sic], i.e., «puta, vaca, andas com um traficante, vou-te matar, não ficas com a minha filha». Em resultado de tudo isto, quer dizer, das constantes investidas do arguido, a assistente ficou como que asfixiada, bloqueada, começava a chorar, sentia medo e opressão, bem como preocupação e tristeza pelo que a filha tinha de suportar. Formalmente, este depoimento testemunhal evidenciou-se espontâneo, direto, objetivo, coerente e assertivo, merecendo irrestrita credibilidade.

Em terceiro lugar, os restantes depoimentos testemunhais, pese embora mais circunscritos quanto ao seu objeto, nem por isso deixaram de ser relevantes. Assim:

A testemunha RM, vendedor, encontrava-se junto ao café da assistente ­de quem é fornecedor - em finais do mês de agosto ou inícios do mês de setembro de 2016, quando se apercebeu de um indivíduo a transitar de carro, vociferando insultos como «és uma puta» (nesta altura não se apercebeu imediatamente a quem se dirigiria); ato contínuo, constatou ter a assistente chamado a Polícia, cujos agentes vieram a impedir o arguido - que, entretanto, se apeara de entrar no estabelecimento; teve a perceção de que o arguido estava muito agitado, nervoso e alterado, não descartando mesmo a hipótese de poder estar alcoolizado.

A testemunha GS labora no café explorado pela assistente há cerca de quatro anos, conhecendo o arguido apenas de vista. Esteve presente num dia do início do mês de setembro de 2016, que se iniciara com os já habituais telefonemas incessantes do arguido - «o telefone não parava de tocar» [sic]; decorridos uns instantes, verificou que o arguido passava em frente ao café a conduzir uma viatura, a apitar e, depois de percorrer a rua em ambos os sentidos naqueles preparos, apeou-se, aproximou-se da porta do estabelecimento e gritou para a assistente «que ela o traía, que ela andava com um traficante» (não recordou doutras palavras porventura proferidas pelo arguido, mormente insultos); ouviu injúrias, isso sim, nas ocasiões em que a assistente punha o seu telemóvel em alta voz, chamando-a o arguido de «puta, vaca», dizendo-lhe «que ela nunca tinha sido mulher [para ele]»; elucidou, ainda, que o arguido ligava constantemente para o telefone fixo do café quando a filha de ambos, B. , estava com a mãe ou ficava com o avô materno, neste último caso inquirindo persistentemente a razão pela qual a assistente não a trouxera com ela, porque tinha a filha ficado em casa, etc. Em suma, asseverou, todas estas peripécias provocaram permanente stresse e ansiedade à assistente, muitas vezes logo a partir da manhã, perturbando o seu bem-estar e o seu dia-a-dia.

A testemunha LFO, primo direito da assistente, teve a oportunidade - segundo relatou - de receber pessoalmente telefonemas do arguido, nos quais este discorria grosso modo «que as mulheres eram todas umas vacas e umas putas, a prima [a ora assistente] também o era e tinha destruído a vida dele, que tinha descoberto o homem com quem a G.C.B.  andava, um tal de “careca”, etc.; mais temor lhe causou certa conversa telefónica em que o arguido, porventura embriagado, garantiu ir destruir a vida da assistente, tal como esta tinha destruído a dele; devido a este ambiente criado pelo arguido, acrescentou a assistente, pessoa normalmente alegre e bem-disposta, passou a andar mais «presa», «metida com ela» e «refugiada no trabalho» [sic].

Os depoimentos destas testemunhas (presenciais) revelaram-se merecedores de credibilidade em razão da sua congruência, coerência (interna e externa), objetividade e assertividade.

Em quarto e último lugar, a convicção sobre a matéria factual provada assentou na seguinte prova documental, toda ela examinada em audiência de julgamento:
-Certidão do processo n.º 1393/14.8PTLSB de fls. 11ss;
-Relatório social de fls. 305ss;
-Certidão do processo de regulação das responsabilidades parentais n.º 11664/15.0T8LSB de fls. 393ss;             
-Plano individual de reinserção social e relatório de anomalias (processo n,º 1493/14.8PTLSB) de fls. 382ss; e
-Certificado de registo criminal junto aos autos.

A ficha RVD-2L não foi valorada pois assenta exclusivamente nas declarações da vítima, ora assistente, junto da autoridade policial.
Do que fica exposto segue-se que a versão sustentada pelo arguido mostrou digna de crédito - e com isto se passa à fundamentação dos factos não provados. Sinteticamente, o arguido admitiu os numerosos telefonemas, as idas a casa dos pais da assistente, as passagens pelo café, etc., sempre, segundo sustentou, só e apenas no intuito de saber da filha do casal, visto que nem esta nem a assistente lhe atendiam os telefonemas ou davam as explicações desejadas; em traços largos apresentou, portanto, a versão narrada na contestação.

Ora, por um lado, tal versão não obteve apoio em nenhum outro meio de prova.

Com efeito, os depoimentos das testemunhas de defesa foram praticamente irrelevantes a este propósito. Por exemplo, o depoimento da testemunha LC , o mais aproveitável, por assim dizer, incidiu sobre o facto de, em agosto de 2016, se encontrar a trabalhar com o arguido na construção de uma moradia, por conta do irmão deste, iniciando-se os trabalhos, por via de regra, pelas 07h00, «sete e pouco» [sic]; segundo se recorda, aditou, na primeira semana (dos trabalhos, presume-se que a primeira semana do citado mês) a filha do arguido teria estado com a mãe e na segunda semana passou a ficar com o arguido, que a foi pôr «à terra», posto o que, no fim desta segunda semana, a foi buscar e seguidamente «a pôs numa ama» - isto de acordo com o que lhe descreveu o próprio arguido, pois não possui qualquer conhecimento direto destes factos; também lhe relatou o arguido não conseguir falar com a filha porque a mãe, sua ex-companheira, não a deixava; já o que sabe por ter visto com os próprios olhos é que o arguido falava com a mulher ou com a filha ao telefone e depois ficava «chateado», desconhecendo, porém, o teor das conversas entre eles. A testemunha MBC, colega de trabalho e amigo do arguido há cerca de 17 anos, além do sobreponível ao anterior depoimento (relativamente à obra, horários de entrada, à ida à terra, etc.), acrescentou que o arguido se queixava de dificuldades em falar com a filha e, em relação à ex-companheira, de que esta «só lhe queria estragar a vida». Finalmente, o depoimento LCM, amigo e colega de trabalho do arguido, coincidiu com os das anteriores testemunhas.

Em conclusão, os depoimentos destas testemunhas que, no essencial, também se revelaram sinceros e bem-intencionados, mostraram-se inidóneos à confirmação da versão sustentada pelo arguido.

Por outro lado, como decorre da síntese efetuada, revelaram-se ineficazes quanto à infirmação da prova realizada em abono dos factos acusatórios (cf. supra). Em particular, em nada puseram em crise quer as declarações da assistente quer os depoimentos das testemunhas, cuja credibilidade permaneceu indemne.
***

O recurso é restrito à matéria de Direito, cingindo-se à apreciação da questão de Direito suscitada pela recorrente.
Sem prejuízo, compete a este Tribunal verificar oficiosamente da existência de qualquer dos vícios indicados no artigo 410º nºs 2 e 3 do CPP.
Da análise de todo o teor da Sentença, constata-se que, considerada por si só ou com as regras da experiência comum, aquela não contém qualquer dos vícios do artigo 410º nº2, ou nulidade que não deva considerar-se sanada - nº3 do mesmo dispositivo.
***

Não obstante as Conclusões apresentadas pelo recorrente desrespeitarem notória e ostensivamente o disposto na parte final do nº1 do artigo 412º do CPP, este Tribunal entendeu dever apreciar e decidir o presente recurso, por, tendo em atenção a natureza urgente dos Autos, ser adequado às finalidades da administração da Justiça não convidar o recorrente a proceder ao seu aperfeiçoamento, tanto mais que do seu teor resulta claro quais sejam as suas razões de discordância em relação à decisão recorrida.
O objeto do presente recurso reporta-se à medida e natureza da pena de prisão aplicada ao recorrente.

a)
Este insurge-se contra aquela por entender que a mesma é “manifestamente desproporcionada”, alegando que, na sua determinação, o Tribunal “a quo” não teria tido em consideração nem uma invocada “confissão da prática dos factos”, e um, ora manifestado, “arrependimento e vontade manifestada em reparar a suas atitudes e tomar um novo rumo de vida”, bem como ter procedido a “uma interpretação redutora dos relatórios de avaliação elaborados pela DGRSP” e, consequentemente, não ter tido em devida conta as condições pessoais e sociais do recorrente que lhe “parecem toldar a sua capacidade de autocrítica”.

O crime praticado pelo recorrente é punido, nos termos do disposto no artigo 152º nº 1 al. b) e 2 do Código Penal, com uma pena de prisão de 2 a 5 anos.

A disciplina da determinação da medida da pena encontra-se condensada no artigo 71º do C. Penal, que, estabelecendo os critérios e parâmetros à qual aquela deve obedecer, estipula que a medida concreta da pena deve ser fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele.

A Jurisprudência do S.T.J. ensina que: “(…)o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
(…)

Para avaliar da medida da pena há que indagar, no caso concreto, factores que se prendam com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.

Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau de ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.

Para a medida da pena e da culpa, o legislador considera como relevantes os sentimentos manifestados na preparação do crime, os fins ou motivos que o determinaram, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, as circunstâncias de motivação interna e os estímulos externos.

No que tange ao agente, o legislador manda atender às condições pessoais do mesmo, à sua condição económica, à gravidade da falta de preparação para manter uma conduta ilícita e a consideração do comportamento anterior ao crime.”(1)

Da análise detalhada da Sentença recorrida constata-se que esta ponderou de forma atenta e pertinente todas as circunstâncias atendíveis, designadamente o grau de intensidade do dolo, a ilicitude dos factos, as muito fortes exigências de prevenção geral e as muito elevadas e prementes exigências de prevenção especial, como se alcança do seguinte extrato: “ (…) salientar-se-á que o modo de execução dos factos e as suas consequências lesivas não revestem, em termos relativos, especial gravidade, sem menosprezo, obviamente, das consequências de vária ordem sofridas pela vítima, ora assistente, sobretudo ao nível da sua paz e sossego. O dolo do arguido é direto e intenso, admitindo-se nalguns eventos uma certa perturbação emocional em virtude dos sentimentos de abandono e rejeição (cf. relatório social), por seu turno dando origem a um comportamento de matriz obsessiva. Em todo o caso, as condutas do arguido foram reiteradas, ocorriam a diversas horas do dia, perturbaram não só a assistente como a filha comum do casal, B. , os pais da assistente e, inclusive, outros familiares; algumas delas verificaram-se em plena via pública, propiciando a assistência de transeuntes e vizinhos, acentuado o vexame e a vergonha sentidos pela assistente.

A justificação de que tudo se teria ficado a dever à legítima preocupação com o bem-estar da filha não colhe. Não só alguns dos comportamentos são claramente alheios a tal preocupação (v.g., insultos, ameaças), como mesmo naqueles em que se pode aceitar a existência dessa motivação - em todo o caso, nunca a única - a conduta do arguido excedeu largamente o admissível, com manifesto desprezo pelo equilíbrio emocional e vivencial não só da assistente, como também da própria filha do casal, em cuja presença ocorreram pelo menos alguns dos episódios. Por conseguinte, tal preocupação, sem dúvida compreensível, foi instrumentalizada como pretexto para controlar o dia-a-dia da assistente.

Agrava de forma significativa a responsabilidade do arguido, em todas as frentes, i.e., culpa, prevenção geral e prevenção especial, a circunstância de ter atuado escasso meses após uma condenação em pena de prisão suspensa na sua execução, pela prática de idêntico crime, cometido em relação à mesma vítima, existindo mesmo coincidência entre alguns dos modos de ação típica. Mostrou, pois, o arguido indiferença em relação à censura penal, incapacidade de contrição e de avaliação do torto das suas condutas, bem como insensibilidade ao bem jurídico tutelado pelo preceito incriminador e, em geral, aos fundamentos axiológicos da ilicitude penal.”

Não merecem acolhimento, assim, os argumentos expendidos pelo recorrente, de acordo com os quais a Sentença recorrida não teria tido em devida atenção as suas condições pessoais, máxime as invocadas perturbações emocionais que condicionariam a sua conduta, e como tal teria violado as normas legais atinentes à determinação da medida da pena.

A este propósito cabe referir, não apenas que as mencionadas perturbações emocionais do recorrente não foram objeto de qualquer perícia, e como tal vinculando o Tribunal ao Juízo emitido sobre as mesmas, nos termos do artigo 163º do CPP, mas antes se encontram apenas descritas em Relatórios psico-sociais da responsabilidade da DGRSP, constituindo, portanto, mera prova documental sujeita à livre apreciação do Tribunal, nos termos do artigo 127º do CPP, como também da sua ocorrência se não pode extrair, de modo algum, a conclusão de que as ditas perturbações constituiriam fundamento para a aplicação da norma contida no nº2 do artigo 17º do C.Penal.

Na verdade, quer a circunstância de o recorrente ser autor dos factos dos Autos depois de uma condenação penal pela prática de factos idênticos contra a mesma vítima, durante o período de suspensão da execução da pena então aplicada e enquanto frequentava um programa de recuperação para agressores em situações de violência doméstica, quer o invocado embotamento da sua consciência social lhe não permitir realizar devidamente a ilicitude dos seus atos, não permite sustentar poder ser atenuada a pena que lhe deve ser aplicada.

Pois que a repetição duma conduta já judicialmente censurada e penalizada, frisa-se, durante o período de suspensão da execução da pena então aplicada e enquanto frequentava um programa de recuperação para agressores em situações de violência doméstica demonstra à saciedade inexistir qualquer falta de consciência da ilicitude, como também, na mera hipótese académica da suposição da sua existência, e sendo-lhe censurável tal falta, a atenuação da pena estaria sempre afastada por a conduta atentar contra valores fundamentais da ética social, constitucionalmente consagrados e protegidos pelo Direito Internacional.

Neste sentido, veja-se o que indica Paulo Pinto de Albuquerque, no seu “Comentário ao Código Penal” (2)“A lei prevê a atenuação especial facultativa da pena no caso de falta de consciência da ilicitude censurável. Desta faculdade estão excluídos os casos de hostilidade ao direito, em que o agente se pauta por valores radicalmente contrários aos valores constitutivos da ordem jurídica constitucional. Por exemplo, quando o desprezo por pessoas de certa raça é razão para o agente considerar que não tem o dever de auxílio de uma pessoa dessa raça, a falta de consciência da ilicitude (censurável) do agente não pode ser premiada com a atenuação da pena.”

“In casu” a conduta violenta do recorrente, ocorrida num contexto intra-familiar e dirigida contra a ex-companheira e mãe da sua filha, “com a intenção de molestar psicologicamente a assistente e de a perturbar nos seus sentimentos de liberdade e segurança (...) pretendia intimidá-la, como efetivamente sucedeu. (…) com o propósito de causar medo e receio na assistente até pela sua própria vida.” Provocando que a assistente se tenha sentido ” publicamente humilhada e perturbada, receando pela sua vida e pelo seu bem-estar, físico e psicológico. Sentimentos e emoções que perduram até ao presente.”, atentou gravemente contra o valor da dignidade da pessoa humana e da proibição de inflição de tratos cruéis e degradantes, consagrados nos artigos 1º e 25º da C.R.P., e que violou de forma séria e profunda os valores protegidos pelos artigos 1º , 4º e 12º da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, vulgo Convenção de Istambul.
Valores estes, cuja invocada indiferença pelo Arguido não pode ser recompensada, atenta a sua relevância na ordem jurídica nacional e internacional.

E, acrescente-se, ainda, valores e condutas cuja violação têm sido objeto de amplas e sucessivas campanhas de opinião pública no sentido da reprovação social desta forma de criminalidade violenta, sendo facto público e notório o empenhamento do Estado na sua prevenção e punição.

Nesta conformidade, considera-se que a sentença recorrida ao fixar ao recorrente uma pena cuja medida concreta quase se não afasta do seu limite mínimo não pode sofrer as críticas e objeções que o recorrente lhe dirige, antes se mostra como justa e adequada aos fins por ela visados.

Pelo que se conclui pela improcedência do alegado pelo recorrente.

b)
O recorrente sustenta, ainda, que a pena aplicada - 2 anos e 6 meses de prisão - deve ser substituída por uma pena de suspensão da execução da pena, acompanhada “das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas”.

Cabe recordar que, como ensina o Prof. Figueiredo Dias (3) “ A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos - «metanoia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».

Como se sabe, a aplicação desta pena de substituição está dependente da verificação simultânea de dois pressupostos: sendo um de natureza formal – que a pena de prisão já fixada não seja superior a 5 anos – e outro de natureza material, que se traduz na comprovação de factos relativos à personalidade do agente e às circunstâncias dos ilícitos em causa que possam fundar um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura do agente.

Ora, verificando-se nos Autos o já referido pressuposto formal, a questão em apreço é a de saber se da matéria fáctica dada por assente se pode ou não extrair um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura do recorrente.

A Sentença recorrida funda a sua opção por uma pena detentiva na circunstância de os factos dados como assentes não permitirem fundar o juízo de prognose legalmente exigível: “(…) Do ponto de vista preventivo-especial não o permitem pois deles decorre que a simples ameaça do cumprimento de uma pena de . prisão não se mostrou suficientemente dissuasória da prática de idêntico crime. Talvez - como muitas vezes sucede - o arguido tenha interpretado tal condenação como uma espécie de absolvição,' indiretamente legitimadora do seu comportamento. Nada permite concluir que o arguido tenha refletido e interiorizado a valia do bem jurídico-penal tutelado e do torto da sua conduta. Isso mesmo expressam os relatórios elaborados pela DGRSP (como supra se constatou) e não é desmentido pela postura do arguido em audiência de julgamento - sem embargo de não poder ser prejudicado pela posição que assumiu. A aplicação de uma nova pena suspensa significaria uma espécie de branqueamento do comportamento do arguido e de autorização para continuar no mesmo registo.

As exigências de prevenção geral apontam no mesmo sentido.

No que concerne à prevenção geral, ela assume aqui o preciso sentido que lhe foi dado aquando da abordagem do problema da determinação da medida da pena: prevenção geral positiva ou de integração e não prevenção geral negativa ou de intimidação. A pena deverá ser indispensável para que não se ponha em causa a crença da comunidade na validade de uma norma, os sentimentos de segurança e de confiança dos cidadãos nas instituições; em suma, há de ser adequada a obter o desiderato de defesa da Ordem Jurídica.

Nesta perspetiva, a violação do ordenamento jurídico-penal é de tal modo gravosa que o sentimento jurídico comunitário veria a aplicação de uma outra pena que não a pena de prisão como um sinal de descrédito, insegurança e de desvalorização do bem jurídico.”

Esse entendimento, que se perfilha e subscreve, é aliás, o unanimemente adotado pela Jurisprudência. Por todos, veja-se o Ac. do STJ de 04.01.2017 (4): “(…) Para aplicação da suspensão da execução da pena é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.

Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos. Certo é que o juízo de prognose sobre o comportamento futuro do condenado deve ter em consideração, como a letra da lei impõe, a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste.”

Ora, dos factos dados como assentes atinentes às condições pessoais e sociais do recorrente, à sua personalidade e ao seu previsível comportamento futuro, tendo em atenção que uma anterior pena de substituição não foi suficiente para o afastar da criminalidade violenta, conclui-se não estarem preenchidos os pressupostos fácticos em que possa assentar qualquer juízo favorável de prognose.

Pelo que se conclui pela improcedência do alegado pelo recorrente.

VII
Termos em que se acorda em, não concedendo provimento ao recurso, confirmar integralmente a Sentença recorrida.        
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal



Feito em Lisboa, neste Tribunal da Relação aos 21 de fevereiro de 2018




(Maria Teresa Féria de Almeida) - Relatora
(Vasco Pinhão Freitas) - Adjunto




__________________________
(1)Ac. STJ 30.11.2016 – Proc. nº444/15.3JAPRT.G1S1 - Rel. Pires da Graça - www.dgsi.pt
(2)3ª ed. UCE pag.170
(3)In As Consequências Jurídicas do Crime - Coimbra Ed. 2005 pag. 343
(4)Proc. nº318/15.8.8JELSB - Rel. Oliveira Mendes - www.dgsi.pt